Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
178/14.6TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANOS CAUSADOS PELA CONSTRUÇÃO DA OBRA
OBRIGAÇÕES PROPTER REM
Nº do Documento: RP20220713178/14.6TJPRT.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Perante uma alteração da cota do terreno com direta influência sobre as cargas exercidas no muro de meação e de forma significativa, o homem normal colocado nas circunstâncias concretas da 1ª R. teria previsto a possibilidade de perigo, nomeadamente ao nível de infiltrações para o prédio vizinho que tem uma parede do seu imóvel encostado a tal muro, e adequado a sua conduta perante tal hipótese, procedendo às necessárias averiguações para confirmar se era necessário executar trabalhos preventivos de impermeabilização e confirmado tal cenário adequado a sua conduta em conformidade.
II - Embora a responsabilidade por omissão que se enquadra na previsão legal contida no artigo 486º do CC se reporte à omissão de ato que deveria ser praticado por força da lei ou negócio jurídico, têm tanto a doutrina como a jurisprudência vindo a defender que este mesmo normativo consagra um dever jurídico de prevenção do perigo.
III - A aplicação do previsto no artigo 570º do CC implica que o ato do lesado tenha sido uma das causas do dano – em concorrência com o ato do responsável - o mesmo é dizer que entre tal ato e os danos, ou o agravamento dos mesmos tenha também ficado estabelecido o nexo causal tal como previsto no artigo 563º do CC.
De igual modo é necessário que haja culpa do lesado, exigindo-se “que o facto do prejudicado apresente características que o tornariam responsável, caso o dano tivesse atingido um terceiro”.
IV - A lei não define o conceito de obrigação propter rem, o qual tem vindo a ser desenhado pela doutrina.
Não obstante e no que às características essenciais desta obrigação concerne, existe consenso no sentido de a relacionar com a titularidade de um direito real, mormente o direito de propriedade, de tal modo que o sujeito passivo desta obrigação é definido pela titularidade de um concreto direito real.
V - A obrigação de indemnizar o vizinho decorrente de obras executadas num prédio, é um ato de natureza pessoal que vincula o autor das mesmas e não uma obrigação propter rem, como tal não acompanhando o prédio em caso da sua transmissão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 178/14.6TJPRT.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca de Porto – Jz. Local Cível do Porto
Apelantes (R/A) “E..., Lda.” e “C..., S.A.”
Apelados (R/A)/ “E..., Lda.” e “C..., S.A.” e outros

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
- “E..., Lda.” instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “C..., S.A.” e outros, peticionando pela sua procedência a condenação solidária dos RR.:
“a) a reconhecer à Autora o invocado direito de propriedade sobre o imóvel identificado no art.º 1 º desta P.I.;
b) a promover as obras necessárias à reposição integral do estado primitivo do prédio da Autora, corrigindo todos os estragos nele causados, quer os que são visíveis a olho nu, quer também os que se encontrem na sua estrutura ou, em alternativa, pagar à Autora o valor de € 7.150,13 (sete mil, cento e cinquenta Euros e treze Cêntimos), correspondente ao valor das reparações necessárias devidamente orçamentadas no documento 8 deste articulado;
c) a promover as obras necessárias a evitar as continuas e atuais infiltrações no imóvel da Autora, devendo os RR. implementar as medidas corretivas e procedimentos técnicos constantes no relatório de peritagem do ... junto e enunciadas no art.º 46º desta P.I. – no valor orçamentado de € 6.480,00 (seis mil, quatrocentos e oitenta Euros), documento 9;
d) a reparar as fissuras existentes no muro de alvenaria de granito pré-existente, na zona traseira do edifício da Autora (zona de recreio) e na zona de entrada do estabelecimento de ensino, provocadas pelas obras da construção das moradias dos RR. – valor que se calcula aproximadamente em € 750,00 (setecentos e cinquenta Euros);
e) a pagar à Autora o valor dos lucros cessantes referentes á perda das mensalidades dos alunos que não renovem as matriculas, assim como dos eventuais alunos que no futuro poderiam vir a matricular-se, como consequência dos danos causados pelos RR. e descritos nesta P.I. - valor a liquidar em execução de sentença, acrescido dos juros de mora calculados à taxa legal em vigor, nos termos do art.º 564º, n.º 1 e n.º 2 do C.C.;”
Para tanto e em suma, alegou:
- ser proprietária do prédio identificado em 1º da p.i. o qual utiliza na sua atividade educativa e escolar;
- serem os RR. os proprietários das frações do prédio constituído em propriedade horizontal e identificado em 3º a 12º da p.i.;
- Ter a 1ª R. iniciado as escavações e obras para construção do imóvel em questão e que era de sua propriedade em 2008/2009, tendo a A. detetado a partir de novembro de 2012 que escorria água pela parede do imóvel de sua propriedade que encosta ao muro de meação com os terrenos dos RR.. Igualmente verificando escorrências de outros pontos que identificou;
- Ainda antes da conclusão das obras a A. interpelou a 1ª R. para que reparasse as anomalias detetadas como consequência dos trabalhos levados a cabo pela 1ª R. e elencadas em relatório que solicitou, sem sucesso;
- As infiltrações sofridas no imóvel da A. como consequência das obras levadas a cabo pela 1ª R. causaram à A. prejuízos que identificou e por cuja indemnização pugna nestes autos;
- Indemnização pela qual mais alegou responderem solidariamente todos os RR. adquirentes das frações – “por vício de construção dos seus imóveis”, dos quais estão obrigados a conservar, respondendo pelos danos causados (vide 74º a 76º da p.i.).

Contestou a 1ª R. em suma negando qualquer responsabilidade nos problemas elencados pela autora.
Assim concluindo pela improcedência total da ação com a sua absolvição dos pedidos formulados pela autora.
Contestaram os 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º RR..
Excecionaram a sua ilegitimidade, pugnando pela sua absolvição da instância.
Para tanto alegando, entre o mais, ser apenas a 1ª R. a dona da obra. Pelo que e nunca tendo realizado nos terrenos quaisquer obras, nunca poderão ser demandados.
Mais impugnaram parcialmente a factualidade alegada e concluíram nenhuma responsabilidade lhes poder ser assacada, já que são totalmente alheios à realização das obras.
Termos em que concluíram dever-se:
“a) Julgar procedentes as invocadas exceções de ilegitimidade e consequentemente serem os Réus absolvidos da instância, tudo com as legais consequências.
b) Caso assim não se entenda, ser a ação julgada totalmente improcedente, por não provada e serem os Réus absolvidos, pelos fundamentos alegados, com as legais consequências.”
A A. apresentou desistência do pedido relativamente aos 4ºs RR. na pendência da ação.

Agendada audiência prévia, foi no decurso da mesma homologada a desistência do pedido apresentada, com a consequente declaração de extinção do “direito que se pretendia fazer valer nestes autos” a autora contra estes mesmos RR..
Proferido despacho saneador, foi julgada improcedente a arguida exceção de ilegitimidade dos RR..
Identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova, não foi apresentada reclamação.
Agendada audiência de discussão e julgamento, procedeu-se à sua realização, tendo após sido proferida sentença, decidindo-se a final julgar a “presente ação parcialmente procedente” e consequentemente:
a) condenar os réus a reconhecerem que a autora é proprietária dos imóveis sitos na Rua ..., ..., no Porto, descritos na CRP do Porto sob o n.º ... e sob o n.º ..., inscritos na matriz sob o artigo ... e sob o artigo ... respetivamente;
b) Condenar a 1.ª ré a repor a situação em que se encontrava o prédio da autora, procedendo às correções necessárias, vertidas na alínea I)’ dos factos provados; bem como proceder às reparações de pinturas e mármores, referidas nos pontos 3.2 e 3.3 da alínea U) dos factos provados;
c) Absolver os réus do demais peticionado.”
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Do assim decidido apelou a A., oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões:
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Apresentaram os 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º RR. contra alegações ao recurso da A., em suma tendo pugnado pela sua improcedência face ao bem decidido pelo tribunal a quo.
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Apelou também a 1ª R. do assim decidido, oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões:
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Apresentou a A. contra-alegações, pugnando em suma pela manutenção do decidido tanto em sede de decisão de facto, como de direito por não merecer censura.
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Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do(s) recurso(s).
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem questões a apreciar:
- Recurso da A.:
i- erro na aplicação do direito - em causa a absolvição dos 2º, 3º e 5º a 9º RR., por cuja condenação solidária com a 1ª R. a recorrente pugna.
E como questão prévia – nulidade da decisão por falta de fundamentação.
- Recurso da 1ª R.:
i) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Em causa: as als. “O), P), Z)), A’), B´), C’), F’), G’), M’), N’) e O’) dos factos julgados provados [vide conclusões 2, 3 e 15], bem como os nºs 10 a 13º e 16º dos factos julgados não provados [vide conclusão 3].
Neste âmbito sendo ainda apreciado se foram observados os ónus de impugnação e especificação quanto a todas as als. impugnadas; bem como da pertinência/ utilidade da impugnação deduzida para o mérito da questão.
ii- erro na aplicação do direito.
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III- Fundamentação
O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
2.1- Factos provados
A)- A Autora é proprietária dos imóveis sitos na Rua ..., ..., no Porto, descritos na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... e ... inscritos na matriz sob o art.º ... e ... (v. artigo 1.º da petição inicial).
B)- A Autora utiliza o imóvel referido na sua atividade educativa e escolar, acolhendo crianças desde os 3 meses de idade até ao 4º ano do ensino básico – designado como Externato ... (artigo 2.º da petição inicial).
C)- A parte lateral direita do estabelecimento de ensino da Autora (de frente para quem olha da Rua ...) faz divisa com um imóvel situado na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ..., no qual foram construídos os seguintes imóveis em regime de propriedade horizontal: - Fracção A; B; C; D; E; F; G; H; I; J; K; L; M (artigo 3.º da petição inicial).
D)- A 1ª Ré é proprietária das frações “A”, “B”, “D”, “F”, “I” (artigo 4.º da petição inicial).
E)- Os 2ºs RR. são proprietários da fração “C” (artigo 5.º da petição inicial).
F)- A 3ª Ré é proprietária da fração “E” (artigo 6.º da petição inicial).
G)- Os 5ºs RR. são proprietários da fração “H” (artigo 8.º da petição inicial).
H)- Os 6ºs. RR. são proprietários da fração “J” (artigo 9.º da petição inicial).
I)- Os 7ºs. RR. são proprietários da fração “K” (artigo 10.º da petição inicial).
J)- Os 8ºs. RR. são proprietários da fração “L” (artigo 11.º da petição inicial).
L)- A 9ª Ré é proprietária da fração “M” (artigo 12.º da petição inicial).
M)- As obras de construção do imóvel da Autora terminaram num período temporal entre os anos de 1996/1997 (artigo 13.º da petição inicial).
N)- A 1ª ré iniciou as escavações e obras para construção no imóvel da sua propriedade, descrito na conservatória sob o art.º ..., de ..., entre os anos de 2008 e 2009 (artigo 14.º da petição inicial).
O)- Pelo menos no início de 2013, a Autora começou a detetar que escorria água pela parede do imóvel que se encontra encostada ao muro de meação com os terrenos dos RR (artigo 15.º da petição inicial).
P)- A Autora verificou igualmente que escorria água pelas molduras da iluminação elétrica do teto do piso da cave do seu imóvel – com risco de acidente elétrico (artigo 16.º da petição inicial).
Q)- A autora enviou carta, registada com A/R, no dia 20 de fevereiro de 2013, para a interpelar a reparar as anomalias acima referidas, cujos termos, por brevidade, dou como reproduzidos (doc. 2 e 3 e artigo 19.º da petição inicial, fls. 37 e ss,).
R)- A Autora solicitou ao Eng.º AA, Diretor do NEC (Núcleo Estudos Construção) do ... (...), o Relatório de Inspeção Preliminar (datado de 18 de fevereiro de 2013) sobre as anomalias detetadas no seu imóvel (v. doc. 4 e artigo 22.º da petição inicial; fls. 44 e ss).
S)- No referido relatório preliminar foram detetadas as seguintes anomalias no interior do imóvel: a) no pavimento de mármore no rés-do-chão existe uma mancha acastanhada de humidade, frente ao armário de quadro elétrico do hall de entrada; b) no pavimento de mármore do corredor do rés-do-chão, a aproximadamente 20 m do limite da propriedade do “Externato” face à Rua ..., existe uma zona de cerca de 1 m2 em que há vestígios bastante nítidos de manchas de humidade que teria alastrado pelo pavimento; a) na cave, sob a zona de humidade referida na alínea anterior, existe uma fissura no teto, com vestígios também de mancha e de terem pingado algumas gotas de líquido; b) em ambas as zonas do rés-do-chão, detetou-se um notório mau cheiro a humidade e outros odores, provocada por águas com alguma contaminação (eventualmente águas infiltradas através de terra vegetal); c) fissuras evidentes no muro de meação em alvenaria de granito (artigo 23.º da petição inicial).
T)- A 1ª Ré solicitou ao Eng.º AA, Diretor do NEC do ..., um Relatório Técnico (datado de 30/09/2013) para avaliar as causas dos danos sofridos no imóvel da Autora e para indicar as medidas corretivas e procedimentos técnicos de execução - documentos 5, 6 e 7 (artigo 25.º da petição inicial, fls. 51 e ss).
U)- Este relatório técnico verificou as seguintes anomalias e estado do imóvel:
«3.1- Os revestimentos observados são em geral placagem de mármore Lioz nos pavimentos e lambrim de mármore e estuque pintado a branco, nas paredes e tetos; o seu estado de conservação é bom, não apresentando desgaste significativo, fissuras ou anomalias notórias;» (artigo 85.º da contestação);
«3.2 Existe no rés-do-chão, frente ao armário de quadro elétrico do hall de entrada, uma mancha acastanhada, de humidade, no pavimento de mármore (…);
3.3 Existe também, ao nível do pavimento de mármore do corredor do rés-do-chão, a aproximadamente 17 m do limite da propriedade do “Externato” face à Rua ..., existe uma zona (cerca de 1 m2) em que há vestígios bastante nítidos de manchas de humidade que teria alastrado pelo pavimento (…);
3.4 Na cave, no estuque do teto sob a zona do pavimento de rés-do-chão referida em 3.3, já não existe qualquer fissura ou mancha, ao contrário do que se passava em 18 de Fevereiro p.p, o que indicia que entretanto foi efetuada uma reparação (da qual só existem muito leves sinais); porém, no pavimento da cave estão ainda patentes na mármore, leves sinais de anteriores gotas caídas quando das infiltrações referidas em 3.3 (…); (artigos 26.º e 39.º da petição inicial, e artigo 85.º da contestação; doc. fls. 54).
V) «3.5 No teto do rés-do-chão não existem em geral manchas de humidade, apenas em certas zonas próximas da aresta com a parede de empena, se observa leve sombreado escurecido no branco da pintura (…) indiciando uma “zona, no inverno, mais fria do que a restante parede, dado a sua constituição predominantemente em betão; este tipo de áreas de envolvente, tendo condensações frequentes em compartimentos e climas com higrometria elevada (forte ocupação humana e ventilação deficiente), criam manifestações patológicas com fungos e bolores; os indícios mostram para que será o caso nestas zonas» (v. artigo 85.º da contestação e doc. de fls. 56);
X)- No relatório do NEC do ..., página 11, consta que: «Note-se, porém, (…) que o nível atual do logradouro se encontra cerca de 90 cm acima do nível do terreno original, de acordo com o qual o externato foi construído. Acresce que as sondagens recentes efetuadas (…) demonstram a existência entre a forra interna da parede de empena do “Externato” e o muro de alvenaria pré-existente, de uma caixa de ar de espessura significativa (cerca de 10 cm) e não drenada, onde se acumulam águas pluviais ao nível da laje de rés-do-chão do “Externato”. Esta prática construtiva é profundamente errada, pois um simples muro de vedação de propriedades, antigo de alvenaria de granito (não construído com exigências de impermeabilidade) nunca deve constituir elemento fundamental de impermeabilização de uma parede exterior de construção nova.”
«Acredita-se como possível que não tenham existido por aqui infiltrações no “externato” anteriores à obra nova da C... só pela razão de a empena ser orientada a Noroeste, portanto com pouca incidência de chuvas.» (artigo 41.º da contestação e doc. de fls. 58).
- «Porém a atual subida de nível do terreno dos logradouros privados das moradias, em cerca de 90 cm, permitindo pressões hidráulicas sobre a zona enterrada do muro de alvenaria de granito e consequentes infiltrações de águas pluviais (e também de rega do relvado) através dele, potenciou a entrada das ditas águas depositadas nos logradouros, para a caixa de ar pré-existente e desta, através das juntas da parede de forra interna de alvenaria de tijolo furado (…) para a camada de revestimento do pavimento do rés-do-chão do externato, alastrando nela. Pelas razões expostas, a parede interna da empena do rés-do-chão do “Externato” devia ser de betão (pelo menos nos primeiros 20 a 30 cm acima do pavimento) e a caixa de ar devia ter no fundo uma “meia cana”, tipo caleira em argamassa, impermeabilizada e drenada. Ora nada disso foi feito. Estamos, portanto, perante uma má prática construtiva inicial usada na obra do “Externato”, que com a subida do nível do terreno efetuada na atual obra da C..., sem cuidados prévios, veio provocar danos no edifício do Externato. Certo é que, na obra recente não se conheciam os descuidos técnicos da obra anterior do externato, mas também não foram pela C... tomados cuidados para evitar as suas consequências, no caso daqueles existirem. Nomeadamente não foi oportunamente efetuada a esclarecedora sondagem agora feita.» – vide Ponto 3.9 (artigo 86.º da contestação e doc. de fls. 63).
«3. 10 Apesar do exposto, a infiltração de águas terá sido relativamente reduzida na generalidade do ré-do-chão do Externato, mas não sendo tomadas as medidas corretivas a tendência será para aumentar. A razão da penetração de águas pluviais mais intensa e localizada no ponto 3.3. atribui-se à existência durante as obras do “C...” de uma vala destinada à passagem de cabos do quadro elétrico provisório de estaleiros – onde se terão acumulado águas das chuvas intensas do Inverno (artigos 27.º da petição inicial, e 85.º da contestação, doc. de fls. 63).
Z)- A 1.ª ré efetuou uma subida de nível do terreno dos logradouros privados das moradias em cerca de 90 cms, permitindo pressões hidráulicas sobre a zona enterrada do muro de alvenaria de granito (muro de meação dos dois terrenos) (artigo 28.º da petição inicial).
A)’- E consequentes infiltrações de águas pluviais (e também de rega do relvado) através dele (artigo 29.º da petição inicial).
B)’- O que potenciou a entrada das ditas águas depositadas nos logradouros, para a caixa-de-ar pré-existente e desta, através das juntas da parede de forra interna de alvenaria de tijolo furado para a camada de revestimento do pavimento do rés-do-chão do “Externato”, alastrando nela (artigo 30.º da petição inicial).
C)’- A 1ª Ré efetuou as escavações e obras para construção de um “condomínio fechado”, constituído por diversas moradias, sem que fosse tomada qualquer tutela para proteger o muro de alvenaria de granito pré-existente, que serve como muro de meação entre as duas propriedades (artigo 31.º da petição inicial).
D)’- A 1ª Ré não efetuou oportunamente uma sondagem para avaliar as condições construtivas do edifício e do muro de meação adjacentes e previamente existentes (artigo 32.º da petição inicial).
E)’- A 1ª ré efetuou uma subida de nível do terreno dos logradouros privados das moradias em cerca de 90 cms, junto ao muro pré-existente de meação dos dois imóveis (artigo 34.º da petição inicial).
F)’- Como consequência destes factos, o imóvel da autora sofreu infiltrações de águas através da sua parede encostada ao muro acima referido (artigo 35.º da petição inicial).
G)’- O valor para reparação dos danos provocados no interior do imóvel da autora será de € 7.150,13 (sete mil, cento e cinquenta Euros e treze Cêntimos), tendo como base o custo de materiais semelhantes, apresentados por empresa de construção (doc. 8, fls. 75 e ss e artigo 40.º da petição inicial).
H)’- O muro de meação pré-existente é de alvenaria de granito (artigo 41.º da petição inicial).
I)’- No referido relatório técnico do ... (documento 5) estão identificadas as seguintes medidas corretivas propostas e os procedimento técnicos a serem realizadas pelos RR.: «4.1 Como primeira operação, salienta-se a retirada da argamassa antiga das juntas do muro de alvenaria de granito, lavagem das mesmas com jato agua a alta pressão para retirada de elementos aderentes e após secagem parcial, novo refechamento das juntas com argamassa de características hidrófugas (pode ser incluído aditivo apropriado) a traço 1:2 ou 1 :3. No final deve ser efetuada pintura das novas argamassas de junta, com líquido impermeabilizante (incolor) de marca credenciada e certificada. Esta operação pode ser feita no início dos trabalhos ou no final, conforme for achado conveniente pela "C...". Verificou-se que em determinadas moradias esta operação já esta em curso e total ou parcialmente executada. 4.2 Abertura de vala com cerca de 1.1 m de profundidade, isto é sensivelmente 0.30 m abaixo da cota do rés-do-chão do edifício do "Externato"; destina-se a aplicar as medidas corretivas necessárias na área de muro de alvenaria abaixo da cota atual do logradouro ajardinado das moradias. 4.3 Após lavagem cuidada da face subterrânea do muro de alvenaria de granito voltada para o logradouro das moradias, com jato de água a alta pressão, para limpar todos os elementos soltos e terras aderentes, implementação de trabalhos idênticos aos referidos em 4.1., agora na zona subterrânea do muro. No entanto a pintura final aqui será com tinta betuminosa certificada, tipo "Igol P" da SIKA (em duas demãos) ou similar. Note-se que todos os produtos aplicados devem 59-10, nomeadamente no que respeita a secagem e intervalos de tempo entre camadas, de acordo com as instruções técnicas dos fabricantes. 4.4 Após secagem, aplicação na face referida no ponto anterior, de manta drenante de PVC pitonado e com geotêxtil acoplado; este deve cobrir toda a face externa da zona enterrada do muro de alvenaria de granito, ate cota cerca de 5 cm acima do nível do terreno no local. Deve existir um pequeno ressalto de argamassa, saliente 2 a 3 cm da face do muro, para remate superior da manta e atuação no sentido de as aguas escorridas da zona superior do muro ao longo deste, não se infiltrarem por trás da manta. 4.5 Na base do muro em causa e a cerca de 0.10 m externamente à manta drenante, deve ser aplicado geodreno de PVC anelado, envolvido a geotêxtil, com diâmetro mínimo de 90 mm e inclinação 1%. Este geodreno, deve ser envolvido em todo o seu contorno por brita, num raio mínimo de 0.10 m, sendo aquela (para evitar colmatação dos vazios pelos elementos fines do solo, que tornariam o sistema inoperacional) por sua vez envolvida completamente por geotêxtil de polipropileno de 200 g/m 4.6 Na zona da rampa de acesso de viaturas à cave, a partir da Rua ..., deve ser colocada uma camara de inspeção para limpezas periódicas do sistema, à qual afluirá a extremidade jusante do geodreno. Esta caixa, com dimensões mínimas em planta de 1.0 x 1.0 m, terá uma profundidade adequada à criação de um espaço inferior de retenção de areias com cerca de 0.20 m de altura medida a partir da cota do geodreno afluente. Face à extensão em planta do geodreno, deve ser executada uma segunda camara de inspeção, de características semelhantes, cerca de 15 m a montante, para limpeza e manutenção intermédia do sistema. O fundo das caixas deve ser devidamente revestido, plano e sem qualquer canalura. As camaras de inspeção devem ser dotadas de tampas de ferro fundido, de vedação hidráulica. 4.7 O sistema drenante descrito nos pontos anteriores, deve descarregar para uma câmara de inspeção de águas pluviais da rede geral do edifício do “C...", de capacidade de drenagem adequada, localizada o mais próximo possível.” (artigo 47.º da petição inicial).
J)’- Para aplicar as medidas corretivas e procedimentos técnicos propostos no relatório de peritagem do ..., junto aos presentes autos, a 1ª Ré solicitou orçamento da uma empresa de construção civil (doc. 9, fls. 73 e artigo 48.º da petição inicial).
L)’- O valor do orçamento apresentado à 1ª Ré, para resolver as causas das infiltrações que causam os danos à Autora, é de € 6.480,00 (seis mil, quatrocentos e oitenta Euros) (doc. 9, fls. 77-78 e artigo 49.º da petição inicial).
M)’- A ação contínua de provocar danos no imóvel em causa – que ainda se mantém nesta data (artigo 50.º da petição inicial).
N)’- A Autora teme que os danos provocados pelos RR. e a manutenção da causa das infiltrações no seu imóvel, venham a ter como consequência a perda de inscrição de alunos, tanto os que já frequentam o estabelecimento de ensino como de eventuais futuros alunos (artigo 51.º da petição inicial).
O)’- Sendo o estabelecimento da Autora um estabelecimento de ensino privado, os pais dos alunos naturalmente exigem que o colégio apresente condições de conforto e segurança correspondentes ao valor que pagam pela frequência escolar dos seus filhos (artigo 53.º da petição inicial).
P)’- A parede da autora não tem impermeabilização e a caixa de ar não tem o sobredito molde de escoamento de águas, (artigo 36.º da contestação).
Q)’- E que é de perpianho de granito, não tendo sido executado para ter como função vedar (impermeabilizar, se é este o sentido) (artigo 47.º da contestação).
R)’- Tendo aproveitado um muro de meação inadequado para fins de impermeabilização, para servir o propósito de impermear a parede do Externato; A caixa de ar do Externato que serve para isolar a parede do externato de quaisquer infiltrações não tem implementado uma impermeabilização e um sistema de drenagem no piso superior tal como deveria; Nesse piso infiltram-se águas do muro de meação para a parede do edifício (artigo 87.º da contestação).
S)’- Os 2º, 7º, 8º e 9º Réus apenas são proprietários das referidas frações desde o passado dia 01 de agosto de 2018 (artigo 12.º da 2.ª contestação, e doc. de fls. 520 e ss).”
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Julgou o tribunal a quo não provados os seguintes factos:
“2.2 – Factos não provados:
1.º- “Em novembro de 2012” (artigo 15.º da petição inicial).
2.º- A Autora solicitou parecer técnico ao Eng.º BB sobre as anomalias detetadas – Parecer datado de 9 de fevereiro de 2013 (doc. 1) (artigo 17.º da petição inicial).
3.º- A 1ª Ré efetuou a extração de árvores de grande porte junto ao muro de meação para a construção das frações supra identificadas e dos respetivos espaços verdes (artigo 33.º da petição inicial).
4.º- Tais obras provocaram ainda fissuras no muro de meação em alvenaria de granito (artigo 37.º da petição inicial).
5.º- Para a construção das frações identificadas e propriedade dos RR. identificados, a 1ª Ré utilizou explosivos para efetuar as fundações das moradias e removeu árvores de médio e grande porte (removendo raízes de enorme dimensão), provocando fissuras no muro de meação com o imóvel da autora (artigo 42.º da petição inicial).
6.º- As fissuras do muro em causa são evidentes pela simples observação visual na zona do recreio do estabelecimento de ensino da Autora (parte traseira do imóvel) e na zona de entrada (parte frente) do estabelecimento (artigo 43.º da petição inicial).
7.º- O valor do custo da reparação do muro é de € 750,00 (setecentos e cinquenta Euros) (artigo 44.º da petição inicial).
8.º- a) a movimentação de maquinaria pesada e a escavação fez-se sempre suficientemente afastada da zona do edifício do externato (entre 10 a 12 m) – (Doc. 3 da contestação); (artigo 27.º da contestação). b) as árvores de médio e grande porte estavam também afastadas do edifício e não foram arrancadas pela raiz, mas antes “desmontadas” sendo que as raízes, essas, ainda lá se encontram; (artigo 27.º da contestação).
9.º- Pelo que a autora sofreria sempre, mais ou menos, de infiltrações para a parede interior (artigo 36.º da contestação).
10.º- O muro de meação encontra-se na propriedade das RR. Sendo que a A. o aproveitou para em cima dele construir o dito muro de alvenaria de tijolo protegendo a junção dos dois muros (o original e o acrescento) com placas de zinco que vertem água para o terreno dos RR., água essa que pode então entrar para a dita caixa de ar e depois infiltrar-se para o imóvel da A (artigo 38.º da contestação).
11.º- As infiltrações devem-se às águas que se acumulam na caixa de isolamento e drenagem que… não drena (artigo 39.º da contestação).
12.º- Trata-se de um muro que já se encontrava antes da construção da A. dos idos de 1996 ou 1997 (artigo 46.º da contestação).
13.º- Não podendo nem devendo ser parte de paredes exteriores, tal com está executada a obra da autora (artigo 47.º da contestação).
14.º- A autora tinha uma árvore de grande porte enraizada num pátio interior (artigo 79.º da contestação);
15.º- As raízes dessa arvore e o seu natural crescimento, levaram a que a caixilharia interior que suportava os envidraçados, sofresse deslocações e entorpecimentos que conduziram a infiltrações em vários pontos do edifício (artigo 80.º da contestação).
16.º- A autora optou por realizar obras no imóvel em 2012 (artigo 81.º da contestação).
17.º- Pretendendo agora que parte dos custos sejam imputados à ré (artigo 82.º da contestação).
18.º- i) No decurso das obras a R. não utilizou quaisquer explosivos; ii) No decurso das obras a R. não arrancou árvores pelas raízes tendo mantido quase todas e as que não manteve não lhes removeu as raízes que ainda hoje lá permanecem; iii) Não houve escavações substanciais junto à parede do edifício; iv) A A. não cumpriu a memória descritiva do seu projeto; vii) No piso inferior a obra está conforme e, não existindo o referido muro de granito, não existem quaisquer infiltrações (artigo 87.º da contestação).”
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CONHECENDO.
Na medida em que a 1ª R. deduziu impugnação da decisão de facto, será conhecido em primeiro lugar o recurso pela mesma interposto.
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RECURSO DA 1ª R..
O recurso da 1ª R. visa a decisão de facto e de direito.

1) Dos vícios imputados à decisão de facto – erro na apreciação da prova.
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Na reapreciação da decisão de facto, importa ter presente os seguintes pressupostos:
1- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Embora na jurisprudência se encontrem posições mais ou menos exigentes quanto aos elementos que das conclusões devem constar, este é um denominador mínimo comum a todas elas [fazendo uma resenha alargada desta temática vide Ac. TRG de 07/04/2016, nº de processo 4247/10.3TJVNF.G1; in www.dgsi.pt/jtrg; ainda Acs. STJ de 01/10/2015, nº de processo 824/11.3TTLRS.L1.S1; de 29/10/2015 nº de processo 233/09.4TBVNC.G1.S1; de 06/12/2016 nº de processo 437/11.0TBBGC.G1.S1; e de 27/09/2018 nº de processo 2611/12.2TBSTS.L1.S1, onde se afirma “Como decorre do artigo 640 supra citado o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objeto do recurso”, todos in www.dgsi.pt].
Tratamento diverso merece o vício imputado à decisão de facto com base em eventual vício de deficiência, obscuridade ou contradição da decisão proferida, que quando invocado e se procedente, ou mesmo conhecido oficiosamente, poderá implicar quando dos autos não constem todos os elementos necessários, a anulação da decisão de facto para suprimento de tais vícios ou ampliação da decisão de facto nos termos do artigo 662º nº 2 al. c) do CPC.
Estes últimos vícios não estão, como tal, sujeitos aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640º nº 1 do CPC “os quais só condicionam a admissibilidade da impugnação com fundamento em erro de julgamento dos juízos probatórios concretamente formulados”.
Requisitos impugnativos de admissibilidade da impugnação da decisão de facto com base em erro de julgamento que encontram o seu fundamento na garantia da “adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso”.[1]
2- Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.
Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.
Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.
Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in ob. cit., em anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).
Por fim de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..
3- Na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos igualmente de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide neste sentido Acs. deste TRP Relator Miguel B. Morais de 21/02/2018, e do TRG de 12/07/2016, Relator Jorge Seabra e de 15/12/2016, Relatora Maria João Matos, todos in www.dgsi.pt/].
4- Pela mesma razão – quanto à finalidade de reapreciação no recurso do que antes já foi submetido a apreciação pelo tribunal a quo - é consensual o entendimento de que tal reapreciação da decisão está balizada pelas questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo.
O mesmo é dizer que as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas, salvo se de conhecimento oficioso [vide, entre outros, Ac. TRC de 14/01/14, nº de processo 154/12.3TBMGR.C1; Ac. TRP de 16/10/2017, nº de processo 379/16.2T8PVZ.P1; Ac. TRP de 14/07/20, nº de processo 4556/17.0T8MAI.P1 todos in www.dgsi.pt].
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Tendo presentes estes considerandos e analisadas as conclusões da recorrente, bem como o corpo das suas alegações, é possível das primeiras extrair quais os pontos da decisão de facto impugnados e que a mesma incluiu no objeto de recurso: als. “O), P), Z), A’), B´), C’), F’), G’), M’), N’) e O’) dos factos julgados provados [vide conclusões 2, 3 e 15], bem como os nºs 10 a 13º e 16º dos factos julgados não provados [vide conclusão 3].
Igualmente destas mesmas conclusões se extrai qual a decisão que no entender da recorrente deveria ter sido proferida e que indicou:
i- os factos provados constantes das als. O) e P) devem ser julgados não provados [vide conclusão 7].
Ou e quando assim se não entenda, devendo os mesmos passar a ter a seguinte redação:
“O)- Em momentos temporais não concretamente apurados, a Autora detetou que escorria água pela parede do imóvel que se encontra encostada ao muro de meação com os terrenos dos RR (artigo 15.º da petição inicial).
P)- Em momentos temporais não concretamente apurados, a Autora verificou igualmente que escorria água pelas molduras da iluminação elétrica do teto do piso da cave do seu imóvel – com risco de acidente elétrico (artigo 16.º da petição inicial).”
[vide conclusão 8].
ii- quanto ao facto provado constante da al. C’), pugnou a recorrente por uma nova redação que segmentou em dois pontos:
“C)- A Autora efetuou as escavações e obras para construção do edifício do Externato que explora para a atividade escolar, tendo-se servido do muro de alvenaria de granito pré-existente, o qual integra a propriedade dos Réus”. [vide conclusão 12] e
“C)’ - A 1ª Ré efetuou as escavações e obras para construção de um “condomínio fechado”, e procedeu à subida da cota do respetivo terreno, tendo a mesma diligenciado no sentido de evitar a ocorrência de problemas no imóvel da Autora, através da consulta do processo camarário do imóvel desta” [vide conclusão 21];
iii- passando os factos não provados 10º, 12º e 13º para os factos provados com a seguinte redação:
“10.º- O muro de meação encontra-se na propriedade das RR. Sendo que a A. o aproveitou para em cima dele construir o dito muro de alvenaria de tijolo protegendo a junção dos dois muros (o original e o acrescento) com placas de zinco que vertem água para o terreno dos RR., água essa que pode então entrar para a dita caixa de ar e depois infiltrar-se para o imóvel da A (artigo 38.º da contestação).
12.º- Trata-se de um muro que já se encontrava antes da construção da A. dos idos de 1996 ou 1997 (artigo 46.º da contestação).
13.º- Não podendo nem devendo ser parte de paredes exteriores, tal com está executada a obra da autora (artigo 47.º da contestação).” [vide conclusão 13];
iv- quanto às als. Z), A)’, B’), F)’ e M)’ dos factos dados como provados, e números 11.º e 13.º[2] dos factos julgados não provados pugnou a recorrente pela seguinte alteração:
as als. Z), A)’, B’), F)’ e M)’ deverão passar para os factos não provados, ou quando assim se não entenda, passar a ter a seguinte redação:
“Z)- A 1.ª Ré efetuou uma subida de nível do terreno dos logradouros privados das moradias em cerca de 90 cms, permitindo pressões hidráulicas sobre a zona enterrada do muro de alvenaria de granito (que separa os dois terrenos);
A)’- deverá ser dado como não provado;
B)’ - O que potenciou – mas não constituiu a causa adequada – a entrada das ditas águas depositadas nos logradouros, para a caixa-de-ar pré-existente e desta, através das juntas da parede de forra interna de alvenaria de tijolo furado para a camada de revestimento do pavimento do rés-do-chão do “Externato”, alastrando nela;
F)’ - O imóvel da Autora sofreu infiltrações de águas através da sua parede encostada ao muro acima referido, em razão das soluções construtivas adotadas na respetiva construção, designadamente, pelo facto de ter violado o projeto camarário, bem como as boas práticas construtivas;
M)’ – Pelo menos desde ano de 2013, que a Autora não sofre danos no seu imóvel, causados por infiltrações; [vide conclusão 15];
Mais devendo os factos não provados 11º e 13º passar para os factos provados com a seguinte redação:
“11.º- As infiltrações devem-se às águas que se acumulam na caixa de isolamento e drenagem que… não drena (artigo 39.º da contestação).
13.º- O muro de alvenaria de granito que separa os imóveis da Autora Recorrida e dos Réus, não pode nem deve ser parte de paredes exteriores, tal com está executada a obra da autora, uma vez que as características do referido muro não são adequadas a essa função, mas apenas à separação entre tais imóveis.” [vide conclusão 16];
v- a al. G’) dos factos provados deverá passar para os factos não provados e o ponto 16º dos factos não provados, deverá passar a ter a seguinte redação:
"16.º- Em data não concretamente apurada, a Autora optou por realizar obras no imóvel, tendo já reparado a maior parte dos danos causados por infiltrações”. [vide conclusões 18 e 19];
vi- finalmente e quanto às als. N´) e O’) pugnou a recorrente pela sua introdução nos factos não provados [vide conclusão 28].

Indicou ainda a recorrente os meios probatórios que a seu ver impõem decisão diversa, identificando com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, salvo quando afirmou nada ter sido dito nos depoimentos sobre a matéria que impugna.
Conclui-se assim pela observância dos ónus impugnatórios, pelo que se procederá à reapreciação da decisão de facto nos termos pugnados pela recorrente, com exceção da factualidade contida nas als. N’) e O’), bem como na al. G)’ dos factos provados e no ponto 16º dos factos não provados.
Com efeito os pontos factuais N)´ e O) apenas relevariam para o pedido indemnizatório deduzido na al. e) do pedido da autora fundado em lucros cessantes.
Pedido este que foi julgado improcedente, tendo nesta parte a decisão transitado.
Por outro lado, a matéria contida na al. G)’ dos factos provados apenas relevaria para o pedido alternativo contido na al. b) do pedido da autora.
Pedido que foi igualmente julgado improcedente, por decisão nesta parte transitada.
E o ponto 16º dos factos não provados, no contexto apurado e face ao decidido sobre a al. b) da decisão condenatória que se reporta a anomalias detetadas em U) dos factos assentes em 3.2 e 3.3 não impugnados, igualmente em nada relevaria para o decidido.
Na medida em que os recursos visam – tal como acima já deixámos mencionado - por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, é claro que a reapreciação destes pontos factuais é totalmente inócua para o que ainda está em discussão nos autos e como tal nenhum efeito útil da mesma proviria para os autos.
Em conclusão, a atividade do tribunal quanto a estes pontos redundaria na prática de atos inúteis, o que está vedado ao tribunal.
Rejeita-se por tal e com base neste fundamento, a reapreciação destes pontos factuais N’), O’), G)´ dos factos provados e 16º dos factos não provados.
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Cumpre reapreciar a demais factualidade impugnada, com base na prova produzida e que se encontra acessível a este tribunal de recurso.
Consigna-se que se procedeu à audição da prova gravada.
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Impugna a recorrente, em primeiro lugar, a factualidade julgada provada sobre os als. O) e P) as quais têm a seguinte redação:
“O)- Pelo menos no início de 2013, a Autora começou a detetar que escorria água pela parede do imóvel que se encontra encostada ao muro de meação com os terrenos dos RR (artigo 15.º da petição inicial).
P)- A Autora verificou igualmente que escorria água pelas molduras da iluminação elétrica do teto do piso da cave do seu imóvel – com risco de acidente elétrico (artigo 16.º da petição inicial).”
Pugnando a recorrente que estes factos sejam julgados não provados ou e quando assim se não entenda que passem a ter a seguinte redação
“O)- Em momentos temporais não concretamente apurados, a Autora detetou que escorria água pela parede do imóvel que se encontra encostada ao muro de meação com os terrenos dos RR (artigo 15.º da petição inicial).
P)- Em momentos temporais não concretamente apurados, a Autora verificou igualmente que escorria água pelas molduras da iluminação elétrica do teto do piso da cave do seu imóvel – com risco de acidente elétrico (artigo 16.º da petição inicial).”
Alegou para o efeito nenhum valor probatório ter o documento de fls. 36, a data de envio da carta de fls. 37, sequer o relatório preliminar de fls. 44 e segs.. A que acrescentou nada ter sido dito em sede de prova testemunhal ou por depoimento das partes (p. 20 do seu corpo alegatório) – por esta via justificando a não indicação das passagens em que funda(ria) a impugnação.
Ainda que, acrescentamos, contraditoriamente tenha igualmente mencionado o depoimento de CC e AA, para criticar a credibilidade que o tribunal lhe conferiu ao contrário do depoimento de DD, também ouvido.
Respeitando, contudo, a afirmação de que nada foi dito quanto aos pontos em questão pelas testemunhas mencionadas, como pressuposto para aceitar como válida a impugnação deduzida sem referência ao que “não teria sido dito”, será apreciado então se assiste razão à impugnação deduzida.
Na certeza de que para este efeito nos está vedado apreciar o eventualmente afirmado por outros depoimentos, na medida em que e se favoráveis à versão da R. recorrente então obrigatoriamente teria esta de ter observado o disposto no artigo 640º nº 2 al. a) do CPC.
Não observado o disposto no artigo 640º nº 2 al. a) do CPC pela recorrente que justifica tal não observância com a inexistência de prova gravada sobre alguma da matéria que impugna, e tendo o tribunal a quo fundamentado a sua convicção precisamente em depoimentos prestados – conjugadamente com a análise de prova documental – ao tribunal de recurso cumpre apenas apreciar se os depoimentos convocados na fundamentação se pronunciaram sobre tal matéria e dos mesmos, conjugadamente com a demais prova documental igualmente ponderada, merece o julgado alguma censura.
Estando vedado para este efeito apreciar se outros depoimentos não convocados na fundamentação permitiriam conclusão diversa, precisamente pela não observância do disposto no artigo 640º nº 2 al. a) do CPC quanto aos depoimentos gravados.

O tribunal a quo justificou a resposta dada a estes pontos, nos seguintes termos:
“As alíneas O) e P) basearam-se na conjugação do teor do documento de fls. 36 (9-02-2013) data do envio da carta de fls.37 e ss; relatório de inspeção preliminar; relatório técnico e respetivas datas; e depoimentos de CC e AA.”

A testemunha AA confirmou que elaborou os dois relatórios juntos aos autos, um primeiro intitulado “Relatório preliminar”, datado de 18/02/2013 e um posterior intitulado “Relatório Técnico” inserto a fls. 632 e segs. dos autos e datado de 30/09/2013, ambos da sua autoria (com um intervalo temporal de sensivelmente 7 meses).
Tendo para o efeito sido contactado pela própria R. que lhe pagou os serviços prestados, como o evidencia a fatura e missiva juntos a fls. 69 a 74 sob docs. 6 e 7 com o requerimento da A. refª 15819162.
Esclareceu logo de início que já não se recordava com pormenor do que tinha visto, atendendo ao muito tempo entretanto decorrido, mas confirmou sem hesitações o que de ambos constava, correspondendo ao por si verificado na altura.
Dito isto, no primeiro relatório dito preliminar, fez a testemunha constar a existência de:
- vestígios de manchas de humidade ao nível do pavimento de mármore do corredor do r/c numa zona com cerca de 1m2;
- e na cave, sob a zona da dita mancha, fissura no teto com vestígios também de mancha e de pingos de algumas gotas de líquido. Mais tendo detetado em ambas as zonas do r/c um notório mau cheiro a humidade e outros odores, provocada por águas com alguma contaminação (eventualmente águas infiltradas através de terra vegetal).
Em tal relatório concluiu ainda esta testemunha que previsivelmente as anomalias detetadas teriam origem em fissuras ocorridas na zona enterrada da parede de empena e ou muro de suporte de terras em betão armado do r/c do Externato – apontando 4 possíveis causas para tais fissuras.
Fissuras que, contudo, apontou provavelmente não serem grandes [face à dimensão dos vestígios detetados na sequência de um inverno com pluviosidade elevada] mas carecerem de reparação pela tendência a aumentar e serem causadores (no futuro) de infiltrações de humidade existente no solo para o interior do Externato.
Mais tendo dado nota que para confirmação das suas conclusões preliminares necessitava efetuar uma vistoria direta sobre a zona externa da parede de empena e muro de suporte de terras pré-existente e confinante com o logradouro ajardinado da construção da R., implicando a abertura de uma vala longitudinal no logradouro ajardinado referido, rente à empena do Externato e na zona aproximada das infiltrações naquele detetadas.
Tal inspeção viria a ser realizada posteriormente em 18/09/2013, da qual sobreveio o relatório técnico inserto a fls. 623 e segs datado de 30/09/2013.
De tal relatório consta (entre o mais):
- que à data a aqui R. que iniciara os trabalhos há mais de 3 anos (“ao que sabemos”), estaria agora em fase de conclusão (existindo já diversas moradias habitadas);
- tratando-se de um condomínio constituído por diversas moradias em banda contínua de r/c e andar e logradouros posteriores ajardinados individualizados para cada moradia, distanciando estas 10 a 12 metros do edifício da A., implicou a cota do r/c das moradias a elevação dos logradouros com aterro do nível do terreno original em cerca de 90 cms..
- à data tendo sido verificadas as seguintes anomalias no edifício do externato – no r/c frente ao armário de quadro elétrico do hall da entrada uma mancha acastanhada de humidade no pavimento de mármore (conforme foto 2 de fls. 628); também ao nível do pavimento do corredor do r/c vestígios bastantes nítidos de manchas de humidade que teria alastrado pelo pavimento numa zona de 1m2 (conforme foto 3 de fls. 628).
Na cave tendo sido mencionado que e ao contrário do que acontecia em fevereiro já não existia no estuque do teto sob a zona do pavimento do r/c mancha ou fissura, evidenciando reparação, da qual existem leves sinais. Não obstante no pavimento da cave estarem ainda patentes na mármore leves sinais de anteriores gotas caídas aquando das infiltrações referidas acima (foto 4 de fls. 629).
Já não tendo sido detetados cheiros anómalos, resultantes da humidade, o que mais acrescentou o Sr. Perito ser “perfeitamente natural, pois então estava-se no decurso de um inverno particularmente chuvoso, enquanto agora estamos no final de um verão quente e seco (..) quaisquer odores resultantes de humidade entretanto desapareceram.”
Dito isto e questionado diretamente sobre se teria verificado a existência ou sinais de gotas de água na iluminação, disse não ter visto. E de facto a estas não fez menção.
No mais do depoimento desta testemunha não resultam dúvidas que à data de fevereiro de 2013 o mesmo constatou a existência de anomalias, as relatadas supra, relacionadas com infiltrações e com notório mau cheiro a humidade e outros odores, provocada por águas com alguma contaminação (eventualmente águas infiltradas através de terra vegetal).
Do que se infere, até pela contraposição para a inexistência desses cheiros em setembro - fundamentado tanto no relatório como também em sede de depoimento - com o inverno particularmente chuvoso e o verão seco, que a causa das humidades seria recente ou presente à data de fevereiro de 2013.
Acrescenta-se que esta testemunha depôs de forma serena e justificada, aparentando desinteresse e logo isenção no decurso do seu depoimento.
Não se compreendendo a falta de credibilidade que é imputada pela recorrente a esta testemunha quando até foi esta por si contratada para elaborar os relatórios que ora mencionámos.
Consentânea com a data da verificação mínima, já que no facto provado O) consta quanto à data das anomalias detetadas “pelo menos”, está a carta enviada pela A. à R. precisamente em 20 de fevereiro de 2013 (dois dias após a elaboração do relatório preliminar). Carta cujo envio a recorrente não questiona (vide doc. de fls. 37 a 41) e à qual em conformidade respondeu em 04/03/2013, dando nota de ter promovido aliás e na sequência das reclamações da A. uma visita ao local para apurar responsabilidades. Visita esta não conclusiva, por tanto promovendo uma reunião de técnicos de ambas as partes (fls. 42/43).
Por sua vez a testemunha CC, identificou-se como Eng.º Civil e autor do projeto de estabilidade do 1º edifício da A..
Tendo também acompanhado a construção do novo edifício, talvez por 97 ou 98 (antes de 2000), embora sem participar.
À data e conforme referiu, não havia nada no terreno contíguo.
Sobre as infiltrações mencionou ter tido conhecimento dos problemas de infiltração por ter sido chamado pela legal representante da A. – Maria Celeste - para dar uma opinião sobre o assunto.
Mais tarde tendo acompanhado uma visita ao prédio do lado (da R.), na altura em foi feita uma sondagem ao muro para ver o que se estava a passar.
Antes tendo ainda estado presente em algumas reuniões prévias com técnicos, para ver se havia conciliação das partes. Só depois tendo ido ao local, conforme mencionado.
Interpelado sobre os danos visíveis no prédio da A. identificou os mesmos nos seguintes termos:
- era visível entrada de água no teto do piso enterrado (ou seja, cave) e também na parede adjacente e no mármore do piso com manchas da humidade, que depois ficam sempre;
- humidades no teto e parede e cheiros da entrada de água no edifício;
- e sobre riscos elétricos, decorrentes das infiltrações que mencionou, esclareceu que como existia uma instalação elétrica e a água estava a circular pela laje de teto e pingava dos focos, haveria sempre risco para a instalação elétrica dessa situação; pingando a água do teto e de alguma das iluminações do teto.
Desta afirmação resulta, portanto, a expressa menção por parte da testemunha à verificação de pingos de água que caíam das iluminações do teto.
O mesmo é dizer que não corresponde à verdade a afirmação por parte da recorrente de que nenhuma prova foi produzida sobre este ponto factual [al. P) dos factos provados].
Tão pouco sendo correta a afirmação de que nenhuma prova foi produzida sobre a al. O) dos factos provados, atento o acima analisado.
Note-se que quanto à data e em função da prova acima analisada, sendo certo que a testemunha CC pelos sinais mais fortes da infiltração que descreveu terá ido ainda numa data anterior à primeira visita da testemunha AA, nenhuma censura merece a localização temporal seguida pelo tribunal a quo por referência a inícios de 2013, atentos os demais elementos probatórios acima mencionados.
E de igual forma as escorrências ou pingos da iluminação elétrica mostram-se sustentadas no depoimento da testemunha CC.
Nada evidenciando que a convicção do tribunal a quo sobre estes pontos factuais em função das provas analisadas e que convocou merece censura, impondo uma diversa redação.
Por último e atenta a argumentação aduzida pela recorrente quanto a possíveis problemas anteriores, é de referir que à R. incumbiria ter alegado e provado – enquanto facto impeditivo do direito da A. – que as infiltrações que a mesma veio a comunicar no momento temporal já analisado eram repetições de situações anteriores já verificadas, por esta via excluindo a conexão temporal entre os seus trabalhos e os problemas verificados pela autora, como meio de afastar o nexo causal entre ambos.
Tanto é quanto baste, para em função do modo como a recorrente deduziu impugnação quanto a estes pontos factuais, se conclua improceder a mesma, com a consequente manutenção da redação dada às als. O) e P) pelo tribunal a quo.
*
Seguidamente impugnou a R. recorrente a redação dada à al. C’) dos factos provados e pontos 10º, 12º e 13º dos factos não provados.
Em causa os seguintes factos provados e não provados
C)’- A 1ª Ré efetuou as escavações e obras para construção de um “condomínio fechado”, constituído por diversas moradias, sem que fosse tomada qualquer tutela para proteger o muro de alvenaria de granito pré-existente, que serve como muro de meação entre as duas propriedades (artigo 31.º da petição inicial).
E factos não provados
10.º- O muro de meação encontra-se na propriedade das RR. Sendo que a A. o aproveitou para em cima dele construir o dito muro de alvenaria de tijolo protegendo a junção dos dois muros (o original e o acrescento) com placas de zinco que vertem água para o terreno dos RR., água essa que pode então entrar para a dita caixa de ar e depois infiltrar-se para o imóvel da A (artigo 38.º da contestação).
12.º- Trata-se de um muro que já se encontrava antes da construção da A. dos idos de 1996 ou 1997 (artigo 46.º da contestação).
13.º- Não podendo nem devendo ser parte de paredes exteriores, tal com está executada a obra da autora (artigo 47.º da contestação).

Pugnando a recorrente que estes factos passem a ter a seguinte redação como factos provados:
“C’)- A Autora efetuou as escavações e obras para construção do edifício do Externato que explora para a atividade escolar, tendo-se servido do muro de alvenaria de granito pré-existente, o qual integra a propriedade dos Réus”. [vide conclusão 12] e
“C)’ - A 1ª Ré efetuou as escavações e obras para construção de um “condomínio fechado”, e procedeu à subida da cota do respetivo terreno, tendo a mesma diligenciado no sentido de evitar a ocorrência de problemas no imóvel da Autora, através da consulta do processo camarário do imóvel desta” [vide conclusão 21];
“10.º- O muro de meação encontra-se na propriedade das RR. Sendo que a A. o aproveitou para em cima dele construir o dito muro de alvenaria de tijolo protegendo a junção dos dois muros (o original e o acrescento) com placas de zinco que vertem água para o terreno dos RR., água essa que pode então entrar para a dita caixa de ar e depois infiltrar-se para o imóvel da A (artigo 38.º da contestação).
12.º- Trata-se de um muro que já se encontrava antes da construção da A. dos idos de 1996 ou 1997 (artigo 46.º da contestação).
13.º- Não podendo nem devendo ser parte de paredes exteriores, tal com está executada a obra da autora (artigo 47.º da contestação).” [vide conclusão 13];

No que respeita à al. C’) importa referir que a mesma se reporta ao que foi alegado em 31º da p.i..
E que a R. não tomou qualquer medida para proteger o muro de meação (assim o qualificou a A. na p.i. e à propriedade do muro já voltaremos) é o que de forma notória toda a prova o evidencia.
Quer a testemunha CC que esteve presente na sondagem que ao muro foi feita e a que se reporta o relatório técnico da testemunha AA; quer esta mesma testemunha confirmando o que daquele relatório consta e remetendo para as fotos que com esse mesmo relatório foram juntas e lhe foram exibidas em audiência, ambos confirmaram que a R. não tomou quaisquer medidas para proteger o muro de alvenaria pré-existente, limitando-se a proceder à elevação da cota em 90 cms. sem tomar quaisquer medidas que o protegessem ou protegesse a construção da A..
Mesmo o próprio legal representante da 1ª R. confirmou que nada foi feito em obra, previamente ao aterro que concretizou a elevação da cota do terreno.
É bem certo que este legal representante da 1ª R. justificou assim ter procedido porquanto tinha consultado o processo na C. M. ... e do que neste constava resultava que a parede do prédio da A. era em betão até à cobertura, daqui tendo concluído que nada mais precisava de fazer. Assim confirmando que nenhuma sondagem foi feita para verificar o que estava executado do lado da A.. E mais confirmando que nada foi feito em obra pela 1ª R..
Esta confiou que nada seria necessário em função da alegada consulta, mas daqui não resulta que tenha tomado alguma medida concreta.
Só posteriormente, conforme o mesmo legal representante o afirmou e com as queixas da A. tendo então sido feitas as sondagens que deram origem ao relatório técnico acima já mencionado.
As alterações que a 1ª R. pretendia introduzir nesta alínea correspondem a diversa factualidade que a mesma deveria ter alegado e provado, mas que da redação do alegado e apurado são independentes.
Como já dito a consulta de processo camarário não se confunde com concretas medidas de proteção do muro, não executadas. Tão pouco estas medidas se confundem com a utilização do muro de granito pré-existente que a 1ª R. alega integrar a propriedade dos RR. (quanto à propriedade respeitando também o ponto 10º dos factos não provados).
E que essas medidas deveriam ter sido tomadas, é o que as testemunhas, CC e também AA confirmaram. Ambos mencionando que as boas práticas recomendam quando se constrói e para evitar problemas que previamente se faça uma sondagem. Mesmo para confirmar que o executado corresponde ao projetado, a ter sido visto que deste projeto resultaria a existência de uma parede de betão. Já que podem ocorrer alterações no decurso da obra, conforme o disse a testemunha AA.
Tendo mesmo esta última testemunha referido que o muro deveria ter sido retirado, porquanto se trata de um muro destinado a vedação e não a servir de muro de parede de construção e de impermeabilização.
Ou não sendo, junto ao mesmo escavado e efetuada impermeabilização. Impermeabilização que a fls. 640 indicou como deveria ser efetuada e que o perito do tribunal, no relatório que apresentou confirmou – vide fls. 675 verso.
No mesmo sentido é afirmado no relatório pericial que mesmo que o muro fosse de betão, a impermeabilização deveria ter ocorrido (vide fls. 668 dos autos). Bem como que sempre deveria ter sido efetuada uma prévia sondagem ao edifício preexistente da autora para se elevar a cota do terreno (mesma p. 668 dos autos).
O que foi reafirmado nos esclarecimentos prestados (vide fls. 674 verso).
Por último e da pretendida alteração por parte da R. recorrente está a questão da propriedade do muro.
A A. alegou que este era um muro de meação.
A R. na contestação alegou que era de sua (exclusiva) propriedade.
Nos termos do artigo 1371º do CC:
“1. A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem.
2. Os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário.
3. São sinais que excluem a presunção de comunhão:
a) A existência de espigão em ladeira só para um lado;
b) Haver no muro, só de um lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a largura dele;
c) Não estar o prédio contíguo igualmente murado pelos outros lados.
4. No caso da alínea a) do número anterior, presume-se que o muro pertence ao prédio para cujo lado se inclina a ladeira; nos outros casos, àquele de cujo lado se encontrem as construções ou sinais mencionados.
5. Se o muro sustentar em toda a sua largura qualquer construção que esteja só de um dos lados, presume-se do mesmo modo que ele pertence exclusivamente ao dono da construção.”
Tendo em conta que nenhuma factualidade foi apurada, sequer alegada que permita a conclusão da exclusão da presunção da comunhão, por via do nº 3 deste artigo – prova que à R. incumbia, é de concluir que a alegada pela autora e considerada meação não merece censura.
Ademais, a considerar-se que a A. sustentou a construção no muro, em momento temporal anterior ao aterro da R., seria defensável aplicar o previsto no nº 4 que afastaria igualmente o alegado pela R..
À R. incumbiria fazer prova da propriedade exclusiva do muro em questão, alegando factualidade concreta de onde a mesma se pudesse inferir, como forma de afastar o alegado pela A., o que não fez. Não bastando seguramente para tal a afirmação da testemunha AA não sustentada em qualquer concreto facto, ou a afirmação do legal representante da R. que de igual forma o não sustentou em factos concretos.
Em suma não merece qualquer juízo negativo a redação constante da al. C’) dos factos provados que resulta do alegado em 31º da p.i. e que assim se mantém.
Associada à alteração deste ponto C’), peticionou ainda a recorrente a alteração da redação dos pontos 10º, 12º e 13º dos factos provados.
Nos dois primeiros está em causa o muro de meação e que a R. alega ser sua pertença exclusiva. Sobre a questão da propriedade do muro já nos pronunciámos e não foi feita prova, nem alegada factualidade suficiente para o demonstrar sequer.
Tão pouco foi feita prova cabal da construção do muro de alvenaria de tijolo em cima do mesmo.
E quanto ao aproveitamento da A. para proteger a junção dos dois muros com placas de zinco, cumpre observar que de acordo com a foto 8 do relatório técnico a fls. 632 já anteriormente se evidencia a existência de umas placas com a mesma finalidade de escorrências de águas. A implicar que não foi feita prova cabal de que a A. se aproveitou para com a execução do muro colocar a dita proteção para escorrências de águas (na medida em que já antes existiam). Nem tão pouco que é destas que derivam as infiltrações de águas para o prédio da A..
Em suma, não merece a resposta dada ao item 10º dos factos não provados qualquer censura. Não sendo de introduzir o mesmo nos factos provados.
Por outro lado, e quanto à redação do ponto 12º dos factos não provados.
Não existem dúvidas que o muro é pré existente à obra efetuada pela R..
Nem aliás que o mesmo é pré-existente à obra da A. em causa nos autos. Pois que o mesmo foi utilizado pela A. nos termos apurados.
O que no ponto 12º se trata é da sua pré-existência a 1996/1997, quando de acordo com o que nomeadamente foi afirmado pela testemunha CC foi feita a primeira obra da autora.
Afastado fica, portanto, o argumento da contradição com o que consta na al. C’) dos factos provados.
Nesta parte tanto o legal representante da 1ª R. mencionou a antiguidade deste muro – referindo 70 a 90 anos; como a testemunha AA o afirmou com base na visualização do mesmo e tipo de construção.
A nosso ver estes depoimentos associados ao tipo de construção do muro e vetustez que a foto 8 do relatório técnico de fls. 632 evidencia, justificam de acordo com as regras da experiência que se julgue provado que este muro é mesmo pré-existente a 1996 ou 1997.
Assim, decide-se alterar este ponto 12º dos factos não provados, passando o mesmo para os factos provados.
Finalmente pugna a recorrente pela introdução nos factos provados do ponto 13º dos factos não provados.
O teor deste ponto factual justifica a sua análise.
Resulta do artigo 607º nº 4 que na sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que não julga provados.
A contrario se extraindo que da decisão de facto não devem constar nem juízos conclusivos nem conceitos normativo-jurídicos, enquanto segmentos integrantes da sentença.
Devendo a decisão da matéria de facto ser expurgada de asserções de natureza conclusiva, na medida em que estas devem resultar do raciocínio lógico dedutivo baseado nos concretos pontos de facto dados como provados, [cfr. Ac. STJ de 14/05/2014, Relator Melo Lima in http://www.dgsi.pt/jstj e ainda Ac. STJ de 01/10/2019, nº de processo 109/17.1T8ACB.C1.S1[3] in www.dgsi.pt].
Neste último Ac. sendo afirmado, entre o mais que a jurisprudência tem decidido ser de afastar das decisões de facto “expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial[…].
Assim, a natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso, o facto conclusivo deve ser havido como não escrito. “No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito” […]»
Ora a redação do ponto 13º dos factos não provados, na redação indicada pela recorrente e acima reproduzida reconduz-se a um mero juízo de valor a basear noutros pontos factuais das quais se possa extrair a conclusão que a mesma insere.
Na impugnação agrupada no segmento seguinte, a recorrente volta a analisar este ponto 13º, agora indicando para o mesmo uma nova redação que pretende seja introduzida nos factos provados que ora se reproduz:
“13.º- O muro de alvenaria de granito que separa os imóveis da Autora Recorrida e dos Réus, não pode nem deve ser parte de paredes exteriores, tal com está executada a obra da autora, uma vez que as características do referido muro não são adequadas a essa função, mas apenas à separação entre tais imóveis.” [vide conclusão 16].
Como se vê a recorrente adiciona agora a afirmação de que as caraterísticas do muro não são adequadas à função de ser parte de paredes exteriores, mas apenas à separação de imóveis.
O que assim e de relevante a recorrente pretende introduzir nos factos provados já consta dos factos provados Q’) e R’).
O mesmo é dizer que o ponto 13º dos factos não provados – tal qual está incluída nos factos não provados é de eliminar por constituir um facto conclusivo.
No mais sendo de improceder a pretensão por o que é de novo alegado já constar noutro segmento da factualidade provada.
Concluindo, decide-se eliminar dos factos não provados o ponto 13º analisado por conclusivo.
*
No segmento seguinte impugnou a recorrente a redação dada aos pontos Z), A’), B’), F´), M’) dos factos provados e 11º dos factos não provados [o ponto 13º dos factos não provados já ficou antes analisado].
A estes pontos foi dada a seguinte redação:
Factos provados
Z)- A 1.ª ré efetuou uma subida de nível do terreno dos logradouros privados das moradias em cerca de 90 cms, permitindo pressões hidráulicas sobre a zona enterrada do muro de alvenaria de granito (muro de meação dos dois terrenos) (artigo 28.º da petição inicial).
A)’- E consequentes infiltrações de águas pluviais (e também de rega do relvado) através dele (artigo 29.º da petição inicial).
B)’- O que potenciou a entrada das ditas águas depositadas nos logradouros, para a caixa-de-ar pré-existente e desta, através das juntas da parede de forra interna de alvenaria de tijolo furado para a camada de revestimento do pavimento do rés-do-chão do “Externato”, alastrando nela (artigo 30.º da petição inicial).
F)’- Como consequência destes factos, o imóvel da autora sofreu infiltrações de águas através da sua parede encostada ao muro acima referido (artigo 35.º da petição inicial).
M)’- A ação contínua de provocar danos no imóvel em causa – que ainda se mantém nesta data (artigo 50.º da petição inicial).
E factos não provados
11.º- As infiltrações devem-se às águas que se acumulam na caixa de isolamento e drenagem que… não drena (artigo 39.º da contestação). “

Pugnando a recorrente que estes factos passem a ter a seguinte redação como factos provados:
“Z)- A 1.ª Ré efetuou uma subida de nível do terreno dos logradouros privados das moradias em cerca de 90 cms, permitindo pressões hidráulicas sobre a zona enterrada do muro de alvenaria de granito (que separa os dois terrenos);
A)’- deverá ser dado como não provado;
B)’ - O que potenciou – mas não constituiu a causa adequada – a entrada das ditas águas depositadas nos logradouros, para a caixa-de-ar pré-existente e desta, através das juntas da parede de forra interna de alvenaria de tijolo furado para a camada de revestimento do pavimento do rés-do-chão do “Externato”, alastrando nela;
F)’ - O imóvel da Autora sofreu infiltrações de águas através da sua parede encostada ao muro acima referido, em razão das soluções construtivas adotadas na respetiva construção, designadamente, pelo facto de ter violado o projeto camarário, bem como as boas práticas construtivas;
M)’ – Pelo menos desde ano de 2013, que a Autora não sofre danos no seu imóvel, causados por infiltrações; [vide conclusão 15];
Mais devendo o facto não provado 11º passar para os factos provados com a seguinte redação:
“11.º- As infiltrações devem-se às águas que se acumulam na caixa de isolamento e drenagem que… não drena (artigo 39.º da contestação).”
O tribunal a quo fundou o assim decidido nos seguintes termos:
“Alíneas Z) a F)´; H)’ e P)’ a R)´- resultaram da conjugação do teor do relatório técnico de fls. 624 e ss, do teor da perícia e esclarecimentos à perícia ordenada (fls. 664 a 675); bem como dos depoimentos de CC e AA (v. tb. fls. 35 e relatório preliminar de fls. 44).
Concretamente quanto à al. F)’ dos factos provados e ao artigo 11º dos factos não provados, importa tecer algumas considerações. Do conjunto da prova produzida, dúvidas não restaram que a obra executada pela 1.ª ré, máxime a elevação da cota do terreno em 90 cm e a abertura de vala destinada à passagem de cabos elétricos, causaram as infiltrações e as infiltrações e as anomalias descritas no relatório técnico junto aos autos. É certo que se constatou que o edifício da autora, na parte que aqui importa considerar, padecerá de deficiências, a saber: caixa de ar não tem no fundo uma meia cana, drenada; e o muro e parede de empena não impermeabilizada (fls. 58 e 62). Contudo, ao que tudo indica também se demonstrou que não existiam infiltrações anteriores à obra da 1.ª ré (seja dada a pouca incidência das chuvas na parede de empena fls. 58; e depoimento de CC), indiciando que antes da elevação da cota de terreno a dita caixa de ar cumpria a função de evitar infiltrações. V. tb. resposta do Sr. Perito ao pedido de esclarecimento a fls. 674 e 674-verso, 1.ª parte. O que despoletou as infiltrações foi, pois, a obra da 1.ª ré.
(…)
- Alínea M) - v. doc. de fls. 636, uma vez que não foram tomadas medidas corretivas, a tendência das infiltrações é até para aumentar;”´.
Da fundamentação aduzida pelo tribunal e crítica apontada pela recorrente apreciaremos a impugnação apresentada para estas alíneas.
Assim e no que à al. Z) respeita, a recorrente acaba por afirmar que não está em causa a sua redação, a cuja veracidade nada aponta, mas antes às consequências da mesma se retira com as restantes alíneas.
E na nova redação proposta apenas propõe a alteração do segmento final relativo à propriedade do muro, sobre o que acima já nos pronunciámos afirmando nenhuma censura merecer a afirmação de que o mesmo é um muro de meação.
Nesta medida e desde já se conclui, nenhuma censura merece a redação dada a este ponto Z) que assim se mantém na integralidade.
As alíneas seguintes impugnadas referem-se às apuradas consequências da subida do nível da cota do terreno dos logradouros privados das moradias em 90 cms. que a R. levou a cabo – tal como consta em Z).
Também aqui se nos afigura que nenhuma censura merece o decidido.
Note-se que ao contrário do que a recorrente afirma, do relatório técnico elaborado pela testemunha AA consta de forma muito clara – ver ponto 3.9 que a subida da cota em 90 cms, permitindo pressões hidráulicas sobre a zona enterrada do muro de alvenaria de granito e consequentes infiltrações de águas pluviais (e também de rega do relvado) através dele, potenciou a entrada das ditas águas depositadas nos logradouros para a caixa de ar pré-existente e desta, através das juntas da parede de forra interna de alvenaria de tijolo furado (…) para a camada de revestimento do pavimento do r/c do Externato, alastrando nela.
E tendo igualmente referido que a construção da A. padece de “má prática construtiva inicial – a que se reporta o que consta provado em P)’ a R)´- concluiu a testemunha mencionada que derivado da prática construtiva inicial usada pela autora, a subida do nível do terreno efetuada pela R. sem cuidados prévios, veio provocar danos do edifício da R.. E acrescentou que embora a R. desconhecesse os descuidos técnicos da obra da A., a mesma R. não tinha tomado os cuidados para evitar as consequências no caso daquelas existirem.
Nomeadamente executando a sondagem que posteriormente à obra e às infiltrações foi levada a cabo.
Após o que propôs a execução de obras conforme esquema que juntou a fls. 640.
No seu depoimento confirmou esta testemunha o teor do seu relatório.
Reiterou que deveria ter sido levado a cabo um estudo prévio pela R. para saber o que estava executado, uma vez que decidiu elevar a cota do terreno em 90 cms.
Bem como foi perentório em afirmar que a atuação da R. ao elevar a cota agravou a situação, pois o muro não estava preparado para ser muro drenante.
No mesmo sentido depôs a testemunha CC, afirmando que as infiltrações ocorreram após a obra da R..
Pelo que conclui ter sido a alteração da cota que afetou o muro e provocou as infiltrações.
No mesmo sentido foi elaborado o relatório pericial.
Basta analisar as respostas do Sr. Perito e esclarecimentos adicionais, para à mesma conclusão se chegar.
Deste e porque com relevo também para a al. M)’ consta que à data da inspeção – em 16/09/2020 – o mesmo menciona que de acordo com o que foi informado pela gerente da A. a escola sofreu obras de limpeza e fungos e bolores e posterior pintura, para reunir condições de salubridade. Em conformidade com o que juntou as fotos 3 e 4, referindo na 3 que as paredes e tetos foram recentemente tratados.
E quanto a infiltrações e sinais das mesmas menciona existirem apenas vestígios de manchas de humidade nas pedras mármore na parede e pavimento.
Denotando estas que não existe impermeabilização eficaz entre o muro de encosto de terras do logradouro das habitações e a parede do infantário.
Partindo do princípio que antes das obras não existiam infiltrações, afirmou ser possível estabelecer o nexo de causalidade entre a obra da R. e estas. Tendo ainda esclarecido que independentemente do tipo de paredes que fosse utilizado na construção da A. (a questão era colocada por referência a parede de betão) se as superfícies das paredes ou muros não fossem prévia e devidamente impermeabilizados, as infiltrações e danos provocados por estas surgiriam.
Concluindo sempre pela necessidade de impermeabilização do muro; nomeadamente após o levantamento da cota das terras do jardim (remetendo nos esclarecimentos para a solução apontada no relatório da testemunha AA a fls. 640 como o correto) como forma de evitar as infiltrações. Igualmente tendo emitido a opinião de que previamente à subida da cota deveria a R. ter realizado uma sondagem ao edifício preexistente da autora, de acordo com as boas regras.
Ainda nos esclarecimentos reiterou o entendimento de que a 1ª R. deveria ter procedido à impermeabilização da face do muro ante de efetuar a subida da cota da terra para evitar as infiltrações.
Finalmente o perito nos esclarecimentos afirmou que após análise dos elementos existentes nos autos, nomeadamente “projeto e memória descritiva de fls. 603 a 622” conclui que o que estava previsto em projeto “era uma parede de betão armado e uma parede dupla em alvenaria de tijolo”.
Da análise conjugada desta prova resulta não merecer censura a resposta dada às als. A), ’B)’ e F)’, pois à mesma está conforme. E no que à al. M)’ respeita, igualmente entendemos que esta se contém dentro da margem de discricionariedade que está conferida ao julgador na apreciação da prova, não evidenciando erro.
Se ainda não foi corrigida a situação e se de acordo com o que é mencionado no relatório – onde se dá nota de pintura recente de tetos e paredes – a A. vai realizando pinturas para que a escola se possa manter em funcionamento com as necessárias condições; o que igualmente fora já verificado em 2013 em setembro pela testemunha AA aquando da segunda visita à escola, é esta atuação considerada normal atenta a utilização do espaço em causa e mostra-se justificada a redação dada também à al. M)’.
Consequentemente devendo manter-se nos factos não provados o ponto 11º dos factos não provados.
Embora não exigida ao julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Por outro lado, a alteração da decisão de facto por parte do tribunal de recurso que não beneficia da imediação que ao tribunal a quo é conferida, só deverá ocorrer quando conclua pela violação destas mesmas regras da experiência e da lógica e conclua na formação da sua convicção que o tribunal a quo errou, impondo-se uma decisão diferente e nomeadamente a pugnada pela recorrente.
Pelo que acima expusemos, a decisão do tribunal a quo quanto a estes factos provados e não provado analisado mostra-se sustentada na prova produzida e que acima mencionámos, não merecendo como tal censura.
Uma última palavra para referir que o depoimento em sentido contrário quer do legal representante da R., quer da testemunha DD – o qual em depoimento confirmou não se ter deslocado nem ao prédio dos RR. aquando da realização da sondagem, nem ao prédio da autora, limitando-se a dizer que conhece o que estava projetado por se ter deslocado à CM ... e depôs com animosidade e sem o necessário distanciamento que permitiria conferir ao seu depoimento credibilidade - não afastam o juízo que acima formulámos.
*
Nos termos acima analisados, procede parcialmente a impugnação apresentada.
*
***
3) Do erro na aplicação do direito.
Em função do acima enunciado cumpre apreciar se o tribunal a quo incorreu em erro na subsunção jurídica dos factos ao direito.
Relembra-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não obstante e sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC].
A recorrente, conjuntamente com os demais RR.. foi condenada a reconhecer :
“a) (…) que a autora é proprietária dos imóveis sitos na Rua ..., ..., no Porto, descritos na CRP do Porto sob o n.º ... e sob o n.º ..., inscritos na matriz sob o artigo ... e sob o artigo ... respetivamente;”
Mais foi, a recorrente, condenada a:
“b) (…) a repor a situação em que se encontrava o prédio da autora, procedendo às correções necessárias, vertidas na alínea I)’ dos factos provados; bem como proceder às reparações de pinturas e mármores, referidas nos pontos 3.2 e 3.3 da alínea U) dos factos provados;”
Do mais tendo sido absolvida.
No recurso interposto concluiu a recorrente, a final, pela absolvição de todos os pedidos contra si formulados.
Analisadas as alegações de recurso nada foi argumentado ou justificado para a alteração do decidido na al. a) da decisão condenatória.
Sendo certo que a recorrente não questionou nos autos a propriedade da A. sobre os prédios identificados na mencionada al. a) da decisão condenatória.
Assim, se acaso era pretensão da recorrente atacar tal segmento decisório, é claro que nada alegou como fundamento para tal alteração.
Aqui se deixando expresso o entendimento de que a condenação no primeiro pedido e identificada na al. a) da decisão condenatória não merece qualquer censura, perante a factualidade julgada provada e a análise que da mesma o tribunal a quo fez.
Entende-se, contudo, que o verdadeiro objeto do recurso da 1ª R. se relaciona apenas com a condenação identificada na al. b) da decisão condenatória. Sendo sobre o mesmo que a nossa análise agora incidirá.
Questiona a recorrente a sua obrigação de proceder à reparação dos danos alegadamente sofridos pela autora, bem como a sua condenação a reparar ou eliminar a causa desses danos.
O tribunal a quo fundamentou a condenação da recorrente 1ª R. na responsabilidade civil extracontratual por omissão dos deveres de diligência e cuidados que sobre a mesma impendiam antes da execução dos trabalhos a que procedeu, tendo nomeadamente exposto o seguinte:
“a 1.ª ré ao proceder à obra, máxime elevação da cota do terreno, com aumento da pressão hidráulica, devia, segundo o critério de um homem medianamente cuidadoso e atento às eventuais consequências da sua conduta perante terceiros, assegurar-se, através de técnicos habilitados para tanto, da qualidade da parede em causa, tanto mais que a dita obra constituiu um fator de risco ou perigo para a propriedade vizinha, conforme se veio a verificar. Competia-lhe, tomar as providências adequadas a evitar as possíveis consequências.
Assim, é a 1.ª ré responsável, a título de responsabilidade extracontratual, perante a autora e pelos danos ocorridos em consequência da sua referida conduta ilícita e culposa, nos termos do artigo 483.º do Código Civil.”
Atendendo a que ficou também provado a inexistente impermeabilização da parede de empena do prédio da autora e execução, pelo menos, não exemplar da caixa de ar, ponderou ainda o tribunal a quo se deveria atribuir à aqui A. alguma responsabilidade pela produção dos danos. Tendo nos termos do artigo 570º do CC concluído não o dever fazer por não ter ficado “demonstrado que fosse previsível que no terreno vizinho da autora viesse a ocorrer uma elevação da cota do terreno, pelo que não lhe é exigível que, à data da construção do seu edifício, ou posteriormente, previsse a elevação da cota do terreno no prédio vizinho e tomasse as medidas adequadas a tal hipótese ou possibilidade.”
Ora a recorrente argumenta [tal como se extrai das conclusões de recurso – vide conclusões 29 e seguintes] como fundamentos para a pretendida total absolvição desta condenação ínsita na al. b) da decisão condenatória que (i) se desconhece o histórico das inundações no imóvel da A. antes de 2012 e nesse ano, mesmo após tal data e se se repetiram; (ii) na construção do imóvel da A. a mesma seguiu práticas construtivas muito erradas, não tendo até hoje tomado medidas necessárias à impermeabilização do seu imóvel; que a situação da subida da cota apenas poderá ter contribuído para o agravamento das infiltrações, não constituindo a sua causa direta; (iii) infiltrações que jamais se repetiram até à data apesar de todos os invernos passados; (iv) sendo a 1ª R. alheia ao problema da A. verificado em 2013; (v) a A. não demonstrou os atos necessários à reposição das coisas no seu estado anterior, nem os atos necessários à sua indemnização pelos danos causados, uma vez que não provou a repetição das infiltrações. Para além de que a maior parte dos danos já se encontra reparada.
Analisando estes argumentos importa referir que os enunciados em (i) e (iii) careciam de demonstração factual por parte da recorrente enquanto factos impeditivos do direito da A., pelo que não resultando da factualidade apurada nada que os sustente, necessariamente carecem estes argumentos de qualquer pertinência para o que se discute neste recurso.
Igualmente ficou por demonstrar que a 1ª R. é alheia ao ocorrido em 2013 (iv), na medida em que dos factos provados resulta que a 1ª R. por via da sua atuação – ao proceder à elevação da cota dos logradouros em 90 cms, sem previamente ter verificado/avaliado as condições construtivas do edifício da A., nomeadamente da parede que ao muro encosta e do próprio muro de meação que iria suportar o peso adicional decorrente de tal elevação, e assim sem tomar qualquer tutela/cuidado para proteger esse mesmo muro de alvenaria de granito pré-existente que serve de meação entre as duas propriedades – provocou pressões hidráulicas sobre a zona enterrada deste muro e consequentes infiltrações de águas pluviais e também de rega de relvado através dele, potenciando a entrada das ditas águas depositadas nos logradouros para a caixa de ar pré-existente e desta, através das juntas da parede de forra interna de alvenaria de tijolo furado, para a camada de revestimento do pavimento do rés-do-chão do externato. Como consequência do que o edifício da A. sofreu infiltrações de águas através da sua parede encostada ao muro acima referido [vide factos provados Z) a F)’].
Da análise destes factos não há como não considerar a demonstração da prática pela 1ª R. de um facto à mesma imputável – a realização da obra mencionada e nos termos apurados - facto esse do qual resultou danos para a A., nomeadamente na sua propriedade, como consequência dessa mesma atuação.
Merecendo a atuação da R. censura na medida em que sobre a mesma impendia um dever jurídico de atuar por forma a evitar os danos que sobrevieram para a A..
À R. era exigível que tivesse atuado de outra maneira, previamente avaliando as condições do muro de meação sobre o qual iria acrescentar relevante carga/pressões hidráulicas sobre a zona enterrada do muro de alvenaria de granito, por via da elevação da cota dos logradouros em 90 cms.; bem como verificando por via de sondagem as condições construtivas do edifício da autora e em concreto da parede que ao mencionado muro encostava.
Perante uma alteração da cota do terreno com direta influência sobre as cargas exercidas no muro de meação e de forma significativa, o homem normal colocado nas circunstâncias concretas da 1ª R. teria previsto a possibilidade de perigo, nomeadamente ao nível de infiltrações para o prédio vizinho que tem uma parede do seu imóvel encostado a tal muro, e adequado a sua conduta perante tal hipótese, procedendo às necessárias averiguações para confirmar se era necessário executar trabalhos preventivos de impermeabilização e confirmado tal cenário adequado a sua conduta em conformidade.
Esta omissão de cuidado e diligência são imputáveis à 1ª R. que não executou previamente quaisquer sondagens para verificação das condições do muro e trabalhos executados do lado da A., em função dos quais a sua atuação ficaria condicionada.
Embora a responsabilidade por omissão que se enquadra na previsão legal contida no artigo 486º do CC se reporte à omissão de ato que deveria ser praticado por força da lei ou negócio jurídico, têm tanto a doutrina como a jurisprudência vindo a defender que este mesmo normativo consagra um dever jurídico de prevenção do perigo.
Apreciando precisamente este dever jurídico de prevenção de perigo, pronunciou-se o STJ em Ac. de 22/05/2018, nº de processo 1646/11.7TBTNV.E1.S1, in www.dgsi.pt nos seguintes termos:
«não obstante se encontrar previsto no artigo 486.º, do CC, que o dever jurídico de praticar o ato resulta da lei ou de negócio jurídico, tem vindo a ser entendido pela doutrina[10] e pela jurisprudência[11] que a nossa lei consagra o princípio geral de que quem “cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir danos com ela relacionados”.
O acolhimento dos deveres de prevenção do perigo (denominados também de deveres de segurança no tráfico ou de deveres de tráfego) ao permitir alargar a responsabilidade civil (extracontratual) por omissão a quem exerce o domínio de facto sobre uma coisa (móvel ou imóvel) ou sobre uma atividade, passível de causar danos a terceiros, impõe-lhe o dever de tomar as providências necessárias para evitar a produção dos mesmos[12].
O conteúdo destes deveres tem subjacente o conceito de agir com cuidado[13] e depende de múltiplos factores como sejam a probabilidade do acidente, a gravidade dos efeitos danosos, as medidas preventivas adequadas e a possibilidade de auto-protecção do eventual lesado.»[4]
Sobre quem executa trabalhos em prédio seu:
- alterando a cota do seu terreno em 90 cms., vindo as terras que para o efeito foram aportadas ao terreno, a encostar diretamente ao muro de meação com o prédio do vizinho que por sua vez a esse muro tem encostada uma parede;
- muro esse que não foi executado para ter a função de vedar ou impermeabilizar e que passou a suportar as cargas hidrostáticas inerentes a tal relevante elevação de cota do terreno;
recai um especial dever de prevenir que de tal atuação não deriva para o vizinho uma qualquer situação de perigo ou dano, verificando nomeadamente que tal muro está preparado para receber tal sobrecarga e pressão hidrostática, sem provocar infiltrações sobre o prédio vizinho e em conformidade com o apurado, tomando as providências necessárias a eliminar tais riscos.
O dever de prevenção do perigo verificava-se no caso concreto nos moldes analisados e da sua violação que lhe é censurável a título de culpa, decorre para a R. não só o dever jurídico de remover esse mesmo perigo de infiltrações, como a sua responsabilidade pelos danos causados à A. como consequência dessa mesma violação.
O nexo causal entre os danos apurados e a violação deste dever de prevenção está igualmente apurado – vide facto provado F)’.
Danos esses apurados e pelo tribunal a quo reportados aos pontos 3.2 e 3.3 da al. U) dos factos apurados.
Demandando a eliminação das causas que originam os problemas verificados e que se mantém, a realização dos atos descritos em I)’ dos factos provados (ficando como tal afastado o argumento da recorrente no início elencado em (v).
A condenação da R. por via da responsabilidade civil extracontratual nos termos previstos nos artigos 483º e acrescentamos, 486º do CC, não merece censura.
Estando afastado a aplicação do previsto no artigo 1348º do CC por a atuação da R. analisada e sobre a qual se exerce o juízo de censura não se enquadrar no âmbito jurídico da norma direcionada para os danos suportados pelo vizinho com obras de escavação.
Resta analisar se existe co-culpabilidade. Ou seja, se também a A. contribuiu para a produção ou agravamento dos danos e nesse caso se tal justifica a redução ou mesmo exclusão da indemnização, nos termos previstos no artigo 570º do CC.
Nesta sede o tribunal a quo excluiu a culpa da lesada autora, com os seguintes fundamentos:
“Quando muito, dadas a inexistente impermeabilização da parede de empena do prédio da autora e execução, pelo menos, não exemplar da caixa de ar, poderia ponderar-se se é razão para considerar que houve uma contribuição culposa da autora para a ocorrência dos danos ou para o seu agravamento, podendo nesse caso ser aplicável o disposto no artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil. Contudo, não ficou demonstrado que fosse previsível que no terreno vizinho da autora viesse a ocorrer uma elevação da cota do terreno, pelo que não lhe é exigível que, à data da construção do seu edifício, ou posteriormente, previsse a elevação da cota do terreno no prédio vizinho e tomasse as medidas adequadas a tal hipótese ou possibilidade.”
De acordo com o previsto no artigo 570º do CC “1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
A aplicação do previsto no artigo 570º do CC implica que o ato do lesado tenha sido uma das causas do dano – em concorrência com o ato do responsável - o mesmo é dizer que entre tal ato e os danos, ou o agravamento dos mesmos tenha também ficado estabelecido o nexo causal tal como previsto no artigo 563º do CC.
De igual modo é necessário que haja culpa do lesado, exigindo-se “que o facto do prejudicado apresente características que o tornariam responsável, caso o dano tivesse atingido um terceiro”. Sob pena de e não merecendo censura o ato do lesado, ficar afastada a aplicação deste normativo. O mesmo é dizer que a “redução ou exclusão da indemnização só ocorre quando o prejudicado não adote a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou o agravamento dos seus efeitos.(…)”[5]
Culpa esta “que tanto pode reportar-se ao facto ilícito causador dos danos, como diretamente aos danos provenientes desse facto. Falando no concurso do facto culposo para a produção dos danos ou para o agravamento deles, a lei pretende sem dúvida abranger os dois tipos de situações.”. Podendo as culpas do lesado tanto ser “simultâneas como sucessivas”.[6]
De referir, por último, que nos termos do artigo 572º do CC, cabe àquele que alega a culpa do lesado fazer a prova da sua verificação. Sendo sempre a sua apreciação de conhecimento oficioso, desde que a factualidade apurada a evidencie.
Tendo por base estes pressupostos cabe aferir se da factualidade provada resulta, em primeiro lugar demonstrado o nexo causal ente o dano ou o seu agravamento e a conduta da lesada aqui A..
Em segundo lugar se tal conduta da lesada aqui A. é censurável.
Dos factos provados resulta que a parede da autora que se encontra encostada ao muro de meação com os terrenos dos RR. [vide fp O)] não tem impermeabilização, tendo aproveitado o muro de meação inadequado para fins de impermeabilização para servir o propósito de impermeabilizar a parede do externato. E a caixa de ar do Externato, entre a parede da autora e o muro que serve para isolar aquela parede do Externato de quaisquer infiltrações não tem implementado uma impermeabilização e um sistema de drenagem (escoamento de águas) tal como deveria [vide fp´s P)’ a R)’].
A mencionada não impermeabilização da sua parede, associada à utilização de um muro sem caraterísticas de impermeabilização para o efeito e a não introdução do sistema de drenagem, como deveria ter feito aquando da construção da parede da autora e da caixa de ar que entre esta e o muro a A. deixou, precisamente com vista a proteger a sua parede de infiltrações, facilitou as infiltrações que por via da atuação da R. e nos termos já analisados ocorreram no seu prédio.
O mesmo é dizer que existe um nexo causal entre o agravamento dos danos suportados pela A. e a não utilização das melhores técnicas construtivas ao nível da impermeabilização da sua parede encostada ao muro da 1ª R. (à data).
E diz-se de agravamento e já não produção desses mesmos danos, porquanto de acordo com os factos provados, resultaram as infiltrações da atuação da conduta da R. já analisada.
Note-se que até então não está demonstrado que a A. tivesse tido problemas de infiltrações, o que à R. incumbiria ter alegado e demonstrado.
E se assim é, a causa dos danos apurados reside na conduta da R.. Apenas sendo de considerar estabelecido o nexo causal entre o agravamento desses mesmo danos e a já analisada conduta omissiva da A. aquando da sua própria construção.
Caso desta não utilização das melhores técnicas construtivas por parte da A. tivesse ocorrido dano para terceiros, tal situação seria fonte de responsabilidade para a autora. O mesmo é dizer que a conduta da autora merece censura.
Estão, nos termos analisados, verificados os pressupostos de que depende a verificação da co-causalidade no que respeita ao agravamento dos danos verificados no prédio da autora.
A R. porém, veio a ser condenada apenas na reparação do que consta na U) dos factos provados – pontos 3.2 e 3.3.
Em causa a reparação dos problemas detetados com os pavimentos de mármore que sempre a R. teria de reparar. Pelo que se nos afigura inexistir fundamento para no caso concreto proceder a qualquer redução por via do previsto no artigo 570º do CC quanto a esta obrigação.
Por outro lado, a R. foi condenada a proceder à execução dos trabalhos indicados nas als. I)’ dos factos provados.
Em causa a eliminação das causas das infiltrações por má execução da obra do lado da R..
Claramente está afastada qualquer relação da A. com este segmento da decisão condenatória, pelo que nesta parte nada há a censurar.
Em suma conclui-se pela manutenção do decidido pelo tribunal a quo, ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes. E consequentemente pela total improcedência do recurso interposto pela 1ª R..
*
***
RECURSO DA AUTORA.
Tal como acima já deixámos enunciado, o recurso da A. restringiu-se à absolvição do pedido constante da decisão recorrida quanto aos 2º, 3º e 5º a 9º RR. (absolvição parcial).
Absolvição que mais alegou foi decidida sem fundamentação, violando o disposto nos artigos 607º nº 3 e 154º do CPC [vide conclusões 5 a 12], o que nos remete para a arguição de nulidade da sentença prevista no artigo 615º nº 1 al. b) do CPC.
Questão, prévia, de que cumpre conhecer.
“É nula a sentença quando:
(…)
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”.
Estando as nulidades da sentença previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC é pacificamente aceite que estas respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”[7], motivo por que nas mesmas se não incluem quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito[8].
Por outro lado é entendimento uniforme na jurisprudência e com apoio na doutrina que apenas a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito, e apenas esta e já não a sua deficiência, em que assenta a decisão, são causa de nulidade da mesma[9].
Analisada a sentença recorrida verifica-se que o tribunal a quo após logo no início ter elencado as questões a resolver que elencou em 7 pontos, apreciou e julgou verificada a responsabilidade da 1ª R. que subsumiu ao regime da responsabilidade civil extracontratual, nos termos em que analisou e decidiu.
Após tendo declarado considerar “prejudicadas todas as demais questões suscitadas”.
Nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC pode o juiz declarar que não conhece das questões suscitadas que no seu entender estejam prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim sendo o tribunal a quo expressou a justificação para não conhecer das demais questões, nomeadamente relativas ao pedido de condenação dos RR. ora recorridos que julgou, dos pedidos em questão, absolvidos.
Aliás, isto mesmo argumentou o tribunal a quo, em cumprimento do disposto no artigo 617º nº 1 do CPC, concluindo inexistir no seu entender a arguida nulidade, na medida em que da condenação da 1ª R. e da fundamentação apresentada para a mesma deriva, como consequência lógica, a absolvição dos demais RR. [cfr. decisão de 21/12/21].
Se o tribunal errou quanto à afirmação do “prejuízo” é questão a apreciar em sede de mérito.
Mas não integra a nulidade arguida, pois foi justificado o motivo para o não conhecimento.
Em suma, julga-se improcedente a arguida nulidade.
*
Do mérito do recurso.
Na sequência do que o tribunal a quo decidiu quanto à pretensão deduzida contra os demais RR. recorridos, julgando o conhecimento da mesma prejudicado face ao decidido quanto à 1ª R., cumpre em primeiro lugar aferir se merece este juízo censura.
O conhecimento de uma questão prejudica o conhecimento de outra(s) quando a solução da primeira logicamente impede a apreciação da segunda.
Assim acontecerá quando procede o pedido principal, impedindo o conhecimento do pedido subsidiário; quando ao invés não é atendido um pedido prejudicial relativamente a outro cumulativamente deduzido e quando a procedência, ou ao invés, a improcedência do pedido principal acarreta a não apreciação do pedido reconvencional [cfr. anotação ao artigo 608º do CPC in CPC Anotado de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, 3º edição, p. 713].
Ora, a autora peticionou a condenação solidária dos demais RR. e invocou para tanto a sua qualidade de proprietários e a persistência dos danos, mantendo-se a lesão ativa; a responsabilidades destes decorrente das relações de vizinhança na sequência da aquisição das suas frações, com a qual aos mesmos se estendeu a responsabilidade da 1ª R. para tanto invocando o disposto no artigo 1348º do CC; a responsabilidade dos mesmos decorrente do vício de construção de que padece o seu imóvel (artigos 492º e 497º do CC) e da obrigação de o conservarem; bem como a necessidade de todos serem condenados para o efeito útil da decisão a proferir nos termos peticionados.
O decidido pelo tribunal a quo apreciou tão só a responsabilidade quanto à 1ª R. e condenou-a a proceder às obras nos termos acima assinalados.
Mas desta conclusão e decisão, tal como foi elaborada pelo tribunal a quo apenas por referência à responsabilidade da 1ª R., não resulta prejudicada a pretensão deduzida contra os demais RR. e cuja condenação solidária com a 1ª . foi peticionada.
Poderá ser totalmente improcedente a pretensão deduzida. Mas tal carece de análise e enquadramento jurídico.
Consequentemente e concluindo-se pelo erro de julgamento quanto ao declarado não conhecimento da pretensão deduzida contra os RR. recorridos por alegadamente prejudicada, cumpre apreciar se procede a pretensão da recorrente.
*
Pugna a recorrente pela condenação dos RR. recorridos, de forma solidária com a 1ª R. nos termos em que esta foi condenada [al. b) da decisão], para tanto alegando que tendo estes adquirido os seus imóveis à 1ª R. após a sua construção, é a responsabilidade desta extensível aqueles.
O que sustenta, de um lado, na previsão legal contida no artigo 1348º do CC o qual dispõe:
“1. O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra.
2. Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias.”
Deste normativo legal inferindo, se bem o entendemos, serem estes responsáveis por enquanto proprietários serem os “donos da obra” e logo “autores” para os efeitos do artigo 1348º nº 2 do CC.
Invocando ainda a recorrente que as relações de vizinhança são relações jurídicas reais ou propter rem, não deixando as pretensões delas resultantes de ter natureza real e ficar integradas no conteúdo dos direitos reais em presença.
Motivo por que se transmitem com a alienação do prédio, ficando o novo titular vinculado como tal, por força do direito que adquiriu.
Afastando assim qualquer relevância ao que consta provado em S) sobre a data de aquisição das frações dos RR. ora recorridos.
Como segundo fundamento jurídico para a responsabilização dos RR. recorridos, invoca ainda a recorrente o previsto nos artigos 492º e 497º do CC os quais dispõem o seguinte:
(artigo 492º)
“1. O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.
2. A pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação.”
(artigo 497º)
1. Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.
2. O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respetivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.”
Do previsto também nestes dois normativos, associado à alegação de que a ação de provocar danos ainda continua e se mantém nesta data [al. M) dos factos provados]; de que existe um vício de construção ou defeito de conservação que constitui o facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar; de que os RR. recorridos são os atuais proprietários das frações cujos logradouros confinam com o imóvel da autora e que a presente ação se destina a obter decisão condenatória para a realização de obras através de tais logradouros para o que é no mínimo necessário a autorização destes RR., conclui a recorrente A. pela condenação de todos os proprietários das frações em causa, os RR. recorridos nos termos decididos para a 1ª R. sob a al. b) da decisão condenatória. Inclusive como forma de garantir o efeito útil da sentença.

De acordo com o que resulta dos autos e na sequência do que acima foi já analisado, o facto lesivo causa dos danos elencados e apurados sofridos pela autora foi o aterro que a 1ª R. levou a cabo no prédio que então era de sua pertença e que a final, após a constituição da propriedade horizontal vendeu aos RR. recorridos as frações identificadas em E) a L) dos factos provados, mantendo-se a 1ª R. proprietária das frações identificadas em D) dos factos provados.
Obra que se encontra descrita em N), Z), C’) e E’) entre o mais.
Destes pontos factuais realça-se o início das obras em 2008/2009 pela 1ª R. e a subida do nível do terreno dos logradouros privados das moradias em 90 cms., permitindo esta subida do nível do terreno pressões hidráulicas sobre a zona enterrada do muro de alvenaria de granito e consequentes infiltrações de águas pluviais e também de rega do relvado no prédio da A. [vide als. A’) a F’) dos fp’s].
Omitindo a R. os cuidados necessários a prevenir por via desta execução de obra danos para terceiros, nomeadamente para a autora.
Desta factualidade tendo resultado que o autor da conduta geradora dos danos causados no prédio da autora, tal como está provado foi apenas a 1ª R..
Os demais RR. recorridos nenhuma intervenção tiveram na execução da obra nem a esta execução se mostravam ligados, tal como o ponto factual S’ dos fp’s o evidencia [data em que os RR. passaram a ser proprietários das frações identificadas nos autos – 1/08/2018].
Igualmente resulta dos factos provados que os danos tiveram origem na atuação da 1ª R..
Mesmo que esteja provado que a ação contínua de provocar danos no imóvel se mantém nesta data [vide M´) dos fp’s], tais danos têm origem na mencionada atuação da 1ª R.. Esta é a autora dos danos descritos pela recorrente e cuja indemnização foi peticionada.
Como veremos esta factualidade afasta a responsabilidade dos RR. recorridos.
Imputou a A. recorrente em primeiro lugar a responsabilidade aos RR. recorridos por via do previsto no artigo 1348º do CC, alegando que por estar em causa uma obrigação propter rem, a mesma acompanhou o direito real de propriedade que foi transmitido pela 1ª R. aos demais RR. e nessa medida, também a responsabilidade decorrente dos danos causados foi para os adquirentes transmitida.
Daqui concluindo pela responsabilidade solidária dos mesmos conjuntamente com a 1ª R. pelos danos sofridos.
A lei não define o conceito de obrigação propter rem, o qual tem vindo a ser desenhado pela doutrina, sem que haja unanimidade quanto “à natureza da obrigação “propter rem” (tese realista, tese personalista e tese mista[..]), quanto ao seu conteúdo (concretamente quanto a saber se aí se compreendem apenas obrigações positivas[..] ou também obrigações negativas[..]) e quanto ao seu âmbito de transmissibilidade[..]”[10].
Não obstante e no que às características essenciais desta obrigação concerne, existe consenso no sentido de a relacionar com a titularidade de um direito real, mormente o direito de propriedade, de tal modo que o sujeito passivo desta obrigação é definido pela titularidade de um concreto direito real, tal como resulta das formulações dos seguintes autores[11]:
«Segundo Henrique Mesquita: «Como obrigações propter rem (…) devem qualificar-se apenas aquelas a cujo cumprimento se encontra adstrito o titular de um direito real – seja por mero efeito do respetivo estatuto (uma vez verificados os pressupostos de que dependem), seja em consequência da violação das regras que nele se contêm»[..].
Para Menezes Leitão, as obrigações propter rem «(…) correspondem a obrigações em que o respetivo devedor é determinado pela titularidade de um direito real. Trata-se assim de obrigações cujo sujeito passivo é variável, correspondendo ao que for titular naquele momento de determinado direito real, o que justifica a sua qualificação como obrigação ambulatória»[..].
Segundo José Alberto Vieira: «Dentro das situações jurídicas propter rem, as mais relevantes são as designadas obrigações reais ou, mais corretamente, propter rem. Nelas, o sujeito passivo da obrigação surge determinado pela titularidade do direito real»[..].»
Trata-se assim de um vínculo jurídico por virtude do qual “uma pessoa na qualidade de titular de um direito real fica adstrita a realizar uma prestação em benefício de outra. Sucede apenas que estas obrigações se encontram enxertadas (…) no conteúdo de um ius in re, de cujo estatuto promanam.”[12]
Diferentes das obrigações propter rem e com as mesmas não se confundindo estão as chamadas pretensões reais – relações de natureza obrigacional, cuja origem está no estatuto dos direitos reais, da violação destes nascendo uma relação creditória por parte do titular do direito real violado contra o autor da violação.
Contudo[13] não se incluem nestas pretensões reais, os direitos de indemnização fundados em normas gerais sobre responsabilidade civil (…). Quer pela sua origem, quer pelo seu regime, situam-se integramente no campo das relações obrigacionais autónomas – fora, portanto, do regime dos direitos reais, embora sejam consequência da sua violação.
O direito que se invoca na ação de indemnização não é como nas pretensões reais um ius in re cuja esfera de soberania pretende ver-se respeitada, mas sim um direito de crédito que embora decorrente da violação de um ius in re, tem, em relação a este, plena autonomia.
Ambos os conceitos de pretensão real e obrigação propter rem “se referem a relações obrigacionais que têm como fonte o estatuto dos direitos reais. Enquanto, porém, ao conceito de obrigação propter rem é imprescindível que o devedor seja determinado em função da titularidade de um direito real, nas pretensões reais, pelo contrário, é o lado ativo da relação obrigacional que se encontra necessariamente ligado a um ius in re”.
Assentes estes conceitos, temos que os atos identificados pela autora como causa dos danos cuja indemnização peticiona derivam de obras executadas pela 1ª R. no seu prédio, causando prejuízo no prédio vizinho nos termos acima já analisados.
Tal como acima também já deixámos expresso, a atuação da 1ª R. geradora dos danos para a A. não se enquadra na previsão legal do artigo 1348º do CC, na qual definiu o legislador a obrigação de indemnizar por parte do autor das obras de escavações os proprietários vizinhos, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias – vide nº 2 deste mesmo artigo.
Os danos que emergiram para a A. não resultaram de escavações, mas sim do aterro levado a cabo no prédio vizinho.
Implicando o afastamento deste normativo legal.
De qualquer modo sempre se dirá que para efeitos deste artigo 1348º do CC o autor da obra é entendido como o dono do terreno à data em que a obra foi executada. Sendo, nesse caso, ele o responsável pela obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil por facto lícito, nos termos do citado artigo 1348º.
E embora a pretensão indemnizatória formulada nasça nesta situação da violação de um direito real, sempre a pretensão deduzida é meramente indemnizatória e funda-se nas normas gerais de responsabilidade civil, afastando o regime dos direitos reais.
O mesmo é dizer que ao contrário do pretendido pela recorrente, nunca os aqui RR. recorridos poderiam – com fundamento na responsabilidade por facto lícito previsto no artigo 1348º - ser condenados ao abrigo de uma alegada transmissão de responsabilidade, pois que em causa não está uma obrigação propter rem, mas antes um direito de crédito indemnizatório fundado na violação de um ius in re, com autonomia em relação ao mesmo.
A obrigação de indemnizar o vizinho decorrente de obras executadas num prédio, é um ato de natureza pessoal que vincula o autor das mesmas e não uma obrigação propter rem, como tal não acompanhando o prédio em caso da sua transmissão.
Assim foi decidido no AC. TRP de 13/11/2008, onde se afirmou “Muito embora acompanhem a coisa (o prédio) determinados ónus(..). e algumas (..) obrigações propter rem, no caso de transmissão, tal não acontece relativamente aos atos de natureza pessoal que o anterior dono tenha praticado (..): a obrigação de indemnizar o vizinho por danos decorrentes de escavações, no contexto do art. 1348.º são, não uma obrigação real “ambulatória”, mas uma obrigação autónoma de indemnização(..) que vinculam o seu autor (proprietário do imóvel à data das escavações).”[14]
Concluindo não podem os RR. ser responsabilizados pelos danos causados à A. com base na atuação da 1ª R. e numa altura em que não tinham qualquer ligação ao imóvel em questão.
Seja esta responsabilização fundada na responsabilidade por factos lícitos (artigo 1348º do CC cuja aplicação já foi afastada) seja com fundamento em responsabilidade por facto ilícito.
A tal não obstando o facto de se ter provado a ação contínua de provocar danos no imóvel e que ainda se mantém, pois que a responsabilidade de tal situação tem a sua origem, sempre, na conduta da 1ª R..
Excluída está de igual forma a responsabilização dos RR. recorridos com fundamento no disposto nos artigos 492º do CC e 497º do CC, convocados pela recorrente neste recurso, já que o que está em causa não é nem ruína de obra nem dano provocado exclusivamente por defeito de conservação (nº 2 do artigo 492º).
Antes e nos termos apurados, danos provocados no prédio da autora e com origem na execução da obra a cargo da 1ª R., enquanto autora da mesma.
Está como tal excluída a responsabilidade dos RR. recorridos por via destes dispositivos legais.
Por último alegou ainda a recorrente a necessidade da condenação de todos os RR. a repor a situação em que o prédio da A. encontrava, como forma de garantir o efeito útil da decisão proferida.
Nesta parte assiste parcialmente razão à recorrente.
Na medida em que as obras a realizar implicarão a entrada nos logradouros e/ou espaços comuns do condomínio constituído, deverão estes RR. ser condenados a permitir que a 1ª R. aceda a tais espaços para execução dos trabalhos em que foi condenada na sentença proferida.
Sendo certo que esta pretensão se encontra contida no pedido condenatório que a A. havia contra estes mesmos RR. formulado.
Apenas nesta parte procede pois o recurso da autora.
Assim sendo e pelo exposto é de julgar o recurso interposto pela A. parcialmente procedente, apenas no que respeita à condenação destes RR. a permitir o acesso aos logradouros dos seus prédios e/ou espaços comuns do condomínio constituído, com vista à execução dos trabalhos em que a 1ª R. foi condenada.
No mais improcedendo o recurso da A..
*
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III. Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar:
1- Totalmente improcedente o recurso interposto pela 1ª R., mantendo-se a decisão recorrida na parte correspondente a este recurso.
Custas do recurso pela 1ª R. recorrente.
2- Parcialmente procedente o recurso interposto pela A., 1ª R., consequentemente e revogando parcialmente a sentença recorrida, decidindo condenar os 2º, 3º e 5º a 9º RR. a permitir o acesso aos logradouros dos seus prédios e/ou espaços comuns do condomínio constituído, com vista à execução dos trabalhos em que a 1ª R. foi condenada.
No mais se mantendo a absolvição destes RR. dos pedidos contra os mesmos formulados.
Custas do recurso da A. pela recorrente e recorridos na proporção de ¾ para a A. e ¼ para os recorridos.
Notifique.
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Porto, 2022-07-13.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] Cfr. Ac. STJ de 22/03/2018, nº de processo 290/12.6TCFUN.L1.S1, in www.dgsi.pt
[2] Como resulta do ponto iii supra, a recorrente repete aqui a impugnação do ponto 13º uma vez mais, propondo agora para o mesmo uma diversa redação.
[3] Neste mesmo Ac. foi citado um outro Ac. do STJ de 09/09/2014 proferido no processo nº 5146/10.4TBCSC.L1.S1, in www.dgsi.pt onde entre o mais se afirma que se tem entendido “na jurisprudência e na doutrina, que as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados[…].
Para Teixeira de Sousa, «A seleção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (cfr. STJ – 13/12/1983, BMJ 332, 437) […].
Abrantes Geraldes defende que “devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem” […].
[4] Nas notas que foram introduzidas no texto do Ac. citado, foram feitas menções à doutrina e jurisprudência que seguiu o mesmo entendimento, as quais aqui igualmente se deixam reproduzidas pelo seu interesse para o tema:
«[10] É também este o entendimento de Brandão Proença (Direito das Obrigações-Relatório Sobre o Programa e Conteúdo e os Métodos do Ensino da Disciplina, 2007, págs. 180, 181.) que defende um “dever genérico de prevenção do perigo”, a que Sinde Monteiro chama “dever de segurança do tráfego”, significando, como ensina A. Varela (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 114.°, p. 77-79), que “o criador ou o mantenedor da situação especial de perigo tem o dever jurídico de o remover, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão”.
Analisando o posicionamento jurisprudencial relativo ao dever jurídico de agir não decorrente de norma específica ou negócio jurídico, refere Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde que “A casuística judicial analisada é eloquente, revelando que inúmeras decisões imputaram resultados lesivos fundados em omissões, sem as reportar, como expressamente impõe a letra do artigo 486º, a estritas vinculações legais ou negociais, adotando um procedimento metodológico idêntico ao efetuado pela jurisprudência alemã que, não dispondo sequer de uma disposição equivalente, serviu-se dos deveres de segurança no tráfego para alargar o catálogo de ordens de ação para além do § 823, II, aplicando diretamente § 823,1, a fim de assegurar a proteção integral dos direitos e bens jurídicos que tutela e abstraindo por completo de se tratar de condutas ativas ou omissivas (…) Os deveres no tráfego não se limitaram a alargar o elenco das ordens de agir para além das normas de proteção de carácter precetivo, impondo também a responsabilidade pela prática de atos descuidados, evolução que marcou um momento essencial na transição dos deveres de segurança no tráfego para os deveres no tráfego.” - Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Almedina 2015, p. 596 e 597.
[11] Cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 10-11-2010 e de 29-11-2016, respetivamente, processos n.ºs 2762/03.4TVLSB.L1 e n.º 820/07.5TBMCN.P1.S1.
[12] Cfr acórdão deste Supremo Tribunal de 02-06-2009, Processo n.º 560/2001.S1, onde consta do respetivo sumário: “I - O dever genérico de prevenção do perigo ou dever de segurança no tráfico existe relativamente aos donos de coisas privadas, ainda que imóveis, devendo aferir-se o grau de exigência do obrigado à prevenção do perigo [na tomada de medidas aptas a evitar o maior ou menor risco de acidente que a coisa representa], pela maior ou menor probabilidade do risco de acidente; II - Quanto mais intenso for o perigo mais intensa é a obrigação de o prevenir adequadamente, e, em caso de omissão, mais exigente deve ser o juízo de censura)”, a que se pode aceder através das Bases Documentais do ITIJ.
[13] Rui Ataíde, na obra citada, escreve: “O cuidado é o atributo comportamental exigido a todos quantos participam no trato social que, por sua vez, se concretiza em deveres de conduta ativa ou omissiva – ditos deveres no tráfego – destinados a prevenir, conduzir ou remover perigos que se podem concretizar em eventos lesivos. Trata-se de uma orientação plena de conteúdo axiológico e que se afigura dogmaticamente produtiva, ao desvendar a essência da ação humana como relatio, pelo que o desvalor de cuidado, enquanto não evitação, possível, de resultados proibidos, representa, justamente, a negação dessa abertura relacional que constitui a matriz da vida comunitária.” - p. 46.»
[5] Cfr. Almeida Costa in Direito das Obrigações, 4ª edição, Coimbra Editora, p. 533 e 534.
[6] Cfr. C.C. Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, vol. I, 4ª edição revista e atualizada, edição Coimbra Editora, em anotação ao artigo 570º, p. 587/588.
[7] Cfr. Ac. STJ de 23/03/2017, nº de processo 7095/10.7TBMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt
[8] Vide também Ac. STJ de 30/05/2013, nº de processo 660/1999.P1.S1, sobre a distinção entre nulidade da sentença (no caso por oposição entre os fundamentos e decisão) versus erro de julgamento; ainda Ac. TRP de 24/01/2018, nº de processo 19656/15.3T8PRT.P1 sobre a distinção entre erro ou vício da decisão de facto e nulidade de julgamento. Ambos in www.dgsi.pt [9] vide neste sentido Ac. TRP de 11/01/2018, Relator Filipe Caroço; Ac. TRL de 03/12/2015, Relator Olindo Geraldes; Ac. TRG de 21/05/2015, Relatora Ana Duarte in www.dgsi.pt
[10] Cfr. Ac. STJ de 22/09/2021, nº de processo 25384/18.0T8PRT-A.P1.S1 in www.dgsi.pt que para este efeito seguiremos de perto pela pertinência que para o caso sub judice apresenta.
[11] Citados no Ac. na nota anterior identificado.
[12] Manuel Henrique Mesquita in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, p. 102/103.
[13] E tal como realça o autor citado na nota anterior – vide p. 104/105 e 112.
[14] Cfr. Ac. TRP de 13/11/2008, nº de processo 08B3485 in www.dgsi.pt e mais jurisprudência e doutrina nele citados;