Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
125/14.5TTVNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ALTA CLÍNICA
INCIDENTE DE REVISÃO DA INCAPACIDADE
LESÕES
SEQUELAS
Nº do Documento: RP20180530125/14.5TTVNG.P2
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 276, FLS 136-139)
Área Temática: .
Sumário: I - No final do tratamento do sinistrado, o médico assistente emite um boletim de alta clínica, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões - artigo 35.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09 (LAT).
II - Entende-se por alta clínica a situação em que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insusceptível de modificação com terapêutica adequada.
III - O fundamento legal do incidente de revisão da incapacidade – artigo 70.º da LAT - radica no agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão sofrida (“desaparecida” ou “adormecida”), e não da eventual sequela que resultara dessa lesão.
IV - O direito de requer a revisão da incapacidade, nos termos previstos no artigo 70.º da LAT, não pode, não deve, ser negado ao sinistrado.
V - Se das lesões sofridas pelo sinistrado, em acidente de trabalho, resultou, ou não, agravamento, é questão a resolver no âmbito do respectivo incidente de revisão da incapacidade, a admitir liminarmente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 125/14.5TTVNG.P2
Origem: Comarca do Porto.VNGaia.Juízo Trabalho J2
Relator - Domingos Morais – R 755
Adjuntos: Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. – Relatório
1. – Na acção especial emergente de acidente de trabalho, que corre termos sob o n.º 125/2014.5TTVNG.P2, na Comarca do Porto-V.N.Gaia-Juízo Trabalho J2, na qual figuram como sinistrado
B... e como entidade responsável
C..., SA, actualmente, D..., S.A., foi deduzido incidente de revisão da incapacidade (artigos 145.º e ss. CPT), em 13 de Novembro de 2017, nos seguintes termos:
“B..., sinistrado em acidente de trabalho e recorrente no processo supra mencionado em referência, tendo presente o DESPACHO do Exmo. Senhor e Meritíssimo Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto, que anexa, vem muito respeitosamente requerer a revisão nos termos aludidos pelo artigo 70.º da Lei 98/2009 de 4 de Setembro e artigos 145 e ss do Código de Processo do Trabalho, dada a sua situação de saúde se estar agravando e impossibilitando de exercer normalmente o trabalho que vem desempenhando na sua profissão, que exige esforço físico, com dificuldade pela debilidade e incapacidade física motivada por dores e outros danos envolventes, em especial na sua perna direita, resultantes da queda no acidente de trabalho sofrido, tendo, desde há uns meses sido obrigado a usar uma cinta elástica em volta de seu corpo, para o ajudar quando é obrigado a efectuar esforços físicos, conforme indicação de seu médico assistente. Vem respeitosamente requerer a revisão da sua situação clinica e incapacidade, com a submissão a perícia médica.”.
2. – Em 22 de Novembro de 2017, o Mmo Juiz proferiu o seguinte despacho:
“Conforme resultou da decisão proferida a fls. 246 e ss, já transitada em julgado, considerou-se que o A. não se encontra, por efeito do acidente dos autos, afectado de qualquer incapacidade permanente. Tal derivou da circunstância dos Srs. Peritos Médicos, terem concluído, por unanimidade, (fls. 233 dos autos) que as lesões apresentadas pelo sinistrado resultaram de doença natural, não tendo origem traumática.
Assim, não há qualquer fundamento para o pedido de revisão formulado, pelo que se indefere o mesmo liminarmente.
Sem custas considerando que o A. beneficia de apoio judiciário.”.
3. - O requerente/sinistrado, inconformado, apresentou recurso de apelação, concluindo:
“I- O despacho, recorrido, decidiu indeferir liminarmente o pedido de revisão da incapacidade apresentado pelo recorrente e 13.11.2017, por não existir ao sinistrado não ter ficado afetado com qualquer incapacidade.
II- Da decisão recorrida, não foi feita a correta aplicação das regras processuais aplicáveis ao caso em apreço, motivo pelo qual o recorrente não se conforma com o indeferimento liminar do incidente de revisão requerido.
III- O recorrente sofreu um acidente de trabalho em 14.08.2012, com as lesões constantes dos autos principais.
IV- O acidente foi devidamente qualificado como acidente de trabalho, com nexo de causalidade entre as lesões e o acidente ocorrido.
V- Em 2016, o recorrente apresentou um incidente de revisão, o qual veio a ser admitido, e bem, e posteriormente julgado improcedente.
VI- O recorrente tendo em conta o agravamento das lesões ocorridas aquando do acidente de trabalho e as dores que padece, requereu nos termos do artigo 70º e 145º do CPT o incidente de revisão (cfr PI que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos).
VII- O despacho recorrido decidiu indeferir liminarmente o incidente de revisão por ao sinistrado não ter sido atribuída incapacidade.
VIII- Porém, para o caso em apreço, o que importa é que tenha havido um acidente de trabalho e que este tenha dado origem a incapacidades mesmo que temporárias, para além do nexo causal entre o sinistro e as atuais lesões.
IX- Logo, é sempre possível a revisão da incapacidade, mesmo que não resulte do acidente nenhuma IPP, inicialmente.
X- A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil, nos teros do artigo 70º nº 3 e 145º do CPT.
XI- Assistindo, direito ao recorrente requerer a revisão, como o fez a 13.11.2107.
XII- Nessa conformidade deverá ser o pedido de revisão requerido a 13.11.2017 ser admitido com as legais consequências.
XIII- O pedido de revisão formulado pelo recorrente é legalmente admissível, tal como o foi em 2016, por ser proveniente do acidente que lhe deu origem e ocorrido a 14.08.2012.
Pelo exposto, e com o douto suprimento de V. Exas, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, por provado, e em consequência ser revogado o despacho recorrido, e substituído por outro que admita o pedido de revisão intentado em 13.11.2017, com o que se fará a inteira e sã JUSTIÇA!”.
4. - A requerida/seguradora respondeu pela manutenção do despacho recorrido.
5. – O Ministério Público, junto desta Relação, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
6. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.Fundamentação de facto
Dos autos consta, ainda, a seguinte factualidade:
1. – O requerente foi vítima de acidente de trabalho, no dia 14 de Agosto de 2012, do qual resultaram as lesões descritas no auto de exame médico singular do INML.
2. – No auto de não conciliação, pela requerida/seguradora foi dito:
Aceita o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões sofridas constantes do seu boletim de alta, e o mesmo, aceita as ITS e os períodos de ITS, bem como a data da alta que consta da sua documentação clínica, não aceitando o resultado do exame médico do IML, por os serviços clínicos considerarem o sinistrado curado, sem desvalorização, desde 02.09.2012.”.
3. - Do exame médico por junta médica de 18.02.2015, resulta que os peritos médicos responderam por unanimidade no sentido de que “o sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente de 14.08.2012.”.
4. – Da sentença consta: “(…), decido que o autor não se encontra, por efeito dos acidente dos autos afectado por qualquer incapacidade permanente, nenhuma pensão estando pois a R. condenada a pagar-lhe”.

III - Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente, supra transcritas.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

2. - Objecto do recurso
- Do fundamento do incidente de revisão de incapacidade.

3. - Do fundamento do incidente de revisão de incapacidade.
3.1. - O sinistrado apresentou incidente de revisão da incapacidade, alegando, em resumo: “dada a sua situação de saúde se estar agravando e impossibilitando de exercer normalmente o trabalho que vem desempenhando na sua profissão, que exige esforço físico, com dificuldade pela debilidade e incapacidade física motivada por dores e outros danos envolventes, em especial na sua perna direita, resultantes da queda no acidente de trabalho sofrido”.
Resulta dos autos que o requerente/sinistrado foi vítima de acidente de trabalho, no dia 14 de Agosto de 2012, do qual resultaram as lesões descritas no auto de exame médico singular do INML.
A requerida/seguradora, na fase conciliatória do processo, aceitou o acidente descrito nos autos como de trabalho, bem como o nexo de causalidade entre as lesões sofridas pelo sinistrado nesse acidente, constantes do seu boletim de alta (datado de 02.09.2012). Aceitou ainda as incapacidades temporárias resultantes dessas lesões. E atenta a perícia por junta médica de 18.02.2015, “o sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente de 14.08.2012.”.
3.2. - O artigo 35.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09 (LAT), estatui:
1 - No começo do tratamento do sinistrado, o médico assistente emite um boletim de exame, em que descreve as doenças ou lesões que lhe encontrar e a sintomatologia apresentada com descrição pormenorizada das lesões referidas pelo mesmo como resultantes do acidente.
2 - No final do tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emite um boletim de alta clínica, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões.
3 - Entende-se por alta clínica a situação em que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insusceptível de modificação com terapêutica adequada.”.
Assim, cessado o tratamento e emitido o boletim de alta clínica, duas situações podem ocorrer: ou a lesão desaparece por completo, ou apresenta-se como insusceptível de modificação com terapêutica adequada.
No primeiro caso, não há sequelas.
No segundo caso, duas situações se colocam: (i)mesmo que a lesão não desapareça por completo, pode não haver sequelas (curada, sem desvalorização), ou (ii)pode haver sequelas desvalorizáveis, com incapacidade permanente.
Como resulta dos autos, do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado resultaram lesões – nexo causal acidente/lesões -, que, curadas, não deixaram sequelas – nexo causal lesões/sequelas -.
No entanto, a LAT prevê e regula, no seu artigo 24.º, as situações de recidiva ou agravamento, agravamento alegado pelo sinistrado no seu requerimento de revisão da incapacidade.
E o artigo 70.º, n.º 1, da LAT, estatui:
“1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento.
3 - A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil.”. (negrito nosso)
Assim, o fundamento legal do incidente de revisão da incapacidade radica no agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão sofrida (“desaparecida” ou “adormecida”), e não da eventual sequela que resultara dessa lesão.
E esse direito de requer a revisão da incapacidade, nos termos previstos no artigo 70.º da LAT, não pode, não deve, ser negado ao sinistrado.
Se das lesões por ele sofridas, no acidente de trabalho em causa, resultou, ou não, o invocado agravamento, é outra questão a resolver no âmbito do respectivo incidente de revisão da incapacidade.
Deste modo, deve proceder o recurso de apelação do sinistrado.

IV. - A decisão
Atento o exposto, julga-se a apelação procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que dê cumprimento ao estatuído no artigo 145.º do CPT.
Custas a cargo da ré.

Porto, 2018/05/30
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha