Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3277/17.9T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS IMPOSTOS PELO ART.º 640º DO CPC
DIREITO À RETRIBUIÇÃO
RECIBO DE VENCIMENTO ASSINADO PELA TRABALHADORA
JUSTA CAUSA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INEXIGIBILIDADE
MANUTENÇÃO DE RELAÇÃO LABORAL
GOZO
FÉRIAS
DIREITO IRRENUNCIÁVEL
Nº do Documento: RP201907103277/17.9T8PNF.P1
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º289, FLS.303-307)
Área Temática: .
Sumário: I - Constando da sentença que a motivação da decisão da matéria de facto, para além da análise de documentos, se baseou igualmente em prova testemunhal e por depoimento de parte, impõe-se que na impugnação da mesma decisão o cumprimento do disposto no art. 640º, nº 2, do CPC.
II - Não tendo a recorrente concretizado os meios de prova que em relação a cada um dos factos impugnados impõem uma decisão diversa, temos de concluir que não cumpriu os ónus impostos pelo art. 640º do CPC.
III - Durante a execução da relação de trabalho, o direito à retribuição é um direito indisponível e irrenunciável, como resulta do preceituado no art. 337º, nº 1, do Código do Trabalho, a propósito da prescrição.
IV - Tratando-se de direito indisponível, não pode ser objecto de confissão extrajudicial a declaração de recebimento do vencimento, conforme art. 354º, al. b), do Código Civil, pelo que não faz prova plena o recibo de vencimento assinado pela trabalhadora, apesar do disposto nos arts. 374º, nº 1, e 376º, nº 1 e 2, do Código Civil.
V - Na apreciação do requisito da inexigibilidade da manutenção da relação laboral, para efeitos de determinação da justa causa na resolução do contrato, importa ter em consideração que, no caso do trabalhador, a única reacção possível face à violação das obrigações contratuais por parte do empregador é a resolução do contrato de trabalho com justa causa.
VI - Tendo a empregadora, voluntária e conscientemente, organizado o trabalho da trabalhadora de forma a não lhe permitir os períodos de descanso diários e semanais necessários a uma vida com o mínimo de qualidade e dignidade da mesma, o que se veio a traduzir a final numa situação de saturação a insustentabilidade, quer física, quer psíquica, para a continuação do trabalho, verifica-se a justa caisa para a resolução do contrato de trabalho.
VII - O gozo de férias é um direito dos trabalhadores, e irrenunciável.
VIII - O direito a férias do trabalhador impõe ao empregador o dever de as marcar quando vencidas, respeitando os critérios impostos pela lei, independentemente que qualquer solicitação do trabalhador, sob pena de violação culposa do direito a férias nos termos do art. 246º do Código do Trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3277/17.9T8PNF.P1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
B…, residente na Rua …, …, …, Amarante, patrocinada por mandatário judicial, e litigando com benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, empresária em nome individual, com sede na Rua …, EN …, …, Amarante
Pede para “Ser judicialmente reconhecida a resolução, com justa causa, do contrato de trabalho; Ser a Ré condenada a pagar à Autora: i. €7.079,01 respeitante a créditos salariais vencidos; ii. €1.916,73, de indemnização respeitante à violação do direito a férias; iii. €1.854,81 de indemnização decorrente da justa causa de resolução do contrato de trabalho; iv. €1.500,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal.”
Alega, em síntese, que: A Ré dedica-se à atividade de restauração; Em 29 de Outubro de 2015, a Autora foi admitida mediante contrato de trabalho, celebrado por tempo indeterminado, para exercer, sob as ordens, instruções e direção da Ré e mediante retribuição, a atividade atinente à categoria profissional de ajudante de cozinha no referido restaurante; Auferia à data da cessação do contrato de trabalho, a quantia líquida mensal de €618,27, o que acontecia desde o início da relação laboral; Por carta datada de 22 de agosto de 2017, recebida pela Ré em 23 de agosto, a Autora resolveu com justa causa o seu contrato de trabalho; a Autora trabalhou de terça-feira a domingo, descansando apenas à segunda-feira, dia de encerramento do estabelecimento de restaurante; E desde o início da relação laboral, a Ré fixou o seguinte horário de trabalho à Autora, que esta sempre cumpriu: de terça a sexta-feira das 8h30 às 18h30, aos sábados das 8h30 às 19h00 e aos domingos das 8h às 20h; Tal horário foi sempre praticado pela Autora sem interrupções, com exceção de duas pausas diárias, uma de dez minutos para o pequeno almoço e uma de trinta minutos para almoço; a Ré nunca pagou à Autora qualquer quantia a título de trabalho suplementar; Nem lhe permitiu o gozo de descanso compensatório, ou sequer pagou à Autora o trabalho que esta desenvolvia em dia de descanso semanal; Apesar de ter sido acordado entre Autora e Ré que os descontos atinentes ao trabalhador seriam suportados pela Ré, esta, sem qualquer explicação e justificação, retirou-lhe esse valor do seu salário entre os meses de Abril a Setembro de 2016; em 9 de Agosto de 2017, foi-lhe retirada, sem justificação, a quantia de €50,00 da sua retribuição; No dia 6 de agosto de 2017, domingo, a Autora trabalhou durante 12 horas seguidas, desde as 8h até às 20h, tendo-lhe sido atribuídas as tarefas de colocar as assadeiras no forno, vigiar o processo de cozedura dos alimentos que se encontravam no forno, colocar em travessas os alimentos confecionados, preparar saladas, lavar a loiça e fazer a limpeza dos fogões e da cozinha; Todos estes trabalhos exigiam grande esforço físico que a Autora tinha que desenvolver sem qualquer ajuda, tendo que suportar sozinha o peso das assadeiras e travessas durante demasiadas horas, o que lhe provocou dores e mal-estar físico; Que eram agudizadas atento o acidente de trabalho que a Autora havia sofrido em 30.04.2017; A Ré sabia que a Autora sentia dores; No dia 10 de agosto de 2017 a Autora queixou-se à Ré de que estava com dores nos ombros e na coluna, decorrentes do cansaço acumulado e das tarefas que lhe foram atribuídas, tendo-lhe sido transmitido pela Ré que as horas que trabalhava não eram suficientes e que teria que trabalhar ainda mais horas; o ritmo de trabalho que a Ré impôs à Autora, nomeadamente as horas de trabalho contínuo e a proibição de gozo de descanso compensatório, causaram prejuízos sérios na saúde desta; a Ré não permitiu à Autora o gozo das férias legalmente previstas, insistindo frequentemente em afirmar-lhe que a mesma não tinha direito a gozar 22 dias úteis de férias; a Ré exigiu que a mesma prestasse um total de 887 horas e meia de trabalho suplementar, além das 8horas diárias; Nem lhe pagou também o trabalho desenvolvido em dia de descanso semanal; Todos os factos descritos vinham causando na Autora prejuízo sério, deixando-a extenuada e com sintomas físicos de cansaço, dores musculares e de costas, insónias, cansaço extremo.
Regularmente citada a ré, realizou-se audiência de partes, não se logrando a conciliação das mesmas.
A ré veio contestar, impugnando o alegado pela autora, e reconvir, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de €2.000,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais, alegando, sem síntese: no dia 10 de Agosto de 2017, a autora, sem disso dar conhecimento à ré, abandonou o seu posto de trabalho e saiu do estabelecimento e não mais voltou, o que fez com que os alimentos que estavam a ser confecionados nos fornos deixaram de ser controlados e fez com que os mesmos se estragassem o que, para além dos danos que provocou na imagem do restaurante, acarretou prejuízos para a autora quer pelo custo que suportou na compra dos produtos que se estragaram, como também no lucro que deixou de obter com a refeição.
Pede a condenação da autora como litigante de má fé.
A autora respondeu impugnando a matéria da reconvenção.
Realizou-se audiência preliminar, na qual foi proferido despacho saneador, que transitou em julgado, e indeferido o pedido reconvencional.
Fixou-se o objecto do litígio e os temas de prova.
Foi fixado à acção o valor de €12.350,55.
Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova pessoal nele produzida.
Foi proferida sentença, na qual se fixou a matéria de facto provada, que decidiu a final: “julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) julgo válida e lícita a resolução do contrato de trabalho pela A.
b) condeno a R. a pagar à A. a quantia de €8.597,20 (€50,00 + €638,91 + €1.255,47 + €1.916,73 + €3.065,09 + €1.671,00), acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e
c) sem prejuízo do referido em b), absolvo a R. das quantias peticionadas pela A..
Nos termos e com os fundamentos supra referidos, absolvo a A. do pedido de condenação como litigante de má fé em multa e em indemnização a favor da R..”
Inconformada, interpôs a ré o presente recurso de apelação,
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A autora alegou,
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Foi proferido despacho não admitindo o recurso, do qual reclamou a recorrente, tendo sido proferido despacho pelo relator do presente ordenando a admissão do recurso.
A Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido da improcedência da apelação, parecer a que apenas a recorrente respondeu, dele divergindo.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
São as seguintes as questão colocadas no recurso:
I. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
II. Da (i)licitude da resolução do contrato de trabalho pela recorrida;
III. Dos créditos salariais.
II. Fundamentação de facto
Factos provados:
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. A R. é empresaria em nome individual que se dedica à atividade de restauração, explorando o estabelecimento de restaurante denominado “D…” situado em …, Amarante.
2. Em 29 de outubro de 2015, a A. foi admitida mediante contrato de trabalho, celebrado por tempo indeterminado, para exercer, sob as ordens, instruções e direção da R. e mediante retribuição, a atividade atinente à categoria profissional de ajudante de cozinha no referido restaurante.
3. Incumbindo-lhe nomeadamente realizar a preparação dos alimentos a confecionar, preparar as saladas e acompanhamentos, colocar os alimentos nos recipientes usados para a confecção, preparar as travessas, colocar assadeiras no forno, lavar a loiça, limpar os fogões e fornos.
4. Durante toda a relação laboral a A. trabalhou de terça-feira a domingo, descansando apenas à segunda-feira, dia de encerramento do estabelecimento de restaurante.
5. O horário de trabalho da A. que foi fixado pela R. era, de terça-feira a domingo, das 09:30 horas às 14:00 horas e das 15:30 horas às 18:00 horas.
6. Durante toda a relação laboral, de terça-feira a domingo, a A. trabalhava diariamente desde a hora de entrada, que era em regra sempre anterior às 09:30 horas, até à hora de saída, que era em regra sempre posterior às 18:00 horas, sem interrupções, com exceção de duas pausas, uma de quinze minutos para o pequeno-almoço e uma de trinta minutos para o almoço.
7. A R. não permitia à A. o gozo de qualquer dia de descanso para além do descanso às segundas-feiras.
8. A A. desempenhava o trabalho para a R. pela retribuição mensal correspondente à retribuição mínima mensal garantida, tendo a R. assumido a obrigação de suportar a parte respeitante às contribuições para a Segurança Social que estivessem a cargo da A..
9. Auferia pois a A., em 2015, a retribuição mensal líquida de €550,00, em 2016, a retribuição mensal líquida de € 600,00 e, em 2017, a retribuição mensal líquida de €650,00.
10. A A. enviou à R. a carta, datada de 22 de agosto de 2017, cuja cópia consta de fls. 8 verso a 10 e, aqui, se dá por integralmente reproduzida, a qual foi recebida pela R. em 23 de agosto de 2017.
11. Apesar da R. ter assumido a obrigação de suportar a parte respeitante às contribuições para a Segurança Social que estivessem a cargo da A., a R., sem qualquer explicação e justificação, entre os meses de abril e setembro, de 2016, não suportou a parte respeitante às contribuições para a Segurança Social que estivessem a cargo da A., tendo passado a suportar tais contribuições novamente a partir de outubro de 2016.
12. Aquando do pagamento do salário da A. referente ao mês de julho de 2017, que aconteceu apenas em 9 de agosto de 2017, foi retirada, sem justificação, a quantia de €50,00.
13. Durante toda a relação laboral, de terça-feira a domingo, a A., por imposição da R., trabalhava em regra mais do que 8 horas por dia.
14. No dia 6 de agosto de 2017, domingo, a hora de entrada da A. foi 06:45 horas e a hora de saída da A. foi 19:40 horas, sendo que a A. esteve incumbida, para além do mais, das tarefas de colocar as assadeiras nos fornos, vigiar o processo de cozedura dos alimentos que se encontravam nos fornos e tirar as assadeiras dos fornos.
15. As tarefas de colocar as assadeiras nos fornos e tirar as assadeiras dos fornos exigiam grande esforço físico, que a A. teve que desenvolver sem qualquer ajuda, tendo que suportar sozinha o peso das assadeiras durante muitas horas, o que lhe provocou dores e mal-estar físico.
16. Os quais eram agudizados atento o acidente que a A. havia sofrido em 30.04.2017, uma queda na entrada da cozinha do restaurante, por força da qual esteve sem trabalhar desde o dia 01.05.2017, segunda-feira, até ao dia 10.07.2017, segunda-feira.
17. No dia 6 de agosto de 2017, a R. sabia que a A. andava já há algum tempo a queixar-se de que se sentia fisicamente muito cansada, mas não deixou de incumbir a A. das tarefas de colocar as assadeiras nos fornos e tirar as assadeiras dos fornos.
18. No dia 10 de agosto de 2017, a R. disse à A. que precisava que ela passasse a trabalhar ainda mais horas do que aquelas que já trabalhava.
19. Todavia, a A. sentia-se fisicamente muito cansada e, como tal, incapaz de trabalhar ainda mais horas do que aquelas que já trabalhava.
20. Ainda no dia 10 de agosto de 2017, a A. recorreu ao ACES E… – UCSP F…, no qual o médico G… emitiu o documento, intitulado “CERTIFICADO DE INCAPACIDADE TEMPORÁRIA PARA O TRABALHO”, cuja cópia consta de fls. 86 e, aqui, se dá por integralmente reproduzida.
21. Desde 29.10.2015, a R. não permitiu que a A. gozasse mais férias do que aquelas que gozou nos anos de 2016 e 2017.
22. Nos anos de 2016 e 2017, a A. apenas gozou férias desde 30.08.2016 a 12.09.2016 e de 27.12.2016 a 04.01.2017, num total desde o início da relação laboral de 17 dias úteis.
23. A R. pagou à A., a título de trabalho suplementar, pelo menos, o montante de €160,00 (€20,00 + €30,00 + €30,00 + €30,00 + €20,00 + €30,00).
24. Desde 1 de julho de 2016 a 9 de agosto de 2017, a A. trabalhou nos dias assinalados no documento de fls. 100 a 170, que, aqui, se dá por integralmente reproduzido, sendo que, por referência a cada dia de trabalho, as horas de entrada estão assinaladas em tal documento em primeiro lugar e as horas de saída estão assinaladas em tal documento em segundo lugar.
25. A R. apenas permitia à A. o descanso às segundas-feiras e não permitiu à A. gozar mais férias.
26. Desde o dia 10 de agosto de 2017, a A. não mais conseguiu suportar sujeitar-se às condições de trabalho que tinha.
27. Em virtude do referido nos pontos 4º, 6º, 7º, 13º a 16º, 21º, 22º, 24º e 25º, a A. sentia-se extenuada e com sintomas físicos de cansaço.
28. E só dias mais tarde, provavelmente depois de contactada pela ACT para efeitos de entrega da declaração de situação de desemprego, a R. remeteu a carta que se junta como DOC. 4.
29. Impedindo todavia a A. de auferir o subsídio de desemprego a que tem direito por ter assinalado na declaração de modelo RP-5044 a denúncia do contrato como causa de cessação.
30. A A. nunca incluiu as horas de trabalho que trabalhava fora do horário 09:30 horas – 14:00 horas e 15:30 horas – 18:00 horas nas folhas de registo de horas, por si preenchidas, cujas cópias constam de fls. 69 a 78 verso e, aqui, se dão por integralmente reproduzidas.
31. A A. assinou os documentos, intitulados “Recibo de Vencimentos”, cujas cópias constam de fls. 79 a 85 e, aqui, se dão por integralmente reproduzidas.
32. O dia 7 de agosto de 2017 foi uma segunda-feira em que o restaurante estava fechado.
33. A A., no mês de julho de 2017, esteve sem trabalhar desde o dia 1, sábado, ao dia 10, segunda-feira.
34. O acidente fez com que a A. tivesse estado sem trabalhar desde o dia 01.05.2017, segunda-feira, ao dia 10.07.2017, segunda-feira.
35. No dia 10 de agosto de 2017, a A., sem disso dar conhecimento à R., deixou de trabalhar por volta das 10:00 horas, saiu do restaurante e não mais voltou.
36. Mais, não avisou também os demais trabalhadores.
37. No dia 22 de agosto de 2017, a A. recorreu ao ACES E… – UCSP F…, no qual o médico G… emitiu o documento, intitulado “CERTIFICADO DE INCAPACIDADE TEMPORÁRIA PARA O TRABALHO”, cuja cópia consta de fls. 85 verso e, aqui, se dá por integralmente reproduzida.
38. No período de 30.08.2016 a 12.09.2016 o restaurante esteve fechado e todos os trabalhadores estiveram de férias.
39. As folhas referidas em 30º foram apresentadas pela R. à A., sendo que a R. disse à A. que tais folhas deveriam ser preenchidas pela A. com o horário que consta de cada uma delas senão ela pagaria uma multa.
40. Cada uma das folhas referidas em 30º não era preenchida e assinada em cada dia de trabalho, mas sim com uma periodicidade mensal ou mesmo superior.
Por ser relevante para a decisão da causa e se encontrar provado documentalmente, acrescenta-se o seguinte à matéria de facto provada:
41. A carta referida supra em 10. tem o seguinte teor:
Assunto: Resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com justa causa
Exma. Senhora,
Em 29 de outubro de 2015 celebrei contrato de trabalho, por tempo indeterminado, com a Senhora através do qual me foi atribuída a categoria profissional de ajudante de cozinha, funções que desempenho segundo a V/ orientação, direção e autoridade no vosso restaurante denominado D…, mediante retribuição.
Desde o início da relação laboral até à presente data, sem interrupção ou alteração que me foi imposto o seguinte horário de trabalho: de terça-feira a domingo, com descanso semanal à segunda-feira, de terça-feira a sexta-feira das 8h e 30m às 18h e 30m, aos sábados das 8h e 30m às 19h e aos domingos das 8h às 20h.
Este horário era praticado sem interrupção, decorrendo do exposto que o horário de trabalho que me foi imposto ultrapassa, em muito, as 8h diárias previstas na lei.
Durante esse período de tempo era-me permitido fazer as seguintes pausas diárias cerca de 10m para o pequeno almoço e não mais de 30m para o almoço.
Apenas tinha direito a um dia de descanso semanal, à segunda-feira.
Apesar de trabalhar diária e ininterruptamente, no mínimo, 10h por dia, nunca me foi pago o trabalho suplementar que desenvolvia diariamente.
Também nunca me foi pago o trabalho que desenvolvia no dia que deveria ser o de descanso semanal ou folga.
Acresce que como forma de compensar a minha disponibilidade assumiu a Senhora que a contribuição para a segurança social respeitante ao trabalhador era pago pela empregadora.
Assim auferia ultimamente a quantia de €650,00 líquida.
Repete-se que esta quantia não se destinava a pagar o trabalho suplementar ou o trabalho desenvolvido em dia de descanso semanal mas a compensar e gratificar a minha disponibilidade para prestar todas as horas que desenvolvia diariamente e que, em alturas de mais movimento, ultrapassavam as 10h dia, fixando-se em 12 horas diárias, como acontece no Verão, principalmente nos meses de julho e agosto, e no mês de dezembro.
Apesar de ter sido acordado que os descontos atinentes ao trabalhador seriam suportados pela entidade patronal a verdade é que, sem qualquer explicação e justificação, a Senhora deixou de pagar esse valor durante aproximadamente seis meses consecutivos, tendo retomado esse pagamento em data próxima e anterior ao final do ano de 2016, mas sem fazer a reposição das quantias que deixou de pagar.
Acresce que aquando do pagamento do meu salário referente ao mês de julho que aconteceu em 9 de Agosto de 2017, foi-me retirada, sem justificação, a quantia de €50,00 da minha retribuição.
No dia 10 de agosto de 2017 e porque me queixei de mau estar físico, nos ombros e coluna, certamente devido a um cansaço acumulado e às tarefas que me foram atribuídas no domingo, 06 de agosto de 2017 em que trabalhei 12h praticamente seguidas, e me foram atribuídas as tarefas de colocar as assadeiras no forno, vigiar o processo de cozedura dos alimentos que se encontravam no forno, colocar em travessas os alimentos confecionados, preparar saladas, lavar louça e fazer a limpeza dos fogões e da cozinha, foi-me dito que pela Senhora que ”as horas que eu dava à casa não eram suficientes" insistindo a Senhora que eu tinha que trabalhar mais horas. Ora a minha saúde física não permite que eu possa cumprir tal imposição como eu referi oportunamente e como se veio a confirmar pelo médico a quem tive de recorrer.
Na verdade o ritmo de trabalho que me foi imposto nomeadamente as horas de trabalho contínuo têm causado prejuízos na minha saúde, que ainda mais se agravaram após o acidente de trabalho que sofri.
Acresce ao exposto que não me têm sido permitido gozar férias de acordo com o previsto na lei, pois a Senhora insiste em afirmar que eu não tenho direito a gozar os 22 dias úteis que a lei me concede.
Deste modo no anos de 2016 e 2017 gozei férias de 30.08.2016 a 12.09.2016 e com muita insistência da minha parte foi-me permitido gozar férias de 27.12.2016 a 04.01.2017.
Também o facto de nunca me ter sido pago o trabalho que desenvolvo em dia de descanso semanal, pois só descanso à segunda-feira, causa-me prejuízos.
São deveres do empregador, além de outros, pagar a retribuição justa e adequada ao trabalho, proporcionar boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral, prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a proteção da segurança e saúde do trabalhador.
Atento o exposto e a gravidade e reiteração com que têm sido praticados todos os factos que acabo de expor, são causa da minha Iniciativa de resolver o contrato de trabalho com justa causa, o que faço através da presente comunicação, consubstanciada na imposição de um horário de trabalho que põe em causa a minha saúde física e psíquica e na falta de pagamento do trabalho suplementar que desenvolvo diariamente, pelo menos duas horas por cada dia de trabalho, e ainda no facto de não me ter sido permitido gozar as férias que tenho direito e ainda no não pagamento do trabalho que desenvolvo semanal e ininterruptamente em dia de descanso semanal.
Ora, todos estes factos supra descritos vêm-me causando prejuízo sério e tornam impassível e insustentável a manutenção da minha relação laboral com V. Exa.
Nos termos do artigo 394º, nº 1, a), b} e e) do Código do Trabalho, tais factos configuram justa causa de resolução de contrato de trabalho.
Assim, pela presente, resolvo com justa causa e efeitos Imediatos o contrato de trabalho que me vinculava à Senhora e à empresa que detém, ficando para o efeito formalmente interpelada para de imediato procederem ao pagamento de todos os créditos vencidos e bem assim da indemnização devida em virtude da justa causa de resolução.
Mais deverá, no prazo máximo de cinco dias fazer-me chegar o certificado de trabalho, bem como a declaração de modelo RP-5044-SS para obtenção do subsídio de desemprego.
Com os melhores cumprimentos,
42. A ré respondeu por carta datada de 30 de Agosto de 2017, com o seguinte teor:
Em resposta a carta recebida, venho por este meio esclarecer o seguinte:
No que se refere ao facto de entrar ao serviço às 08:30 da manhã, esse facto apenas acontecia por conveniência da Sra em apanhar boleia com a patroa para o local de trabalho.
Em relação as férias gozadas em 2016, referentes ao ano de 2015, a Sra gozou 18 dias de férias, tendo apenas direito a 4 dias, uma vez que iniciou o trabalho nesta empresa no dia 02/11/2015.
Em 2017, iria iniciar as férias, no dia 28/08/2017, e como rescindiu contrato no dia 22/08/2017, teria que comunicar a saída à entidade patronal, com 30 dias de antecedência, não o tendo feito, teria de compensar a entidade.
Assim, aos 22 dias úteis de férias a que teria direito, será deduzido os 30 dias de aviso prévio.
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III. O Direito
1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Pretende a recorrente que seja alterada a decisão relativa à matéria de facto, nos seguintes termos:
a) Facto provado nº 1º (...). Não se aceita que tenha sido dado como provado este facto, em virtude de a aqui recorrente ter afirmado que se encontrava desempregada e que o estabelecimento comercial de restauração “D…”, onde a recorrida trabalhou, encontrar-se a ser explorado pelo filho da aqui recorrente, o que também foi testemunhado pela testemunha I…, marido da recorrente, que confirmou que a sua esposa deixou de explorar o referido restaurante e está atualmente desempregada. (…)
b) Factos provados nº 6º, 13º, 14º, 24º, 39º e 40º
Atendendo à divisão dos ónus da prova, cabia à recorrida fazer a prova de que ao contrário do que estava previsto no seu contrato de trabalho, havia sido “obrigada” a cumprir com um horário diverso, bem como fazer a prova das horas que invocou ter trabalhado a mais.
Para tanto, a autora juntamente com a petição inicial juntou uma tabela elaborada por computador, a qual foi impugnada pela recorrente não só porque não se encontrava assinada mas também porque estava em oposição com as “folhas de registo de horas de trabalho” preenchidas e assinadas pela recorrida, que a recorrente juntou com a sua contestação a folhas 69 78 verso dos autos.
Em resposta à junção das referidas folhas de registo, diga-se que oficiais no sentido de que são as que todas as trabalhadoras do restaurante preenchiam, a recorrida veio juntar aos autos um conjunto de fotocópias – a folhas 100 a 170 dos autos –, alegadamente de duas agendas onde a recorrida apontaria diariamente as horas e dias em que trabalhou, quiçá sempre com a mesma caneta, e sem quaisquer outros apontamentos em qualquer um dos demais dias dos dois anos!!
Sucede que, a recorrente, no requerimento apresentado em juízo em 12/02/2018, com a referência 4226387, impugnou as referidas fotocópias (…)
Quanto ao facto provado nº 6, entende a recorrente que não podia ser dado como provado porque não resultam do autos quaisquer elementos que permitissem ao Tribunal a quo fixar que as pausas diárias fossem apenas de 15 minutos para o pequeno-almoço e 30 minutos para o almoço, pois que apenas a recorrida o afirmou e nenhuma outra testemunha o secundou, e dos documentos juntos aos autos não se podem retirar tais conclusões, nem mesmo dos referidos documentos juntos a folhas 100 a 170.
Ora, se das regras da experiência comum se pode considerar como normal uma pausa de 15 minutos para pequeno-almoço, não é de todo aceitável que tenha sido dado como provado que a pausa para almoço tinha apenas a duração de 30 minutos, não só porque tal não secundado por qualquer testemunha mas principalmente porque não é de todo normal que um almoço tomado em conjunto por mais de 6 pessoas demore apenas 30 minutos.
Acresce que a recorrida para além das suas declarações não fez qualquer prova desse facto, o qual foi contrariado pela recorrente em sede de declarações de parte em que afirmou que a pausa para o almoço era de uma hora e meia, e a testemunha H… que afirmou que o almoço duraria cerca de1 hora.
Assim entende a recorrente que o facto provado nº 6 deverá ser alterado passando a ter a seguinte redação “Durante toda a relação laboral, de terça-feira a domingo, a A. trabalhava diariamente desde a hora de entrada, que era em regra sempre anterior às 09:30 horas, até à hora de saída, que era em regra sempre posterior às 18:00 horas, sem interrupções, com exceção de duas pausas, uma para o pequeno-almoço e uma para o almoço com duração indeterminada”.
Quanto ao facto provado nº 13º, a recorrente considera que não existem elementos no processo que permitam concluir que diariamente a recorrida trabalhasse mais de 8 horas por dia.
De facto, não estando determinada a hora de entrada e de saída em cada um dos dias, uma vez que se considera que os documentos atrás enunciados não podem servir para contrariar o estabelecido contratualmente e as folhas de registo de horas preenchidas e assinadas pela recorrida, nem com exatidão os períodos de pausa para o pequeno-almoço e almoço, não se pode afirmar que a recorrida tivesse trabalhado todos os dias mais de 8 horas.
Pelo que, este facto deverá ser dado como não provado, porque efetivamente o Tribunal a quo mais nenhuma prova tem nos autos que não sejam as declarações da recorrida para dar como provada tal matéria.
Quanto ao facto provado nº 14º, a recorrente entende que não se provou que no dia 6 de agosto de 2017, domingo, a hora de entrada tenha sido às 06.45 e a hora de saída às 19.40.
A fixação deste horário deveu-se ao facto de o Tribunal a quo ter valorado, no entender da recorrente, de forma ilegal os documentos de folhas 100 a 170, pelas razões atrás expostas.
As testemunhas inquiridas, nomeadamente a testemunha I… e J…, afirmaram que seria impossível terem iniciado o trabalho às 06.45 horas, sendo que o primeiro afirmou que apenas no Domingo de Páscoa começam a trabalhar tão cedo, e a segunda afirmou que mesmo que tivessem um serviço grande não entravamos a essa hora.
Assim, deve o facto provado nº 14 ser dado como não provado.
Quanto ao facto provado nº 24º , (...)
De facto, como se disse os documentos de folhas 100 a 170 dos autos foram impugnados por se tratar de meras fotocópias e existirem nos autos documentos preenchidos e assinados pelas recorrida que estão em total oposição com os mesmos.
Ora, entende a recorrente que não tendo a recorrida apresentado os originais dos documentos em causa, para se poder aferir da veracidade dos mesmos, e existindo nos autos documentos que comprovam ou indiciam factos contrários, não podia o tribunal valorá-los da forma como fez, tanto mais que por se tratarem de documentos que foram essenciais para formar a convicção do Tribunal e condenar a recorrente. (...)
Quanto ao facto provado nº 39º (...)
O que de facto se passou, embora o Tribunal não tenha dado como provado é que, como com todas as demais trabalhadoras, foi acordado entre recorrente e recorrida que as horas que recorrida trabalhasse a mais eram pagas em dinheiro no fim de cada dia de trabalho.
Ou seja, no fim de cada dia de trabalha a recorrente entregava a todas as trabalhadores um valor para as compensar pelas horas que pudessem ter trabalhado a mais, facto que foi confirmado pela testemunha K…, marido da recorrida, que disse que se a mulher trabalhasse “até mais tarde levava uma notinha”, e pelas testemunhas H… e L….
Assim, deve o facto provado nº 39 ser dado como não provado.
Quanto ao facto provado nº 40º (...)
As folhas em causa estavam no estabelecimento comercial numa gaveta para que todas as funcionárias as preenchessem e assinassem.
No entanto, ficou de facto provado que as mesmas não eram preenchidas diariamente, não por pedido ou ordem da recorrente, mas sim por conveniência das próprias trabalhadoras, pois dessa forma as levavam e preenchiam em casa.
Porém, não ficou provado de forma alguma que fossem preenchidas com uma “...periodicidade mensal ou mesmo superior.”.
Assim, deve o facto provado nº 40 ser alterado passando a ter a seguinte “Cada uma das folhas referidas em 30º não era preenchida e assinada em cada dia de trabalho.”
Facto provado nº 9º e 23º
Tal como consta do respetivo contrato de trabalho a recorrida auferia o valor correspondente ao salário mínimo nacional, tendo a recorrente assumido a obrigação de a reembolsar do valor correspondente ao descontos para a Segurança Social, como contrapartida pelas horas de trabalho que a recorrida fazia a mais.
Razão pela qual se analisarmos os recibos de vencimento juntos aos autos com a contestação, os quais se encontram assinados pela recorrida temos que no ano de 2016 a recorrida recebia o valor €530,00 (quinhentos e trinta euros) a titulo de vencimento, e recebia os subsidio de férias e de natal em duodécimos e fazia o respetivo desconto para a segurança social (que depois lhe era reembolsado pela recorrente), e no ano de 2017 recebia a titulo de vencimento o valor de €557,00, mantendo-se o pagamento dos subsídios em duodécimos e retenção do desconto para a segurança social,
E em 2015, o seu salário era €505,00 (quinhentos e cinco euros) conforme costa do contrato de trabalho.
Por fim, no que respeita à remuneração, acresce que a própria recorrida afirmou, ainda, ter uma remuneração diferente daquela que o Tribunal a quo deu como provada. De facto, nos artigos 9º e 10º da petição inicial afirmou a recorrida que a sua remuneração em 2017 seria de €618,27 (seiscentos e dezoito euros e vinte e sete cêntimos), em virtude de somar ao salário, sem considerar os descontos obrigatórios e somando o valor relativo ao desconto para a segurança social. (…)
Assim, deve o facto provado nº 9 ser dado como não provado. E, o facto provado nº 23º alterado para “A R. pagou à A., a título de trabalho suplementar, pelo menos, o montante correspondente ao valor do desconto para a Segurança Social a cargo da A.”
Facto provado nº 18º (…)
De facto, quando prestou declarações sobre este facto, a recorrida afirmou claramente que não sabia se tinha percebido mal, ao afirmar que lhe pareceu que a recorrente o tinha afirmado mas de seguida afirmou que não sabia se tinha percebido mal. (…)
Assim o facto provado nº 18º deve ser dado como não provado!
e) Quanto ao facto provado nº 21º e 25º (…) a recorrente sempre permitiu que a recorrida gozasse férias sempre que quisesse e como a própria recorrida confessou nunca pediu férias para além daquelas que gozou. (…)
Assim, os factos provados números 21º e 25º devem ser dados como não provados.
f) Quanto aos factos provados nº 28º e 29º
Quanto ao facto provado 28º, não aceita que tal tenha sido dado como provado porquanto para além de não se afigurar compatível com a qualidade de facto provado a palavra “PROVAVELMENTE”, bem como, porque não resulta dos autos nada que o comprove, e a recorrente ter afirmado quando inquirida sobre esse facto em sede de audiência de julgamento disse que quando foi contatada pelo “ACT” já tinha enviado a carta à recorrente – documento nº 4 junto petição inicial, uma vez que apenas foi contactada pelo “ACT” em Setembro.
Quanto ao facto provado nº 29º, não se aceita a recorrente se limitou a preencher e comunicar à Segurança Social que o contrato tinha terminado por iniciativa do trabalhador, não reconhecendo existir justa causa. (…)
Assim, deve o facto provado nº 29 ser dado como não provado.
II - Quanto aos factos dados como não provados
Entende a recorrente que deveria ter sido dado como provado o facto não provado nº 56º.
De facto, conforme acima se referiu a recorrida sempre recebeu os subsídios de férias e de Natal em duodécimos conforme consta dos recibos de vencimento, juntos aos autos, que a recorrida assinou por haver recebido o respetivo valor.
Assim deve o facto não provado nº 56º ser dado como provado e com a mesma redação.
Contrapõe a recorrida:
(…) deverá o recurso na parte em que pugna pela alteração da matéria de facto, ser rejeitado por violação do artigo 640º, nº 1, b) e nº 2, a) do CPC.
Pretende a recorrente ver alterado o facto provado nº 1 (…), tal qual resulta da fundamentação da douta sentença, tal facto encontra-se admitido por confissão, pelo que se encontra bem decidido. Resulta aliás da sentença recorrida que a testemunha I… disse que “b) a A. foi funcionária do restaurante que é da sua esposa” (…)
Quanto aos factos 6º, 13º, 14º, 24º e 39º dados como provados, (…) tal como se retira da douta sentença em referência, tal documento não foi valorado pelo Tribunal a quo, desde logo por dele constar um horário que a própria Ré admitiu não corresponder à realidade, mas também porque a Autora, nas suas declarações de parte afirmou que a Ré lhe disse que tinha que as preencher e assinar senão pagaria uma multa. (…)
O mesmo se diga quanto ao facto nº 9, que retirou das declarações de parte da Autora e o do depoimento de parte da Ré qual o salário efetivamente pago à Autora, bem como que neste se incluía o montante igual às contribuições para a segurança social a cargo da recorrida.
Já o alegado quanto ao facto 18, não consta da sentença que a autora tenha referido as palavras que ali constam, pelo que nunca poderia tal facto ser alterado com fundamento naqueles argumentos, o mesmo se aplicando ao alegado sobre os factos provados 21, 25, 28, 29, 9, 13, 14, 18, 21, 23, 24, 25, 28, 29, 39, 40 e não provado 56.
Pretende a recorrida que a recorrente não deu cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC, pelo que deve ser rejeitado o recurso relativamente à impugnação da decisão da matéria de facto.
Nos termos do art. 640º, nº 1, do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acrescenta- se no nº 2 do mesmo artigo: No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Impõe-se aqui um ónus rigoroso ao recorrente, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2006, pág. 170).
A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto converge com o ónus específico de alegação do recorrente no que concerne à delimitação do objecto do recurso e à respectiva motivação, pelo que não pode ser recebido o recurso sobre a decisão da matéria de facto se o recorrente não indicar os segmentos por ele considerados afectados de erro de julgamento e os motivos da sua discordância por via da concretização dos meios de prova produzidos susceptíveis de implicar decisão diversa da impugnada (Acórdão do STJ de 1 de Julho de 2004, processo nº 04B2307, acessível em www.dgsi.pt).
Relativamente à indicação dos meios de prova que possam impor diversa decisão quanto à matéria de facto, importa considerar que, sendo objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deve indicar nas conclusões quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda e o sentido das respostas que pretende (conforme acórdão do STJ de 7 de Julho de 2016, processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt), porém a fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, poderá ela ter lugar em sede de alegações, conforme o acórdão do STJ de 20 de Dezembro de 2017, processo 2994/13.2TTVRL.G1.S2, ainda acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido o acórdão do mesmo STJ de 12 de Julho de 2017, processo 167/11.2TTTVD.L1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt.
Por outro lado, conforme se refere no acórdão do STJ de 5 de Setembro de 2018, processo15787/15.8T8PRT.P1.S2, ainda acessível em www.dgsi.pt, “não tendo o recorrente concretizado os meios de prova que em relação a cada um dos factos impugnados impõem uma decisão diversa, temos de concluir que não cumpriu os ónus impostos pelo mencionado preceito.” Veja-se igualmente o acórdão do STJ de 27 de Setembro de 2018, processo 2611/12.2TBSTS.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Novembro de 2012, processo 434/09.5TTVFR.P1, acessível em bdjur.almedina.net.
Segundo Lopes do Rego, “A expressão ‘ponto da matéria de facto’ procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do nº 1 do art. 640º: na verdade, o alegado ‘erro de julgamento’ normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo ‘facto’, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente” (Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2004, pág. 608).
Veja-se ainda António Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126-127 e 129, concluindo: “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
O art. 640º do CPC é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação. Conforme se refere no sumário do mencionado acórdão do STJ de 27 de Setembro de 2018, “Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.”
Analisando em concreto, refere a recorrente nas als. A) e B) das conclusões de recurso:
A. Em relação à matéria de facto, entende a recorrente que:
1. O facto provado número 1º deve ser alterado para “A R. foi empresaria em nome individual e dedicou-se à atividade de restauração, tendo explorando o estabelecimento de restaurante denominado “D…” situado em …, Amarante.”;
2. O facto provado número 6º deve ser alterado para “Durante toda a relação laboral, de terça-feira a domingo, a A. trabalhava diariamente desde a hora de entrada, que era em regra sempre anterior às 09:30 horas, até à hora de saída, que era em regra sempre posterior às 18:00 horas, sem interrupções, com exceção de duas pausas, uma para o pequeno-almoço e uma para o almoço com duração indeterminada.”;
3. O facto provado número 23º deve ser alterado para “A R. pagou à A., a título de trabalho suplementar, pelo menos, o montante correspondente ao valor do desconto para a Segurança Social a cargo da A.”;
4. O facto provado número 40º deve ser alterado para “Cada uma das folhas referidas em 30º não era preenchida e assinada em cada dia de trabalho.”
5. Os factos provados números 9º, 13º, 14º, 18º, 24º, 25º, 28º, 29º e 39º devem ser dados como não provados;
B. Quanto à matéria dada como não provada deveria ter sido dado como provado o facto não provado número 56º;
Deu portanto a recorrente cumprimento ao disposto no art. 640º, nº 1, als. a) e c), do CPC, importando verificar, relativamente a cada um dos concretos pontos da matéria de facto impugnados, se a mesma deu ou não cumprimento ao disposto na al. b) do mesmo preceito, tendo ainda em consideração o disposto no nº 2 do aludido artigo.
Relativamente ao facto nº 1, consta da sentença: “No que concerne aos factos dos pontos 1º a 4º, os mesmos foram alegados pela A. na petição inicial de fls. 3 a 7 e não foram impugnados pela R. na contestação de fls. 59 verso a 68 e, como tal, por força das disposições conjugadas dos arts. 1º, nº 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 574º, nº 2, do C.P.C., consideram-se admitidos por acordo.”
Não só a recorrente não impugna esta fundamentação, como a mesma é incontroversa. Efectivamente, para além de não impugnar, especificada ou tacitamente, tal facto a recorrente alegou mesmo factos que o confirmam, como por exemplo o que consta do art. 54º da contestação, onde refere “a autora esquece-se de dizer que foi autorizada pela ré a não trabalhar dois dias num fim-de-semana”, ou com a carta de resposta à carta de resolução do contrato com justa causa, que a ela oi dirigido e a que respondeu como sendo a entidade patronal da recorrida. Acresce que sempre se trataria de matéria nova, não alegada, que, por isso, não poderia agora ser acrescentada.
Assim, improcede a impugnação quanto a este ponto.
Quanto aos factos provados 6º, 13º, 14º, 24º, 39º e 40º, consta da sentença, no que respeita à sua fundamentação: “Relativamente aos factos dos pontos 5º a 40º, foram considerados os factos que, tendo sido alegados pela A. na petição inicial de fls. 3 a 7, foram aceites pela R. na contestação de fls. 59 verso a 68 – por exemplo, o facto do ponto 22º; os factos que, tendo sido alegados pela A. na petição inicial de fls. 3 a 7, não foram impugnados pela R. na contestação de fls. 59 verso a 68, os quais, por força das disposições conjugadas dos arts. 1º, nº 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 574º, nº 2, do C.P.C., se consideram admitidos por acordo – por exemplo, o facto do ponto 28º; os factos que foram confessados pela R. em sede de depoimento de parte – por exemplo, o facto do ponto 8º “tendo a R. assumido a obrigação de suportar a parte respeitante às contribuições para a Segurança Social que estivessem a cargo da A.”; os documentos de fls. 8 verso a 11, 14 a 15 verso, 16 verso a 18 verso, 69 a 78 verso, 79 a 86, 100 a 170 e 200 a 203 (o documento de fls. 200 a 203 é o original do documento de fls. 14 a 15 verso); as declarações de parte da A. e os depoimentos das testemunhas K…, M…, L…, N…, J… e K….”
Para impugnar os factos em questão a recorrente limita-se a referir que impugnou o documento de fls. 100 a 170, mais concretizando quanto ao facto 6º, que o seu teor viola as regras da experiência, e apenas se considerou provado com base no depoimento da recorrida, quanto ao facto 13º apenas refere que não existem elementos de prova, quanto ao 14º invoca o depoimento das testemunhas I… e H…, mas sem cumprir o disposto no art. 640, nº 2, do CPC, pelo que não pode o mesmo ser considerado, quanto ao 24º, limita-se a referir a impugnação do documento mencionado, quanto ao 39º invoca o depoimento da testemunha K…, de novo sem cumprir o disposto bo art. 640, nº 2, do CPC, e quanto ao facto 40º não invoca efectivamente qualquer meio de prova que impusesse o entendimento pretendido.
Desde logo, não se nos afigura que considerar provado que a recorrida almoçasse em meia hora ou tomasse o pequeno almoço num quarto de hora viole as regras de experiência. São lapsos temporais perfeitamente viáveis. Por outro lado, tendo-se assentado a decisão em prova testemunhal e nas declarações da recorrida, não é admissível a sua impugnação por incumprimento do disposto no art 640º, nº 2, al. a), do CPC, conforme acima referido, pois não foi indicado o tempo, início e termo, dos excertos da gravação dos depoimentos que pudesse ter como relevantes, nem foram os mesmos transcritos. Ou seja, não basta alegar que a prova testemunhal e por depoimento de parte, não é suficiente para se considerar a matéria provada, seria necessário que a recorrente indicasse, por concretização dos depoimentos, porque motivo considera que o mesmo não é válido ou não devia ser considerado convincente, o que não fez. Acresce que, não consta dos autos prova documental com força probatória plena que afaste o que foi dado como provado e que dispensasse a impugnação com base na prova pessoal.
Assim, também em relação a estes factos improcede a impugnação.
No que respeita aos factos 9º e 23º, a recorrente apenas invoca o teor dos “recibos de vencimento”, o que se revela manifestamente insuficiente face ao que consta da sentença no que respeita à fundamentação de tais factos, nem resulta o pretendido do teor dos arts. 9º e 10º da petição inicial, não cumprindo a recorrente o disposto ao art. 640, nº 2, do CPC, no que respeita ao depoimento de parte da recorrida, pelo que não pode o mesmo ser considerado.
Efectivamente, dos recibos invocados apenas resulta qual o valor que ali se refere como tendo sido pago à recorrida, nada se podendo extrair relativamente ao que foi definido como retribuição a pagar à mesma. Para além disso, a recorrente não indica qualquer meio de prova que contrarie o referido.
Assim, também aqui improcede a impugnação.
Quanto ao facto 18º, invoca a recorrente o depoimento de parte da recorrida, mas como não deu cumprimento ao disposto ao art. 640, nº 2, do CPC, não pode o mesmo ser considerado, pelo que também aqui improcede a impugnação.
Quanto aos factos provados 21º e 25º, nenhum meio de prova foi invocado pela recorrente, assim se rejeitando a impugnação dos mesmos.
Factos provados nº 28º e 29º, invoca a recorrente apenas o depoimento de parte da recorrida, mas como não deu cumprimento ao disposto ao art. 640, nº 2, do CPC, não pode a impugnação ser considerada, pelo que também aqui se rejeita. Elimina-se, porém, a expressão “provavelmente depois de contactada pela ACT para efeitos de entrega da declaração de situação de desemprego” do facto provado 28º, o que, de todo o modo, nenhuma relevância tem.
Finalmente, para que se considere como provada a matéria do ponto 56º da matéria de facto não provada, invoca a recorrente os “recibos de vencimento” juntos aos autos.
Consta a propósito da sentença: “Em especial quanto aos factos dos pontos 22º a 53º e 56º, cumpre destacar que, tal como já referido supra, cada um dos depoimentos das testemunhas L…, N…, J… e I… apenas foi valorado como verdadeiro nas partes em que se mostrou congruente com as declarações de parte da A.. Ora, nas partes relativas aos factos dos pontos 22º a 53º e 56º, nenhum dos depoimentos das testemunhas L…, N…, J… e I… se mostrou congruente com as declarações de parte da A..”
A recorrente juntou com a contestação diversos “recibos de vencimento” dos quais consta “Declaro que recebi a quantia constante neste recibo”, seguido da assinatura da recorrida (documentos 3 a 15, juntos com a contestação).
Sobre estes documentos alegou a recorrida impugnar os mesmos, “uma vez que a quantia paga mensalmente à Autora corresponde à alegada na petição inicial, nunca tendo esta recebido os subsídios de natal e de férias em duodécimos. Uma vez mais, também os recibos eram assinados muito tardiamente, vários meses depois da data lá inscrita, informando a Ré que se tratavam de uma formalidade apenas para salvaguardar eventuais exceções.”
Poderia, portanto, entender-se que, não impugnando a recorrida a sua assinatura aposta nos documentos, impunha-se que invocasse a falsidade dos mesmos, o que não ocorreu, nem invocou qualquer vício de vontade na declaração, pelo que se deveria considerar provado o que consta dos documentos, nos termos do disposto nos arts. 374º, nº 1, e 376º, nº 1 e 2, do Código Civil. “Daqui decorre que tal prova só cede perante a prova do contrário, consoante prescreve o art. 347º, vigorando no entanto as restrições que resultam do art. 394º do CC” (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31 de Maio de 2016, processo 19/14.4T8SAT.C1, acessível em www.dgsi.pt). Ou seja, não poderia a prova produzida pelos documentos em causa ser contraditada pelo depoimento de parte da recorrida. “Assim, num documento particular cuja autoria não seja colocada em causa nos termos acima referidos, a declaração nele contida considera-se plenamente provada, na medida em que seja contrária aos interesses de quem a profere, a não ser que o declarante refira que não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada por algum vício de consentimento, o que terá que expressamente arguir. Naquela conformidade, a declaração é equiparada a uma confissão, aplicando-se-lhe o respectivo regime”, conforme art. 358º, nº 2, do Código Civil (acórdão do STJ de 7 de Maio de 2009, processo 09A0664, acessível em bdjur.almedina.net). Este entendimento era igualmente aceite no âmbito das relações laborais, conforme se podia ver nos acórdãos do STJ de 12 de Janeiro de 2006, processo 5S2838, e de 23 de Janeiro de 2008, processo 07S2888, ambos acessíveis em www.dgsipt.
Porém, importa considerar que a jurisprudência evoluiu de forma claramente maioritária no sentido de que, “durante a execução da relação de trabalho, o direito à retribuição é um direito indisponível e irrenunciável, como resulta do preceituado [no art. 337º, nº 1], do CT, a propósito da prescrição, segundo [o qual] a prescrição funciona apenas após a cessação do contrato de trabalho, evidenciando, assim, que os direitos de crédito dos trabalhadores sobre a entidade empregadora são imprescritíveis durante a vigência do contrato” (acórdão do STJ de1 de Junho de 2011, processo 1001/05.8TTLRS.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt).
Assim, tratando-se de direito indisponível, não pode ser objecto de confissão extrajudicial a declaração de recebimento do vencimento, conforme art. 354º, al. b), do Código Civil. Neste sentido pode ver-se o sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Abril de 2017, processo 2879/15.2T8LSB.L1-4, acessível em www.dgsi.pt. Veja-se João Leal Amado, Contrato de Trabalho, à Luz do Novo Código do Trabalho, 2009, pág. 324, e Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 3ª edição, 2012, pág. 590.
Ou seja, os “recibos de vencimento” juntos aos autos, ainda que assinados pela recorrida, não fazem prova plena do recebimento dos montantes neles referidos.
Sendo assim, impunha-se que a recorrente indicasse outros meios de prova que infirmassem o que consta da motivação da decisão relativamente a esta matéria de facto. Isto é, que os depoimentos das testemunhas L…, N…, J… e I… deviam ser valorados para além da sua congruência com as declarações de parte da autora, o que exigiria o cumprimento do disposto no nº 2 do art. 640º do CPC.
Não cumprindo a recorrente tal ónus, não se pode reapreciar a matéria em causa, pelo que também aqui improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Assim, improcede totalmente o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
2. Da (i)licitude da resolução do contrato de trabalho pela recorrida
Consta da sentença a este respeito:
“(...) a resolução do contrato de trabalho supra referido, a qual é invocada pela A. na petição inicial de fls. 3 a 7, é válida.
Na carta cuja cópia consta de fls. 8 verso a 10, a qual vale como o escrito referido no art. 395º, nº 1, do C.T., a A. imputa à R. comportamentos que, no seu entender, consubstanciam as situações de justa causa subjetiva previstas nas alíneas a), b) e e), do nº 2, do art. 394º, do C.T. – “Falta culposa de pagamento pontual da retribuição”, “Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador” e “Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador” – cfr. ponto 10º, dos factos provados. (…)
Ora, ante o exposto, os vários pontos dos factos provados e o disposto nos arts. 351º, nº 1, do C.T., e 799º, nº 1, do C.C., é lícito concluir que, à data de 23.08.2017, se podiam dar por verificados alguns dos comportamentos que foram imputados pela A. à R. na carta cuja cópia consta de fls. 8 verso a 10; que tais comportamentos consubstanciam as situações de justa causa subjetiva previstas nas alíneas a), b) e e), do nº 2, do art. 394º, do C.T. – “Falta culposa de pagamento pontual da retribuição”, “Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador” e “Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador”; e que os referidos comportamentos, globalmente considerados, pela sua gravidade e consequências, tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho emergente do contrato de trabalho supra referido.
Donde e ante o exposto, a resolução do contrato de trabalho supra referido, a qual é invocada pela A. na petição inicial de fls. 3 a 7, é lícita.”
Insurge-se a recorrente, alegando:
Afigura-se à recorrente que a sua condenação neste segmento não se encontra devidamente fundamentado, pois não se encontra na decisão recorridas quais os factos concretos em que o Tribunal se baseia para assim decidir, limitando-se a remeter para a carta que a recorrida enviou à recorrente a 23/08/2017.
(,,,) entende a recorrente que não existem nos autos factos que permitam concluir que recorrida tinha justa causa para resolver o contrato de trabalho.
Vejamos,
Quanto à falta culposa de pagamento pontual da retribuição, apenas consta dos autos que recorrida apenas pagou o salário do mês de Julho no dia 9 de Agosto de 2017.
Ora, mesmo que não tivesse existido uma razão para tal, que apesar de ter existido, o tribunal a quo a deu como não provada, o pagamento de um salário apenas no dia 9 do mês seguinte, ou seja com 9 dias de atraso, não constitui de forma alguma justa causa de resolução contratual.
Quanto a violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador e lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador, salienta-se que não foi dado como provado que:(…)
Por outro lado, acresce que as tarefas que a recorrida sempre desempenhou foram exatamente aquelas para as quais a mesma foi contratada. Sendo que, se a data em 10/08/2017 a recorrida, que tinha vindo de baixa médica sem qualquer tipo de restrição, não se sentia em condições de trabalhar podia, e devia, ter consultado o médico e pedido nova baixa; nunca poderia, como fez, resolver o contrato de trabalho com fundamento na “dureza” do trabalho ou na sua incapacidade física para desempenhar as funções que lhe competiam.
Acresce que o facto de recorrida não mais conseguir suportar sujeitar-se às condições de trabalho que tinha – facto provado nº 26º, deve-se seguramente a condições pessoais, dado que as funções que sempre desempenhou foram exatamente aquelas para que foi contratada – factos provados nº 2º e 3º, pelo que a recorrente mandar executar as referidas tarefas era normal, tanto mais que a recorrida tinha tido alta sem qualquer tipo de restrição, conforme documentos juntos com a contestação.
Assim, entende a recorrente que a recorrida não tinha fundamento para proceder à resolução do contrato de trabalho com justa causa.
Respondeu a recorrida: “quanto à licitude da resolução do contrato com justa causa por parte da Autora, atenta a ampla fundamentação constante da douta sentença a quo não podem colher os argumentos das alegações da recorrente pois que se encontram provados factos que consubstanciam a redução do vencimento levada a efeito pela autora, a exigência da prestação do trabalho suplementar e o seu não pagamento continuados, factos que, mesmo individualmente considerados, seriam aptos a fundamentar a resolução com justa causa do contrato de trabalho por parte da Autora, pelo que não é verdadeiro, conforme se pretende no recurso, que os factos invocados na carta de resolução tenham sido, todos eles, julgados como não provados.”
Nos termos do art. 394º, nº 1, do Código do Trabalho, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
Esclarece o nº 2 do mesmo preceito que, constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.
Dispõe, por outro lado, o art. 395º, nº 1, do Código do Trabalho, que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
A observância dos requisitos de natureza procedimental previstos neste normativo constituem condição de licitude da resolução, na medida em que dela depende a atendibilidade dos factos invocados pelo trabalhador para justificar a cessação imediata do contrato, conforme acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Março de 2012, processo 1282/10.5TTBRG.P1, acessível em www.dgsi.pt, e Joana Vasconcelos, em Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez e outros, 9ª edição, 2013, pág. 834, (em tal acórdão citada na versão de 2005) que acrescenta “A observância pelo trabalhador dos requisitos de natureza procedimental previstos no nº 1 do presente preceito – forma escrita, indicação sucinta dos factos que em seu entender são de molde a constituir justa causa (e não mera reprodução ou remissão genérica para uma qualquer alínea do nº 2 do artigo 394º) e prazo – constitui condição de licitude da resolução, pois dela depende a atendibilidade dos factos invocados para justificar a imediata cessação do contrato.”
Na comunicação de resolução do contrato de trabalho com justa causa refere a recorrida o seguinte (facto provado 41): “Atento o exposto e a gravidade e reiteração com que têm sido praticados todos os factos que acabo de expor, são causa da minha Iniciativa de resolver o contrato de trabalho com justa causa, o que faço através da presente comunicação, consubstanciada na imposição de um horário de trabalho que põe em causa a minha saúde física e psíquica e na falta de pagamento do trabalho suplementar que desenvolvo diariamente, pelo menos duas horas por cada dia de trabalho, e ainda no facto de não me ter sido permitido gozar as férias que tenho direito e ainda no não. pagamento do trabalho que desenvolvo seminal e ininterruptamente em dia de descanso semanal.”
Invoca, pois, as seguintes circunstâncias:
1. cumprimento de horário de trabalho superior a oito horas diárias, com intervalo de “cerca de 10m para o pequeno almoço e não mais de 30m para o almoço”;
2. falta de gozo de período de descanso complementar;
3. falta de pagamento do trabalho suplementar;
4. redução do valor remuneratório durante seis meses;
5. redução da retribuição de Julho de 2017, em €50,00;
6. imposição de ritmo de trabalho elevado e trabalho que exigia demasiado esforço físico;
7. não concessão de férias.
Todas estas circunstâncias tiveram acolhimento na matéria de facto provada, conforme resulta da seguinte matéria de facto provada:
(4) Durante toda a relação laboral a A. trabalhou de terça-feira a domingo, descansando apenas à segunda-feira, dia de encerramento do estabelecimento de restaurante. (5) O horário de trabalho da A. que foi fixado pela R. era, de terça-feira a domingo, das 09:30 horas às 14:00 horas e das 15:30 horas às 18:00 horas. (6) Durante toda a relação laboral, de terça-feira a domingo, a A. trabalhava diariamente desde a hora de entrada, que era em regra sempre anterior às 09:30 horas, até à hora de saída, que era em regra sempre posterior às 18:00 horas, sem interrupções, com exceção de duas pausas, uma de quinze minutos para o pequeno-almoço e uma de trinta minutos para o almoço.
(7) A R. não permitia à A. o gozo de qualquer dia de descanso para além do descanso às segundas-feiras.
(24) Desde 1 de julho de 2016 a 9 de agosto de 2017, a A. trabalhou nos dias assinalados no documento de fls. 100 a 170, que, aqui, se dá por integralmente reproduzido, sendo que, por referência a cada dia de trabalho, as horas de entrada estão assinaladas em tal documento em primeiro lugar e as horas de saída estão assinaladas em tal documento em segundo lugar. (30) A A. nunca incluiu as horas de trabalho que trabalhava fora do horário 09:30 horas – 14:00 horas e 15:30 horas – 18:00 horas nas folhas de registo de horas, por si preenchidas, cujas cópias constam de fls. 69 a 78 verso e, aqui, se dão por integralmente reproduzidas.
(11) Apesar da R. ter assumido a obrigação de suportar a parte respeitante às contribuições para a Segurança Social que estivessem a cargo da A., a R., sem qualquer explicação e justificação, entre os meses de abril e setembro, de 2016, não suportou a parte respeitante às contribuições para a Segurança Social que estivessem a cargo da A., tendo passado a suportar tais contribuições novamente a partir de outubro de 2016.
(12) Aquando do pagamento do salário da A. referente ao mês de julho de 2017, que aconteceu apenas em 9 de agosto de 2017, foi retirada, sem justificação, a quantia de € 50,00.
(13) Durante toda a relação laboral, de terça-feira a domingo, a A., por imposição da R., trabalhava em regra mais do que 8 horas por dia. (14) No dia 6 de agosto de 2017, domingo, a hora de entrada da A. foi 06:45 horas e a hora de saída da A. foi 19:40 horas, sendo que a A. esteve incumbida, para além do mais, das tarefas de colocar as assadeiras nos fornos, vigiar o processo de cozedura dos alimentos que se encontravam nos fornos e tirar as assadeiras dos fornos. (15) As tarefas de colocar as assadeiras nos fornos e tirar as assadeiras dos fornos exigiam grande esforço físico, que a A. teve que desenvolver sem qualquer ajuda, tendo que suportar sozinha o peso das assadeiras durante muitas horas, o que lhe provocou dores e mal-estar físico. (16) Os quais eram agudizados atento o acidente que a A. havia sofrido em 30.04.2017, uma queda na entrada da cozinha do restaurante, por força da qual esteve sem trabalhar desde o dia 01.05.2017, segunda-feira, até ao dia 10.07.2017, segunda-feira. (17) No dia 6 de agosto de 2017, a R. sabia que a A. andava já há algum tempo a queixar-se de que se sentia fisicamente muito cansada, mas não deixou de incumbir a A. das tarefas de colocar as assadeiras nos fornos e tirar as assadeiras dos fornos. (18) No dia 10 de agosto de 2017, a R. disse à A. que precisava que ela passasse a trabalhar ainda mais horas do que aquelas que já trabalhava. (19) Todavia, a A. sentia-se fisicamente muito cansada e, como tal, incapaz de trabalhar ainda mais horas do que aquelas que já trabalhava. (26) Desde o dia 10 de agosto de 2017, a A. não mais conseguiu suportar sujeitar-se às condições de trabalho que tinha. (27) Em virtude do referido nos pontos 4º, 6º, 7º, 13º a 16º, 21º, 22º, 24º e 25º, a A. sentia-se extenuada e com sintomas físicos de cansaço.
(21) Desde 29.10.2015, a R. não permitiu que a A. gozasse mais férias do que aquelas que gozou nos anos de 2016 e 2017. (22) Nos anos de 2016 e 2017, a A. apenas gozou férias desde 30.08.2016 a 12.09.2016 e de 27.12.2016 a 04.01.2017, num total desde o início da relação laboral de 17 dias úteis. (25) A R. apenas permitia à A. o descanso às segundas-feiras e não permitiu à A. gozar mais férias.
Nos termos do art. 394º, nº 4, do Código do Trabalho, a justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações. Por sua vez, estabelece este normativo que, na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
“A inexigibilidade de permanência do contrato de trabalho envolve um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico – o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura” (acórdão do STJ de 27 de Novembro de 2002, processo 02S2423, acessível em www.dgsi.pt).
“Deverá, pois, na apreciação da justa causa valorar-se a culpa da entidade patronal, exigindo-se que o comportamento desta revele um grau de culpa que possa justificar a extinção da relação de trabalho” (acórdão do STJ de 6 de Novembro de 2002, processo 02S4097, acessível em www.dgsi.pt).
Salienta-se no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 4 de Março de 2013, processo 517/11.1TTGDM.P1, ainda acessível em www.dgsi.pt, “Assim, é necessário que, além da verificação do elemento objetivo e subjetivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral. A verificação de justa causa pressupõe, deste modo, a ocorrência dos seguintes requisitos: a) um de natureza objetiva – o facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 394º do Código de Trabalho (ou outro igualmente violador dos direitos e garantias do trabalhador); b) outro de caráter subjetivo - a existência de nexo de imputação desse comportamento, por ação ou omissão, a culpa exclusiva da entidade patronal; c) outro de natureza causal – que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras de boa fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo. Não basta, pois, uma qualquer violação por parte do empregador dos direitos e garantias do trabalhador para que este possa resolver o contrato de trabalho com justa causa. Torna-se necessário que a conduta culposa do trabalhador seja de tal modo grave, em si mesma e nas suas consequências, que, à luz do entendimento de um bonnus pater familias, torne inexigível a manutenção da relação laboral por parte do trabalhador.” Veja-se igualmente Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., pág. 932.
Conforme refere Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 2006, págs. 588 e 589, “Não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo.”
No sentido exposto vejam-se ainda os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 7 de Novembro de 2016, processo 2537/15.8T8VNG.P1, e do STJ de 14 de Janeiro de 2015, processo2881/07.8TTLSB.L1.S1, e de 17 de Dezembro de 2014, processo 397/11.7TTMTS.P1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Não está aqui apenas em questão a prestação do trabalho suplementar, ou sequer do respectivo pagamento, mas toda uma acumulação de circunstâncias que tornam de facto inexigível à recorrida a manutenção da relação laboral, sobretudo tendo em consideração que, no caso do trabalhador, a única reacção possível face à violação das obrigações contratuais por parte do empregador é a resolução do contrato de trabalho com justa causa.
Conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., pág. 932, “Na esteira do que anteriormente se referiu, acentua-se a necessidade de não apreciar os elementos acima referidos em moldes tão estritos e exigentes como no caso de justa causa disciplinar, designadamente no que toca ao terceiro elemento. A fundamental dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador assim o impõe.” No mesmo sentido João Leal Amado, ob. cit., pág. 444.
De facto, não só a recorrente impunha uma carga horária diária elevada, sem observar os intervalos mínimos legais de interrupção da actividade (conforme art. 213º, nº 1, do Código do Trabalho), como não concedia períodos de descanso por trabalho suplementar prestado (art. 229º, nº 1, do Código do Trabalho), e ainda não pagava as horas suplementares e a compensação pelo não gozo dos períodos de descanso devidos.
A propósito refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26 de Outubro de 2017, processo 1596/16.0T8PTM.E1.E1, acessível em www.dgsi.pt, para situação semelhante:
“(...) com arrimo na factualidade assente há que concluir que a empregadora violou direitos e garantias da trabalhadora, designadamente, desrespeitou as seguintes normas:
- Artigo 59º, nº 1, alíneas b) e d) da Constituição da República Portuguesa;
- Artigos 127.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, 203.º, 212.º, 213.º e 214.º, todos do Código do Trabalho.
Todos os trabalhadores têm direito a que a sua jornada de trabalho seja limitada, por forma a proporcionar-lhe a existência de tempo para descansar e usufruir de uma vida pessoal e social. O direito ao descanso semanal é igualmente um corolário do direito universal ao repouso.
Preceitua o artigo 24º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: «Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas.»
As pausas no trabalho e o tempo de descanso semanal e anual são essenciais para uma vida saudável e equilibrada, tanto do ponto de vista físico como mental, constituindo uma emanação do direito à saúde e á integridade física e moral, enquanto direitos de personalidade.
Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/1998, in BMJ 480º, pág. 417, a «personalidade humana é, verdadeiramente, a estrutura base dos direitos do homem, já que é sobre ela que assentam todos os demais direitos, nomeadamente os de natureza e carácter diferente.»
No caso vertente, ficou demonstrado que a trabalhadora viu violado o seu direito a um limite máximo da jornada de trabalho, (...) tais factos não são, no nosso entender suficientes para ilidir a presunção de culpa resultante da aplicação do artigo 799º do Código Civil, por forma a considerar-se afastada a censurabilidade do comportamento assumido pela empregadora. Tal intento teria sido conseguido se tivesse demonstrado que no âmbito da sua competência de elaboração do horário de trabalho (artigo 212º do Código do Trabalho), havia determinado ou definido um horário de trabalho com observância dos limites legais.
Por conseguinte, não tendo a empregadora logrado ilidir a referida presunção de culpa consideramos ter sido demonstrado nos autos a verificação da situação prevista no artigo 394º, nº 2, alínea b) do Código de Trabalho.
E, no nosso entender, a conduta ilícita e culposa da empregadora tornou imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral, com arrimo nos factos provados.”
Voltando ao caso vertente, é certo que a recorrida foi contratada como ajudante de cozinha, encontrando-se compreendido nas suas funções o colocar e tirar do forno as assadeiras, trabalho que a recorrida entendeu como sendo violento, por as mesmas serem muito pesadas e ter que o fazer com muita regularidade. Por outro lado, não pode a recorrida invocar a prestação de trabalho suplementar, por si só, uma vez que sempre o prestou nas mesmas condições, nem a falta de pagamento de tal trabalho suplementar, por si só tornaria inviável a subsistência da relação laboral.
Porém, é evidente que a recorrente, voluntária e conscientemente, organizou o trabalho da recorrida de forma a não lhe permitir os períodos de descanso diários e semanais necessários a uma vida com o mínimo de qualidade e dignidade da sua trabalhadora, o que se veio a traduzir a final numa situação de saturação a insustentabilidade, quer física, quer psíquica, para a continuação do trabalho por parte da recorrida.
Assim, encontra-se devidamente demonstrada a justa causa para a resolução do contrato de trabalho, improcedendo em consequência a apelação quanto a este aspecto.
3. Dos créditos salariais
Alega a recorrente:
A recorrente é condenada no pagamento do valor de €1.255,47 (mil duzentos e cinquenta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos) a título de retribuição de férias e subsídio de férias, proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de 2017, e de subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano de 2017.
Ora, como acima foi referido a recorrida sempre recebeu os subsídios de férias e de natal em duodécimos conforme consta dos recibos de vencimento.
Pelo que a decisão proferida não pode deixar de ser alterada, no sentido de a recorrente ser apenas condenada no pagamento do valor de €418,49 (quatrocentos e dezoito euros e quarenta e nove cêntimos), referente às férias pelo trabalho prestado durante o ano de 2017, uma vez que a recorrida já havia recebido os respetivos subsídios de férias e de Natal.
A recorrente foi ainda condenada no pagamento do valor de €1.916,73 (mil novecentos e dezasseis euros e setenta e três cêntimos referente a compensação pela violação do direito a férias.
Ora, como vimos e consta da própria sentença posta em crise que a recorrida nunca pediu para gozar férias para além daquelas que gozou.
(...)
Ora, se foi a própria recorrida que afirmou que nunca pediu férias para além das que gozou, independentemente de ter o direito a ser indemnizada por elas, não se pode concluir, como fez o Tribunal a quo de que a recorrente impediu culposamente o gozo de férias!
Porque na verdade, como se disse, e resulta dos autos a recorrente NUNCA impediu a recorrida de gozar férias que tivesse solicitado, e muito menos que o tivesse feito de forma culposa!
Pelo que não se compreende como o Tribunal a quo considerou que a recorrente obstou culposamente ao gozo de férias se as mesmas nunca lhe foram solicitadas, pelo que não pode a sentença recorrida deixar de ser revogada neste segmento.
Quanto a condenação da recorrente no pagamento do valor de €3.065,09 (três mil e sessenta e cinco euros e nove cêntimos) a titulo de remuneração pelo trabalho suplementar prestado pela recorrida, afigura-se que inexistem nos autos elementos que permitissem esse mesmo pagamento.
Entende a recorrente que não existem nos autos elementos suficiente que permitam a condenação da recorrente da forma como foi.
(...)
Por fim, foi a recorrente condenada no pagamento do valor de €1.671,00 (três mil seiscentos e setenta e um euros) a título de indemnização pela cessação do contrato por ter entendido o Tribunal a quo que a resolução do contrato foi feita com justa causa.
Afigura-se à recorrente que a sua condenação neste segmento não se encontra devidamente fundamentado, pois não se encontra na decisão recorridas quais os factos concretos em que o Tribunal se baseia para assim decidir, limitando-se a remeter para a carta que a recorrida enviou à recorrente a 23/08/2017.
Quanto à questão da condenação da ré no pagamento dos subsídios de férias e de natal, a procedência da apelação dependia da procedência das questões anteriormente apreciadas, pelo que a sua rejeição necessariamente determina a improcedência das presentes.
Assim, conforme decidido no ponto 1. da presente fundamentação de direito, a recorrente não logrou a alteração da decisão da matéria de facto provada relativamente a esta questão, sendo certo que para isso não basta a invocação dos “recibos de vencimento” juntos aos autos.
Improcede, pois, a apelação quanto a este ponto.
Relativamente à violação do direito a férias, consta da sentença: “Ante o exposto e os pontos 21º, 22º e 25º, todos dos factos provados, é possível concluir que a A. não gozou férias a que tinha direito e que o não gozo pela A. de férias a que tinha direito se ficou a dever ao facto da R. ter obstado com culpa a tal gozo”, condenando a recorrente nos termos do art. 246º, nº 1, do Código do Trabalho.
Nos termos do art. 237º do Código do Trabalho, (1) O trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de Janeiro, (2) O direito a férias, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior, mas não está condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço, (3) O direito a férias é irrenunciável e o seu gozo não pode ser substituído, ainda que com o acordo do trabalhador, por qualquer compensação, económica ou outra, sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo seguinte.
Acrescenta-se no art. 238º do mesmo Código que (1) O período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis, e (5) O trabalhador pode renunciar ao gozo de dias de férias que excedam 20 dias úteis, ou a correspondente proporção no caso de férias no ano de admissão, sem redução da retribuição e do subsídio relativos ao período de férias vencido, que cumulam com a retribuição do trabalho prestado nesses dias.
Estabelecendo a final o art. 241º que (1) O período de férias é marcado por acordo entre empregador e trabalhador, e (2) Na falta de acordo, o empregador marca as férias, que não podem ter início em dia de descanso semanal do trabalhador, ouvindo para o efeito a comissão de trabalhadores ou, na sua falta, a comissão intersindical ou a comissão sindical representativa do trabalhador interessado.
Finalmente, nos termos do art. 246º, nº 1, do mesmo diploma, caso o empregador obste culposamente ao gozo das férias nos termos previstos nos artigos anteriores, o trabalhador tem direito a compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deve ser gozado até 30 de Abril do ano civil subsequente.
Face a este regime legal, concluiu-se no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 8 de Março de 2019, processo 1141/18.3T8PRT.P1 (não publicado), que “Em síntese, os citados normativos permitem concluir: (i) o gozo de férias é um direito dos trabalhadores, e irrenunciável; (ii) o período de férias é marcado por acordo entre empregador e trabalhador e, na falta de acordo, é “o empregador que marca as férias” dentro dos critérios impostos pela lei; (iii) o direito a férias do trabalhador impõe ao empregador o dever de as marcar quando vencidas, respeitando os critérios impostos pela lei.
No mesmo sentido Monteiro Fernandes, obra citada, pág. 434, que refere: “A violação pode, aliás, não consistir em recusa ou obstrução directa do empregador, mas, simplesmente, na omissão de diligências (como a marcação das férias) que lhe cabem e que condicionam a efectivação do direito. Existe, pois, uma conexão estreita entre a caracterização da violação do direito e o regime da marcação da época de férias.” Veja-se ainda Luís Miguel Monteiro, no Código do Trabalho Anotado cit., pág. 573.
Ou seja, a recorrente tinha que marcar e conceder à sua trabalhadora o gozo de férias, ainda que esta as não tivesse solicitado, independentemente de qualquer solicitação, pelo que o não gozo lhe é imputável.
Assim, também quanto a este aspecto improcede a apelação.
Relativamente à condenação por trabalho suplementar a procedência da apelação dependia mais uma vez da procedência da impugnação relativa à decisão da matéria de facto, pelo que improcedendo esta nada mais há a considerar, também aqui improcedendo a apelação.
Finalmente, quanto à indemnização por resolução do contrato com justa causa, atento o decidido no ponto 2. supra, não questionando a recorrente o valor da indemnização, mas apenas a existência da justa causa, improcede igualmente este ponto da apelação.
Em conclusão, improcede o recurso relativamente à questão dos valores em que a recorrente foi condenada em primeira instância.
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas, do recurso pela recorrente.

Porto, 10 de Julho de 2019
Rui Penha - relator
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes