Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
265/15.3T8AMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DESVALORIZAÇÃO DA PARTE SOBRANTE
ACTUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
JUROS MORATÓRIOS
FASE ADMINISTRATIVA
FASE JUDICIAL
Nº do Documento: RP20170927265/15.3T8AMT.P1
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 659, FLS.140-160)
Área Temática: .
Sumário: I - Os prejuízos indemnizáveis no âmbito do processo de expropriação deverão ser apenas os que resultam directamente do acto expropriativo.
II - Como assim, nas expropriações parciais, nos termos do art. 29º, n.º 2 do Código das Expropriações (Lei n.º 168/99), apenas são indemnizáveis os prejuízos da depreciação da parcela resultante da sua divisão, ou os prejuízos e encargos directamente decorrentes do acto ablativo do direito de propriedade.
III - Entre esses prejuízos não se encontram os decorrentes dos efeitos da obra edificada e motivadora da expropriação como os que decorrem para a parcela sobrante do escoamento de águas pluviais e/ou detritos provenientes da plataforma da auto-estrada.
IV - O valor da indemnização, porque calculado por referência à data da declaração de utilidade pública, deve ser actualizado em conformidade com o preceituado no art. 24º do Código das Expropriações e a doutrina que emerge do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2001 de 25.01.2001.
V - Tendo-se verificado atrasos no cumprimento de actos processuais na fase administrativa do processo de expropriação, para os quais a expropriante não deduziu justificação, nos termos do art. 70º, n.º 1 do Código das Expropriações constituiu-se a mesma na obrigação de indemnizar os expropriados pelos danos causados pela mora, danos esses que corresponderão aos juros de mora legais e a incidir sobre o montante definitivo (actualizado) da indemnização devida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 265/15.3T8AMT-P1 - Apelação
Origem: Porto Este – Amarante – Secção Cível - J1.
Relator: Jorge Seabra
1º Adjunto Des. Maria de Fátima Andrade
2º Adjunto Des. Oliveira Abreu
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Sumário:
I. Os prejuízos indemnizáveis no âmbito do processo de expropriação deverão ser apenas os que resultam directamente do acto expropriativo.
II. Como assim, nas expropriações parciais, nos termos do art. 29º, n.º 2 do Código das Expropriações (Lei n.º 168/99), apenas são indemnizáveis os prejuízos da depreciação da parcela resultante da sua divisão, ou os prejuízos e encargos directamente decorrentes do acto ablativo do direito de propriedade.
III. Entre esses prejuízos não se encontram os decorrentes dos efeitos da obra edificada e motivadora da expropriação como os que decorrem para a parcela sobrante do escoamento de águas pluviais e/ou detritos provenientes da plataforma da auto-estrada.
IV. O valor da indemnização, porque calculado por referência à data da declaração de utilidade pública, deve ser actualizado em conformidade com o preceituado no art. 24º do Código das Expropriações e a doutrina que emerge do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2001 de 25.01.2001.
V. Tendo-se verificado atrasos no cumprimento de actos processuais na fase administrativa do processo de expropriação, para os quais a expropriante não deduziu justificação, nos termos do art. 70º, n.º 1 do Código das Expropriações constituiu-se a mesma na obrigação de indemnizar os expropriados pelos danos causados pela mora, danos esses que corresponderão aos juros de mora legais e a incidir sobre o montante definitivo (actualizado) da indemnização devida.
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO:
Nos presentes autos de expropriação é expropriante “ IEP – Instituto das Estradas de Portugal, SA “ e expropriados, B…, C…, herdeiros de D… e E…, na qualidade de proprietários.
Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações de 14.03.2014, publicado no Diário da República, n.º 61, IIª série, de 27 de Março de 2014, foi declarada a utilidade pública e a autorização de posse administrativa da parcela de terreno n.º 170.4 da “ Concessão Túnel do Marão – A4/IP 4 – Amarante/Vila Real – Sublanço Nó de Ligação ao IP4/… (revisão A), com a área total de €258 m2, sita no lugar de …, freguesia de …, Amarante, a destacar do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 4726 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1904.

Efectuada a vistoria ad perpetuam rei memoriam (vide fls. 74-78 dos autos), procedeu-se, de seguida, à respectiva arbitragem nos termos legais, que fixou o valor da indemnização em €5.807, 20 (vide fls. 10-28 dos autos), a favor dos proprietários.
Notificada a decisão arbitral, veio a expropriante interpor recurso da mesma sustentando que (i) o seu valor unitário não deverá ser superior a 0,70 €/m2 (considerando as características florestais do solo, o seu declive acentuado e a sua ocupação com pouco material lenhoso, vegetação densa e estado de abandono), que (ii) da expropriação não deriva uma qualquer desvalorização para a parte sobrante que mantém a potencialidade económica pré-existente, (iii) que a água da plataforma foi feita derivar para uma linha de água pré-existente, não originando, assim, a deposição da água na parcela um qualquer oneração para a parte sobrante e, ainda, sem prescindir, que (iv) um tal prejuízo não decorre directamente do acto expropriativo e da divisão do prédio em causa, razão porque não sempre não podia ser considerado para efeitos de cálculo da indemnização a arbitrar.
Como assim, o valor da parcela expropriada não deverá ser superior a €180,60.

Procedeu-se à avaliação, tendo os peritos indicados pelos expropriados e pelo Tribunal, calculado a indemnização a arbitrar aos proprietários no montante de €6.276, 90, sendo €379,26, enquanto valor da parcela expropriada, e €5.897, 64, a título de desvalorização da parte sobrante, tendo por referência a data da declaração de utilidade pública (DUP) – vide fls. 163-173; Por seu turno, o perito indicado pela expropriante indicou como valor indemnizatório a quantia de €141,90, apenas a título de valor da parcela expropriada, considerando que inexiste desvalorização da parte sobrante.

Na sequência da sobredita avaliação, veio a entidade expropriante deduzir reclamação a fls. 190-191, a que os expropriados responderam a fls. 194-203, pugnando pela improcedência do recurso da decisão arbitral e pela manutenção do relatório de avaliação.
Os Srs. Peritos, na sequência da aludida reclamação, prestaram os esclarecimentos constantes de fls. 211-215, mantendo o relatório de avaliação nos seus termos.

Expropriante e expropriados apresentaram alegações, pugnando a expropriante pela fixação do valor indemnizatório no montante atribuído pelo laudo do perito por si indicado, ao passo que os expropriados pugnaram pela improcedência do recurso da decisão arbitral interposto pela entidade expropriante.

Foi então proferida sentença na qual se fixou a indemnização a pagar pela entidade expropriante na quantia de €379,26, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a data de trânsito em julgado da sentença e até integral pagamento.

Não se conformando com o assim decidido, vieram os expropriados interpor recurso de apelação, em cujo âmbito deduziram as seguintes:
CONCLUSÕES
I) Ao nível da crítica que por esta via se dirige à sentença de 1.ª instância, urge começar por destacar a nulidade de que a mesma padece, por omitir a pronúncia do Tribunal no que tange à condenação da Recorrida no pagamento dos juros de mora tal como peticionado pelos (ora) Recorrentes.
II) De facto, aquando da apresentação da resposta ao recurso da decisão arbitral apresentado pela entidade expropriante, os Expropriados peticionaram a condenação da Expropriante em virtude dos atrasos que a mesma introduziu no andamento do procedimento e do processo expropriativos, no montante de €147,65, tudo em conformidade com os artigos 35.º, 51.º e 70.º, todos do C.E. (cfr. arts. 57º e ss. da mencionada peça processual).
III) Competindo ao Tribunal a pronúncia sobre todas as questões suscitadas pelas partes (n.º 2 do artigo 607.º), não podia a Mma. Juiz ter-se abstido de sobre ela pronunciar.
IV) Falamos de matéria reportada à ideia de contemporaneidade da indemnização que, no caso específico, ademais, emana especificamente da lei, que é taxativa ao sancionar, por via dos normativos indicados, o comportamento omissivo ou retardatário da Expropriante.
V) Ademais, ao próprio Tribunal «a quo» cumpria, oficiosamente, dela conhecer, já que no plano em que intervém tem o papel específico de assegurar a regularidade do procedimento administrativo, e de garantir que, antes da adjudicação, a Expropriante haja dado cumprimento ao disposto no artigo 51.º do C.E.
VI) Também a factualidade dada como provada merece reparos, impondo-se uma alteração da matéria de facto. Em primeiro lugar, e no que diz respeito à alínea f) do elenco, consideramos que a mesma tem de ser excluída.
VII) E impõe-se tal circunstância, uma vez que da leitura de tal alínea constata-se que o que está em causa não são factos concretos que resultam provados, mas um juízo meramente opinativo, por parte do perito indicado pela expropriante – e que assume a posição minoritária – que não cabe neste elenco dos factos provados.
VIII) Por sua vez, também a alínea l) tem de ser alterada. De facto, é referido que “As águas pluviais cairão livremente para a parte sobrante do prédio mas esse escoamento não deriva da expropriação mas da obra construída noutra área expropriada”. Tal matéria não resulta demonstrada pela prova que foi eivada nos autos, pelo que a Mma. Juiz não podia ter chegado a tal conclusão.
IX) O que resulta da prova técnica existente é que “ As águas pluviais cairão livremente para a parte sobrante do prédio”. Isto sim é um facto e tinha de ser considerado pela Mma. Juiz, devendo nesta conformidade ser alterada a alínea l), passando a constar somente com a redacção acabada de mencionar.
X) Por fim, e no que à matéria dos factos provados ainda diz respeito, importa ainda referir que também a alínea m) nos merece reparo. Concluiu a Mma. Juiz que “Não existem detritos a cair ou caídos na parte sobrante”.
XI) Ora, fá-lo sem qualquer suporte, uma vez que da prova existente resulta exactamente o contrário, daí que não possamos aceitar tal facto.
XII) Impõe-se a alteração do mesmo passando a constar com a seguinte redacção: “ Na parcela sobrante era possível visualizarem-se algumas pedras de grandes dimensões que correspondem a detritos da obra ”. Isto é o que na verdade resulta do acórdão de arbitragem e do laudo pericial maioritário, e não foi feita prova pela recorrente que tal realidade não correspondia a verdade, pelo que deve a mesma ser aceite e passar a integrar o elenco dos factos provados.
XIII) A par disto, dizer que não acompanhamos o entendimento da Mma. Juiz de 1.ª instância no que tange à questão da desvalorização da parte sobrante.
XIV) Se é adquirido nos autos a existência de depreciação causada em virtude da expropriação (vide, nesse sentido, a unanimidade entre os Senhores Árbitros e a posição maioritária da perícia que consideraram uma depreciação de 80%), cremos que a sentença é criticável ao não ter aceite tal depreciação.
XV) Resulta abundante da prova técnica junta aos autos que “as águas passaram a escoar livremente para a parte sobrante do prédio, ficando a mesma manifestamente onerada pela deposição de água e dos detritos arrastados, provenientes da auto-estrada, impedindo que a parcela sobrante possa ser utilizada, nas diversas capacidades do solo”.
XVI) Ora, tendo-se a expropriação destinado à conduta para as águas pluviais que para ali foram escoadas como pode concluir-se que “ a queda das águas pluviais não deriva da expropriação, mas, da obra construída noutra área da expropriada”. A expropriação destinou-se à conduta naquele concreto local. As águas saíram pela conduta e caem na parcela sobrante por causa da expropriação que ali colocou a conduta.
XVII) Trata-se de situação similar à das servidões non aedificandi criadas pelas AEs, que é pacífico ser indemnizadas nos processos de expropriação.
XVIII) A não consagração de uma indemnização para a parcela sobrante é uma violação do preceituado nos artigos 23º e 29º do Código das Expropriações.
XIX) Por fim, uma palavra para criticar a decisão de 1.ª instância quando impõe aos Expropriados, aqui Recorrentes, a privação de actualização da indemnização que fixou por sentença.
XX) Com efeito, labora em lapso manifesto a Mma. Juiz quando sustenta essa sua posição na data em que o relatório de avaliação foi elaborado; lapso, porquanto os seus subscritores, expressa e textualmente, indicam que o valor que definiram se reporta à data da publicação da declaração de utilidade pública.
XXI) Essa sua opção, diga-se, atenta frontalmente contra o princípio da contemporaneidade da indemnização, como refracção do princípio da justa indemnização, e em especial contra o teor dos artigos 1.º e 24.º da C.R.P. e 62.º, n.º 2 da C.R.P.
XXII) É postulado essencial da expropriação que a indemnização que se arbitre, a par de constituir uma compensação integral dos danos havidos, reponha a condição pessoal do(s) Expropriado(s) à data da privação que lhes é imposta.
XXIII) Sendo assim, é constitucionalmente imposto que o particular expropriado veja a indemnização actualizada desde a data da publicação da d.u.p. até à data do trânsito em julgado da decisão final, se antes não tiver havido, claro está, procedimento de actualização, tudo conforme o A.U.J. n.º 7/2001.
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A expropriante ofereceu contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
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Foram cumpridos os vistos legais.
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II. FUNDAMENTOS.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2, 1ª parte e 639º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
No seguimento desta orientação, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
a)- da nulidade da sentença por omissão de pronúncia (juros de mora);
b) – da alteração da factualidade provada nos termos invocados pelos apelantes;
c)- da desvalorização das partes sobrantes do prédio;
d)- da actualização da indemnização arbitrada no período entre a data da d.u.p e o trânsito em julgado da decisão final.
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II.I. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos provados são os seguintes:
a) Por despacho datado de 14.03.2014, proferido pelo Sr. Secretário das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, publicado no Diário da República n.º 61, IIª Série, de 27.03.2014 foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência e autorizada a posse administrativa da parcela n.º 170.4 do projecto da “ Concessão do Túnel do Marão – A4/IP4 – Amarante/Vila Real – Sublanço nó de ligação ao IP4/… (Revisão A) ”.
b) Tal parcela de terreno tem a área total de 258 m2, situa-se no lugar de …, freguesia de …, concelho de Amarante, a destacar do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 4726 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1904- ….
c) De acordo com o relatório da vistoria “ad perpetuam rei memoriam” a parcela era ocupada por alguns carvalhos e vegetação espontânea muito densa (silvas, matos e giestas), evidenciando ausência de tratamento. O terreno é bastante inclinado, descendo de Norte para Sul, em socalcos.
d) O Plano Director de Amarante, à data da declaração de utilidade pública define a parcela referida como situada em “ Espaço Agrícola Complementar ”;
e) Do relatório de peritagem elaborado pelos Srs. Peritos designados pelo Tribunal e pelos Expropriados, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, foi fixada em €5.807,20 euros o montante da indemnização a atribuir aos expropriados, sendo €350,88 euros pelo solo florestal e €5.456,32 euros pela depreciação da parcela sobrante.
f) A parte sobrante do prédio, por via da deposição de águas e detritos provenientes da plataforma da auto-estrada construída, como referido em l) e m), sofrerá uma depreciação de cerca de 80% quanto à capacidade do respectivo solo.
g) A parcela destinou-se à instalação de uma conduta para águas pluviais provenientes da plataforma da auto-estrada que motivou a expropriação.
h) Confronta do norte com a auto-estrada e dos restantes pontos cardeais com prédio-mãe.
i) Na parcela não existem poços nem minas.
j) O acesso ao prédio é feito a Sul pela Estrada Municipal n.º … que o margina. A estrada possui cerca de 5 metros de largura, pavimento betuminoso e linha de energia eléctrica.
k) A parcela sobrante do prédio encontra-se em estado de abandono (vegetação espontânea e ausência de tratamento).
l) As águas pluviais provenientes da plataforma da auto-estrada escoam livremente para a parte sobrante do prédio.
m) Na parcela sobrante existe deposição de detritos provenientes da auto-estrada ali construída.
n) O prédio mãe/parcela conservam o acesso anterior. [1]
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III- O DIREITO:
A. Impugnação da decisão de facto:
Em termos lógicos a presente decisão deveria versar, em primeiro lugar, sobre a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, à luz do preceituado no art,. 615º, n.º 1 al. d) do CPC.
Com efeito, como resulta das conclusões recursivas, os apelantes/expropriados suscitam a omissão de pronúncia do Tribunal recorrido quanto aos juros de mora alegadamente devidos pela entidade expropriante em resultado dos atrasos ocorridos na fase administrativa do presente processo expropriativo em conformidade com o preceituado no art. 70º, n.º s 1 e 2 do Código das Expropriações [adiante designado apenas por CE], aprovado pela Lei n.º 168/99 de 18.09, alterado pela Lei n.º 13/2002 de 19.02, pela Lei n.º 4/2003 de 19.02, pela Lei n.º 67-A/2007 de 31.12. e, ainda, pela Lei n.º 56/2008 de 4.09. [2]
Todavia, uma vez que segundo o n.º 2 do art. 70º do aludido CE, os reclamados juros de mora «incidem sobre o montante definitivo da indemnização ou sobre o montante dos depósitos, conforme o caso», mostrando-se esgrimido pelos expropriados o montante indemnizatório arbitrado (apenas no que tange à desvalorização ou depreciação da parte sobrante do prédio objecto da presente expropriação parcial), optar-se-á por conhecer, previamente, das questões que contendem com a fixação do aludido montante indemnizatório e apenas na parte final da presente decisão da questão dos juros de mora sobre esse montante e, ainda, da actualização do montante arbitrado, em conformidade com o preceituado no art. 24º, n.º 1 e 2 do CE.
Dito isto, a primeira questão que importa dirimir refere-se à factualidade tida como provada pelo Tribunal de 1ª instância e da qual discordam os ora apelantes.
Relativamente à impugnação da decisão de facto, exprimem os apelantes a sua discordância quanto à factualidade feita constar da alínea l) da sentença recorrida, a qual, segundo alegam, não colhe demonstração da prova produzida nos autos.
Sob a alínea l) da sentença recorrida consta o seguinte: «As águas pluviais cairão livremente para a parte sobrante do prédio mas esse escoamento não deriva da expropriação mas da obra construída noutra área expropriada.»
Segundo o laudo maioritário (subscrito de forma unânime pelos peritos indicados pelo Tribunal e, ainda, pelos expropriados), quanto à parte sobrante referiu-se o seguinte: «Conforme consta do auto de VAPRM, a área expropriada destinou-se à instalação de uma conduta para escoamento de águas pluviais provenientes da plataforma da auto-estrada que motivou a expropriação. Considerando que a obra está concluída, constata-se no local que as águas escoam livremente para a parte sobrante do prédio
Assim, prosseguem os peritos, «a parte sobrante ficará manifestamente onerada pela deposição de água e dos detritos arrastados, provenientes da auto-estrada, impedindo desta forma que se possa utilizar a parte sobrante, nas diversas capacidades do solo.» (vide fls. 172-173)
Por seu turno, neste conspecto, refere o perito indicado pela entidade expropriante no seu laudo que «relativamente à (parte) sobrante da parcela, esta permite o seu aproveitamento económico em condições idênticas às existentes antes da expropriação mantendo por isso proporcionalmente os mesmos cómodos, não fazendo por isso sentido a sua desvalorização.» (fls. 177)
Em suma, como se alcança do relatório pericial antes transcrito, dúvidas não existem, a nosso ver, que as águas pluviais provenientes da plataforma da auto-estrada escoam livremente para a parte sobrante do prédio. Note-se, aliás, nesta matéria factual, que o perito indicado pela expropriante, não obstante sustente que não ocorre uma diminuição dos cómodos da parte sobrante do prédio em apreço, não coloca em crise esse concreto facto, isto é que as águas pluviais provenientes da plataforma da auto-estrada escoam livremente para essa parte sobrante.
Dito de outra forma, e interpretando devidamente o relatório em apreço, mesmo o perito indicado pela expropriante não põe em causa esse escoamento de águas (e detritos) provenientes da auto-estrada para a parte sobrante do prédio, sustentando, no entanto, que desse facto não decorre uma diminuição ao nível do aproveitamento económico da parte sobrante do prédio, o que é facto substancialmente diverso e se reporta já à depreciação ou desvalorização da parte sobrante.
Como assim, uma tal factualidade deverá ser considerada provada nos termos sobreditos.
Assim, no que tange à alínea l) da factualidade provada deverá passar a constar: «As águas pluviais provenientes da plataforma da auto-estrada escoam livremente para a parte sobrante do prédio
Por outro lado, ainda, insurgem-se os apelantes quanto à factualidade feita constar da alínea m), pois que sustentam que, da prova produzida (acórdão de arbitragem e do laudo pericial maioritário), resulta precisamente a prova do contrário, devendo, pois, alterar-se a factualidade em apreço, passando a constar que «na parte sobrante era possível visualizarem-se algumas pedras de grandes dimensões que correspondem a detritos da obra.»
Neste conspecto, e como já acima assinalado, consta do laudo maioritário – que não se mostra posto em crise, quanto a tais elementos objectivos, pelo laudo oferecido pelo perito da expropriante -, que «a área expropriada destinou-se à instalação de uma conduta para escoamento de águas pluviais provenientes da plataforma da auto-estrada que motivou a expropriação. Considerando que a obra está concluída, constata-se no local que as águas escoam livremente para a parte sobrante do prédio.» Por outro lado, ainda, «a parte sobrante ficará manifestamente onerada pela deposição de água e dos detritos arrastados, provenientes da auto-estrada, impedindo desta forma que se possa utilizar a parte sobrante, nas diversas capacidades do solo. [sublinhado nosso]
Por outro lado, esta constatação objectiva é secundada, ainda, nos seus precisos termos, pelo laudo dos árbitros a fls. 17 dos autos.
Todavia, ao contrário do que sustentam os apelantes, de tais elementos de prova (e nenhuns outros se produziram), não emerge que as pedras de grandes dimensões existentes na parcela sobrante constituam «detritos da obra».
Na verdade, para além de a dita referência ser completamente omissa no laudo maioritário a fls. 163-173 dos autos, a mesma não se mostra corroborada pelo laudo de peritagem constante de fls. 11-23 dos autos e, em particular, das respostas aos quesitos formulados pelos expropriados.
Com efeito, no sobredito laudo de peritagem, em resposta ao quesito 15º formulado pelos expropriados («A parte sobrante do solo foi, tal como a parte expropriada, intervencionada ?), os peritos consignaram que «é possível visualizar na parcela sobrante algumas pedras de grandes dimensões que poderão ser detritos das obras. Dada a densidade do mato não é possível visualizar a extensão da ocupação ou a existência de outro tipo de intervenção.» (vide, ainda, os quesitos 21º e 22º e respectivas respostas no mesmo laudo a fls. 20-21 dos autos).
Como assim, atento o termo dubitativo da própria resposta dos peritos («poderão ser…»), não se colhe prova bastante e segura para ter como demonstrado, como sustentam os apelantes, que as pedras de grande dimensão existentes na parcela provêm da obra efectuada na parcela ora em causa ou da própria obra de construção da auto-estrada e que motivou um outro processo expropriativo relativo ao mesmo prédio.
Porém, se a factualidade provada não deve corresponder à versão ora sustentada pelos apelantes, daí não decorre, sem mais, que a impugnação não deverá merecer acolhimento no que se refere à deposição de detritos na parcela sobrante provenientes da auto-estrada construída junto à mesma.
Com efeito, como resulta do já antes exposto, uma tal factualidade colhe expresso apoio no laudo maioritário dos peritos a fls. 172-173 e, ainda, no acórdão dos árbitros a fls. 17 dos autos.
Nesta sede é de referir que, se é certo que vigora neste domínio o princípio da livre apreciação da prova pericial (art. 391º do Cód. Civil), não estando, pois, o tribunal vinculado ao posicionamento assumido pelos peritos, não deve deixar de ser equacionado que não só foram eles que ponderaram devidamente (em especial in loco) as circunstâncias concretas existentes no prédio em causa, como, ainda, são eles os técnicos, portadores dos especiais conhecimentos que os tornam mais habilitados e informados sobre a situação concreta existente.
Por outro lado, ainda nesta sede, ponderando os factores de isenção, imparcialidade e independência dos peritos indicados pelo Tribunal face ao concreto litígio, deverá o juiz dar preferência à posição adoptada nos relatórios de tais peritos, em particular quando, como é o caso, haja unanimidade destes. [3]
Ora, tendo presentes estes considerandos, à luz do laudo maioritário e da preferência que o mesmo nos merece - em face das aludidas garantias de maior isenção e imparcialidade dos peritos indicados pelo Tribunal e dos seus especiais conhecimentos -, sob a alínea m) deverá ter-se como provado que na parcela sobrante existe deposição de detritos provenientes da auto-estrada ali construída.
Por último, ainda, discordam os apelantes da factualidade feita constar da alínea f) da sentença recorrida, argumentando que a asserção ali feita constar não consubstancia um facto mas antes um mero juízo opinativo por parte do perito indicado pela expropriante.
Na sobredita alínea consta como provado o seguinte: «O Sr. Perito indicado pela EE considera não existir desvalorização da parcela sobrante.»
Ora, quanto a este ponto, é, a nosso ver e com o devido respeito, patente que a dita asserção não constitui um qualquer facto para efeitos decisórios, antes consubstancia, como se mostra arguido pelos expropriados, um juízo meramente opinativo e conclusivo formulado – sem qualquer base factual - pelo perito indicado pela expropriante, que, enquanto tal, não deve figurar na factualidade provada.
Dito de outra forma, mais clara, a desvalorização, enquanto afectação negativa em termos de cómodos ou utilidades do prédio objecto do acto expropriativo, ou o seu inverso, a inexistência de afectação dos cómodos ou utilidades proporcionadas pelo prédio, terão, forçosamente de resultar, não de um juízo subjectivo e conclusivo dos peritos, mas antes de um seu juízo técnico, para o qual se encontram especialmente habilitados, que haverá de ser sustentado objectivamente na realidade factual do prédio e do seu estado à data da sua vistoria pelos peritos, ou seja a partir do que pelos mesmos foi objectivamente observado e que tem de constar do seu relatório, realidade essa que, por seu turno, ao juiz cabe sindicar e integrar juridicamente no acto decisório final, ou seja na sentença.
Ora, nesse conspecto, para além de a asserção feita constar da alínea f) pelo Tribunal de 1ª instância se nos mostrar destituída de base factual que a suporte ou justifique - reconduzindo-se, pois, como se disse, a juízo opinativo e subjectivo do perito, ainda acresce que a dita asserção conclusiva se mostra minoritária e expressamente afastada pelo laudo maioritário e unânime dos peritos indicados pelo Tribunal (e pelos expropriados), os quais referem expressamente a fls. 173 dos autos que «a parte sobrante ficará manifestamente onerada pela deposição de água e dos detritos arrastados, provenientes da auto-estrada, impedindo desta forma que se possa utilizar a área sobrante, nas diversas capacidades do solo.» [sublinhado nosso]
E, ainda, referem os mesmos peritos indicados pelo Tribunal que, «em resultado dessa constatação, entende-se que o solo da parcela sobrante fica afectado (nas suas capacidades), ficando apenas com o valor residual de 20% e, por isso, sofre de uma desvalorização de 80%
Aliás, o mesmo tinha já sido feito constar do acórdão arbitral a fls. 17 dos autos, também subscrito de forma unânime, onde se refere que «a parte sobrante ficará fortemente onerada pela deposição de água e detritos que serão encaminhados da auto-estrada, impedindo desta forma que se possa utilizar a parte sobrante, nas diversas capacidades do solo», considerando-se, aí, «uma depreciação de 80%.» [sublinhados nossos]
Neste conspecto, e quanto à força probatória de tais relatórios periciais, valem, nos seus precisos termos, as considerações já antes expendidas, e que justificam, a nosso ver, de pleno, a credibilidade e convicção que aos mesmos é mister ser atribuída em função da fundamentação apresentada e tratando-se de relatório pericial subscrito, de forma unânime, pelos peritos nomeados pelo Tribunal.
Como assim, quanto à matéria a constar da alínea f) ali deverá passar a constar como provado que a parte sobrante do prédio, por via da deposição de águas e detritos provenientes da plataforma da auto-estrada construída, como referido em l) e m), sofrerá uma depreciação de cerca de 80% quanto à capacidade do solo.
O que, em conclusão, conduz à parcial procedência das conclusões insertas sob os n.ºs VI a XII e nos precisos termos ora expostos.
* *
B. Desvalorização da parte sobrante:
Como resulta dos autos, trata a presente expropriação de uma expropriação parcial, pois que de um prédio com a área de 5.273 m2 (5.015 + 258) foi expropriada a parcela correspondente a 258 m2, restando, enquanto parte sobrante, a área de 5.015 m2.
Relativamente à parcela expropriada e ao respectivo valor, a título de justa indemnização, foi arbitrada na sentença recorrida, a favor dos expropriados, a quantia de €379, 26 (trezentos e setenta e nove euros e vinte e seis cêntimos), em conformidade com o laudo maioritário constante de fls. 163-173 dos autos.
Quanto ao valor atinente à descrita parcela expropriada, como se evidencia das conclusões do recurso interposto pelos expropriados (e das contra-alegações da entidade expropriante/recorrida), que, como é consabido, delimitam o objecto nesta instância recursiva, ambas as partes com ele se conformaram, não obstante tenham os apelantes suscitado a questão, que em sede de própria se conhecerá, da sua actualização, à luz do preceituado no art. 24º, n.ºs 1 e 2 do CE.
O dissídio que se apresenta, e que cumpre decidir, refere-se, antes, à consideração (ou não), para efeitos indemnizatórios, neste processo expropriativo, da depreciação que resultou para a parcela sobrante do prédio parcialmente expropriado dos efeitos da construção da auto-estrada A4/IP4 – Amarante – Vila Real, sublanço nó de ligação ao IP4/….
Com efeito, nesta matéria, ao passo que o laudo maioritário considerou, a esse título, uma indemnização no valor de €5.897,64 (cujos critérios, aliás, não se mostram postos em crise), na sentença recorrida, este montante veio a ser afastado do cômputo indemnizatório, por ali se considerar que, sendo o dano em causa colateral à construção da auto-estrada implantada junto da parcela sobrante e não fruto da expropriação parcial, o mesmo só poderá ser considerado em acção autónoma a interpor pelos interessados e perante o tribunal comum.
Deste entendimento discordam já os apelantes, invocando em abono da sua posição arestos proferidos pelas Relações e pelo Supremo, ao passo que a apelada pugna pela manutenção do decidido, invocando, também em seu abono, outros arestos, nomeadamente desta Relação.
Como se divisa a questão em causa passa por apreciar e decidir sobre se a desvalorização da parte sobrante da parcela expropriada causada não directamente pela expropriação, mas antes pelo resultado da construção da obra a que a expropriação se destinou e sua utilização com a construção da auto-estrada, deve ser indemnizada no processo expropriativo, a coberto da previsão do artigo 29º, n.º 2 do CE.
Ora, não é pacífico, quer na doutrina quer na jurisprudência que, para a fixação da justa indemnização no âmbito do processo de expropriação, sejam apenas considerados os danos directamente resultantes do acto expropriativo e que devam ser excluídos os danos causados pela obra em si, designadamente a desvalorização causada à parcela sobrante da área do bem imóvel objecto de expropriação.
No domínio do CE, aprovado pelo DL n.º 431/91 de 9.11., a propósito do seu art. 28º, n.º 2, pronunciavam-se em sentidos opostos Osvaldo Gomes [4] e Alves Correia [5], pugnando o primeiro pelo ressarcimento das depreciações e prejuízos indirectamente resultantes da expropriação ou da afectação da parcela expropriada, ao passo que o segundo sustentava que só poderiam ser incluídos na indemnização a arbitrar no processo de expropriação os danos decorrentes directamente da expropriação parcial do prédio e não os que com ela apresentam apenas uma relação indirecta, tendo causa em factos posteriores ou estranhos à própria expropriação.
Esta divisão da doutrina estendeu-se também à jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
A posição de Osvaldo Gomes, e sustentada no presente recurso pelos apelantes, obteve acolhimento no AC RP de 16.02.2006, Processo n.º 0536917, AC RP de 16.09.2014, Processo n.º 1499/10.2TBLSD.P1, AC RP de 24.2.2015, Processo n.º 13555/09.7TBFLG.P1, AC RG de 11.09.2008, Processo n.º 1445/08-1, AC da RL de 12.03.2009, Processo n.º 1943/06.3TBPDL-2 e no AC STJ de 10.01.2013, Processo n.º 3059/07.6TBBCL.G1.S1 [6], ali se defendendo que são de indemnizar no âmbito do processo de expropriação os danos causados na área sobrante em consequência da construção/utilização da obra (auto-estrada), designadamente os prejuízos ao nível da diminuição da qualidade ambiental ou perda de privacidade.
Em sentido contrário, acolhendo a posição de Alves Correia, a título exemplificativo, são de referir o AC RG de 16.3.2005, CJ, ano XXX, tomo 2º, pág. 289, AC RP de 20.04.2006, Processo n.º 0631436, AC RP de 27.11.2014, Processo n.º 5547/09.0TBVNG.P1, AC RP de 23.01.2012, CJ, ano XXXVII, tomo 1º, pág. 184 e 187, AC RC de 24.6.2008, Processo n.º 318/2000.C1, AC RG de 25.6.2009, Processo n.º 431/06.2TBVCT.G1, AC RC de 29.6.2009, Processo n.º 1176/06.9TBVIS.C1, AC RP de 8.9.2009, Processo n.º 1577/06.2TBPFR.P1, AC RP de 16.12.2009, Processo n.º 1031/07.5STAMT. P1, AC RC de 13.09.2011, Processo n.º 182/04.2TBALD.C2, Acórdão da RL de 20.11.2012, Processo n.º 4136/09.4TBCSC.L1-7, AC STJ de 18.02.2014, Processo n.º 934/11.7TBOAZ.S1 e AC STJ de 25.03.2009, Processo n.º 08A3820. [7]
Importa que se saliente que, em qualquer uma das referidas posições não está em causa que os danos resultantes da obra que esteve na origem da expropriação tenham de ser indemnizados, discutindo-se apenas se tais danos devem ser ressarcidos no âmbito do processo expropriativo, como sustentam os apelantes, ou em acção autónoma, intentada para o efeito, como sustentado na decisão recorrida e defendido também pela apelada.
Nesta matéria, como é consabido, a justa indemnização tem como objectivo ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data (artigo 24.º do CE já acima citado).
Significa, pois que, a justa indemnização devida deve ser fixada à luz das circunstâncias e condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública.
Por seu turno, o n.º 2 do artigo 29.º do CE, dispondo directamente sobre as expropriações parciais e respectivo cálculo, prevê a indemnização de danos ou depreciações resultantes da própria divisão do prédio ou de encargos, também resultantes da divisão, em que se incluem a diminuição da área edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes.

Argumenta-se para diferente entendimento que, de preceito algum, maxime do artigo 29.º do CE, se consegue retirar que a indemnização pela desvalorização de uma parcela sobrante de um prédio expropriado se limita a danos provocados directamente pela expropriação.
Com o devido respeito, não cremos, porém, que assim seja.
Como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional de n.º 231/2008, de 21.04.2008 «o direito à justa indemnização é a concretização do princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos, princípio que resulta, por seu turno, da aplicação ao domínio do património privado daqueles valores gerais que exigem a criação de um direito que seja igual, proporcional e não arbitrário.»
Ora, esse desiderato, consegue-se através do estabelecimento, pela lei ordinária, de critérios uniformes de cálculo da indemnização, de molde a não ocorrer tratamento desigual entre os cidadãos expropriados e os não expropriados; Critérios que constam dos artigos 23.º a 32.º do CE, constituindo o primeiro, ponto de referência e critério basilar, o de que a justa indemnização se afere pelo valor real e corrente do bem.
Como assim, a referida argumentação o que faz é postergar os critérios ínsitos nos referidos normativos legais que, bem ou mal, o legislador entendeu que, em dado momento, eram aqueles que, aplicados pelo julgador, traduziriam a justa indemnização pelo acto ablativo do direito de propriedade.
E são esses, e não outros, que devem nortear a fixação da referida justa indemnização.

E perante eles não se vê como se possa defender que em preceito algum, maxime do artigo 29.º do CE, se consegue retirar que a indemnização pela desvalorização de uma parcela sobrante de um prédio expropriado se limita a danos provocados directamente pela expropriação.
Ao invés, o referido incisivo - artigo 29.º, nº 2 do CE- estatui, de forma explícita, que os danos na parte sobrante são os que resultam da divisão da parcela decorrente do acto expropriativo, quer da divisão tout court (simples acto de divisão) quer os que dela (divisão) resultarem.
Repare-se, a este propósito, que se o artigo 28.º do antigo CE (DL 431/91) ainda podia, de algum modo sustentar a tese defendida pela corrente minoritária, hoje tal não sucede com actual CE.
Com efeito, no artigo 28.º, nº 2 do CE de 1991 estatuía-se: «Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou da expropriação resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo o custo de novas vedações, especificar-se-ão também, em separado, essa depreciação e esses prejuízos ou encargos, correspondendo a indemnização ao valor da parte expropriada, acrescida destas últimas verbas.» [sublinhados nossos]
Já o n.º 2 do artigo 29.º do actual CE prescreve: «Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos (…)» [sublinhado nosso]
Portanto, na lei pretérita, fazia-se referência à depreciação da parcela sobrante resultante da divisão e a outros prejuízos ou encargos decorrentes da expropriação, pelo que, no domínio desta legislação, sempre se poderia defender que nos prejuízos decorrentes da expropriação também estrariam incluídos os danos indirectos.
Todavia, no âmbito do actual CE esse argumento já não têm qualquer arrimo na letra da lei, pois que, a depreciação da parcela sobrante a considerar está sempre associada à divisão da parcela decorrente do acto expropriativo.
O que aqui está em causa é, segundo a referida norma, a depreciação ou outros prejuízos resultantes da divisão do prédio, sempre com referência ao referido princípio base do valor real e corrente do bem, à data da declaração de utilidade pública.
Não estarão, portanto, por ela (norma) abrangidos os prejuízos que não resultam da expropriação em si mesma com a divisão do prédio, mas da ulterior construção da obra a que se destinou a expropriação e sua utilização, enquanto prejuízos subsequentes, não directa e necessariamente, consequência da expropriação parcial.
A este propósito, também na doutrina, Alves Correia refere que o n.º 2 do artigo 29.º prevê a «indemnização de um conjunto de danos patrimoniais subsequentes, derivados (Folgekosten ou Folgeshäden) ou laterais, isto é, prejuízos que são uma consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio, a qual acresce à indemnização correspondente à perda do direito (Rectsverlust) ou à perda da substância (Substanzverlus) do bem expropriado (parte expropriada do prédio).» [sublinhado nosso]
E, acrescenta: «A exigência de que os prejuízos patrimoniais subsequentes, derivados ou laterais sejam uma consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio para que possam ser incluídos na indemnização implica que não possam ser abrangidos aqueles que têm com a expropriação parcial do prédio apenas uma relação indirecta, porque encontram a sua causa em factores posteriores ou estranhos à expropriação.» [sublinhado nosso] [8]
Solução diferente traduzir-se-ia na inclusão na indemnização por expropriação parcial de danos que não se apresentam como consequência directa da expropriação, mas antes indirecta, do posterior desenvolvimento da actividade da entidade (a expropriante ou não) beneficiária da expropriação, como são os prejuízos causados pela construção da auto-estrada e decorrentes, como é o caso dos autos, do escoamento, a partir da respectiva plataforma, de águas pluviais e detritos para a parte sobrante do prédio em apreço. [9]
Aliás, é de dizer, esta mesma posição foi por nós subscrita em acórdão recente desta Relação, proferido no processo n.º 383/03.0TBCPV.P1, em que interviemos como Juiz-Adjunto e relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Dr. Miguel Baldaia. [10]
Como assim, não se vislumbrando razões para divergir da posição ali sufragada, que ora se reitera, tal significa que a desvalorização da parte sobrante não decorrendo ou não resultando directamente, no caso em apreço e à luz da factualidade provada antes referida, da expropriação parcial, isto é da divisão do prédio, mas antes da própria infraestrutura /auto-estrada ali edificada e da sua utilização pelo concessionário, do escoamento de águas e detritos provenientes da plataforma da auto-estrada para a parcela sobrante, não se mostra integrada na previsão do art. 29º, n.º 2 do CE, em razão do que não pode ser contemplada no presente processo de expropriação (parcial), devendo ser reclamada em acção própria e autónoma a este outro processo.

Com efeito, como se salienta no citado AC STJ de 18.02.2014, a situação dos ora expropriados não será diferente da de qualquer outro proprietário vizinho (não expropriado), igualmente sujeito aos efeitos negativos da obra executada, isto é, ao escoamento de águas pluviais/detritos provenientes de tal obra – auto-estrada – para o seu prédio.
É, assim, de perfilhar e secundar o entendimento sufragado pela decisão recorrida de que, no circunstancialismo apurado, a desvalorização da parcela sobrante do imóvel expropriado não releva para o cálculo da justa indemnização no âmbito deste processo expropriativo, em conformidade com o disposto no artigo 29.º, nº 2 do CE, pois que, conforme decorre do exposto, essa desvalorização/depreciação não tem a sus causa directa na divisão do prédio decorrente do acto de expropriação.
Destarte, no segmento decisório ora em análise, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, pois que na indemnização a arbitrar a favor dos ora apelantes se impunha, como se decidiu, excluir da indemnização a arbitrar no presente processo de expropriação o montante atinente à desvalorização da parte sobrante.
Improcedem, pois, as conclusões XIII a XVIII da apelação.
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C. Da actualização da indemnização:
Nesta matéria, insurgem-se, ainda, os expropriados por na sentença recorrida não ter sido contemplada a actualização da indemnização arbitrada nos termos do preceituado no art. 24º, n.º 1 e 2 do CE.
E assiste-lhes, de facto, nesta parte, inteira razão.
Neste conspecto, na sentença recorrida a dita actualização foi afastada sob o argumento de que o valor apurado pelos peritos no seu laudo maioritário (e que a sentença acolheu, sem impugnação recursiva dos interessados) teve por base uma avaliação da parcela efectuada em Janeiro de 2016; Como assim, entre a dita data e a data da decisão (21.12.2016), não teria ocorrido «qualquer facto ou circunstância que determinasse a alteração do valor ali encontrado.»
Ora, como referem os apelantes, a sentença proferida parte de um pressuposto que, certamente, por lapso, não foi considerado, qual o seja o de que, como é referido expressamente pelos peritos no seu laudo maioritário de fls. 173, o valor da indemnização foi «calculada à data da D.U.P.» e não à data do relatório da perícia, perícia que teve, efectivamente, lugar em Janeiro de 2016.
Como assim, seguro é, a nosso ver, que, ao contrário do que decidido, o indiscutido valor da indemnização pela expropriação da parcela em causa (€379,26) está sujeito a actualização nos moldes consignados no artigo 24.º, n.ºs 1 e 2 do CE e no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2001, publicado no DR n.º 248/2001, Série I-A, de 25.10.2001.
De facto, consigna o art. 24.º, n.º 1 do citado CE que o montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens ou da sua maior extensão.

No presente caso, como já se referiu, o relatório da avaliação da parcela, efectuada na sequência do recurso interposto pela expropriante da decisão arbitral, menciona expressamente que se procedeu – e bem - à avaliação por referência à data da declaração de utilidade pública, isto é, sem actualização até à data da decisão.
Por isso vale para o caso a doutrina firmada pelo citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que uniformizou a jurisprudência no seguinte sentido: «Em processo de expropriação por utilidade pública, havendo recurso da arbitragem e não tendo esta procedido à actualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é actualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito. Daí em diante a actualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado; tendo havido actualização na arbitragem, só há lugar à actualização, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à decisão final, sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado.»
Como refere a este propósito Salvador da Costa, «calculado o valor da indemnização por referência ao momento da publicação da declaração de utilidade pública da expropriação, a actualização tem lugar à data da decisão final do processo, mas por referência ao primeiro dos referidos momentos. Esta actualização, não baseada em situação de mora ou de atraso de pagamento, é estranha aos juros de mora, visando essencialmente proteger o expropriado e ou os demais interessados contra o fenómeno da depreciação da moeda.» [11]

Nestes termos, sem mais considerações, procede, nesta parte, o recurso e as conclusões elencadas em XIX a XXIII, impondo-se a alteração da decisão recorrida no sentido de consignar que a indemnização arbitrada na sentença recorrida deverá ser sujeita à actualização legal e nos termos ora consignados.
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C. Da Omissão de Pronúncia – Juros de Mora:
Nesta matéria, como resulta das alegações e conclusões recursivas, os ora apelantes atacam a sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto aos juros de mora devidos pela entidade expropriante e por atrasos ocorridos na fase administrativa do procedimento expropriativo, atraso este que os apelantes cifram em 232 dias e no montante de €147,65 (€5.807,20 x 0,04/365 x 232 dias).
Como é consabido, dispõe o art. 608º, n.º 2 do CPC que na sentença deve o juiz «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras…».
Por outro lado, atento o preceituado no art. 615º, n.º 1 al. d) e 4 do mesmo Código, a omissão da pronúncia relativamente a questões que devessem ter sido apreciadas constitui nulidade passível de invocação em sede de recurso.
Dito isto, como se alcança da sentença recorrida, a mesma é, de facto, totalmente omissa quanto à questão dos juros de mora reclamados pelos expropriados e ora apelantes, pois que ali não se toma qualquer posição (de procedência ou improcedência) sobre tal matéria, sendo certo que a mesma foi suscitada pelos interessados na resposta ao recurso da decisão arbitral interposto pela entidade expropriante a fls. 194-203 dos autos [vide arts. 57º a 70º do articulado], ou, ainda, reiterada nas contra-alegações deduzidas pelos expropriados a fls. 223-224 às alegações da expropriante nos termos do art. 64º do CE – vide art. 12º deste última peça.
A ser assim, como é, mostra-se-nos patente a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Não obstante, por mor da regra de substituição do tribunal recorrido prevista no art. 665º, n.º 1 do CPC, exige-se que nesta segunda instância se conheça do objecto da apelação e da matéria omitida, o que se passa a fazer.
Segundo o disposto no art. 70º, n.º 1 do citado CE «os expropriados e demais interessados têm o direito de ser indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso.»
O inciso em causa regula a mora decorrente dos atrasos do processo expropriativo imputáveis à entidade expropriante e ainda a resultante da não efectivação atempada dos depósitos no processo litigioso.
De facto, o processo de expropriação litigiosa, desdobra-se em duas fases distintas:
- uma fase administrativa, promovida pela entidade expropriante, que se inicia com a D.U.P. (art 13º) e termina com a remessa dos autos a tribunal (art. 51º, n.º 1) [12]; e
- uma fase judicial, na qual a entidade expropriante assume a posição de parte, em igualdade de armas com o expropriado, que se inicia com a sentença de adjudicação da propriedade e da posse, salvo, quanto a esta, se já houver posse administrativa (art. 51º, n.º 5).
Precisamente, tendo em conta a distinção entre as fases administrativa e judicial, o legislador, por mor do citado art. 70º, n.º 1 do CE, consignou a obrigação do pagamento de juros moratórios em duas situações: a) atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento expropriativo; b) atrasos imputáveis à entidade expropriante na realização de qualquer depósito no processo litigioso.
Na primeira parte daquele normativo quiseram-se cominar quaisquer atrasos imputáveis à entidade expropriante na fase administrativa do processo expropriativo, ou seja, desde a aludida D.U.P. e até à remessa dos autos a Tribunal.
O que faz sentido, pois que os actos praticados naquela fase - com excepção dos que a lei atribui expressamente ao juiz - são promovidos pela entidade expropriante, sobre quem impende a obrigação de cumprir os prazos previstos na lei.
O mesmo já não sucede na aludida fase judicial, pois que nesta outra fase a entidade expropriante deixa de ter a direcção do processo (que passa para o juiz), assumindo a qualidade de parte: quaisquer atrasos em que incorra nesta fase são regulados pelas disposições processuais civis, em igualdade de armas com o expropriado; Por isso, nesta fase judicial, a entidade expropriante apenas se constitui em mora se ocorrer atraso na realização do(s) depósito(s) devidos.
No tocante aos prazos na fase administrativa, desde logo avulta a obrigação a cargo da entidade expropriante de proceder à remessa do tribunal no prazo de 30 dias a contar do recebimento/notificação do acórdão arbitral (art. 51º, n.º 1). Todavia, essa remessa do processo a tribunal não é a única obrigação a cargo da entidade expropriante naquela fase administrativa; Até àquele momento e desde a D.U.P. várias outras obrigações impendem sobre a expropriante, tais como, propor ao expropriado a expropriação amigável, promover a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam e a constituição da arbitragem (arts. 35º, n.º 1, 21º, n.º 1 e artº 42º, n.º 1, etc.) – para cujo cumprimento a lei também estabelece prazos fixos.
Por outro lado, relativamente já aos juros moratórios e a sua incidência, como resulta do preceituado no n.º 2 do art. 70º, os mesmos incidem sobre o montante dos depósitos (se estiverem em causa atrasos na sua efectivação) ou sobre o montante definitivo da indemnização – acrescida da legal actualização - (se estiverem em causa atrasos ocorridos no andamento do procedimento expropriativo, ou seja, como se referiu, ocorridos na fase administrativa).
No caso em apreço, como resulta da alegação dos expropriados, a questão é colocada, precisamente, tendo por pressuposto a ocorrência de atrasos na fase administrativa – no período entre a D.U.P. e a remessa dos autos a tribunal – e imputáveis à entidade expropriante, razão porque, à luz do antes exposto, a incidência (eventuais) dos juros de mora terá por referência o valor definitivo da indemnização.
Feitas estas prévias considerações, segundo o n.º 1 do art. 70º do CE, o dever da entidade expropriante de pagar juros moratórios depende de o atraso lhe ser imputável em conformidade, aliás, com os princípios gerais constantes do Código Civil sobre a mora do devedor (arts. 804º, 805º e 806º deste último Código).
Por conseguinte, nos termos do art. 804º n.º 2 do Cód. Civil, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada em devido tempo.
Na verdade, o devedor em regra só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir havendo porém mora, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo – art. 805º, n.º 1 al. a) do Cód. Civil.
De harmonia com o princípio geral fixado no n.º 1 do art. 799º do mesmo Código, uma vez verificados os pressupostos objectivos da mora, será ao devedor que incumbe afastar a presunção de culpa que sobre ele recai (art. 344º do Cód. Civil).
Tratando-se de obrigação pecuniária, a lei presume «iuris et de iure» que há sempre danos causados pela mora, e fixa, em princípio, à forfait, o montante desses danos fazendo corresponder a medida da indemnização aos juros legais a contar da constituição em mora - art.º 806º n.º 2 do Cód. Civil e art. 70º, n.º 2 do citado CE.
A mora da entidade expropriante constituirá, no caso ora em apreço, o atraso culposo no andamento do processo expropriativo, ou seja, no cumprimento das obrigações que o Código das Expropriações pôs a seu cargo na fase administrativa do procedimento.
Deste modo, é pois à entidade expropriante que cabe provar que a falta de cumprimento daquelas obrigações não precede de culpa sua cabendo ao expropriado, alegar e provar a existência dos atrasos.
Nesta matéria, e como já antes se avançou, as obrigações da entidade expropriante na fase administrativa do processo de expropriação têm prazo certo e assim esta incorre em mora com o decurso daqueles prazos, por mor do preceituado no art. 805º n.º 1 al. a) do Cód. Civil.
No caso dos autos, e como se referiu, a decisão sobre a questão suscitada só poderá ser dirimida à luz dos factos constantes e comprovados nos autos e atinentes àquela fase administrativa.
Por ser assim, neste âmbito, importa considerar as circunstâncias de facto que se mostram, em termos documentais, evidenciadas nos autos, e que são as seguintes:
- A declaração de utilidade pública da expropriação (parcial) em causa foi publicada no DR de 27.03.2014 – vide fls. 112 dos autos.
- Por ofício datado de 28.07.2014, a entidade expropriante solicitou a nomeação de Perito para efeitos de realização de vistoria ad perpetuam rei memoriam à parcela em apreço nos autos – vide fls. 91 dos autos.
- A vistoria ad perpetuam rei memoriam foi realizada a 9.09.2014 – vide fls. 74-78 -, sendo que a nomeação de Perito, para esse efeito, pelo Exmº Sr. Juiz Presidente desta Relação do Porto teve lugar a 12.08.2014 e foi recebida pela entidade expropriante a 20.08.2014 – vide fls. 90 dos autos.
- A posse administrativa da parcela teve lugar a 15.10.2014 – vide fls. 60-62 dos autos.
- Por cartas registadas com A/R, datadas de 5.06.2014 e expedidas para os interessados e por estes recebidas no período de tempo compreendido entre 11.06.2014 e 14.06.2014, a entidade expropriante propôs aos expropriados a aquisição da parcela expropriada pelo valor de € 645, 00 – vide fls. 92-99 dos autos.
- Dos autos não consta que as ditas cartas expedidas pela entidade expropriante tenham obtido resposta por parte dos expropriados.
- Por ofício datado de 17.11.2014, a entidade expropriante, dando conta de não ter sido possível obter acordo quanto ao montante da indemnização, solicitou ao Exmº Sr. Juiz Presidente desta Relação a nomeação de árbitros (grupo de 3) para efeitos de realização da legal arbitragem, o que foi deferido por despacho do mesmo Sr. Juiz Presidente datado de 21.11.2014 e recebido pela expropriante a 28.11.2014. – vide fls. 44 e 45 dos autos.
- Por ofícios datados de 1.12.2014 e remetidos aos Srs. Árbitros nomeados (recebido pelo presidente da comissão arbitral a 4.12.2014) e aos expropriados (por estes recebidos a 5.12.2014), a entidade expropriante solicitou a prolação de decisão arbitral e deu conhecimento dos árbitros antes nomeados – vide fls. 33-42 dos autos.
- A decisão arbitral foi proferida em Janeiro de 2015, sendo recebida pela entidade expropriante a 28.01.2015 – vide fls. 9-28 dos autos.
- Com essa mesma data de 28.1.2015 foi determinada a preparação da instrução do processo para seu envio ao Tribunal. – vide fls. 9 dos autos.
- O processo foi remetido ao Tribunal sendo por este recebido a 23.02.2015, conforme consta a fls. 2 dos autos.
- Do aludido processo expropriativo consta o comprovativo do depósito da importância de €5.807,20 (correspondente ao montante fixado no acórdão arbitral elaborado como indemnização a atribuir aos expropriados) – vide fls. 8 dos autos.
Perante o quadro factual exposto, é, ainda, de referir que os prazos consignados para a fase administrativa não são prazos judiciais, pelo que o seu cômputo deve observar o disposto nos arts. 72º e 73º do Código de Procedimento Administrativo, como decorre do art. 98º, n.º 1 do mesmo Código. [13]
Das disposições dos citados arts. 72º e 73º do CPA, releva o facto de a contagem do prazo se suspender nos sábados, domingos e feriados - art. 72º, nº 1, al. b).
Também face à natureza administrativa dos prazos, na falta de estipulação em contrário, o prazo para a prática de qualquer acto é de 10 dias (art. 71º, n.º 1 do CPA, na redacção emergente da citada Lei n.º 6/96).
Por outro lado, ainda, é de referir que o Código das Expropriações, ao contrário do que parecerem sugerir os apelantes, não prevê um prazo limite para a remessa do processo ao tribunal, a contar da D.U.P.
Mais acresce, ainda, que no procedimento administrativo existem obrigações de prazo certo a cumprir não pela expropriante, mas pelo próprio expropriado e até por terceiros, como o Presidente da Relação e os árbitros.
Como assim, para concluir se há atrasos e são imputáveis à expropriante, há que verificar o cumprimento dos prazos em relação a cada um dos actos a praticar pela entidade expropriante e aferir se em relação a cada um deles o incumprimento do prazo está ou não justificado. [14]
Os actos e prazos relevantes são os seguintes:
a) 15 dias a contar da D.UP. para a expropriante apresentar proposta do montante indemnizatório à expropriada (art. 35º, n.º 1 do CE);
b) 15 dias a contar da falta de resposta ou da resposta negativa dos expropriados (que tem de ser enviada em 15 dias) para requerer ao Presidente do Tribunal da Relação a nomeação dos árbitros (arts 35º, n.º 3, 38º e 45º, n.º 3 do CE e 71º do CPA);
c) 10 dias a contar da resposta do Presidente da Relação (que tem de ser dada em 5 dias – art. 45º, nº 4) para comunicar aos expropriados a nomeação dos árbitros e comunicar a estes a sua nomeação (art. 47º, nº 1, als. a) e c) do CE);
d) 30 dias para remeter o processo a Tribunal após recebimento do acórdão arbitral (art. 51º, nº 1), sendo que as partes dispuseram de 15 dias para apresentar quesitos e os árbitros de 30 dias para entregar o acórdão (a contar da comunicação da sua nomeação ou da apresentação dos quesitos – artºs 48º e 49º, nº 4). Em casos justificados, o prazo pode ser prorrogado até 60 dias, a requerimento de qualquer dos árbitros, dirigido à entidade expropriante.
Relativamente ao primeiro prazo antes referido em a) é patente que o mesmo se mostra incumprido pela expropriante pois que a D.U.P foi publicada a 27.03.2014 e apenas a 14.06.2014 a expropriante fez chegar aos interessados a sua proposta quanto ao montante indemnizatório.
Sendo assim, neste conspecto, avulta um atraso de 88 dias, para o qual a expropriante não deduziu, nem se vislumbra, qualquer justificação.
No que se refere ao segundo prazo referido em b), é de considerar que, tendo os expropriados recebido a 14.06.2014 a proposta indemnizatória formulada pela expropriante, teriam estes últimos um prazo de 15 dias para a resposta; assim, só após o termo deste último o prazo se iniciaria o prazo para a entidade expropriante solicitar a nomeação de árbitros (arts. 35º, n.º 3, 38º, 43º do CE e 71º do CPA).
Como assim, tendo terminado a 4.07.2014 o dito prazo de resposta dos expropriados àquela proposta, o prazo de 15 dias para, a partir da aludida data, solicitar a nomeação dos árbitros (a dirigir ao Presidente do Tribunal da Relação) concluiu-se a 25.07.2014.
Todavia, a entidade expropriante veio a solicitar a aludida nomeação, como dos autos consta, apenas a 17.11.2014.
Destarte, nesta parte, avulta um atraso injustificado de 108 dias.
Relativamente ao terceiro prazo e referido em c), como resulta dos autos, a nomeação dos árbitros pelo Sr. Presidente da Relação teve lugar a 21.11.2014, que, por sua vez, chegou ao poder/conhecimento da expropriante a 28.11.2014.
Como assim, tendo a expropriante comunicado aos Srs. Árbitros a sua nomeação a 1.12.2014 (recebida a 4.12.2014) e, ainda na mesma data, comunicado aos expropriados aquela nomeação (que foi recebida pelos expropriados a 5.12.2014), daí decorre que, nesta parte, não existe atraso no cumprimento da obrigação em causa a cargo da expropriante, pois que foi ela observada no prazo de 10 dias. (art. 47º, n.º 1 als. a) e c) do CE).
Por último, quanto ao último prazo consignado e referido em d) – 30 dias após o recebimento do acórdão arbitral para a remessa dos autos a tribunal -, mostrando os autos que o acórdão arbitral foi elaborado em Janeiro de 2015 (em dia não apurado), mostrando os mesmos autos que foi ele recebido pela expropriante a 28.01.2015 e, ainda, que foi ele entregue em juízo a 23.02.2015, há que concluir, necessariamente, que o dito prazo de 30 dias foi, pois, respeitado.

O que, em conclusão, significa que sobre o valor indemnizatório definitivo (actualizado nos termos já expostos em B.) deverão incidir juros de mora, à taxa legal de 4%, e pelo aludido período de atraso de 196 dias (108 + 88 dias), ocorrido na fase administrativa.
Com efeito, não tendo a expropriante logrado ilidir a presunção de culpa que sobre ela recaía, constituiu-se ela em mora, estando, por isso, obrigada a indemnizar os expropriados pelos danos que assim lhe foram causados e em conformidade com o já citado art. 70º, n.º 1 do CE.
Procede, pois, em face do exposto, parcialmente, a apelação e com ela as conclusões elencadas em I a IV do presente recurso.
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IV - DECISÃO:
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação,
a)- determinando que a indemnização arbitrada de € 379, 26 seja actualizada na decisão final do processo nos termos acima consignados em B. e previstos no art. 24º, n.ºs 1 e 2 do Código das Expropriações;
b)- determinando que sobre o montante indemnizatório actualizado nos termos sobreditos, incidam juros moratórios, à taxa legal, hoje de 4%, e correspondentes a 196 dias.
c)- no mais, manter o decidido.
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Custas pela expropriante e expropriados, na proporção do decaimento - art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Porto, 27.09.2017
Jorge Seabra
Fátima Andrade
Oliveira Abreu
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[1] Os pontos de facto antes assinalados a negrito resultam da impugnação da decisão de facto, conforme no local próprio se justifica e fundamenta.
[2] Conforme é posição pacífica, a lei aplicável às expropriações por utilidade pública é a vigente à data da declaração de utilidade pública, a qual, no caso dos autos, ocorreu a 27.03.2014. Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 24.02.94, BMJ 434º, pág. 404 e AC RL de 21.03.2002, CJ, ano XXVII, tomo 3º, pág. 75.
[3] Vide, neste sentido, por todos, AC RL de 30.06.2005, CJ, ano XXX, tomo 3º, pág. 116, AC RC de 21.05.91, CJ, ano XVI, tomo 3º, pág. 73, AC RE de 7.01.88, CJ, ano XIII, tomo 1º, pág. 254, AC RP de 23.10.2012, Processo n.º 594/09.5YBMTS.P1 e AC RP de 29.09.2016, Processo n.º 3771/12.8TBVFR.P1, estes dois últimos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] OSVALDO GOMES, “ Expropriações por Utilidade Pública ”, 1ª edição, 1997, pág. 216-217.
[5] ALVES CORREIA, RLJ, ano 134º, nºs 3924 e 3925, pág. 99-101.
[6] Todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[7] Todos acessíveis in www.dgsi.pt, salvo os que constam das Colectâneas de Jurisprudência citadas.
[8] ALVES CORREIA, “ Manual de Direito do Urbanismo ”, II, pág. 260-261.
[9] Vide, excluindo a indemnização no âmbito do processo expropriativo, pelos prejuízos resultantes do estabelecimento de uma servidão «non aedificandi» subsequente à construção de uma auto-estrada, por todos, SALVADOR da COSTA, “ Código das Expropriações ”, 2010, pág. 217 e AC RP de 25.01.2016, Processo n.º 1664/07.0TBSLD.P1, disponível in www.dgsi.pt.
[10] AC RP de 13.03.2017, disponível in www.dgsi.pt.
[11] SALVADOR da COSTA, op. cit., pág. 159.
[12] Apesar de se tratar de uma fase administrativa, processada sob a égide e domínio da entidade expropriante, em casos específicos pode, apesar disso, nesta fase, ocorrer a intervenção judicial – vide as hipóteses contempladas nos arts. 42º, nº 2, 54º e 55º e seguintes, todos do citado CE.
[13] DL n.º 442/91 de 15.11, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 6/96 de 31.01. [adiante designado apenas por CPA]; Note-se, neste âmbito, que o novo Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 4/2015 de 7.01 entrou em vigor a 7.03.2015, em conformidade com o preceituado no seu art. 9º. Destarte, sendo certo que a fase administrativa teve o seu termo com a remessa dos autos a juízo (em Fevereiro de 2015), este novo diploma não é aqui aplicável.
[14] Vide, neste sentido, por todos, AC RP de 27.05.2008, Processo n.º 0726243, e AC RP de 29.09.2016, Processo n.º 3771/12.8TBVFR.P1, cuja lição aqui seguimos de perto, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.