Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
500/13.2TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
FALTAS POR DOENÇA
VERIFICAÇÃO DA DOENÇA
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP20140915500/13.2TTVNG.P1
Data do Acordão: 09/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – O empregador tem a faculdade de promover a verificação da situação de doença invocada pelo trabalhador em justificação de faltas ao serviço, sendo a “legislação específica” para onde remete tal disposição a Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro (Regulamento do Código do Trabalho).
II – A apresentação de justificação por parte do trabalhador para a não comparência ao exame é susceptível de afastar a afirmação de que aquele se opôs ao exame e, consequentemente, a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 254.º do Código do Trabalho, devendo o tribunal apreciar as razões por que o mesmo deixou de comparecer ao exame designado e verificar se é, ou não, atendível a justificação apresentada pelo trabalhador para a ele não se ter submetido.
III – A decisão da Segurança Social quanto à inatendibilidade da justificação apresentada pelo trabalhador para a não comparência ao exame de verificação da doença invocada em fundamento da justificação de faltas ao serviço, não determina, por si só, que as ausências ao trabalho por alegada doença se considerem como faltas injustificadas.
IV – O envio das notificações pela entidade administrativa mostra-se submetido ao regime das notificações previsto no Código de Processo Civil.
V – O artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo pressupõe uma avaliação do funcionário quanto à urgência, viabilidade e eficácia da notificação, relativamente ao acto a que a mesma se destina, avaliação que deve ser feita com particular cuidado quando a notificação constitui uma convocatória.
VI – É de concluir que os procedimentos da notificação do trabalhador para o exame de verificação da doença não foram prosseguidos com o cuidado imprescindível para que a notificação se devesse presumir efectuada em data anterior à da efectivação do exame, se o envio do telegrama é feito em 2012.12.11 e a notificação só poderia presumir-se efectuada em 2012.12.14 (no 3.º dia útil posterior ao do envio), ou seja, já depois do exame designado para 2012.12.13.
VII – A remessa de um telegrama que é depositado na caixa do correio do notificando na tarde da véspera do exame é manifestamente um procedimento inidóneo para que se presuma ter-se a notificação como efectivada antes da realização do exame, atenta a dilação estabelecida no n.º 3 do artigo 254.º do VCPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 500/13.2TTVNG.P1
4.ª Secção
II
1. Relatório
1.1. B… veio em 24 de Abril de 2013 impugnar judicialmente no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia a regularidade e licitude do seu despedimento, efectuado por C…, S.A..
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação da empregadora para apresentar o articulado motivador do despedimento e o processo disciplinar, o que fez.
No seu articulado a R. empregadora alegou, em síntese: que o despedimento é lícito, porquanto o trabalhador tem vindo a faltar sistematicamente ao trabalho; que nos anos civis de 2012 e 2013 deu um total de 22 faltas injustificadas seguidas, como foi relatado na nota de culpa e no relatório final que motivou a aplicação da sanção disciplinar de despedimento; que não compareceu ao serviço nos dias 05, 06, 08, 09, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 30, 31 de Dezembro de 2012 e 02 e 03 de Janeiro de 2013, e alegou doença para justificar as faltas, mas faltou ao exame de verificação de incapacidade temporária para o trabalho por doença sem motivo atendível, pelo que se dão por injustificadas as faltas correspondentes aos dias de alegada doença; que em virtude do comportamento absentista do trabalhador a loja da empregadora sofreu perturbações ao nível da execução das tarefas àquele cometidas, comprometendo e prejudicando a sua actividade; que a referida conduta absentista do trabalhador demonstra violação dos deveres laborais de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade e de realizar o trabalho com zelo e diligência, art. 128.º, n.º 1, als. b) e c) do CT, preenche a noção de justa causa de despedimento prevista no art. 351.º, n.º s 1 e 2, als. d) e g) do CT e conduziu à impossibilidade de manutenção do vínculo laboral.
Na contestação apresentada ao articulado de motivação do despedimento, o A. impugnou parte dos factos alegados pela R. empregadora e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da entidade empregadora a:
- reintegrar o autor no mesmo estabelecimento da ré, sem prejuízo da sua respectiva categoria profissional e antiguidade, direito este que o autor se reserva exercer até ao termo da discussão em audiência final de julgamento;
- a pagar uma indemnização, a calcular com base em 45 dias de remuneração por cada ano completo ou fracção de antiguidade, até ao trânsito em julgado da sentença, caso o autor não pretenda a sua reintegração;
- pagar ao autor as retribuições que o mesmo deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença;
- pagar ao autor, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 5.000,00;
- pagar ao autor os juros devidos desde a data da citação até integral pagamento.
A R. empregadora respondeu, impugnando os factos alegados pelo trabalhador e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador e foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, e após proferido despacho a decidir a matéria de facto em litígio, a Mma. Julgadora a quo proferiu em 16 de Dezembro de 2013 sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
- declarar a ilicitude do despedimento de que B… foi alvo por parte de “C…, S.A.”;
- condenar a entidade empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições que deixou de auferir desde 22/04/2013 até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento, à razão mensal de € 563,04, deduzidas das importâncias que aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e do subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido, subsídio esse que, a ter sido pago, a entidade empregadora deverá entregar à segurança social, quantia a que acrescem os juros vencidos desde a data da citação até integral pagamento, à taxa legal de 4%;
- condenar a entidade empregadora a pagar ao trabalhador a quantia de € 4.504,32, a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento, e da quantia que possa acrescer em virtude da maior antiguidade aquando do trânsito em julgado da presente sentença, até ao limite global do pedido;
- absolver a ré, quanto ao mais, do pedido.
Custas pelo trabalhador e pela entidade empregadora, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527º do CPC).
Fixo o valor da acção em € 4.504,32 (artigo 98º-P/2 do CPT).
[…].»
1.2. A R. empregadora, inconformada, interpôs recurso de apelação, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença recorrida analisando os autos de processo laboral supra concluiu pela ilicitude de aplicação de sanção de despedimento no caso em apreço, entendimento com o qual a Recorrente não pode conformar-se.
2. Entende o douto Tribunal não se encontrarem reunidos os pressupostos que permitiriam considerar as faltas identificadas no processo disciplinar como faltas injustificadas porquanto inexistiu oposição do Recorrido à verificação da doença nos termos do disposto no art. 254.º, n.º 5 do CT.
3. Resulta demonstrado na douta sentença recorrida constatada a ausência do Recorrido ao serviço com justificação médica a Recorrente promoveu a realização da verificação de baixa pelos serviços da Segurança Social, bem como que o Recorrido não compareceu à diligência de verificação de doença e a justificação apresentada foi considerada não atendível pela Segurança Social, o que determina a consideração das ausências como faltas injustificadas.
4. A douta sentença recorrida acolhe o entendimento segundo o qual a Recorrente não se encontrava vinculada à presunção legal podendo socorrer-se do procedimento previsto no art. 18.º da Lei 105/2009, para realização de verificação de doença por meio de médico independente.
5. Em momento algum a Recorrente questionou uma eventual oposição do Recorrido à verificação da doença, acresce que não se vislumbra, qualquer correlação entre a referida oposição e a presunção legal de falta de justificação das ausências em situação de não atendibilidade da justificação de não comparência ao exame de verificação de doença.
6. A mera apresentação de justificação por parte do Recorrido para a ausência verificada afasta de imediato o conceito de oposição pelo que crê-se o disposto no art. 254.º, n.º 5 do CT não encontra aplicação nos presentes autos devendo como tal ser desconsiderado na apreciação da situação em apreço.
7. Quanto à consideração de não vinculação da Recorrente à presunção legal de consideração das faltas como injustificadas igualmente não pode a Recorrente concordar com o douto entendimento expresso na sentença recorrida.
8. Perante uma situação de ausência, decorrente de prorrogação de baixa médica, a Recorrente solicitou a verificação da situação de doença, foi-lhe comunicado pelos serviços competentes a não comparência do Recorrido e que tendo sido apresentada justificação para a ausência a mesma havia sido considerada não atendível.
9. As faltas foram consideradas injustificadas nos termos do disposto na Lei n.º 105/2009, na ausência de qualquer outra informação relevante, ou motivo para questionar o entendimento da Segurança Social, a Recorrente acolheu a informação que lhe foi transmitida pela entidade com competência para realizar o procedimento e apreciar a situação de doença.
10. Afirma-se na douta sentença recorrida que a Recorrente poderia ter realizado por sua conta verificação por médico independente da situação de doença, entendimento que crê-se não será de acolher porquanto, o procedimento previsto no art. 18.º da Lei 105/2009 não encontra aplicação no caso em apreço.
11. O disposto no art. 18.º da Lei 105/2009, encontra aplicação nas situações em que: i) se mostre impossível a realização da verificação pela Segurança Social (impossibilidade de comparência do trabalhador por motivo atendível), ii) quando a Segurança Social não dê resposta no prazo de 48 horas ao requerimento de realização de verificação de doença, iii) ou caso haja informação da Segurança Social que a verificação não se realizou nos 3 dias subsequentes ao pedido ou à cessação do motivo atendível de ausência do trabalhador, sendo manifesto que a situação em apreço não encontra correspondência na previsão do art. 18.º da Lei 105/2009.
12. Tendo-se verificado a ausência por motivo não atendível ao Recorrido.
13. Não cabia à Recorrente questionar o critério de atendibilidade da justificação, o qual depende inteiramente da Segurança Social, muito menos se encontrava a Recorrente em posição de determinar o exame médico do Recorrido por médico independente, pelo que deverá soçobrar integralmente o defendido na douta sentença recorrida.
14. A douta sentença recorrida defende ainda que mesmo que as ausências se tivessem por injustificadas o despedimento seria igualmente ilícito, entendimento que deverá soçobrar em face da dimensão do número de faltas registadas (vinte dias consecutivos em 2012), o que significa o dobro do número de faltas interpoladas considerado por lei como fundamento de justa causa de despedimento.
15. Não se vislumbra em que medida um número de faltas desta dimensão não deverá ser considerado ilícito disciplinar de gravidade bastante para determinação da aplicação de sanção disciplinar de despedimento com justa causa, afigurando-se sim tal comportamento como extremamente gravoso porquanto revelador de manifesto desinteresse e falta de zelo pela realização do trabalho.
16. O empregador médio, colocado na posição da Recorrente, teria igual entendimento quanto à adequação de aplicação de sanção disciplinar de despedimento com justa causa.
17. Em face do exposto requer-se a revogação da douta sentença recorrida por outra que considerando verificados os pressupostos de aplicação de tal sanção absolva a Recorrente.”
1.3. Respondeu o A. recorrido pugnando pela improcedência do recurso e concluindo que:
“1º- A douta sentença recorrida não padece de qualquer erro ou vicio, devendo por isso mesmo ser confirmada.

2º- O Recorrido não prestou trabalho, durante vários períodos e por motivo de doença.

3º- A solicitação da Recorrente, foi efectuada uma diligência para verificação de incapacidade temporária, à qual, e só por desconhecimento dessa mesma convocatória, o Recorrido não compareceu, não podendo entender-se que essa ausência, automaticamente transformou a ausência do Recorrido em injustificada.

4º- Não pode considerar-se que desse comportamento do Recorrido, tenha existido justa causa para despedimento, como veio a decidir a Recorrente em sede de processo disciplinar.

5º- O Recorrido foi tardiamente notificado da realização da diligência para verificação de incapacidade temporária, sendo que a não comparência à mesma não ocorreu por ter existido da parte do Recorrido qualquer comportamento passível de ser enquadrado como uma oposição, sem motivo atendível, á verificação da doença.

6º- Só a verificar-se tal oposição é que ocorria a transformação da ausência em ausência injustificada.

7º- Não basta à verificação da justa causa para despedimento a simples materialidade das faltas injustificadas, sendo ainda necessário que tais faltas revelem um comportamento culposo do trabalhador (o ora Recorrido), comportamento esse revestido de gravidade que torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

8º- O Recorrido esteve durante longo período em situação de incapacidade por motivos de saúde, pelo que em nada a sua ausência causou qualquer prejuízo sério à ora Recorrente, nem muito menos tal ausência é o corolário de qualquer comportamento culposo do Recorrido.

9º- A simples não comparência do Recorrido ao exame de verificação de incapacidade temporária, mesmo que tivesse como consequência a transformação das faltas justificadas em injustificadas, nunca poderia, sob pena de constituir uma dupla penalização, constituir por si só justa causa para despedimento, como muito bem o decidiu o tribunal a quo.

10º- O Recorrido apesar de ter estado ausente do serviço pelos períodos indicados na douta sentença do tribunal a quo, essa ausência não resulta de qualquer situação de violação ilícita e culposa do dever de assiduidade, tanto mais que a ausência que se verificou a partir de meados de 2012 e se prolongou até 06.02.2013 foi motivada por razões de saúde impeditivas da efectiva prestação de trabalho.

11º- A não comparência do Recorrido ao exame de avaliação, para o qual foi notificado via telegrama, mas do qual aquele só tem conhecimento muito depois da data de realização de tal diligência, não se fica a dever a comportamento imputável ao Recorrido.

12º- A Recorrente, apesar de a tal estar obrigada – art. 17º da Lei nº 105/2009 -, não notificou, em devido tempo, o Recorrido da realização do aludido exame de avaliação.

13º- O Recorrido não podia fazer a prova negativa do facto de que a comunicação para comparência ao exame apenas havia sido colocada na caixa de recepção de correspondência em data muito posterior ao dia em que era suposto o aqui Recorrido comparecer ao exame de reavaliação.

14º- A Recorrente não podia considerar que essa falta de comparência transformou a ausência do Recorrido em facto integrante do conceito de justa causa para despedimento.

15º- O incumprimento do dever de comparência ao exame designado pela segurança social para verificação de doença invocada em justificação das faltas ao trabalho, por motivo atendível, descaracteriza a situação de impossibilidade de prestação de trabalho, não podendo por isso mesmo considera-se tal ausência constituir fundamento para decisão de despedimento com justa causa (Acórdão da Relação do Porto – RP20130321674/11.7TTMAI.P1)

16º- Para integrar justa causa para despedimento não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador desrespeitador de deveres leais e/ou obrigacionais, sendo elemento essencial que, a violação do dever torne insustentável e intolerável a subsistência da relação laboral, e como ficou cabalmente provado em sede do tribunal a quo, a Recorrente não fez a mínima prova dessa impossibilidade.

17º- A Recorrente não fez qualquer prova de que o comportamento do Recorrido possa de forma, irremediável, ter afectado a relação laboral entre ambos existente, tanto mais que o número de faltas que a Recorrente computa como injustificadas, são apenas o resultado da sua transformação pela não comparência do Recorrido ao exame de reavaliação médica, e não a uma violação culposa do dever de assiduidade por parte do Recorrido.

18º- O Recorrido nem sequer violou por acção ou omissão, e muito menos culposamente, o dever de assiduidade.

19º- A decisão tomada em sede de processo disciplinar pela ao Recorrente carece manifestamente de fundamentos, sendo mesmo totalmente desproporcionada, uma vez que não só o comportamento do Recorrido não assumiu gravidade suficiente para que se pudesse afirmar que era posta em causa, de forma irreversível, a relação laboral existente, e que muito menos desse alegado comportamento tivessem resultados graves prejuízos para a entidade empregadora – a aqui Recorrente –, como de forma clara e precisa se refere na douta sentença do tribunal a quo.

Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo com todos efeitos legais, justamente porque não violou quaisquer preceitos legais, "maxime" os mencionados pelo recorrente.”
1.4. O recurso foi admitido por despacho de 12 de Fevereiro de 2014.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu douto Parecer no sentido de que deve:
“Ser declarada a inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, da norma do artigo 21°, da Lei n.º 105/2009, de 14/09, em conjugação com a norma do artigo 70°, n.º 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, quando interpretada no sentido de que, existindo distribuição domiciliária na localidade de residência do notificado, é suficiente o envio de telegrama com depósito na caixa de correio, num dia à tarde para notificação de comparência no dia seguinte à CVIT para ser submetido a exame médico destinado a confirmar a sua situação de doença que o impossibilita de trabalhar.
A apelação improceder.
Manter-se a sentença recorrida.»
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho –, e tendo ainda em consideração as questões suscitadas no douto Parecer do Ministério Público, as questões que incumbe enfrentar são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – se as ausências do A.[1] identificadas no processo disciplinar devem considerar-se como faltas injustificadas pelo mero facto de não ter comparecido à diligência de verificação de doença e de a justificação apresentada ter sido considerada não atendível pela Segurança Social,
2.ª – em caso de resposta negativa à 1.ª questão, e persistindo por definir a natureza – justificada ou injustificada das faltas – se deve proceder a justificação adiantada pelo A. para o facto de não ter comparecido à diligência de verificação de doença, o que implica a análise das sub-questões de saber:
- se os procedimentos da notificação do A. para aquela diligência foram efectuados em conformidade com as prescrições legais;
- se o A. ilidiu a presunção de que se verificou a notificação em causa;
3.ª – se existiu no caso vertente oposição do A. à verificação da doença nos termos do disposto no art. 254.º, n.º 5 do Código do Trabalho;
4.ª – se o A. incorreu em infracção disciplinar;
5.ª – em caso afirmativo, da justa causa para o despedimento do A.;
6.ª – da questão de constitucionalidade suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto.
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3. Fundamentação de facto
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Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
1. em 24/10/2006, a entidade empregadora e o trabalhador acordaram na admissão pela primeira do segundo, para sob a sua autoridade e direcção exercer as funções inerentes à categoria profissional de operador de supermercado de 1ª, sendo o seu vencimento, em 22/04/2013, de € 563,04 mensais (artigos 12º do articulado para motivação do despedimento e 56º da contestação);
2. no dia 23/10/2012 foi certificada ao trabalhador a incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, com a obrigação de permanência no domicílio, com início no dia 24/10/2012 e termo no dia 04/11/2012 (artigo 13º do articulado para motivação do despedimento);
3. no dia 6/11/2012 foi prorrogado o período de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, com obrigação de permanência no domicílio, com início no dia 05/11/2012 e termo no dia 04/12/2012 (artigo 14º do articulado para motivação do despedimento);
4. no dia 05/12/2012 foi novamente prorrogado o período de incapacidade temporária para o trabalho por doença, com obrigação de permanência no domicílio, com início no dia 05/12/2012 e termo no dia 03/01/2013 (artigo 15º do articulado para motivação do despedimento);
5. no dia 07/12/2012 a empregadora solicitou ao Centro Distrital da Segurança Social do Porto que fiscalizasse o estado de doença do trabalhador (artigo 16º do articulado para motivação do despedimento);
6. na sequência do pedido formulado pela empregadora, o Centro Distrital da Segurança Social do Porto convocou o trabalhador para exame médico de verificação de verificação de incapacidade para o trabalho por doença, a realizar no dia 13/12/2012 (artigo 18º do articulado para motivação do despedimento);
7. o trabalhador não compareceu no dia e hora designados para a realização do exame médico (artigo 19º do articulado para motivação do despedimento);
8. o trabalhador não apresentou, nesse dia, qualquer justificação para o facto de não ter comparecido ao exame médico agendado pelo Centro Distrital da Segurança Social (artigo 20º do articulado para motivação do despedimento);
9. no dia 18/12/2012, o trabalhador endereçou ao Centro Distrital da Segurança Social uma justificação para a falta ao exame médico de inspecção (artigo 21º do articulado para motivação do despedimento);
10. a justificação apresentada pelo trabalhador não foi julgada atendível (artigo 22º do articulado para motivação do despedimento);
11. nos dias 5, 6, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 26, 27, 30 e 31 de dezembro de 2012 e 2 e 3 de janeiro de 2013 o trabalhador constava da escala de serviço relativa a esse período (artigos 24º e 25º do articulado para motivação do despedimento);
12. o trabalhador não compareceu ao serviço nos dias 5, 6, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 30 e 31 de dezembro de 2012 e 2 e 3 de janeiro de 2013 (artigo 26º do articulado para motivação do despedimento);
13. o trabalhador não apresentou à empregadora qualquer outra justificação válida ou legalmente atendível para justificar a sua ausência nos supra mencionados dias (artigo 28º do articulado para motivação do despedimento);
14. em consequência da ausência do trabalhador, a entidade empregadora teve de afectar outros colaboradores ao desempenho das tarefas àquele cometidas (artigos 31º e 32º do articulado para motivação do despedimento);
15. a entidade empregadora remeteu ao trabalhador a nota de culpa cuja cópia consta de fls 88 e ss, e a decisão final constante de fls 127 e ss, recebida pelo trabalhador em 22/04/2013, onde consta, para além do mais, que Em virtude do comportamento absentista do arguido, a loja da arguente sofreu perturbações ao nível da execução das tarefas àquele cometidas, comprometendo e prejudicando a sua actividade e que As constantes e prolongadas ausências do arguido causaram dificuldades na execução das tarefas de reposição de produtos, obrigando a arguente a afectar outros colaboradores para aquelas tarefas, ficando assim a loja prejudicada na sua performance, facto que prejudicou a imagem comercial da arguente e, por essa via, atenta contra os seus interesses patrimoniais sérios (artigos 7º a 11º da contestação);
16. na sequência de doença provocada pelo exercício da sua actividade profissional, o autor entrou numa situação de ausência por motivo de doença a partir de setembro de 2012 (artigo 22º da contestação);
17. o trabalhador foi considerado apto para o exercício de funções com uma ITP de 25% (artigo 23º da contestação);
18. em meados de dezembro de 2012, e quando se encontrava nessa situação de ausência justificada, o autor tomou conhecimento que havia sido convocado pelos serviços da Segurança Social para, no dia 13 desse mês, comparecer para ser sujeito a um exame médico de verificação de incapacidade para o trabalho (artigo 25º da contestação);
19. porque a convocatória só chegou ao conhecimento do autor no dia 17 de dezembro de 2012, só no dia seguinte (18/12/2012) é que aquele se dirigiu aos serviços da Segurança Social, tendo então entregue a comunicação (telegrama) que alguém havia deixado na caixa do correio da residência onde habita (artigo 26º da contestação);
20. os serviços da Segurança Social remeteram ao trabalhador os ofícios constantes de fls 108 e 109 dos autos, datados de 19/12/2012 e 07/01/2013, respectivamente, constando, no 1º, Na sequência da justificação apresentada por Vª Exª no dia 18/12/2012, esclarece-se que após a confirmação da PT (Portugal Telecom) – serviço de telegramas, os mesmos informaram que o respectivo telegrama foi colocado na caixa de correio no dia 12/12/2012, às 15h26, pelo que se mantém a falta injustificada (…) e no 2º Serve o presente para informar V. Exª que, relativamente à justificação apresentada no dia 04/01/2013, referente à convocatória para junta médica de verificação de 13/12/2012, a mesma não foi considerada atendível. A entrega dos telegramas é da responsabilidade da PT – telecomunicações, onde pode e deve tentar saber por que razão não foi deixada a convocatória na residência de V. Exa a fim de comprovar a ausência à Junta Médica (…) (artigos 27º a 29º da contestação);
21. o telegrama referido em 19. foi deixado na caixa do correio da casa do trabalhador em 12/12/2012, pelas 15h26 (facto considerado ao abrigo do disposto no artigo 72º/1 do CPT);
22. o trabalhador aufere subsídio de desemprego no montante mensal de € 464,40 (facto considerado ao abrigo do disposto no artigo 72º/1 do CPT).
[...]».
Porque documentalmente provado nos autos, acrescenta-se à matéria de facto o seguinte:
23. A PT, Comunicações/Serviço de Telegramas, enviou ao ISS a missiva documentada a fls. 80, da qual fez constar o seguinte:
«EXMO SENHOR, EM REFERÊNCIA AO VOSSO TELEGRAMA DO DIA 11-12-2012 PARA B… (…) INFORMAMOS V.EXA.QUE FOI DEPOSITADO NA CAIXA DO CORREIO DO DESTINATÁRIO DIA 12-12-2012 ÀS 15H26, CONFORME PROVA DE ENTREGA FORNECIDA PELOS CTT’S EXPRESSO DO PORTO. FORAM CUMPRIDOS OS PRAZOS DE ENTREGA.»
Estes os factos a atender para resolver as questões postas no recurso uma vez que no caso sub judice não foi impugnada a matéria de facto.
*
4. Fundamentação de direito
*
As questões a decidir nos presentes autos deverão ser analisadas à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro [cfr. os artigos 12º, nº 1, a) e 7.º, n.º 1 daquela Lei].
*
4.1. A primeira questão a analisar consiste em saber se as ausências do A. ora recorrido identificadas no processo disciplinar devem considerar-se como faltas injustificadas pelo simples facto de o mesmo não ter comparecido à diligência de verificação de doença e de a justificação apresentada ter sido considerada não atendível pela Segurança Social.
Para tanto, impõe-se previamente tomar posição quanto ao problema de saber se a decisão da Segurança Social quanto à inatendibilidade da justificação para a não comparência ao exame para verificação da doença condiciona a apreciação pelo empregador da justificabilidade das faltas ao serviço ou, como diz a R. constitui “presunção legal de falta de justificação” (conclusão 5.ª).
No caso sub judice, a decisão proferida no processo disciplinar instaurado pela recorrente, fez assentar o despedimento do A., fundamentalmente, no facto de este haver dado 22 faltas injustificadas consecutivas nos anos civis de 2012 e 2013 por não ter comparecido ao serviço nos dias 05, 06, 08, 09, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 30, 31 de Dezembro de 2012 e 02 e 03 de Janeiro de 2013, e alegou doença para justificar as faltas, mas faltou ao exame de verificação de incapacidade temporária para o trabalho por doença sem motivo atendível, pelo que deu por injustificadas as faltas correspondentes aos dias de alegada doença e considerou haver justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, alíneas d) e g) do Código do Trabalho.
A sentença recorrida, perante os factos que se apuraram na acção e questionando-se sobre a injustificação das faltas em causa e sobre a licitude ou ilicitude do despedimento, teceu as seguintes considerações:
“[…]
O artigo 248º/1 do CT define como falta a ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário. De acordo com o disposto no artigo 249º/1, a falta pode ser justificada ou injustificada. O nº 2 qualifica como faltas justificadas, para além do mais, as motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de doença. A justificação das faltas não depende apenas do respectivo fundamento, mas também da comunicação da ausência ao empregador nos termos previstos no artigo 253º, com indicação do motivo da mesma, sendo que o incumprimento deste regime determina que a ausência seja considerada injustificada (cfr nº 5 da norma em apreço).
No tocante à prova do motivo justificativo de falta, e no que ao caso concreto diz respeito, importa atentar no disposto no artigo 254º/3 do CT, nos termos do qual a situação de doença pode ser verificada por médico, nos termos previstos em legislação específica.
A legislação específica para onde remete a norma em apreço é a Lei 105/2009, de 14/09, que dispõe, no seu artigo 17º/1 que Para efeitos de verificação de incapacidade temporária para o trabalho por doença do trabalhador, o empregador requer a sua submissão à comissão de verificação de incapacidade temporária (CVIT) da segurança social da área da residência habitual do trabalhador.
A oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença, determina que a ausência seja considerada injustificada (artigo 254º/5 do CT).
Voltando ao caso concreto, provou-se que no dia 05/12/2012 foi prorrogado o período de incapacidade temporária para o trabalho por doença do trabalhador, com obrigação de permanência no domicílio, com início no dia 05/12/2012 e termo no dia 03/01/2013; e que em 07/12/2012, a empregadora solicitou ao Centro Distrital da Segurança Social do Porto que fiscalizasse o estado de doença do trabalhador (cfr pontos 4. e 5. dos factos provados).
Provou-se ainda que na sequência de tal solicitação, o Centro Distrital de Segurança Social convocou o trabalhador para exame médico de verificação de incapacidade, a realizar no dia 13/12/2012, através de telegrama que foi deixado na caixa do correio da ca[s]a do trabalhador em 12/12/2012, pelas 15h26, mas que só chegou ao conhecimento do autor em 17/12/2012 (cfr pontos 6. 21. e 19. dos factos provados).
Ora, não temos dúvidas de que a notificação levada a cabo pela Segurança social foi efectuada por um dos meios legalmente previstos, uma vez que quer o artigo 21º da citada Lei 105/2009, quer o artigo 70º/1/c) do Código do Procedimento Administrativo, prevêem a notificação através de telegrama, sendo certo que este foi depositado na caixa do correio no dia anterior ao exame.
E aplicando-se ao envio das comunicações pela entidade administrativa o regime das notificações previsto no CPC (neste sentido, cfr AcSTA, 27/01/2004, in http//www.dgsi.pt), temos de concluir que o trabalhador não pode deixar de considerar-se regularmente notificado.
De facto, de acordo com o disposto no artigo 254º/6 do CPC então em vigor, a presunção de notificação, tendo o telegrama sido deixado na caixa do correio do autor em 12/12/2012, apenas poderia ser ilidida mediante a prova de que a notificação não foi efectuada por razões não imputáveis ao trabalhador, prova essa que este não logrou fazer, conforme resulta da fundamentação de facto.
No entanto, uma coisa é a regularidade da notificação; coisa diversa é a de saber se houve oposição do trabalhador, sem motivo atendível, à verificação da doença, pois só tal oposição determina que a ausência seja considerada injustificada, conforme resulta do já citado artigo 254º/5 do CPT. E, para tal, entendemos que não basta a existência de uma presunção de notificação não ilidida, quando é certo que se apurou que o trabalhador apenas teve conhecimento da notificação em 17/12 (cfr ponto 19. dos factos provados), sendo certo que o exame teria lugar em 13/12, apenas não tendo logrado afastar a presunção por não ter provado que a falta de recebimento da notificação não lhe é imputável.
Assim, consideramos que a falta de conhecimento atempado do autor da notificação que lhe foi remetida – e independentemente de tal falta proceder ou não se culpa sua – constituiu motivo atendível para não ter comparecido ao exame. E assim é porque a ratio do artigo 254º/5 é a de proteger a entidade empregadora perante condutas do trabalhador destinadas a obstar ao direito daquela de verificar a incapacidade para o trabalho. E, assim sendo, desconhecendo o trabalhador que estava designada data para exame de verificação de tal estado, não pode qualificar-se como tal a sua conduta, estando a mesma fora do âmbito das situações que a norma visa acautelar.
Ao que vem de expor-se não obsta o facto de a justificação apresentada pelo trabalhador à Segurança Social não ter sido julgada atendível (cfr ponto 10. dos factos provados), uma vez que nem a entidade empregadora, e muito menos o Tribunal, estão vinculados ao juízo feito a esse respeito pelos Serviços de Segurança Social.
Consideramos assim que não estão reunidos os pressupostos para que se considerem injustificadas as faltas que motivaram a decisão de despedimento.
[…]»
A recorrente discorda deste juízo alegando, essencialmente, que:
- o recorrido não compareceu à diligência de verificação de doença e a justificação apresentada foi considerada não atendível pela Segurança Social, o que determina a consideração das ausências como faltas injustificadas;
- a recorrente encontrava-se “vinculada à presunção legal de consideração das faltas como injustificadas” não podendo socorrer-se do procedimento previsto no art. 18.º da Lei 105/2009, para realização de verificação de doença por meio de médico independente por não se ter verificado oposição do recorrido à verificação da doença, e não vislumbra qualquer correlação entre a referida oposição e a presunção legal de falta de justificação das ausências em situação de não atendibilidade da justificação de não comparência ao exame de verificação de doença;
- a mera apresentação de justificação por parte do recorrido para a ausência verificada afasta de imediato o conceito de oposição, pelo que o disposto no art. 254.º, n.º 5 do CT não encontra aplicação nos presentes autos;
- as faltas foram consideradas injustificadas nos termos do disposto na Lei n.º 105/2009 e, na ausência de qualquer outra informação relevante, ou motivo para questionar o entendimento da Segurança Social, a recorrente acolheu a informação que lhe foi transmitida pela entidade com competência para realizar o procedimento e apreciar a situação de doença;
- a recorrente não poderia ter realizado por sua conta verificação por médico independente da situação de doença, porquanto, o procedimento previsto no art. 18.º da Lei 105/2009 não encontra aplicação no caso em apreço (mas apenas nas situações em que: i) se mostre impossível a realização da verificação pela Segurança Social (impossibilidade de comparência do trabalhador por motivo atendível), ii) quando a Segurança Social não dê resposta no prazo de 48 horas ao requerimento de realização de verificação de doença, iii) ou caso haja informação da Segurança Social que a verificação não se realizou nos 3 dias subsequentes ao pedido ou à cessação do motivo atendível de ausência do trabalhador).
No fundo, a recorrente vem defender que, tendo-se verificado a ausência por motivo considerado não atendível pela Segurança Social, não lhe cabia a si questionar o critério de atendibilidade da justificação, o qual depende inteiramente da Segurança Social e muito menos se encontrava em posição de determinar o exame médico por médico independente, pelo que deverá soçobrar integralmente o defendido na douta sentença recorrida.
Vejamos o modo como é traçado o regime jurídico da justificação de faltas por doença e da verificação da veracidade da situação de doença[2].
O artigo 248.º, n.º 1, do Código do Trabalho define “falta” como “a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário”.
O conceito de faltas injustificadas resulta da conjugação do preceito acima transcrito com o estatuído nos artigos 249.º a 254.º do mesmo diploma legal, devendo destacar-se a relevância do regime em causa para o legislador laboral ao estabelecer uma imperatividade praticamente absoluta do mesmo no artigo 250.º
Segundo estabelece o artigo 249.º, relativo aos tipos de falta:
«1 - A falta pode ser justificada ou injustificada.
2 - São consideradas faltas justificadas:
(…)
d) A motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal;
(…)
3 - É considerada injustificada qualquer falta não prevista no número anterior.»
A justificação das faltas não depende apenas do respectivo fundamento, mas também da comunicação da ausência ao empregador nos termos disciplinados no artigo 253.º, com indicação do motivo da mesma.
Por seu turno o artigo 254.º do mesmo diploma dispõe sobre a prova de motivo justificativo de falta nos seguintes termos:
«1 - O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao trabalhador prova de facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável.
2 - A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico.
3 - A situação de doença referida no número anterior pode ser verificada por médico, nos termos previstos em legislação específica.
4 - A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento.
5 - O incumprimento de obrigação prevista nos n.ºs 1 ou 2, ou a oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença a que se refere o n.º 3 determina que a ausência seja considerada injustificada.»
Como decorre do n.º 3 deste preceito, confere-se ao empregador a faculdade de promover a verificação da situação de doença do trabalhador, sendo a “legislação específica” para onde remete tal disposição a Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro (Regulamento do Código do Trabalho), que nos seus artigos 17.º e ss. regula a verificação da situação de doença, estabelecendo o procedimento a adoptar para essa verificação, a efectuar em primeira linha por médico designado pela Segurança Social.
É o seguinte o teor do artigo 17.º da Lei n.º 105/2009, que se reporta à verificação da situação de doença por médico designado pela segurança social:
«1 — Para efeitos de verificação de incapacidade temporária para o trabalho por doença do trabalhador, o empregador requer a sua submissão à comissão de verificação de incapacidade temporária (CVIT) da segurança social da área da residência habitual do trabalhador.
2 — O empregador informa, na mesma data, o trabalhador do requerimento referido no número anterior.
3 — A deliberação da CVIT realizada a requerimento do empregador produz efeitos no âmbito da relação jurídica prestacional do sistema de segurança social de que o trabalhador é titular.
4 — Os serviços da segurança social devem, no prazo de 48 horas a contar da recepção do requerimento:
a) Convocar o trabalhador para apresentação à CVIT, indicando o dia, hora e local da sua realização, que deve ocorrer num dos três dias úteis seguintes;
b) Comunicar ao empregador a convocação efectuada;
c) Informar o trabalhador de que:
i) Deve apresentar, aquando da sua observação, informação clínica e os elementos auxiliares de diagnóstico de que disponha, comprovativos da sua incapacidade;
ii) Em caso de impossibilidade de comparência por motivo atendível, deve comunicar o facto nas vinte e quatro horas seguintes à recepção da convocatória;
iii) A sua não comparência, sem motivo atendível tem como consequência que os dias de alegada doença podem ser considerados faltas injustificadas ou que, caso ocorram em período de férias, são considerados na duração do gozo destas.
5 — O trabalhador que esteja impedido de se deslocar do seu domicílio para comparecer a exame médico pela CVIT deve informar os serviços da segurança social até à data prevista para o exame ou, em caso de impossibilidade, nas vinte e quatro horas seguintes ao termo da mesma.
6 — Consoante o impedimento do trabalhador, os serviços da segurança social marcam nova data para o exame médico pela CVIT, a ter lugar nas 48 horas seguintes e, se necessário, no domicílio do trabalhador, dando ao mesmo tempo conhecimento do facto ao empregador.
7 — Os serviços da segurança social devem comunicar ao empregador e ao trabalhador se este está ou não apto para desempenhar a actividade, nas vinte e quatro horas subsequentes à realização do exame médico pela CVIT.
8 — Os serviços da segurança social devem comunicar ao empregador:
a) A impossibilidade de submeter o trabalhador à CVIT nos termos da alínea a) do n.º 4, sendo caso disso, nas vinte e quatro horas seguintes à recepção do requerimento;
b) A não realização do exame médico, designadamente por falta de comparência do trabalhador com indicação do motivo impeditivo alegado por este, ou por estar a decorrer um período de incapacidade temporária para o trabalho por doença já anteriormente verificada por CVIT, sendo este o caso, nas vinte e quatro horas seguintes à recepção do requerimento.»
Como resulta com clareza do n.º 5 do artigo 254.º do Código do Trabalho, o incumprimento do dever de comparência ao exame para verificação da doença, constituindo uma oposição, sem motivo atendível, à fiscalização da doença prevista no n.º 3 do artigo 254.º, descaracteriza a situação como impossibilidade da prestação de trabalho, tornando injustificadas as faltas[3].
Simplesmente, para se considerar que a ausência ao exame tem esse cariz de “oposição” a que a doença seja verificada, à face do artigo 254.º, n.º 5 do Código do Trabalho, mister é que o tribunal deva concluir que o A., com a sua ausência, se opôs aquela realização.
A apresentação de justificação por parte do trabalhador para a não comparência ao exame é susceptível de afastar a afirmação de que aquele se opôs ao exame e, consequentemente, a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 254.º do Código do Trabalho, como parece entender a própria recorrente.
Mas, para assim se concluir – e aqui já discordamos da tese expressa pela recorrente –, deverá o tribunal apreciar as razões por que o mesmo deixou de comparecer ao exame designado e verificar se é, ou não, atendível a justificação apresentada pelo trabalhador para a ele não se ter submetido.
Com efeito, situam-se em planos distintos:
- a apreciação pela Segurança Social da existência de motivo atendível para a falta ao exame de verificação e
- a qualificação pelo empregador das faltas ao serviço como injustificadas, bem como a decisão judicial que ulteriormente venha a recair sobre os actos jurídicos praticados pelo empregador com base em tal qualificação das faltas, na acção que o trabalhador venha a intentar com vista à impugnação judicial da regularidade e licitude de tais actos.
Como resulta do artigo 17.º, n.º4, alínea c), ponto iii) do RCT, a não comparência do trabalhador ao exame de verificação, sem motivo atendível, “tem como consequência que os dias de alegada doença podem ser considerados faltas injustificadas” (sublinhado nosso), o que denota que a lei quis distinguir aqueles dois planos de competências e qualificação: cabe à Segurança Social determinar, em primeira linha, se o motivo invocado para a falta ao exame de verificação é atendível, sendo que, se o não considerar, tal apenas possibilita que, ulteriormente, as faltas venham a ser qualificadas como injustificadas pelo empregador; cabe, por seu turno, ao empregador (e eventualmente ao tribunal, caso a venha a ser demandada a sua intervenção) qualificar as faltas ao serviço com alegação de doença como injustificadas, ou não, para o que deverá atentar na motivação apresentada pelo trabalhador para não comparecer ao exame de verificação, já que esta não comparência, como a própria recorrente reconhece, não significa necessariamente uma atitude de oposição à realização do exame e pode assentar em motivos que o empregador entenda justificativos da não comparência à verificação, quando o trabalhador se afadigue a tentar justificar as razões por que não compareceu, como sucedeu in casu.
O juízo sobre a justificação, ou não justificação, das faltas ao serviço não compete, de todo à Segurança Social, não se vislumbrando razões afirmar a verificação de uma “presunção legal de consideração das faltas como injustificadas” a que a empregadora se encontre “vinculada” por via do artigo 17.º do RCT e que a impeça de fazer o seu próprio juízo sobre se à não comparência ao exame pode, na situação em concreto, atribuir-se o significado de oposição à sua realização e sobre se as faltas ao serviço sob a alegação de doença devem, ou não, qualificar-se como faltas injustificadas.
Sendo uma presunção legal a ilação que a lei “tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, dispensando a parte que a tem a seu favor de provar o facto a que ela conduz (artigos 349.º e 350.º do Código Civil), não se vislumbra como pode qualificar-se de presunção legal a prescrição do artigo 17.º, n.º 4, alínea c), iii) do Regulamento do Código do Trabalho, que se limita a possibilitar a atribuição futura de uma consequência à verificação da hipótese do preceito.
Caso o empregador se mantivesse com dúvidas sobre a veracidade da alegada doença, nada o impediria, de facto, de se socorrer do procedimento previsto no art. 18.º da Lei 105/2009, para realização de verificação de doença por meio de médico independente, quanto mais não seja por não se ter efectivamente verificado a realização do exame de verificação de doença pela Segurança Social nos prazos enunciados na lei [artigo 18.º, n.º 1, alínea b) do RCT].
Assim, e respondendo à primeira questão, cabe concluir que o simples facto de o A. ora recorrido não ter comparecido à diligência de verificação de doença e de a justificação apresentada ter sido considerada não atendível pela Segurança Social não implica, inelutavelmente, que as ausências ao trabalho por alegada doença identificadas no processo disciplinar devam considerar-se como faltas injustificadas.
*
4.2. Visto, assim, que a decisão da Segurança Social quanto à inatendibilidade da justificação para a não comparência ao exame para verificação da doença não constitui “presunção legal” de consideração das faltas como “injustificadas” e não dispensa a ulterior apreciação pelo empregador do carácter justificado ou injustificado das faltas ao serviço, cabe apreciar a segunda questão enunciada.
Persistindo por definir a natureza – justificada ou injustificada das faltas – deve proceder a justificação adiantada pelo A. para o facto de não ter comparecido à diligência de verificação de doença?
A apreciação desta questão, como foi dito, implica a análise das sub-questões de saber:
- se os procedimentos da notificação do A. para aquela diligência foram efectuados em conformidade com as prescrições legais;
- em caso afirmativo, se o A. ilidiu a presunção de notificação.
Resulta dos factos provados que o autor entrou numa situação de ausência por motivo de doença a partir de Setembro de 2012, na sequência de doença provocada pelo exercício da sua actividade profissional, que no dia 23 de Outubro de 2012 foi certificada ao trabalhador a incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, com a obrigação de permanência no domicílio, com início no dia seguinte e termo no dia 04 de Novembro de 2012 e que no dia 6 de Novembro de 2012 foi prorrogado o período de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, com obrigação de permanência no domicílio, com início no dia 05 de Novembro e termo no dia 04 de Dezembro seguinte, faltas essas que não são postas em causa na presente acção – factos 16., 2. e 3.
Ficou também provado que no dia 05 de Dezembro de 2012 foi novamente prorrogado o período de incapacidade temporária para o trabalho por doença, com obrigação de permanência no domicílio, com início nesse dia e termo no dia 03 de Janeiro de 2013 e que no dia 07 de Dezembro de 2012 a empregadora solicitou ao Centro Distrital da Segurança Social do Porto que fiscalizasse o estado de doença do trabalhador – factos 4. e 5.
Este serviço convocou o trabalhador para submissão a exame médico de verificação de verificação de incapacidade para o trabalho por doença, a realizar no dia 13 de Dezembro de 2012, não tendo o mesmo comparecido no dia e hora designados e não apresentou, nesse dia, qualquer justificação para o facto de não ter comparecido ao exame médico – factos 6. a 8.
Ficou também provado, contudo, que o telegrama com a convocatória foi deixado na caixa do correio da casa do trabalhador em 2012.12.12, pelas 15h26 e que a convocatória só chegou ao conhecimento do autor em 2012.12.17 e no dia seguinte (2012.12.18) aquele dirigiu-se aos serviços da Segurança Social, tendo então entregue a comunicação (telegrama) depositada na caixa do correio da residência onde habita, e endereçou também ao Centro Distrital da Segurança Social uma justificação para a falta ao exame médico, a qual não foi julgada atendível por ter sido o respectivo telegrama colocado na caixa de correio em 2012.12.12, às 15h26 – factos 20., 21., 18. e 19., 9. e 10.
Mas deverá considerar-se a notificação devidamente efectuada?
Ficou provado ter sido a convocatória em causa remetida pela Segurança Social através de telegrama para o domicílio do A. e ter sido depositada na sua caixa de correio.
Segundo o artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo:
“1. As notificações podem ser feitas:
a) Por via postal, desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência ou sede do notificando;
b) Pessoalmente, se esta forma de notificação não prejudicar a celeridade do procedimento ou se for inviável a notificação por via postal;
c) Por telegrama, telefone, telex ou telefax, se a urgência do caso recomendar o uso de tais meios;
d) Por edital a afixar nos locais do estilo, ou anúncio a publicar no Diário da República, no boletim municipal ou em dois jornais mais lidos da localidade da residência ou sede dos notificandos, se os interessados foram desconhecidos ou em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação.
2. (…)”
No caso, está prevista no artigo 21.º da Lei n.º 105/2009 a possibilidade de a convocatória ser feita por telegrama.
Simplesmente, o envio das comunicações pela entidade administrativa mostra-se submetido ao regime das notificações previsto nos artigos 254º e 255º do Código de Processo Civil, como se tem entendido na jurisprudência administrativa (cfr. Acórdão do S.T.A. de 2004.01.27, Processo n.º 01768/03, in www.dgsi.pt).
Nos termos do nº 3 do artigo 254º do C.P.C. em vigor à data da convocação, “a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”, sendo que tal presunção só pode ser ilidida pelo notificado “provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razoes que lhe não sejam imputáveis” (n.º 6 do mesmo artigo).
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 121/76, de 11 de Fevereiro, “é abolida a exigência de avisos de recepção para as notificações em quaisquer processos, sendo contudo obrigatório o registo postal em todos os avisos e notificações, incluindo os relativos a preparos, multas e custas”. O n.º 3 da mesma disposição determina que “todas as notificações e avisos efectuados nos termos dos números anteriores se presumem feitos no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando não o seja, produzindo efeitos anteriores”.
Ora, se não pôs o autor em questão ser a sua morada aquela para onde foi enviado o telegrama, sendo aí o mesmo depositado, a verdade é que no caso só poderia presumir-se efectuada a notificação no 3.º dia útil posterior ao do registo do envio.
Embora se desconheça a data do registo – que deveria ter sido comprovada pelo empregador, pois que se trata de facto necessário para aferir da eficácia da notificação do trabalhador e da natureza injustificada das faltas que invocou em fundamento da decisão de despedimento –, resulta do facto 23. que o envio do telegrama terá sido feito em 11 de Dezembro pelo que, tendo em consideração que o telegrama terá sido remetido em 2012.12.11 (factos 19. e 23.), a notificação só poderia presumir-se efectuada em 2012.12.14 (no 3.º dia útil posterior ao do envio), ou seja, já depois da data designada para o exame (2012.12.13).
Assim, é de concluir que os procedimentos da notificação do A. para aquela diligência não foram prosseguidos, em concreto, com o cuidado imprescindível para que a notificação se devesse presumir efectuada em data anterior à da efectivação do exame de verificação.
Note-se que o artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo possibilita a notificação via postal desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência ou sede do notificando – n.º 1, alínea a) – mas indica a forma de notificação “pessoal” se a mesma “não prejudicar a celeridade do procedimento” ou “se for inviável a notificação por via postal” – n.º 1, alínea b) – bem como por telegrama, telefone, telex ou telefax, “se a urgência do caso recomendar o uso de tais meios” – n.º 1, alínea c) – mas pressupõe, necessariamente, uma avaliação do funcionário quanto à urgência, viabilidade e eficácia da notificação, relativamente ao acto a que a mesma se destina, avaliação que deve ser feita com particular cuidado quando a notificação constitui uma convocatória.
Ora, perante a urgência que a lei assinala à realização dos actos administrativos tendentes à comprovação da doença invocada para justificar as ausências ao serviço por alegada doença no âmbito das relações laborais (artigos 17.º e ss. do RCT), impõe-se aos serviços administrativos que curem de assegurar o conhecimento efectivo e atempado por parte das pessoas que irão ser submetidas a exame da data da realização deste, devendo optar por formas de comunicação que alcancem tal desiderato.
A remessa de um telegrama que é depositado na caixa do correio do notificando na tarde da véspera do exame é manifestamente um meio de comunicação inidóneo para que se presuma ter-se a notificação como efectivada antes da realização do exame, atenta a dilação estabelecida no n.º 3 do artigo 254.º do Código de Processo Civil.
Esta dilação para além de tomar em consideração o tempo geralmente necessário para os serviços dos correios efectuarem as entregas de que são incumbidos, parte da constatação da realidade sociológica de que as pessoas não estão permanentemente a olhar para o que é depositado nas suas caixas postais, nem tal lhes pode ser exigível. Afigura-se-nos que este segundo aspecto deve ser particularmente tido em consideração nas notificações a efectuar pelos serviços da Segurança Social com vista à convocação legal referida no artigo 17.º, n.º 4, alínea a) da Lei n.º 105/2009, por serem as mesmas efectuadas em casos em que há uma séria probabilidade de o destinatário se encontrar doente, na medida em que existe um primeiro parecer médico que o atesta, destinando-se a missiva, justamente, a convocar o destinatário para comprovar essa doença através de serviços públicos. Devem, pois, os serviços optar por meios de comunicação céleres e que assegurem o conhecimento efectivo e atempado da realização do exame (se necessário através de contacto pessoal), não correndo riscos de que o destinatário, que não pode presumir-se notificado antes do exame se a convocatória não for remetida com a antecedência assinalada na lei, não tome efectivamente conhecimento do exame antes da data e hora designados para a sua realização.
No caso sub judice, além de o trabalhador ter alegado e provado que efectivamente só tomou conhecimento da notificação em 17 de Dezembro de 2012 (facto 19.), não pode sequer presumir-se que a notificação da Segurança Social foi efectuada a tempo de o trabalhador tomar conhecimento de que o exame se iria realizar, pois que a mesma foi feita através de telegrama remetido em 11 de Dezembro de 2012 e que foi deixado na caixa do correio do recorrido em 12 de Dezembro de 2012, pelas 15.26 horas (factos 21. e 23.).
Assim, no concreto dos autos, entendemos não se poder afirmar que a notificação se verificou presuntivamente antes da realização do exame, pelo que, não se verificando a presunção de notificação, nem se chega a colocar a questão de saber se o A. a ilidiu nos termos do disposto nos artigos 254º nº 6 e 255º nº 1 do Código de Processo Civil então em vigor).
E, estando provado que apenas tomou conhecimento do telegrama no dia 17 de Dezembro de 2012, não teve efectivo conhecimento da convocatória para o exame marcado pela CVIT a tempo de a cumprir e a sua ausência ao mesmo deve-se a motivo manifestamente atendível, não podendo acompanhar-se a decisão da Segurança Social que remeteu para os serviços da PT a responsabilidade por não ter sido deixada a convocatória na residência do autor e julgou inatendível a justificação apresentada por este (facto 20.).
A justificação adiantada pelo A. ora recorrido para o facto de não ter comparecido à diligência de verificação da doença designada para o dia 13 de Dezembro de 2012 é claramente procedente e como tal deveria ter sido considerada pelo empregador na apreciação que efectuou no procedimento disciplinar para qualificar as faltas ao serviço.
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4.3. Aqui chegados, torna-se evidente a resposta à terceira questão enunciada de saber se existiu no caso vertente oposição do A. à verificação da doença nos termos do disposto no artigo 254.º, n.º 5 do Código do Trabalho.
Se o conceito de oposição implica uma atitude consciente de não submissão à realização do exame, atitude que pode inferir-se, quer de uma oposição expressamente manifestada (verbalmente ou por escrito), quer de uma não comparência ao exame sem qualquer justificação ou com uma justificação demonstrativa de que o trabalhador a ele não quer submeter-se, a apresentação de uma justificação procedente não constitui, em princípio, manifestação de uma atitude opositiva.
Particularmente no caso vertente, em que ficou provado que o trabalhador não tomou efectivo conhecimento de que o exame se iria verificar a tempo de nele comparecer, de modo algum se pode afirmar que se opôs à realização do exame.
Pelo que não pode ter-se por verificada a hipótese do n.º 5 do artigo 254.º do Código do Trabalho, o que obsta ao funcionamento da sua estatuição, a saber, que as ausências ao serviço sejam consideradas injustificadas.
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4.4. E, assim, não pode igualmente concluir-se que aquelas ausências ao serviço constatadas nos dias 05, 06, 08, 09, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 30, 31 de Dezembro de 2012 e 02 e 03 de Janeiro de 2013 constituíram infracção disciplinar, devendo ser negativa a resposta à quarta questão enunciada.
Se não pode afirmar-se que o recorrido incumpriu a obrigação de se submeter aos procedimentos de verificação da doença que invocava em fundamento da justificação da falta, não pode sufragar-se o entendimento da recorrente de que todas as faltas dadas pelo recorrido entre 05 de Dezembro de 2012 e 03 de Janeiro de 2013 se consideram injustificadas.
Cumprindo o trabalhador o disposto no artigo 254.º, n.º 2 do Código do Trabalho (facto 4.) e não sendo caso de aplicar a estatuição do n.º 5 do mesmo preceito, são de considerar justificadas as faltas em causa, dadas por motivo de doença, nos termos do artigo 255.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho.
Apenas as faltas injustificadas fazem incorrer o trabalhador em infracção disciplinar, por violação do dever de assiduidade e pontualidade – artigo 128.º, número 1, alínea b) do Código do Trabalho – não podendo afirmar-se a culpa do trabalhador adstrito ao dever de prestar trabalho com assiduidade quando o absentismo é justificado.
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4.5. Quanto à 5.ª questão enunciada de aferir se o despedimento do recorrido se fundou em justa causa (conclusões 14.ª a 17.ª) enuncia-a a recorrente partindo do pressuposto de que as faltas em que fundou a decisão proferida no procedimento disciplinar são injustificadas e constituem infracção disciplinar.
Na verdade, o artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, pelo que constitui elemento imprescindível da verificação da justa causa a existência de um comportamento culposo do trabalhador - violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências.
O comportamento é ilícito quando viole, seja por acção, seja por omissão, deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, quer principais ou secundários, quer deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato, o que afasta os factos sobre os quais não se pode fazer juízo de censura e aqueles que não constituam violação de deveres do trabalhador enquanto tal (vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.04.18, Processo n.º 2842/06 e de 2006.03.08, Processo n.º 3222/05, ambos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt).
Quando está em causa o dever de assiduidade, presume-se a ilicitude e a culpa do trabalhador com a materialidade da falta – cfr. o art. 799.º, n.º 1 do Código Civil –, mas se o trabalhador provar factos que integram os fundamentos legais da justificação das faltas, como ocorreu no caso sub judice, o seu comportamento não é culposo, nem tão pouco, ilícito.
E, assim, não pode considerar-se verificada, quer a cláusula geral do artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho, quer a hipótese exemplificativa prevista na alínea g) do seu n.º 2, que tem como pressuposto indispensável o facto de as faltas ao trabalho serem “não justificadas”.
A inexistência de um comportamento disciplinarmente censurável, por si só, impede a afirmação daquela justa causa e, assim, mostra-se prejudicada a questão de saber se, a terem sido as faltas injustificadas, tal tornaria imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho e se verificaria, ou não, justa causa para o despedimento do trabalhador – cfr. os artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Conclui-se, assim, pela ilicitude do despedimento operado pela recorrente, confirmando-se o veredicto da 1.ª instância que assim o considerou e retirou de tal despedimento as devidas consequências indemnizatórias e retributivas de modo que não foi posto em causa na apelação.
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4.6. Resta apreciar a questão suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto Parecer, no qual vem defendido que se declare “a inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, da norma do artigo 21°, da Lei n.º 105/2009, de 14/09, em conjugação com a norma do artigo 70°, n.º 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, quando interpretada no sentido de que, existindo distribuição domiciliária na localidade de residência do notificado, é suficiente o envio de telegrama com depósito na caixa de correio, num dia à tarde para notificação de comparência no dia seguinte à CVIT para ser submetido a exame médico destinado a confirmar a sua situação de doença que o impossibilita de trabalhar”.
Ao invés do que vem dito pela recorrente, é absolutamente lícito ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto suscitar nos presentes autos uma questão de constitucionalidade no âmbito da intervenção prevista no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, que lhe impõe a emissão de “parecer sobre a decisão final a proferir”.
Cremos, aliás, que as questões de constitucionalidade que se suscitem no âmbito dos processos de natureza laboral – as quais sempre seriam de conhecimento oficioso por força do que estabelece o artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa[4] –, constituem um exemplo paradigmático das situações em que o Ministério Público deve tomar posição expressa nos autos, em conformidade com as atribuições legais e constitucionais da respectiva magistratura [cfr. o artigo 3.º, n.º1, alíneas d), f), j) e l), parte final, do Estatuto do Ministério Público, os artigos 72.º e ss. da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC) e os artigos 219.º, n.º 1 e 280.º da Constituição da República Portuguesa].
Para fundar o entendimento por que propugna, aquele ilustre Magistrado discorre nos seguintes termos:
«Segundo o artigo 21º, da Lei n.º 105/2009, de 14/09, as comunicações previstas no presente capítulo devem ser efectuadas por meio célere, designadamente, telegrama, telefone, telefax ou correio eletrónico.
Também, o artigo 70°, n.º 1, alinea b), do Código do Procedimento Administrativo, diz que as notificações podem ser feitas por telegrama (...) desde que a urgência do caso recomende o uso desse meio.
Para a notificação poder ser feita via telegrama deve existir distribuição domiciliária na localidade de residência do notificando - artigo 70°, n.º 1, alínea a), do CPA.
Como se encontra provado, os serviços da Segurança Social notificaram o apelado por meio de telegrama que em 12/12/2012, depositaram na caixa de correio da sua casa às 15h26.
A notificação era para ele comparecer no dia 13/12/2012 (dia seguinte) à CIVT para ser sujeito ao respectivo exame.
Também está provado que o trabalhador só soube dessa convocatória no dia 17/12/2012.

Contudo, o Tribunal Constitucional, em caso semelhante e em plenário, no seu acórdão n.º 636/2013, de 2013.10.01, processo n.º 87/13, publicado no DR, lª Série, n.º 203, de 2013.10.21, páginas 6192/6193:
• Declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 20.°, n.º 1, e 268.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa da norma constante do artigo 70.°, n.º 1, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, interpretada no sentido de que existindo distribuição domiciliária na localidade de residência do notificado, é suficiente o envio de carta, por via postal simples, para notificação da decisão de cancelamento do apoio judiciário, proferida com fundamento no artigo 10.° da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.

Como fundamento desta decisão o Tribunal Constitucional afirma que "no caso dos autos, mesmo que se admita que a carta para notificação foi enviada para o domicilio indicado pelo requerente do apoio judiciário e constante do respetivo processo administrativo de concessão de proteção jurídica, o certo é que, tendo sido já sido decidida a concessão do apoio judiciário, o requerente não poderá razoavelmente contar com a possibilidade de uma eventual nova notificação relativa a um hipotético cancelamento do apoio judiciário concedido.
Não pode, por isso, desde logo, ser afastado quer o risco de ausência ocasional, quer o risco de extravio da carta, de cujo envio não existe registo, o que torna extremamente difícil para o destinatário afastar uma eventual presunção de oportuna receção da carta, demonstrando que esta, sem culpa da sua parte, não foi recebida no seu domicílio.
Assim, não se poderá dizer que através desta forma de notificação se mostre suficientemente acautelado o conhecimento, por parte do requerente do apoio judiciário já concedido, do ato de notificação da decisão no sentido de o mesmo lhe ter sido cancelado.
Acresce que a tramitação associada a esta forma de notificação, nos termos em que foi efetuada nos atos – mero envio, segundo informação prestada pela entidade administrativa em causa, de carta por via postal simples – não oferece suficientes garantias de fiabilidade e segurança.
Com efeito, não está, no caso, associada ao envio da notificação por via postal simples qualquer cautela ou formalidade adicional. Designadamente, não é exigível que o funcionário administrativo que procedeu ao envio da carta lavre qualquer informação no processo administrativo, com indicação da data da expedição da carta e do domicílio para onde foi enviada, não se exige que o distribuidor postal certifique, mediante qualquer documento ou declaração escrita por si assinada, o dia em que tenha procedido ao depósito da carta e a morada em que o fez, nem se exige qualquer outra formalidade que permita saber, com um mínimo de segurança, designadamente, se a carta foi efetivamente enviada e para que morada, qual a data da sua expedição, se a carta foi efetivamente entregue ou depositada no recetáculo postal do seu destinatário e em que data tal se verificou. Acresce que também não é exigível, ao contrário do que acontece noutras situações em que a lei admite a possibilidade de citação e/ou notificação por via postal simples, que tenha havido uma anterior tentativa frustrada efetuada por via postal registada, nem que se efetue qualquer procedimento no sentido de se apurar se a morada para a qual se envia a carta corresponde efetivamente à morada do destinatário.
Pelo exposto, estando-se perante uma situação em que se pressupõe o efetivo conhecimento de um ato administrativo, quando o envio de carta simples para notificação deste não representa um índice seguro da sua receção e dificilmente pode ser ilidido, forçoso é concluir que interpretação normativa sindicada afeta a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz do respetivo destinatário, em violação das exigências decorrentes do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição e do princípio constitucional da “proibição da indefesa”, ínsito no artigo 20.º também da Constituição.”
Concordando-se com estas considerações e com a sua conclusão as quais são perfeitamente transponíveis para o caso em apreço (notificação por telegrama depositado na caixa do correio do notificando, por a urgência do caso recomendar o seu uso e por haver distribuição domiciliária na localidade da sua residência, sem qualquer cautela ou formalidade adicional: telegrama esse depositado na caixa do correio do trabalhador em 12.12.2012 pelas 15h26, e notificação essa para comparecer no dia seguinte, ou seja, em 13.12.2012 à CIVT para ser sujeito a exame de reavaliação da incapacidade) entende-se que se deve ser,
Declarada a inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 20.°, n.º 1, e 268.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, da norma do artigo 21°, da Lei n.° 105/2009, de 14/09, em conjugação com a norma do artigo 70°, n.º 1. alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, quando interpretada no sentido de que, existindo distribuição domiciliária na localidade de residência do notificado, é suficiente o envio de telegrama, com depósito na caixa de correio, num dia à tarde para notificação de comparência no dia seguinte à CVIT para ser submetido a exame médico destinado a confirmar a sua situação de doença que o impossibilita de trabalhar.
Deve, pois, ser declarada a mencionada inconstitucionalidade e, em consequência, não deve ser aplicada, no caso concreto, a norma do artigo 21°, da Lei n.º 105/2009, de 14/09, em conjugação com a norma do artigo 70° n.º 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo por "proibição da indefesa" do apelado.
[…]».
Sem embargo da pertinência desta argumentação, cremos que, por força das considerações já expostas, carece a mesma de relevância substancial neste processo.
No fundo se este tribunal entendeu que à luz da lei ordinária – artigo 21°, da Lei n.º 105/2009, de 14/09, em conjugação com a norma do artigo 70°, n.º 1, alíneas a) a c), do Código do Procedimento Administrativo –, não é suficiente para se considerar o trabalhador devidamente notificado o envio de telegrama num determinado dia, com depósito na caixa de correio no dia seguinte à tarde, para notificação de comparência na CVIT para ser submetido, logo no dia imediatamente a seguir, a exame médico destinado a confirmar a sua situação de doença, ainda que exista distribuição domiciliária na localidade de residência do notificado, é irrelevante aferir da inconstitucionalidade, “por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, da norma do artigo 21°, da Lei n.º 105/2009, de 14/09, em conjugação com a norma do artigo 70°, n.º 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, quando interpretada no sentido de que, existindo distribuição domiciliária na localidade de residência do notificado, é suficiente o envio de telegrama com depósito na caixa de correio, num dia à tarde para notificação de comparência no dia seguinte à CVIT para ser submetido a exame médico destinado a confirmar a sua situação de doença que o impossibilita de trabalhar”.
Interpretados e aplicados os artigos 21°, da Lei n.º 105/2009, de 14/09, em conjugação com a norma do artigo 70°, n.º 1, alíneas a) a c), do Código do Procedimento Administrativo do modo que acaba de referir-se (ou seja, impondo uma avaliação dos serviços administrativos quanto à urgência, viabilidade e eficácia da notificação, relativamente ao acto a que a mesma se destina, avaliação que deve ser feita com particular cuidado quando a notificação constitui uma convocatória para exame tendente à comprovação da doença invocada para justificar as ausências ao serviço por alegada doença no âmbito das relações laborais, devendo optar por formas de comunicação, de entre as legalmente previstas, que alcancem tal desiderato), não vemos como podem os mesmos violentar as exigências decorrentes do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição e do princípio constitucional da “proibição da indefesa”, ínsito no artigo 20.º também da Constituição.
Torna-se pois insusceptível de relevância substancial neste processo a análise da questão da inconstitucionalidade destes preceitos interpretados com a dimensão normativa indicada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto.
Assim, por despida de relevância prática, mostra-se prejudicada a apreciação da questão da inconstitucionalidade suscitada neste âmbito[5].
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4.7. As custas do recurso serão suportadas pela recorrente, porque nele não obteve vencimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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5. Decisão
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Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
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Custas pela recorrente.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 15 de Setembro de 2014
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
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[1] Clarificamos que fazemos referência aos termos “autor” e “ré” para designar as partes desta acção na medida em que, apesar de as referências terminológicas constantes do articulado do diploma que alterou o Código de Processo do Trabalho (Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro) se reportarem apenas ao “trabalhador” e ao “empregador” e ter havido uma alteração da estrutura clássica da acção de impugnação do despedimento com a nova acção especial regulada nos artigos 98.º-B e ss. do Código de Processo do Trabalho, não deixam as partes de se situar nas mesmas posições activa e passiva relativamente à generalidade dos pedidos de que cumpre conhecer nestas acções e o legislador denotou no preâmbulo do diploma, quando alude ao “formulário apresentado pelo autor” que o trabalhador assume na acção a posição de “autor” e, naturalmente, o empregador a posição de “réu”.
[2] Seguimos aqui, no essencial, as considerações já tecidas no Acórdão da Relação do Porto de 21 de Março de 2013, relatado pela ora relatora no processo n.º 674/11.7TTMAI.P1 e publicado in www.dgsi.pt, também citado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto.
[3] Vide Luís Miguel Monteiro in Código do Trabalho Anotado por Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 615.
[4] Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.03.12, Revista n.º 4065/02 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[5] Vide Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional”, 6ª edição, Coimbra 1993, p. 1049.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – O empregador tem a faculdade de promover a verificação da situação de doença invocada pelo trabalhador em justificação de faltas ao serviço, sendo a “legislação específica” para onde remete tal disposição a Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro (Regulamento do Código do Trabalho).
II – A apresentação de justificação por parte do trabalhador para a não comparência ao exame é susceptível de afastar a afirmação de que aquele se opôs ao exame e, consequentemente, a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 254.º do Código do Trabalho, devendo o tribunal apreciar as razões por que o mesmo deixou de comparecer ao exame designado e verificar se é, ou não, atendível a justificação apresentada pelo trabalhador para a ele não se ter submetido.
III – A decisão da Segurança Social quanto à inatendibilidade da justificação apresentada pelo trabalhador para a não comparência ao exame de verificação da doença invocada em fundamento da justificação de faltas ao serviço, não determina, por si só, que as ausências ao trabalho por alegada doença se considerem como faltas injustificadas.
IV – O envio das notificações pela entidade administrativa mostra-se submetido ao regime das notificações previsto no Código de Processo Civil.
V – O artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo pressupõe uma avaliação do funcionário quanto à urgência, viabilidade e eficácia da notificação, relativamente ao acto a que a mesma se destina, avaliação que deve ser feita com particular cuidado quando a notificação constitui uma convocatória.
VI – É de concluir que os procedimentos da notificação do trabalhador para o exame de verificação da doença não foram prosseguidos com o cuidado imprescindível para que a notificação se devesse presumir efectuada em data anterior à da efectivação do exame, se o envio do telegrama é feito em 2012.12.11 e a notificação só poderia presumir-se efectuada em 2012.12.14 (no 3.º dia útil posterior ao do envio), ou seja, já depois do exame designado para 2012.12.13.
VII – A remessa de um telegrama que é depositado na caixa do correio do notificando na tarde da véspera do exame é manifestamente um procedimento inidóneo para que se presuma ter-se a notificação como efectivada antes da realização do exame, atenta a dilação estabelecida no n.º 3 do artigo 254.º do VCPC.

Maria José Costa Pinto