Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
496/14.3TTVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: EQUIPARAÇÃO RETRIBUTIVA
DISCRIMINAÇÃO DO TRABALHADOR
ENFERMEIRO
Nº do Documento: RP20160620496/14.3TTVFR.P1
Data do Acordão: 06/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º242, FLS.347-360)
Área Temática: .
Sumário: I - Pedida uma equiparação retributiva, quer por força do contrato quer por força de discriminação salarial, e concedida tal equiparação mas apenas até à proporção de tempo de trabalho praticado por aqueles face aos quais os peticionantes invocavam tal equiparação, não ocorre nulidade de sentença por condenação além do pedido ou em objecto diverso do pedido.
II - Não pode interpretar-se como um indexação do salário ao regime salarial dos enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde, a cláusula de contrato individual de trabalho que literalmente determina a actualização do salário expressamente acordado, na percentagem de aumento que se verifique, em cada momento, para os enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde.
III - Compete a quem invoca discriminação a alegação da identificação concreta daqueles face aos quais se sente discriminado.
IV - Não resulta directamente do facto dos enfermeiros abrangidos pelo DL 248/2009 terem sido reposicionados nos termos do DL 122/2010 uma discriminação face a enfermeiros com contrato individual de trabalho que não tenham sido reposicionados nos mesmos moldes, uma vez que os regimes legais aplicáveis a enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas e com contrato de trabalho individual, embora muito harmonizados, ressalvam, pelo menos, e em matéria retributiva, a diversidade que vem da autonomia de gestão consagrada pela opção por um modelo empresarial das unidades de saúde.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 496/14.3TTVFR.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 510)
Adjunto: Desembargadora Maria José Costa Pinto
Adjunto: Desembargador António José Ramos
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, residente em …, C…, residente em …, Oliveira de Azeméis; D…, residente em …; E…, residente em …, Vila Nova de Gaia; F…, residente em Espinho; G…, residente em …; H…, residente em …, Santa Maria da Feira; e I…, residente em S. João de Ver, vieram intentar a presente acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra o Centro Hospitalar J… EPE, com sede no Hospital J1…, Rua …, Santa Maria da Feira, peticionando, após despacho de aperfeiçoamento, que na procedência da acção venha a:
A – Declarar-se e reconhecer-se que:
1- Os AA exercem funções de cuidados especializados de enfermagem, nas respectivas áreas de especialização,
2- Os AA sejam classificados na correspondente categoria profissional de Enfermeiro Graduado, desde 1 de Janeiro de 2010,
3- Os AA têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiro integrados no Sistema Nacional de Saúde,
4- Os AA prestam serviços de qualidade, quantidade, natureza igual ao trabalho prestado por colegas no Sistema Nacional de Saúde e declarar que lhes assiste o direito a receber da Ré o mesmo valor que aqueles, a titulo de retribuições base e outros acréscimos salariais recebem.
B- Ser a Ré condenada a pagar aos AA:
1- A diferença remuneratória correspondente a pelo menos € 125,26 mensais, desde 1 de Janeiro de 2010 até 1 de Janeiro de 2012 no montante de € 3.006,24 (€125,26 x 24 meses);
2- a diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, e do Subsídio de Natal, nos anos de 2010 e 2011 no montante de €751,56 (€125,26 x 6).
3- A diferença remuneratória correspondente a pelo menos €181,42 mensais (€1.201,48 - €1.020,06), desde 1 de Janeiro de 2012 até à presente data no montante de € 5.805,44 (€181,42 x 32 meses);
4- a diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, e do Subsídio de Natal respeitante aos anos de 2012, 2013 e 2014 no montante de €1.632,78 (€181,42 x 9);
5- No montante global actual de € 11.196,02;
6- As retribuições respeitantes a trabalho prestado desde 1 de Janeiro de 2010 até 1 de Janeiro de 2012, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
7- E todos os acréscimos salariais, que em virtude da ausência de promoção, deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.145,32 referente à categoria profissional de Enfermeiro Graduado.
8- as retribuições respeitantes a trabalho prestado desde 1 de Janeiro de 2012 até ao presente, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
9- Todos os acréscimos salariais, que em virtude de discriminação salarial, que deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.201,48.
10- Ser a Ré também, doravante condenada a pagar aos AA, o montante salarial base de € 1.201,48, resultante da aplicação/ indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde.
11- Os juros moratórios, á taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas, até efectivo e integral pagamento;
12- As custas e demais encargos legais
13 A liquidar em execução de sentença.
Os AA. não dispõem de elementos e registo que lhes permita quantificar os direitos e valores peticionados nos pontos 6 a 9 dos pedidos, pelo que requerem que a liquidação dos mesmos seja relegada para execução de sentença.
Alegaram os Autores, em síntese, que foram admitidos ao serviço da Ré, mediante contratos de trabalho por tempo indeterminado, nas datas que indicaram e que se situam entre 2004 e 2007, para prestarem cuidados especializados de enfermagem, cumprindo um horário semanal de 35 horas, de Segunda a Domingo, em regime de turnos.
Foram classificados na categoria profissional de Enfermeiros, nível I.
Acordaram, conforme consta dos respectivos contratos, uma remuneração base que “será actualizada em função do aumento percentual que vigorar, em cada momento, para o nível de idêntica categoria de Enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde
Dos respectivos contratos consta ainda que a promoção a categoria superior da respectiva carreira, bem como a progressão em cada categoria, são análogas às dos profissionais de idêntica categoria integrados no Sistema Nacional de Saúde, sendo-lhes aplicável o correspondente regime jurídico.
Concluem os Autores que, aquando da celebração dos respectivos contratos, convencionaram um sistema remuneratório e de progressão na carreira, indexando-o ao regime da função pública.
Os Autores todos auferem, à data da petição inicial, o vencimento mensal de 1.020,06€.
O provimento na categoria de enfermeiro graduado ocorre automaticamente, nos termos do artigo 11º nº 1 do DL 437/91 de 8.11, após a permanência por um período de seis anos de exercício de funções na categoria de enfermeiro com avaliação de desempenho de Satisfaz. Deviam os Autores, por via deste normativo terem sido promovidos à categoria de enfermeiro graduado, o que não sucedeu, tendo sido descriminados em relação àqueles que, nas mesmas circunstâncias, se encontram ao serviço da Ré e foram promovidos.
Devem pois os AA. ser reclassificados para a categoria de Enfermeiro Graduado, desde Janeiro de 2010.
Por via da não promoção e do não recebimento da retribuição correspondente à categoria para que deviam ter sido promovidos, deve a Ré aos AA. diferenças remuneratórias na retribuição e bem assim na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, nos anos de 2010 e 2011, bem como nas prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
Por outro lado, o regime da carreira especial de enfermagem aplicável aos enfermeiros com relação jurídica de emprego constituída por contrato de trabalho em funções públicas, regime legalmente previsto no DL 248/2009 de 22.9, determina a existência de apenas duas categorias profissionais (enfermeiro e enfermeiro principal), cujos níveis remuneratórios estão previstos no DL 122/2010 de 11.11 e tabela anexa.
Este DL 122/2010 determinou que os enfermeiros posicionados no escalão 1 e 2 da categoria de enfermeiro, mantinham o direito à remuneração base que vinham auferindo e eram reposicionados na primeira posição remuneratória da tabela, com efeitos a 1.1.2011 (enfermeiros graduados com avaliação positiva desde 2004), com efeitos a 1.1.2012 (restantes enfermeiros graduados com avaliação positiva) e com efeitos a 1.1.2013 (enfermeiros posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os enfermeiros graduados que não estivessem abrangidos nos casos anteriores).
Aos AA. foi atribuída a categoria profissional nível 1 da carreira de enfermagem, cuja remuneração foi indexada ao escalão 1, índice 15 da tabela de vencimentos geral da função pública, com o nível remuneratório de €1.201,48. Porém, na presente data, apenas auferem, todos eles, €1.020,06.
A Ré procedeu ao reposicionamento do pessoal de enfermagem que se enquadrava nos dois primeiros casos, mas, sem qualquer fundamento, não o fez em relação aos AA.,que se enquadravam também no segundo caso.
Por isso deve-lhes as correspondentes diferenças – quer na retribuição quer na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno e suplementar e qualquer outra forma de retribuição – desde 1.1.2012.
Sem prescindir, caso o Tribunal não aceite a promoção dos AA. nos termos expostos, os AA. deviam ter sido reposicionados desde 1.1.2013.
Deve ainda, doravante, por via do correcto reposicionamento, ser pago o montante salarial base de €1.201,48, resultante da indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde.
Acresce, que ao não proceder à promoção e reposicionamento remuneratório dos AA, apesar de contratualmente vinculada a tanto, a Ré discriminou objectivamente os AA. dos enfermeiros que foram promovidos e reposicionados. Os AA. exercem funções de enfermagem especializada, assumem semelhantes responsabilidades e possuem o mesmo, ou até mais, tempo de serviço, e trabalham 35 horas semanais e com as mesmas qualificações profissionais que os demais enfermeiros ao serviço da Ré, integrados no Sistema Nacional de Saúde e com CIT.

Frustrada a audiência de partes, veio a Ré contestar. Em síntese, aceitou a celebração dos contratos de trabalho, mas não a existência de cuidados especializados de enfermagem referidos na petição inicial.
Aos AA. não aproveita a reclassificação da categoria profissional fundamentada no DL 437/91, porque este diploma não lhes é aplicável. Mesmo que fosse, a Lei 43/2005 determinou a não contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e o congelamento do montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado, o que perdurou através das Leis 53-C/2006 e 67-A/2007. A Lei 12-A/2008 veio definir os regimes de vinculação, de carreiras e remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, mas este diploma não é aplicável aos AA. Posteriormente, o DL 248/2009 veio definir o regime da carreira especial de enfermagem, mantendo a situação de dar continuidade à não contagem de tempo de serviço e à não progressão nas carreiras – pelo que não é admissível a promoção dos AA.
O DL 122/2010 veio definir, em conformidade com a Lei 12-A/2008, o número de posições remuneratórias da carreira especial de enfermagem, por categoria, mas não só a actualização contratada era em função do aumento percentual que vigorasse para o índice e escalão de idêntica categoria dos enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde, e portanto não correspondia ao sistema remuneratório indexado ao regime da função pública, como nada tem a ver com o DL 248/2009, que se aplica apenas aos enfermeiros com relação jurídica de emprego público constituída por contrato de trabalho em funções públicas.
Sendo a Ré uma empresa pública empresarial, criada pelo DL 27/2009, o regime legal aplicável aos enfermeiros com contrato individual de trabalho encontra-se definido no DL 247/2009, diploma que determina que as posições remuneratórias e as remunerações são fixadas por instrumento de regulamentação colectiva, o que não sucedeu até ao presente.
Não é possível estender as normas de reposicionamento remuneratório previstas no DL 122/2010 nos termos da petição inicial, porque elas são próprias da carreira especial de enfermagem e se aplicam apenas aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas.
Acresce que não é admissível qualquer aumento da remuneração dos AA em virtude da proibição contida na Leis 66-B/2012 (Orçamento de Estado para 2013), 83-C/2013 (Orçamento para 2014), 82-B/2014 (Orçamento para 2015).
Quanto à discriminação, não existe qualquer discriminação entre os AA. e os enfermeiros integrados na função pública: trata-se de regimes diferentes que sempre existiram, não só no que diz respeito à remuneração, mas ao sistema de segurança social, às férias e faltas, regime disciplinar.
Sem prescindir, para a hipótese de se considerar que os AA têm direito ao reposicionamento remuneratório peticionado, ao abrigo do princípio da igualdade, então a sua remuneração teria que ser proporcional às 35 horas que trabalham (face às 40 horas da função pública).

Responderam os AA. renovando que prestam cuidados especializados de enfermagem, que os seus contratos de trabalho têm um regime próprio diverso do dos enfermeiros que integram o Serviço Nacional de Saúde em funções públicas, mas que o que resulta dos seus contratos é apenas a equiparação no que à remuneração e progressão na carreira respeita, o que foi inúmeras vezes praticado pela Ré e por todos os outros Centros Hospitalares EPE, e por eles unanimemente reconhecido.
É certo que o regime aplicável aos seus CIT é o do DL 247/2009, que determina que as posições remuneratórias e remunerações são fixadas em instrumento de regulamentação colectiva, que até à data não ocorreu. Todavia, este facto não impediu a Ré e os AA. de convencionarem a regime de remuneração e progressão diferente, por indexação a outros regimes, já que a norma não é imperativa.
O DL 122/2010 não se aplica aos contratos de trabalho dos AA, mas os níveis remuneratórios e progressão estão indexados, por via contratual, à sua previsão, bem como à do DL 437/91.
Não se compreende como a Ré procedeu ao reposicionamento do pessoal de enfermagem que integrava as duas primeiras alíneas do nº 2 do artigo 5º do DL 122/2010 e não o fez com os AA., que se integram na previsão da alínea c) do mesmo preceito. Daí a discriminação sentida pelos AA.
Não tem a Ré razão no impedimento legal de cumprir os contratos por via das Leis 43/2005, 53-C/2006, 67-a/2007, 66-B/2012 e 83-C/2013, porque os AA, enquanto trabalhadores com contrato individual de trabalho, não estão abrangidos por essas leis.
A Ré continua a pensar que os AA. se consideram discriminados em relação aos seus colegas que integram o Serviço Nacional de Saúde em funções públicas, o que não é verdade: os AA. consideram-se discriminados em relação ao pessoal de enfermagem com contrato individual de trabalho que foi (bem) reposicionado, e que preenchia a previsão das duas alíneas do nº 2 do artigo 5º do DL 122/2010.
Os AA. não aceitam que lhes seja aplicável o disposto da Lei 68/2013, que veio impor o período normal de trabalho de 40 horas, porque este diploma só se aplica a funcionários, agentes e outros trabalhadores da administração pública central, regional e local e demais servidores de Estado.

Por despacho de 22.4.2015 foi fixado à acção o valor de €11.196,02.
Foi proferido saneador tabelar, com dispensa de selecção de factos e de condensação do processo, tendo sido ordenada a junção, pela Ré, dos documentos requeridos pelos AA. a fls. 29 da petição inicial: toda a documentação relativa ao registo individual de trabalho completo de cada um dos AA., onde conste o registo temporal do trabalho prestado, folgas, férias, trabalho suplementar e nocturno, e a identificação de todo o pessoal de Enfermagem ao serviço da Ré, que foi promovido e sofreu reposicionamento remuneratório desde 1.1.2011.

A Ré juntou o primeiro grupo de documentos, sem nada mencionar quanto à não junção do segundo, nem haver qualquer pronúncia dos AA. nem despacho subsequente quanto a esta questão.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, no início da qual os i.mandatários das partes declararam prescindir de toda a produção de prova testemunhal “na medida em que os factos relativos à data de admissão, aos vencimentos, horários e funções dos Autores não estão controvertidos, pelo que se devem considerar como assentes nos termos alegados na petição inicial, com excepção no que vem alegado nos artigos 3º e 35º da PI e que as partes acordam em clarificar que as funções desempenhadas pelos Autores são apenas as de enfermagem de acordo com os respectivos contratos de trabalho”. Mais declararam as partes aceitar tudo o que resultar da prova documental junta aos autos, podendo o tribunal aditar algum facto que resulte do teor de algum ou alguns dos documentos, tendo seguidamente proferido alegações orais.

Foi então proferida sentença, com fixação da matéria de facto, e de cuja parte dispositiva consta:
Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência:
a) Condeno a ré a equiparar os vencimentos dos autores com os vencimentos auferidos pelos enfermeiros integrados na função pública desde o dia 01 de Janeiro de 2010, devendo tal equiparação ter conta a proporção do respectivo horário de trabalho.
b) A equiparação referida em a) estende-se às quantias pagas a título de férias, subsídio de férias e de Natal, trabalho nocturno, suplementar e qualquer outra forma de retribuição, tudo a liquidar no competente incidente de liquidação de sentença.
c) Absolvo a ré dos restantes pedidos formulados.
d) Custas pelas partes nas proporções fixadas anteriormente”.

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recursos.
Os Autores invocaram nulidade de sentença de forma expressa no requerimento dei interposição do seu recurso, o qual finalizaram com as seguintes conclusões:
I. DA NULIDADE
a) O tribunal a quo, na determinação da equiparação dos salários, ao determinar a obrigatoriedade de “tal equiparação ter em conta a proporção do respectivo horário de trabalho”, vem condenar extra vel ultra petitum;
b) A condenação extra vel ultra petitum só se justifica quando estão em causa direitos que têm subjacentes interesses de ordem pública, o que aqui não é, manifestamente, o caso;
c) Os AA. peticionaram, além do mais, que o Tribunal declarasse e reconhecesse que: “os AA.. têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde”
d) A Douta sentença, de que se recorre, condenou a R. a equiparar os vencimentos dos autores com os vencimentos auferidos pelos enfermeiros integrados na função pública desde o dia 01 de Janeiro de 2010, devendo tal equiparação ter em conta a proporção do respectivo horário de trabalho (incluindo neste conceito as quantias pagas a título de férias, subsídio de férias e de Natal, trabalho nocturno, suplementar e qualquer outra forma de retribuição).
e) Ora, a sentença não corresponde ao que peticionaram os AA., que pretendem o mesmo reposicionamento remuneratório que os outros CIT (aqueles cujo reposicionamento foi operado nos termos das alíneas a) e b) da Lei 122/2010 de 11 de Novembro).
f) E é mormente face a estes que os AA. se encontram em desigualdade.
g) São CIT com 35 horas semanais de trabalho, que auferem presentemente € 1.200,48 e que a R. reposicionou, e bem, por via da cláusula dos seus contratos de trabalho que remete para “o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Sistema Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República”.
Por isso,
h) A sentença viola, injustificadamente, o princípio dispositivo, o que determina, por força do disposto na alínea e) do nº 1 do Art. 615º do C.P.C., aplicável ex vi alínea a) do nº 2 do Art. 1º do C.P.T., a sua nulidade;
i) A solução para uma situação de desigualdade salarial passa por uma equiparação dos que recebem menos aos que recebem mais, nunca pelo inverso;
j) Ao tentar resolver dois problemas de uma só vez, o dos enfermeiros com CIT e o dos enfermeiros integrados no SNS, o tribunal prejudicou os AA., e condenou em objecto diferente do que foi peticionado;
k) A R. deveria ter sido condenada a respeitar rigorosamente os CIT celebrados, equiparando os salários destes enfermeiros, àqueles auferidos pelos enfermeiros, em igualdade de funções, integrados no SNS, independentemente de desempenharem, ou não, funções públicas;
l) A decisão recorrida vem criar, ex novo, outro nível salarial, aumentando a disparidade entre vencimentos de enfermeiros no desempenho das mesmas funções;
m) A manutenção da decisão recorrida levaria a que se legitimasse a violação do princípio – com acervo constitucional – “para trabalho igual, salário igual”, permitindo que enfermeiros com CIT, ambos a trabalhar 35 horas semanais, recebessem uns € 1.201,48 e, os autores, por força desta decisão, € 1.051,30;
n) A violação do princípio da equidade retributiva, por força desta decisão, leva a que, no seio da mesma organização, aos AA. seja paga retribuição desigual daquela que é paga, como contrapartida de trabalho igual, a outros enfermeiros também com CIT, determinando também a inconstitucionalidade da decisão, neste ponto;
o) Não é, de modo algum, justificável que a R. haja procedido ao reposicionamento remuneratório do pessoal de enfermagem – integrado em funções públicas e com CIT – que se enquadrava nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, e sem qualquer fundamento para tal, não o tenha feito com os AA., que se enquadram na previsão da alínea c) do nº 2 do mencionado art. 5º do DL 122/2010;
p) Os contratos dos AA. determinam uma indexação do seu nível salarial àquele que seja auferido por enfermeiros que desempenhem funções públicas, mas não determinam que se lhes aplique, sem mais, a carreira de enfermeiro/funcionário público;
q) O que se peticionou foi que se reconhecesse “o direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde”, incluindo-se aqui, não só os enfermeiros integrados na função pública, como também os demais enfermeiros com CIT, que viram a sua remuneração aumentada entre Janeiro de 2011 e a presente data, não podendo o tribunal a quo, na sua condenação, ignorar aqueles enfermeiros com CIT;
r) Perante este quadro factual e documental, o Tribunal a quo deveria ter decidido que “os AA. têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde” e bem assim condenado a R.:
s) A equiparar os vencimentos dos autores com os vencimentos auferidos pelos enfermeiros integrados na função pública desde o dia 01 de Janeiro de 2012.
t) A estender essa equiparação às quantias pagas a título de férias, subsídio de férias e de Natal, trabalho nocturno, suplementar e qualquer outra forma de retribuição, tudo a liquidar no competente incidente de liquidação de sentença.
u) Os juros moratórios, á taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas, até efectivo e integral pagamento;
v) As custas e demais encargos legais
II. Dos Factos
1) Por uma questão de economia processual, dá-se aqui por integralmente reproduzido tanto quanto se concluiu, acerca da nulidade alegada.
2) Todos os factos alegados foram dados como provados por acordo das partes, com excepção dos referentes às “funções especializadas de enfermagem”;
3) Os AA. não prescindiram, em momento algum, da prova documental junta aos autos e, apenas prescindiram da prova testemunhal porque todos os factos por si alegados – com a ressalva acima efectuada – foram admitidos por acordo;
4) Quanto à absolvição dos restantes pedidos formulados, nomeadamente do pedido de condenação da R. a promover os AA. à categoria de enfermeiros graduados o tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto;
5) Estes alegaram ter direito à promoção à categoria de enfermeiro graduado, nos termos do DL 437/91, com as alterações introduzidas pelo DL 412/98, citando a norma na integra;
6) Alegaram também que, por via da aplicação do normativo supra e da cláusula contratual que consta dos seus CIT e que remete para aquele regime, deveriam ter sido promovidos, decorridos 6 anos do exercício das funções de enfermeiro, à categoria de Enfermeiro Graduado;
7) Juntaram aos autos as suas notas biográficas e, de algumas destas constam relatórios das suas avaliações, sendo estas sempre iguais ou superiores a “Satisfaz”;
8) Nunca tendo a R. avaliado qualquer dos AA com uma merecedora de notação inferior a “Satisfaz”;
9) Os documentos acima referidos foram emitidos pela R., essa factualidade é do seu conhecimento e não foi, por esta, contestada, nem os documentos objecto de impugnação;
10) Ainda que interpretados, pelo tribunal a quo, como factos “genéricos”, dizendo apenas que “outras pessoas, em igualdade de circunstâncias, foram promovidas” estes, por provados, são verdade processual e têm de conformar a decisão.
11) Não poderia daqui resultar outra decisão que não a de reconhecer aos AA. os direitos por estas exigidos, cuja legitimidade a R. admitiu;
12) Perante este quadro factual e documental, o Tribunal a quo deveria ter considerado provado que:
- Os autores estiveram no desempenho das suas funções durante mais de seis anos;
- Foi alegado e provado que o resultado da avaliação de desempenho das AA. foi sempre, no mínimo, de “Satisfaz”.
- Foi alegado e provado que foram promovidos inúmeros Enfermeiros, que, à imagem dos AA., preencheram as condições legais exigidas.
13) Por essa via o Douto Tribunal a quo deveria ter decidido que os AA:
1. Devem ser classificados na correspondente categoria profissional de Enfermeiro Graduado, desde 1 de Janeiro de 2010,
2. Têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiro integrados no Sistema Nacional de Saúde,
3. Prestam serviços de qualidade, quantidade, natureza igual ao trabalho prestado por colegas no Sistema Nacional de Saúde e declarar que lhes assiste o direito a receberem da R. o mesmo valor que aqueles, a titulo de retribuições base e outros acréscimos salariais.
E por essa via deveria ter condenado a R. a pagar aos Autores:
14) a diferença remuneratória correspondente a € 125,26 mensais, desde 1 de Janeiro de 2010 até 1 de Janeiro de 2012.
15) a diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, e do Subsídio de Natal, nos anos de 2010 e 2011.
16) as retribuições respeitantes a trabalho prestado desde 1 de Janeiro de 2010 até 1 de Janeiro de 2012, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
17) E todos os acréscimos salariais, que em virtude da ausência de promoção, deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.145,32 referente à categoria profissional de Enfermeiro Graduado.
18) A diferença remuneratória correspondente a pelo menos €181,42 mensais (€1.201,48 - €1.020,06), desde 1 de Janeiro de 2012 até à presente data,
19) a diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, e do Subsídio de Natal;
20) as retribuições respeitantes a trabalho prestado desde 1 de Janeiro de 2012 até ao presente, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
21) Todos os acréscimos salariais, que em virtude de discriminação salarial, que deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.201,48.
22) De igual modo e doravante, ter condenado a R. a pagar aos AA., o montante salarial base de € 1.201,48, resultante da indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde.
23) Os juros moratórios, á taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas, até efectivo e integral pagamento;
24) As custas e demais encargos legais, tudo a liquidar em execução de sentença.
25) Tudo conforme melhor peticionado em sede de Petição Inicial.

Contra-alegou a Ré no sentido da inexistência de nulidade e no sentido da improcedência do recurso.

A Ré formulou as seguintes conclusões no seu recurso:
1. Na matéria de facto dada como provada sob nº 7 e 8 apenas deve constar o que resulta dos contrato individuais de trabalho, onde não é atribuída aquela categoria a todos os autores.
2. Para uma boa decisão da causa, no que respeita à remuneração deve ser considerado provado o pagamento das verbas constantes dos recibos juntos pelos próprios autores, como é caso de incentivos.
3. O pedido de promoção à categoria de Enfermeiro Graduado improcedeu, mas na conclusão da sentença a ré é condenada com efeitos desde 1 de Janeiro de 2010, não havendo fundamentação para esta data nem qualquer referência à mesma que possa levar à condenação da ré com efeitos àquela data.
4. Atendendo aos pedidos formulados pelos autores, a questão principal dos autos é saber se os autores têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do artigo 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros em regime da função pública.
5. A resposta a esta questão só poderá ser negativa como aliás resulta da própria sentença recorrida, já que esta reconhece que existem dois regimes de contratação: contrato de trabalho e contratação pública.
6. Os autores exercem funções, e prestam o seu trabalho, ao abrigo das normas previstas nos seus contratos individuais de trabalho e de acordo com o Código do Trabalho, que não se confunde com a contratação pública.
7. O que resulta da matéria de facto dada como provada, e com relevância para o caso (mais concretamente nos nº 12 e 13), é que nos contratos de trabalho foi acordada a fixação da remuneração base, num valor certo.
8. Nos contratos individuais de trabalho dos autores não existe qualquer alegação de equiparação da remuneração dos autores com os enfermeiros com contratos em funções públicas, apenas há a previsão da ação actualização da remuneração em função do aumento percentual que vigorar, em cada momento, para o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Serviço Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República.
9. Na própria sentença recorrida consta de forma clara que a interpretação das cláusulas contratuais (nº 12 e 13 dos factos provados) é de que não existe a indexação das remunerações dos autores às dos enfermeiros do sector público mas apenas da actualização do salário.
10. Estando em causa nos autos a aplicação de nova remuneração de acordo com os requisitos legais, não se pode aceitar que tal corresponde a uma actualização da remuneração nos temos constantes na sentença recorrida.
11. A actualização prevista nos contratos é a que resulta do aumento percentual que anualmente seria aplicável aos trabalhadores da função pública (onde estão incluídos enfermeiros do Serviço nacional de Saúde), não havendo para tal a exigência de quaisquer requisitos.
12. Esta actualização por aumento percentual não é compatível com a alteração do vencimento base que ocorra por aplicação de regras da função pública.
13. O Decreto-Lei nº 122/2010, de 11 de Novembro, para além de estabelecer o número de posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem e de identificar os respectivos níveis da tabela remuneratória única, veio definir as regras de transição para a nova carreira e identificar as categorias que se mantêm como subsistentes, o que não se aplica aos autores.
14. Mas até a alteração de posição remuneratória na categoria que se prevê naquele diploma realiza-se nos termos previstos nos artigos 156º a 158º da Lei Geral do Trabalho em Funções Publicas aprovada em anexo à Lei nº 35/2014, de 20 de junho, e que corresponde ao anteriormente previstos nos artigos 46º a 48º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
15. Mas mesmo com a transição para a carreira especial de enfermagem, os trabalhadores foram reposicionados nos termos do artigo 104º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, por isso de acordo com normas legais e requisitos específicos que não são aplicáveis aos autores. O reposicionamento referido no nº 2 do artigo 5º, que se discute nos autos, exige que os enfermeiros se encontrem posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os posicionados no escalão 1 da categoria de enfermeiro graduado e até que tenham avaliação positiva, quando os autores não têm aquela categoria nem a avaliação referidas naquelas normas, o que impossibilita a aplicação daquela norma aos autores.
16. Para além disso, são as regras de direito privado que regem as relações contratuais estabelecidas entre a Ré e os Autores, não resultando dos contratos de trabalho nem da lei qualquer regra de “progressão” nos termos definidos para os trabalhadores em funções públicas.
17. Acresce que na Função Pública existem regras para a progressão e promoção, e estas só ocorrem se se verificarem uma série de requisitos, a saber: existência de vaga, abertura de concurso para o seu provimento, classificação dentro do número de vagas, etc.
18. Os autores não alegaram em que termos é que os outros trabalhadores viram as suas remunerações alteradas, para demonstrar sequer que reúnem os mesmos requisitos.
19. Na apreciação que é feita na sentença recorrida sobre a violação do princípio constitucional da igualdade invocada pelos autores, é considerado que estes exercem exactamente as mesmas funções dos enfermeiros integrados na função pública mas que recebem um salário inferior, mas dos factos provados, não existe qualquer facto que leve a esta conclusão, pelo que não se pode concluir pela alegada violação daquele princípio constitucional.
20. A causa de pedir – e é por aí que se delimita o objecto dos presentes autos – assenta, seja do ponto de vista fáctico, seja do jurídico, na violação do princípio da igualdade.
21. Estando demonstrado nos autos que existem dois regimes jurídicos sob os quais os trabalhadores exercem funções, não ocorre a violação do princípio da igualdade.
22. E muito menos quando não se mostra provado e sequer alegado pelos autores qualquer factor característico de discriminação ou violação do princípio da igualdade, que leve à conclusão de que existe efectivamente discriminação retributiva entre trabalhadores, ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade/do trabalho igual, salário igual.
23. Aos autores competia alegar e provar (o que não fez) que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade).
24. Os autores limitaram-se a referir de que as suas funções são idênticas às funções desempenhadas pelos funcionários integrados na função pública, mas tal não preenche os requisitos necessários para se dar como provada a violação do princípio da igualdade, já que não é possível qualquer comparação entre os vários trabalhadores.
25. A violação do princípio constitucional invocada pelos autores foi ainda afastada quando a ré alegou e demonstrou que a diferença de remuneração resulta de razões legítimas resultantes dos dois regimes existentes.
26. As remunerações da Função Pública são estabelecidas de acordo com critérios fixados e de acordo com requisitos, como aliás, resulta do próprio diploma legal invocado pelos autores: Decreto-Lei nº 122/2010, de 11 de Novembro, que apenas se aplica aos enfermeiros cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas, e não aos autores.
27. Daquele diploma legal resulta um regime próprio que não pode ser aplicado aos autores, em que os enfermeiros em funções públicas têm obrigações no que respeita à formação e são sujeitos a um sistema de avaliação para a sua progressão na carreira, o que não acontece com os autores.
28. É claro que existem e que sempre existiram dois regimes diferentes, não só quanto à remuneração como em muitos outros aspectos, seja na constituição da relação contratual seja nos direitos e obrigações instituídos para cada um dos regimes, conforme é referido nestas alegações.
29. Os próprios autores consideram que têm um regime próprio e diferente já que não aceitam que lhes seja aplicável o disposto na Lei nº 68/2013, de 29 de Agosto, que veio impor o período normal de trabalho de qua- renta horas por semana.
30. Pelo exposto nas alegações facilmente se pode concluir que a interpretação e aplicação do nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 122/2010, de 11 de Novembro, nos termos constantes na sentença recorrida, violam os princípios da Constituição da República Portuguesa.
31. A sentença recorrida apenas tem a vista a atribuição de uma remuneração única sem atender à existência de dois regimes distintos (com direitos e obrigações diferentes), havendo ainda a violação da Lei Constitucional por colocar os autores no mesmo plano remuneratório que os enfermeiros com contrato em funções públicas, sem atender que estes têm outras obrigações que não têm os autores.
32. Não se pode decidir por haver igualdade de retribuição entre os vários trabalhadores quando não há coincidência no trabalho prestado, segundo a quantidade, natureza e qualidade, pelo que a interpretação dada na sentença recorrida do princípio da igualdade, com referência aos artigos 13º e artigo 59º da Constituição da República Portuguesa, e que leva à procedência da acção (e apenso) é inconstitucional.
33. A violação do princípio da igualdade invocada pelos autores só poderia proceder se a alegada diferenciação salarial não assentasse em justificação material bastante.
34. A diferenciação salarial existente decorre de toda uma diferença de regimes imposta pelos diferentes regimes jurídicos a que se encontram sujeitos os autores (contrato individual de trabalho) e os enfermeiros da carreira especial de enfermagem com o seu estatuto próprio enquanto trabalhadores em funções públicas.
35. Esta diferenciação tem justificação legal e que, além do mais, é razoável e não discriminatória em nenhum dos sentidos proibidos pelos artigos 13º e 59º, nº 1, a), da Constituição da República Portuguesa, pelo que a decisão proferida é violadora dos mesmos artigos.
36. E esta violação ainda é mais flagrante quando a própria sentença recorrida expressamente reconhece que foram contratadas condições remuneratórias diferentes segundo regimes diferentes, e depois procura igualizar os autores com os enfermeiros da carreira especial de enfermagem apenas no que respeita ao salário-base, sem curar de os igualizar quanto a todos os demais aspectos em que assenta a diferença de regimes aplicáveis.
37. Além disso, a sentença recorrida apenas teve em consideração a remuneração-base, sem considerar outras componentes salariais que alguns dos autores auferem (incentivos que constam dos próprios recibos que juntam com a petição) e que igualmente deveriam ser consideradas para aferição do princípio da igualdade.
38. Ao condenar a ré nos termos constantes na sentença recorrida ocorre, a viola não só o princípio da igualdade, como discrimina dos trabalhadores com contrato em funções públicas que veem os autores a receber a mesma remuneração, mas com obrigações e direitos diferentes dos seus.
39. A decisão recorrida violou, designadamente, o disposto no artigo 23º, 25º, 26º do Código do Trabalho, e ainda os artigos 13º e 59º, nº 1, a), da Constituição da República Portuguesa.

Contra-alegou o A. I…, no sentido da improcedência do recurso da Ré.

Os recursos foram admitidos, sem qualquer pronúncia quanto à nulidade.

A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso dos AA. e da procedência do recurso da Ré.
Corridos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:
A) No recurso dos AA.:
1. A nulidade da sentença por condenar extra vel ultra petitum, pois que a condenação não corresponde ao que os AA. peticionaram.
2. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pois que os AA. não prescindiram da prova documental, devendo o tribunal ter julgado provado que:
- os AA. estiveram no desempenho das suas funções durante mais de seis anos;
- o resultado do seu desempenho foi sempre, no mínimo, de “Satisfaz”.
- foram promovidos inúmeros enfermeiros que, à imagem dos AA., preencheram as condições legais exigidas.
3. Em procedência de 1 e 2, a consequente condenação da Ré nos pedidos formulados pelos AA. (declaração de que têm direito a graduação na categoria profissional de Enfermeiro Graduado, desde 1 de Janeiro de 2010; a partir de 1.1.2012, direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde; e declaração de que prestam serviços de qualidade, quantidade, natureza igual ao trabalho prestado por colegas no Sistema Nacional de Saúde, independentemente da natureza jurídica dos vínculos desses colegas, e declarar que lhes assiste o direito a receberem da R. o mesmo valor que aqueles, a titulo de retribuições base e outros acréscimos salariais, com a condenação nas inerentes diferenças e nos vencimentos em conformidade, para futuro).

B) No recurso da Ré:
1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos pontos 7 e 8, dos quais deve constar apenas o que resulta dos contratos individuais de trabalho dos AA., e bem assim, deve ser considerado provado o pagamento das verbas constantes dos recibos juntos pelos próprios AA., como é o caso dos incentivos.
2. A inexistência de fundamento para a condenação da Ré com efeitos a 1.1.2010.
3. A inexistência de direito, dos AA., ao reposicionamento remuneratório previsto no nº 2 do artigo 5º do DL 122/2010.
4. A interpretação feita na sentença recorrida, conduzindo à igualdade remuneratória, viola o princípio constitucional da igualdade, conduzindo à discriminação dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas.

III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é, citamos, a seguinte:
1. A Ré é EPE – Entidade Pública Empresarial integrada no Sistema Nacional de Saúde.
2. Os Autores foram admitidos ao serviço da Ré, com ela estabelecendo contratos individuais de trabalho, nos seguintes termos:
a) A 1ª A., B…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 31 de Março de 2010, auferindo o vencimento mensal de € 1.020,06, categoria de enfermeira.
b) A 2ª A., C…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 30 de Novembro de 2004, auferindo o vencimento mensal de € 922,13, categoria de enfermeira de Nível 1.
c) A 3ª A., D…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 18 de Agosto de 2005, auferindo o vencimento mensal de € 942,43, categoria de enfermeira de Nível 1.
d) A 4ª A., E…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 13 de Dezembro de 2007, auferindo o vencimento mensal de € 970, 92, com a categoria de enfermeira de Nível 1.
e) A 5ª A., F…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 13 de Dezembro de 2007, auferindo o vencimento mensal de € 970,92, com a categoria de enfermeira de Nível 1;
f) A 6ª A., G…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 13 de Dezembro de 2007, auferindo o vencimento mensal de € 970, 92, com a categoria de enfermeira de Nível 1.
g) A 7ª A., H…, celebrou Contrato de Trabalho a termo certo, pelo período de 6 meses, no dia 16 de Março de 2004, auferindo o vencimento mensal de € 905,96, tendo celebrado Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 25 de Agosto de 2005, auferindo o vencimento mensal de € 942,43, com a categoria de enfermeira de Nível 1.
h) O 8º A., I…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 1 de Maio de 2004, auferindo o vencimento mensal de € 970,92, com a categoria de enfermeira nível 1.
3. Os AA. foram admitidos ao serviço da R., para prestarem cuidados de enfermagem.
4. Obrigaram-se, mediante retribuição, a prestar os seus serviços nas suas instalações, sob as ordens, direcção, fiscalização e autoridade desta.
5. Aí integrando a sua organização.
6. Com um horário de trabalho semanal de 35 horas, de Segunda a Domingo, em regime de trabalho por turnos.
7. Os Autores exercem as funções e actos materiais, correspondentes à categoria de profissional de Enfermeiros (de nível 1)[1].
8. Tendo sido classificados pela R. nessa categoria profissional.
9. Exerceram a sua actividade com carácter de exclusividade de funções na R.
10. Sendo que, a 1ª, 2ª, 3ª e 4ª A, exercem no serviço de J2… e as 5ª, 6ª, 7ª no serviço de J3… e o 8º em J4….
11. Funções que ainda exercem, na presente data, de forma contínua, inerentes à categoria profissional em causa.
12. Todos e cada um dos contratos dos Autores têm uma cláusula igual (a 4ª) determinando no seu nº 1 que a Entidade Patronal “pagará, mensalmente, ao Segundo Outorgante (Trabalhador), uma remuneração base (ilíquida) de (...), quantia essa que deduzidos os descontos legais, será depositada, por transferência bancária, na sua conta”.
13. Estabelecendo ainda o nº 2 dessa mesma cláusula que “A remuneração base definida no número anterior será actualizada em função do aumento percentual que vigorar, em cada momento, para o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Sistema Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República.”
14. A Ré, procedeu ao reposicionamento remuneratório do pessoal de enfermagem que se enquadrava nas duas primeiras alíneas do nº 2 do art. 5º do DL 122/2010,
15. Não o fez com os Autores.
16. Na cláusula 6ª do contrato consta o seguinte: “A promoção do Segundo Outorgante (trabalhador) a categoria superior da respectiva carreira, bem como a progressão em cada categoria, são análogas às dos profissionais de idêntica categoria integrados no Sistema Nacional de Saúde, sendo-lhes aplicável o correspondente regime jurídico”.
17. Os AA, prestam serviço á Ré:
- A 1ª A., desde 5 Dezembro de 2005;
- A 2ª A., desde 25 de Setembro de 2003
- A 3ª A., desde 18 de Fevereiro de 2004;
- A 4ª A., desde 2 de Setembro de 2004;
- A 5ª A., desde Março de 2004;
- A 6ª A., desde Março de 2004;
- A 7ª A., desde Março de 2004;
- O 8º A., desde 1 de Setembro de 2003.
Da contestação:
18. Desde o ano de 2014 que os enfermeiros integrados na Função Pública cumprem um horário semanal de 40 horas.
Provou-se ainda que:
19. O autor I… nunca obteve avaliação inferior a satisfaz, de acordo com os critérios de avaliação de desempenho existentes na ré.

Oficiosamente, desde já se acrescenta ao elenco dos factos provados o facto constante dos artigos 17º e 24º da PI, admitido por acordo conforme declaração dos i. mandatários na audiência de discussão e julgamento acima transcrita, a saber: “A retribuição base mensal dos AA. ascende (à data de interposição da acção) a €1.020,06”.

Apreciando:
A) Recurso dos AA.:

1ª questão:
Invocam os Autores a nulidade de sentença porque esta, ao estabelecer a equiparação remuneratória com proporcionalidade ao período semanal de trabalho praticado, condena ultra vel extra petitum, ou como também referem os AA., em objecto diverso do pedido.
Dispõe o artigo 615º do CPC, no seu nº 1 e alínea e), que é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Salvo o devido respeito, a sentença não condenou em quantidade superior à pedida, pelo contrário, ao não determinar uma equiparação remuneratória plena, que os AA. entendiam devida quer por força do seu contrato, quer por força de discriminação, seja em relação aos enfermeiros que integram o Serviço Nacional de Saúde por via de contrato de trabalho em funções públicas quer em relação a outros enfermeiros com contrato de trabalho individual, mas antes determinar que essa equiparação seria feita por referência à proporção que a remuneração peticionada teria se fosse calculada em função de 35 horas de trabalho semanal e não de 40 horas, a sentença claramente condenou em quantidade inferior à pedida.
A sentença condenou em objecto diverso do pedido? Antes de mais, condenar em objecto diverso do pedido não é o mesmo que condenar parcialmente no objecto pedido.
Os AA. pediram a declaração de que exerciam funções de cuidados especializados de enfermagem, a sua classificação na categoria de enfermeiro graduado desde 1.1.2010, o reposicionamento remuneratório previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde, a declaração de que prestam serviços de qualidade, quantidade, natureza igual ao trabalho prestado por colegas no Sistema Nacional de Saúde e de que lhes assiste o direito a receber da Ré o mesmo valor que aqueles, a titulo de retribuições base e outros acréscimos salariais recebem. E por via destas declarações, pediram os AA. a condenação da Ré a pagar-lhe:
1- A diferença remuneratória correspondente a pelo menos € 125,26 mensais, desde 1 de Janeiro de 2010 até 1 de Janeiro de 2012 no montante de € 3.006,24 (€125,26 x 24 meses);
2- a diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, e do Subsídio de Natal, nos anos de 2010 e 2011 no montante de €751,56 (€125,26 x 6).
3- A diferença remuneratória correspondente a pelo menos €181,42 mensais (€1.201,48 - €1 020,06), desde 1 de Janeiro de 2012 até à presente data no montante de € 5.805,44 (€181,42 x 32 meses);
4- a diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, e do Subsídio de Natal respeitante aos anos de 2012, 2013 e 2014 no montante de €1 632,78 (€181,42 x 9);
5- No montante global actual de € 11.196,02;
6- As retribuições respeitantes a trabalho prestado desde 1 de Janeiro de 2010 até 1 de Janeiro de 2012, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
7- E todos os acréscimos salariais, que em virtude da ausência de promoção, deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.145,32 referente à categoria profissional de Enfermeiro Graduado.
8- as retribuições respeitantes a trabalho prestado desde 1 de Janeiro de 2012 até ao presente, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
9- Todos os acréscimos salariais, que em virtude de discriminação salarial, que deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.201,48.
10- Ser a Ré também, doravante condenada a pagar aos AA, o montante salarial base de € 1.201,48, resultante da aplicação/ indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde.
11- Os juros moratórios, á taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas, até efectivo e integral pagamento;
Todas as diferenças tendo sido relegadas para liquidação de sentença, o que esta sentença concedeu, em termos das declarações peticionadas, foi a equiparação dos vencimentos dos autores aos dos enfermeiros integrados na função pública desde 1.1.2010, equiparação extensível a qualquer forma de retribuição, ou seja, um dos pedidos feitos pelos autores, porém, de novo, equiparação não plena, não a 100%, mas proporcional ao seu tempo de trabalho semanal (dando aliás procedência à defesa da Ré neste sentido).
É irrelevante, quando conhecemos da nulidade em causa, que o fundamento pelo qual o pedido tenha sido satisfeito ou parcialmente satisfeito – ou até mal ou erradamente satisfeito – não coincida com o fundamento invocado. Se a equiparação aos enfermeiros do SNS era devida por força da vinculação contratual dos AA e foi concedida por força da violação do princípio da igualdade, e se esta foi invocada em relação a trabalhadores com contrato individual de trabalho e que trabalhavam apenas 35 horas mas que tinham sido reposicionados ao contrário dos AA., tal não releva em termos de poder constituir nulidade por condenação em objecto diverso do pedido.
Portanto, salvo o devido respeito, o objecto é o mesmo, só não é todo o objecto peticionado.
Repare-se ainda que a referência, na condenação, à equiparação aos vencimentos auferidos pelos enfermeiros integrados na função pública não excede, antes se contém, no universo dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde ao qual se pretendia a equiparação e em consequência as diferenças e efeitos referidos em 8, 9 e 10 do petitório dos Autores, pois aqueles estão seguramente integrados no Sistema Nacional de Saúde. Significa isto que também por esta via, a sentença não condenou em objecto diverso do pedido.
Mas, a solução da sentença, ao determinar, na expressão dos recorrentes, a “redução proporcional dos vencimentos dos AA” viola os seus contratos, e “defrauda o valor que visava defender”, quando, por hipótese, a equiparação concreta leve a um abaixamento da retribuição. Pode também suceder que, regressadas as 40 horas semanais na função pública às 35 horas, a sentença crie nova desigualdade, e em todo o caso vai contribuir para a criação de um novo nível remuneratório no universo já diversificado de níveis remuneratórios para os enfermeiros. Pode, mas não foi isso que a sentença declarou. A sentença não condenou a Ré a baixar os salários, nem declarou que os AA. deviam ser novamente discriminados quando a função pública regressasse às 35 horas semanais, nem mesmo declarou criar mais um nível remuneratório. Quando assim fosse, a sentença teria realmente condenado em objecto diverso do pedido.
Na apreciação da nulidade de sentença apenas devemos considerar os exactos termos daquilo que foi decidido, declarado e condenado, e não as consequências da declaração ou da condenação. Estas podem conduzir à demonstração do errado fundamento da sentença e à necessidade de diferente solução final, sem dúvida, mas se o que foi declarado e condenado foi o que foi pedido, ainda que em menor proporção, não há condenação em objecto diverso do pedido.
Improcede assim a nulidade invocada.

2ª questão:
Por uma questão de ordem lógica, abordaremos conjuntamente a questão 2ª do recurso dos AA. e a questão 1ª do recurso da Ré, a fim de assim se fixar a matéria de facto e seguidamente ser possível abordar as questões de direito.

Pretendem os AA. que se considere provado que:
- estiveram no desempenho das suas funções durante mais de seis anos;
- o resultado do seu desempenho foi sempre, no mínimo, de “Satisfaz”.
- foram promovidos inúmeros enfermeiros que, à imagem dos AA., preencheram as condições legais exigidas.

Do facto provado relativamente às datas de admissão dos AA. (nº 17) há-de resultar a conclusão sobre se os AA. estiveram no desempenho das suas funções durante mais de seis anos, pelo que, por conclusivo, é desnecessário dar como provada a primeira pretensão dos recorrentes AA.

Quanto ao resultado do seu desempenho, tendo as partes prescindido de prova testemunhal, e estando apenas dado como provado o facto relativamente ao A. I…, é na prova documental, se não resultar imediatamente do acordo das partes nos articulados, e mais concretamente por via da declaração feita no início da audiência, que se irá perceber se idêntica afirmação pode ser feita quanto às demais Autoras.
Na petição inicial não foi concretamente alegado um facto com o teor “Os AA. têm avaliação de desempenho não inferior a Satisfaz” ou teor similar, o que foi alegado é que era requisito de provimento à categoria de Enfermeiro Graduado, segundo o DL 437/91, o desempenho de funções por um período de seis anos na categoria de enfermeiro com avaliação de desempenho de Satisfaz (artigo 20º da PI), para depois se concluir – artigo 21º - que por via desse normativo, deviam os AA. ter sido promovidos. Estamos perante uma alegação subentendida, e a verdade é que a Ré impugnou o teor dos artigos 20º e 21º da petição inicial, pese embora não tivesse especificamente dito que os AA. não tinham avaliação não inferior a Satisfaz ou que era por isto mesmo que não tinham sido promovidos. A Ré defendeu antes que o DL 437/91 não era aplicável aos AA.
Todavia, para podermos fazer funcionar o acordo nos articulados por via da não impugnação especificada, se não estamos em erro, é necessário que o facto seja alegado e não apenas que se subentenda, por razões lógicas. Por outro lado, a declaração de acordo feita no início da audiência está limitada às datas de admissão, vencimentos e horários, e também às funções, com excepção da questão de saber se estas respeitam a cuidados especializados, pelo que não pode, por esta via, considerar-se provado por acordo das partes que todos os AA. tinham avaliação de desempenho não inferior a Satisfaz.
Resta a prova documental, da qual as partes não prescindiram e a partir da análise da qual o tribunal poderia e deveria dar como provados mais factos, obviamente segundo as regras processuais que assim consentem, concretamente, se tal prova documental não tiver sido impugnada.
Os AA. juntaram com a PI as notas biográficas de B…, C…, D…, E… e I…, as quais não se mostram impugnadas pela Ré, mas apenas a de I… contém a referência à avaliação de desempenho que ficou provada no facto nº 19 supra.
Posteriormente, na documentação junta pela Ré em cumprimento da notificação do tribunal satisfazendo o requerimento dos AA., não existem notas biográficas, pois tal documentação refere-se ao registo individual de trabalho completo de cada um dos AA., e a restante pedida e não junta reporta-se à identificação de todo o pessoal de Enfermagem ao serviço da Ré, que foi promovido e sofreu reposicionamento remuneratório desde 1.1.2011.
Salvo o devido respeito, destes autos em concreto não consta – conforme relatório supra, qualquer aditamento aos pedidos, apenas um aperfeiçoamento – e não consta a junção com este de mais notas biográficas, ao contrário do que se afirma no corpo da alegação de recurso.
Entendemos assim, em conclusão, não há prova que permita satisfazer a segunda pretensão impugnatória dos recorrentes Autores.

Relativamente à pretensão de dar como provado que “foram promovidos inúmeros enfermeiros que, à imagem dos AA., preencheram as condições legais exigidas”, cumpre antes de mais dizer o seguinte: não é rigoroso afirmar que “as partes concordaram em dar como assente toda a factualidade alegada pelos autores”, como consta da motivação do tribunal e os recorrentes reproduzem, porque o acordo versou apenas, como referimos no relatório, sobre datas de admissão, vencimentos e horários, e funções, com excepção da questão de saber se estas respeitam a cuidados especializados.
Por esta razão, não se pode entender que a promoção de “inúmeros enfermeiros que, à imagem dos AA., preencheram as condições legais exigidas”, esteja provada por acordo.
De resto, nem sequer foi alegado que se tratava de inúmeros enfermeiros, antes, o que foi alegado foi (48º PI) que a Ré “discriminou objectivamente os Autores dos enfermeiros que sofreram essa promoção e reposicionamento”, (53º PI) “…os AA são discriminados em relação a enfermeiros que exercendo as mesmas funções especializadas, são classificados na mesma categoria, contudo, auferem uma remuneração superior da Ré”, referências e estilo de referências alegatórias que se repetem quer na PI quer na resposta à contestação.
Por outro lado, sendo definitivas as opções que as partes fazem na condução da respectiva estratégia processual, é irrelevante que houvesse prova testemunhal por enfermeiros que se encontravam justamente no caso de serem promovidos em discriminação face aos Autores, porque a prova testemunhal foi prescindida, e não podemos basear-nos nela nem supor nada a partir dela ou do facto de ter sido prescindida. Por isso também, que essa prova pudesse ter concretizado ou identificado a referência genérica a enfermeiros em igualdade de situação com os AA. mas que foram promovidos, individualizando tais enfermeiros, é uma consideração sem qualquer implicação na decisão que este tribunal possa tomar.
Finalmente, os recorrentes AA. invocam a inversão do ónus de prova em função da Ré não ter junto a documentação relativa a todos os enfermeiros que, ao contrário dos AA., promoveu, impossibilitando assim, por ser ela Ré a única detentora de tal informação, a prova aos AA. – na decorrência da disciplina dos artigos 430º e 417º nº 2 do CPC e do artigo 344º nº 2 do Código Civil.
Desde logo, salvo o devido respeito, os recorrentes contradizem-se, pois se a prova testemunhal era de enfermeiros na situação de desigualdade pretendida demonstrar, seria então por essa via possível demonstrá-la, o que implica que a Ré não era a única detentora da informação nem que a não junção da documentação tenha causado impossibilidade de prova – e de resto, cientes da não junção, aos Autores, à cautela, melhor teria aproveitado não prescindirem da prova testemunhal.
Mas a questão fundamental é que as referências contidas entre outros, nos artigos 48º e 53º da PI, são efectivamente genéricas, não constituindo senão uma conclusão que só pode retirar-se da identificação concreta dos enfermeiros em causa e da respectiva situação profissional concreta que, comparada com a dos AA., levasse à conclusão de discriminação destes. E enquanto referência genérica, não estamos propriamente em presença dum facto, mas duma conclusão que o tribunal não pode fazer constar da matéria de facto – artigo 607º do actual CPC – sendo que a disciplina jurídica da inversão do ónus de prova se refere à prova e não à alegação de factos, ou mais claramente, inverte-se o ónus de provar, mas não o de alegar.
Resta dizer, quanto ao argumento da natureza instrumental dos factos concretos em que assentaria a conclusão da existência de enfermeiros promovidos em discriminação face aos AA., que os elementos probatórios à disposição do tribunal recorrido, do acordo das partes à prova testemunhal e documental, foram, nesta matéria, nenhuns, pelo que não se entende como é que o tribunal recorrido poderia ter dado como provado qualquer facto relativo à existência de enfermeiros, nas mesmas condições dos AA., promovidos, além do que efectivamente deu como provado no facto nº 14, a saber, o reposicionamento remuneratório do pessoal de enfermagem que se enquadrava nas duas primeiras alíneas do nº 2 do art. 5º do DL 122/2010.
Improcede pois, na totalidade, a pretensão impugnatória da decisão sobre a matéria de facto invocada pelos recorrentes Autores.

Pretende a Ré que nos factos provados nº 7 e 8 apenas conste o que resulta dos contratos individuais de trabalho dos AA., e bem assim, que deva ser considerado provado o pagamento das verbas constantes dos recibos juntos pelos próprios AA., como é o caso dos incentivos.

Os factos “Os Autores exercem as funções e actos materiais, correspondentes à categoria de profissional de Enfermeiros (de nível 1)” e “Tendo sido classificados pela R. nessa categoria profissional”, constam da PI justamente sob os nºs 7 e 8, e foram impugnados na contestação. O teor da declaração produzida pelos i. mandatários das partes no início da audiência de discussão e julgamento, recorda-se, é “(…) os factos relativos à data de admissão, aos vencimentos, horários e funções dos Autores não estão controvertidos, pelo que se devem considerar como assentes nos termos alegados na petição inicial, com excepção no que vem alegado nos artigos 3º e 35º da PI e que as partes acordam em clarificar que as funções desempenhadas pelos Autores são apenas as de enfermagem de acordo com os respectivos contratos de trabalho”. Aparentemente, portanto, se está assente o que foi alegado na PI excepto 3º e 35º, os factos estariam provados por acordo.
Porém, no artigo 3º da PI alegou-se que “Os AA. foram admitidos ao serviço da Ré, para prestarem cuidados especializados de enfermagem” e no artigo 35º alegou-se que “Aos AA. foi atribuída categoria profissional de nível I carreira de enfermagem, cuja remuneração foi indexada ao escalão 1, índice 15 da tabela de vencimentos do regime geral da função pública, com o nível remuneratório, a que se refere a citada alínea b), no montante de €1.201,48”.
Ora, estando fora de causa que a dissidência entre as partes é manifesta quanto à indexação alegada pelos AA. e negada pela Ré a partir da interpretação da respectiva cláusula contratual, estando fora de causa, isto é, fora de acordo, por via da declaração em audiência, a questão da prestação de cuidados especializados de saúde, a verdade é que a declaração não se refere à questão da categorização dos Autores – saber se a Ré os classificou como enfermeiros de nível 1 – e por isso não temos o facto nº 8 provado por acordo, ao contrário do que menciona a decisão do tribunal recorrido. E quanto às funções desempenhadas, vale o que consta reconhecido por acordo na mesma declaração, isto é, “são apenas as de enfermagem de acordo com os respectivos contratos de trabalho”.
Portanto, quanto aos factos 7 – exercício das funções e actos materiais correspondentes à categoria de enfermeiro (nível 1) e 8 – tendo assim que a Ré os categorizou – há que ir, como bem refere a Ré, por via da declaração em audiência, aos contratos. Mas há que ir também aos contratos porque importa perceber se a prova documental em que eles consistem nos permite manter a decisão quanto aos factos 7 e 8.
Ora, o que está escrito nos contratos das AA. C…, D…, E…, F…, G… e H…, é que foram admitidas para exercer as funções inerentes ao conteúdo funcional da categoria de “Enfermeiro(a) de Nível 1”. Exercer o conteúdo funcional da categoria ou exercer as funções e actos materiais inerentes à categoria profissional é o mesmo, e a atribuição de categoria ou categorização pela Ré resulta obviamente dos contratos, e por isso e por via quer dos contratos quer da declaração no início da audiência, no que toca a estas Autoras, deve manter-se a decisão de facto contida nos números 7 e 8 da matéria de facto.
Porém, no que toca à A. B…, no respectivo contrato junto a fls. 30 dos autos - que é o último contrato que celebrou, desta feita por tempo indeterminado, em 31.3.2010[2] - a expressão usada é exercício “das funções inerentes à categoria profissional de “Enfermeira”.
No que toca ao A. I…, não consta dos autos, nem no suporte papel nem do histórico electrónico, o respectivo contrato de trabalho, que possivelmente corresponde ao “1 documento (contrato)” protestado juntar na PI, no prazo de cinco dias, e que não foi junto.
Todavia, a Ré não impugnou a decisão sobre a matéria de facto no que diz respeito ao facto provado nº 2, al. h), onde resulta que, de acordo com o contrato de trabalho de I…, este foi admitido como Enfermeiro de Nível 1, naturalmente para exercer as funções da respectiva categoria, e naturalmente por categorização atribuída pela Ré.

Deste modo, apenas quanto à Autora B… procede parcialmente a impugnação, devendo então alterar-se a decisão da matéria de facto provada, quanto ao número 7, para “Os 2º a 8º AA., exercem as funções e actos materiais correspondentes à categoria de profissional de Enfermeiros (de nível 1), e a 1ª A. exerce as funções e actos materiais correspondentes à categoria de Enfermeira”.

Quanto à segunda pretensão da recorrente Ré na impugnação da decisão da matéria de facto, no sentido de ser considerado provado o pagamento de verbas constantes dos recibos de vencimento dos AA., como é o caso de incentivos, não só não estamos em presença duma correcta impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 640º do CPC, pois que não vêm identificadas com precisão todas as verbas pretendidas nem são individualizados, por referência aos autos, quais os recibos donde tais verbas constam, como, mais relevantemente, a declaração de acordo constante do início da audiência cobre a questão dos vencimentos, dando-a como provada, sendo pois irrelevante se além da retribuição base os AA. receberam outros valores, até porque a comparação remuneratória que interessa à solução das questões de direito dos autos se faz apenas com referência à retribuições base dos AA. e aos vencimentos base das tabelas que se aplicaram em cumprimento de reposicionamento remuneratório, ou ainda dos valores contratuais de outros trabalhadores com contrato individual de trabalho, que, porém, ignorados nos autos, são indiferentes para a resolução da questão, tornando desnecessária qualquer precisão. De resto, a Ré na contestação não invocou a composição dos vencimentos como factor de comparação para a questão da discriminação salarial, apresentando-se esta questão como nova e portanto insusceptível de conhecimento pelo tribunal de recurso – artigo 627º nº 1 do CPC – pelo que a consignação de tal matéria de facto se revelaria, salvo melhor opinião, inútil.
Improcede pois esta pretensão, e procede apenas parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, feita pela Ré, ao nº 7 dos factos provados.

3ª questão:
Importa aqui saber:
a) - se os Autores tinham direito a ser promovidos a enfermeiros graduados e a receber as consequentes diferenças salariais para o período 2010 a 2012;
b) - se os Autores deviam ter sido reposicionados nos termos do DL 122/2010, por força da indexação constante dos seus contratos;
c) - se os Autores deviam ter sido reposicionados ou equiparados (esta expressão procedendo da correcção dum factor de desigualdade) em função de discriminação, quer em relação aos seus colegas a quem se aplicava directamente o DL 122/2010, quer em relação aos seus colegas com contrato de trabalho individual.
d) - e finalmente, se esta reposição ou equiparação devia ter sido total.

Repare-se que a resposta negativa às sub-questões b) e c), responde à 3ª questão do recurso da Ré, questão essencial, que prejudica o conhecimento da 2ª e da 4ª questões do mesmo recurso, tendo a 1ª já sido abordada, e por isso tal eventual resposta negativa determinará o esgotamento do conhecimento de ambos os recursos.

a) Não há dúvida, quanto à absolvição do pedido de condenação na classificação como enfermeiros graduados e consequentes diferenças salariais, que nenhuma das AA. demonstrou estar de posse da classificação não inferior a “Satisfaz”, que o invocado DL 437/91 exigia - e portanto, quanto a elas, e por via da disciplina probatória constante do artigo 342º nº 1 do Código Civil, o pedido de reclassificação (para enfermeiras graduadas, desde 2010 a 2012) necessariamente improcede, devendo manter-se a sentença recorrida nessa parte.
Apenas o A. I… conseguiu fazer essa prova, bem como a de que prestou funções na categoria de enfermeiro nível 1 durante mais de seis anos.
A sentença recorrida negou porém o direito à reclassificação como graduado por desconhecer se os critérios da avaliação eram os mesmos que vigoravam na função pública, seguindo a defesa da Ré neste sentido.
Porém, neste aspecto, sem razão: o que o diploma exige é a classificação, a classificação foi obtida ou concedida, não podemos negá-la.
Terá então o A. I… direito a ser classificado como enfermeiro graduado?
Este A. foi admitido em 1.5.2004 e completou seis anos de serviço em 1.5.2010.
Porém, o DL 437/91, de 8 de Novembro foi revogado pelo DL 248/2009, de 22 de Setembro (art. 28º), que veio estabelecer um novo regime da carreira especial de enfermagem, diploma que entrou em vigor a 23 de Setembro (artigo 29º do mesmo), antes portanto do A. I… ter completado os seis anos que aquele diploma estabelecia como requisito de promoção a enfermeiro graduado.
Para os enfermeiros do SNS, deixou de existir a categoria de enfermeiro graduado, passando a carreira especial de enfermagem a desenvolver-se por duas outras categorias, enfermeiro e enfermeiro principal, por via do art. 7º, nº 1, do mencionado DL 248/2009, de 22 de Setembro. Porém, na mesma data foi publicado o DL 247/2009, que veio definir o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, o qual veio determinar, para os contratos individuais de trabalho, no nº 1 do seu art. 7º, que a carreira de enfermagem se estrutura nas seguintes categorias: a) Enfermeiro; b) Enfermeiro principal.
Simplesmente, por força do seu artigo 11º, nº 3, a admissão à categoria de enfermeiro principal exige, cumulativamente, a detenção do título de enfermeiro especialista, atribuído pela Ordem dos Enfermeiros, e um mínimo de cinco anos de experiência efectiva no exercício da profissão, sendo ainda o recrutamento para os postos de trabalho sujeitos ao regime do Código do Trabalho, correspondentes à carreira de enfermagem, incluindo mudança de categoria, é feito mediante processo de selecção, conforme disposto no art. 12º, nº 1. Ou seja, a progressão deixou de ocorrer automaticamente, passando a depender de concurso, tal como passou a ocorrer para os enfermeiros do SNS, conforme resulta do art. 13º, nº 1, do DL 248/2009.
Ora, mesmo que se considerasse a prevalência da liberdade contratual segundo a cláusula que previa a progressão indexada ao regime geral da função pública, sobre as alterações legislativas subsequentes, ou seja, mesmo que se entendesse que não era aplicável o DL 247/2009 – e os AA. e recorrentes não deixam de reclamar a sua aplicabilidade – a indexação clausulada remetia para o DL 248/2009 que também já não previa (referido artigo 13º nº 1), à data em que o A. I… supostamente teria adquirido os requisitos de progressão, a progressão automática.
Assim, nem o A. I… tem direito à reclassificação como enfermeiro graduado, devendo manter-se, ainda que por razões distintas, a sentença absolutória nesta parte.

b) Os termos contratuais dos Autores, no que diz respeito a salário, não autorizam, como aliás a sentença bem analisou, uma interpretação que afirme uma indexação do salário ao regime aplicável aos enfermeiros em funções públicas.
O teor da cláusula 4ª nº 2 dos contratos de trabalho dos autores, ao mencionar que “A remuneração base definida no número anterior será actualizada em função do aumento percentual que vigorar, em cada momento, para o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Sistema Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República”, é particularmente clara no sentido de que os aumentos/actualizações da retribuição acordada entre as partes no nº 1 da mesma cláusula 4ª, serão feitos na mesma percentagem que for aplicada, para idêntico nível categorial de enfermeiros, em cada momento, na função pública. A indexação é pois ao percentual de aumento, mas não ao salário. Nem se compreenderia que assim fosse, quando as partes convencionaram expressamente o valor do salário, não se limitando a remeter para os termos da tabela de vencimentos da função pública.
Essa clareza não é diminuída pela consagração, na cláusula 6ª dos contratos, duma remissão para o regime de promoção e progressão profissional dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde. Aqui podemos ver uma verdadeira indexação, mas trata-se, contratualmente, de cláusulas distintas, e ainda que ambas com possíveis efeitos remuneratórios, o seu campo de incidência é bem delimitado e é diverso.
Portanto, nos termos literais do contrato, quer da cláusula 4ª quer duma análise sistemática e global do contrato, e na ausência de qualquer outro facto que nos elucide sobre a vontade das partes, não podemos afirmar a referida indexação salarial, mas apenas a convenção de aplicação do mesmo percentual de aumento, em cada momento, quer este momento coincida com um marco temporal definido, quer com o tempo duma alteração de regime.
A este propósito, também não resulta que a revisão dos níveis e posições remuneratórias feita pelo DL 122/2010 tenha produzido uma percentagem de aumento dos salários dos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas que devesse ser também aplicada, por via da referida cláusula contratual, aos Autores, pois que conforme resulta do disposto no art. 104º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, aplicável por via do art. 5º, nº 1, daquele DL 122/2010, do reposicionamento remuneratório não resulta necessariamente um aumento do vencimento.[3]
Os Autores não peticionaram a condenação da Ré em quaisquer percentagens de aumento, antes na diferença entre o valor de salário contratado e o valor de salário que teriam se tivessem sido reposicionados a partir de 2012. Por isso, e pelo exposto, há-de confirmar-se a sentença quando negou o reposicionamento remuneratório por esta via.

c) Não tendo procedido a alteração pretendida quanto à decisão da matéria de facto, não há qualquer facto provado relativamente a existência de enfermeiros que prestem serviço de idêntica natureza, qualidade e quantidade e que sejam remunerados de modo mais favorável que os Autores. De resto, como se sabe, os factos relativos à identificação dos trabalhadores comparáveis em caso de discriminação, têm de ser alegados por quem invoca a discriminação, nos termos do artigo 25º nº 5 do Código do Trabalho, e nem isso concretamente foi feito e mesmo que pudesse ser suprido pela tese da instrumentalidade factual, o facto é que não o foi, por ter sido prescindida a prova testemunhal.
Portanto, relativamente a estes outros enfermeiros com contrato individual de trabalho e que por trabalharem 35 horas semanais, estariam nas mesmas condições que os Autores, cuja prova de discriminação levaria afinal à falta de fundamento da alegada redução proporcional da equiparação/retribuição, e por isso à revogação da sentença nessa parte, nada ficando provado, não podemos afirmar qualquer discriminação ou violação do princípio da igualdade retributiva.
Resta saber se, por via dos factos nº 14 e 15, sobre a Ré ter procedido ao reposicionamento remuneratório do pessoal de enfermagem que se enquadrava nas duas primeiras alíneas do nº 2 do art. 5º do DL 122/2010 e não o ter feito em relação aos Autores, encontramos a referida discriminação ou violação do princípio da igualdade.
Sendo claro que trabalho igual também passa pela quantidade do trabalho, é manifesto que o tempo de trabalho não é igual, pois os Autores trabalham 35 horas semanais, contra as 40 horas semanais dos enfermeiros a que se aplica o DL 248/2009, a propósito dos quais foi publicado o DL 122/2010.
O que não é claro é que exista igualdade até às 35 horas, para determinar a solução que a sentença recorrida adoptou. Aliás, recorde-se, a sentença partiu do pressuposto de que estava provado por acordo que o trabalho era de idêntica natureza e qualidade, e não há factos provados para isso.
De facto, o legislador criou dois regimes no que respeita aos recursos humanos na área da saúde, em concreto, na enfermagem, seja o DL 248/2009 e o DL 247/2009.
No preâmbulo deste último lê-se: “No âmbito da reformulação do regime de carreiras da Administração Pública, criou-se um patamar de referência para as carreiras dos profissionais de saúde a exercer em entidades públicas empresariais no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que adquire, neste contexto, particular importância a intenção de se replicar o modelo no sector empresarial do Estado.
Efectivamente, a padronização e a identidade de critérios de organização e valorização de recursos humanos contribuem para a circularidade do sistema e sustentam o reconhecimento mútuo da qualificação, independentemente do local de trabalho e da natureza jurídica da relação de emprego.
Para alcançar este desiderato, torna-se imperativo alterar, em conformidade, o regime de pessoal das entidades públicas empresariais no domínio do SNS para todos os profissionais de saúde. Cumpre, a este propósito, referir que a presente alteração não condiciona a aplicação do Código do Trabalho nem a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação colectiva.
Em síntese, através do presente decreto-lei, o Governo pretende garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica, o que possibilita também a mobilidade interinstitucional, com harmonização de direitos e deveres, sem subverter a autonomia de gestão do sector empresarial do Estado”.
Assumindo pois o legislador o propósito de replicar, para os enfermeiros com contrato individual de trabalho, o modelo dos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, em vista da padronização e identidade de critérios de organização e valorização de recursos humanos que contribuem para a circularidade do sistema, garantias para as pessoas dos trabalhadores que integram esses recursos e do mesmo passo garantias de qualidade do sistema para os utentes, e portanto do cumprimento estatal dos imperativos constitucionais relacionados com a saúde pública, a verdade é que, como do mesmo preâmbulo consta, “Iniciado, em 2002, um processo de reforma da gestão hospitalar mediante o aprofundamento das formas de natureza empresarial e de gestão de recursos humanos, com a alteração da natureza jurídica dos hospitais para sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, determinou-se, posteriormente, em finais de 2005, a transformação das referidas unidades de saúde em entidades públicas empresariais.
No que concerne aos recursos humanos, tem-se revelado como linha condutora dos regimes do sector empresarial do Estado, sucessivamente aprovados, em 1999 e 2007, fazer aplicar, aos respectivos trabalhadores, o Código do Trabalho, enquanto sede legal do respectivo estatuto de pessoal”. Quer isto dizer que o legislador entendeu reformar a gestão hospitalar mediante a criação de entidades públicas empresarias, dominadas por princípios de gestão empresarial, aos quais interessa que a fonte do estatuto legal do respectivo pessoal seja o Código do Trabalho, com as adaptações necessárias por via da garantia de qualidade do serviço que o legislador consagra neste DL 247/2009, mas sem prescindir dum aspecto essencial da legislação laboral, que é precisamente a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação colectiva, lugar onde também se joga a autonomia de gestão empresarial, autonomia esta que o legislador fez questão de sublinhar que não é subvertida pelas disposições que visam a harmonização e dignificação, mais a circularidade, dos trabalhadores públicos e privados da carreira de enfermagem. Em palavras sintéticas: o legislador quis expressamente criar dois regimes distintos, parificando as carreiras mas só até ao ponto em que, ressalvando outras virtualidades da gestão empresarial, mas concretamente em matéria retributiva, por via do artigo 13º do DL 247/2009, lhe interessou remeter para modelos de gestão empresarial, susceptíveis de negociar valores mais rentáveis em sede de negociação colectiva, ou de, como as partes reconhecem, tais valores serem negociados por contrato individual, na ausência, até ao momento, de publicação de qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Em síntese, o legislador quis mesmo criar regimes diferentes, não sendo evidente que deles resulte directamente uma discriminação ou desigualdade em matéria retributiva – tal depende do insucesso ou da força da negociação colectiva no caso dos trabalhadores com contrato individual de trabalho – e mesmo que assim não fosse, o certo é que nestes autos não vem suscitada, pelos Autores, a questão da inconstitucionalidade do DL 247/2009, que expressamente reconhecem que lhes é aplicável.
Concluindo, não é também por esta via de discriminação face aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas que se pode defender o direito ao reposicionamento ou equiparação salarial.

Nestes termos, improcedem as sub-questões b) e c), pelo contrário procedendo a questão 3ª do recurso da Ré, e fica prejudicado o conhecimento da sub-questão d) e o conhecimento das questões 2ª e 4ª do recurso da Ré. Em suma, improcede o recurso dos AA. e procede o recurso da Ré.
Tendo decaído em ambos os recursos, e na acção, são os Autores responsáveis pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso dos Autores e conceder provimento ao recurso da Ré, e em consequência revogam a sentença recorrida, absolvendo a Ré de todos os pedidos contra ela formulados pelos Autores.
Custas pelos Autores.

Porto, 20.06.2016
Eduardo Petersen Silva
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
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[1] Alterada a redacção, pelas razões infra, para “Os 2º a 8º AA., exercem as funções e actos materiais correspondentes à categoria de profissional de Enfermeiros (de nível 1), e a 1ª A. exerce as funções e actos materiais correspondentes à categoria de Enfermeira”.
[2] Sendo certo que a antiguidade que lhe é reconhecida na nota biográfica datada de 29.1.2014, é de seis anos, seis meses e vinte e dois dias de tempo efectivo de serviço na carreira e na categoria, o que significa que celebrou contratos anteriores, e que podiam conter menção diversa, mas de facto inexistem nos autos e a nota biográfica não o refere.
[3] Estipula o aludido art. 104º, no seu nº 1, que “Na transição para as novas carreira e categoria, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que actualmente têm direito...”
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Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do CPC:
I. Pedida uma equiparação retributiva, quer por força do contrato quer por força de discriminação salarial, e concedida tal equiparação mas apenas até à proporção de tempo de trabalho praticado por aqueles face aos quais os peticionantes invocavam tal equiparação, não ocorre nulidade de sentença por condenação além do pedido ou em objecto diverso do pedido.
II. Não pode interpretar-se como um indexação do salário ao regime salarial dos enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde, a cláusula de contrato individual de trabalho que literalmente determina a actualização do salário expressamente acordado, na percentagem de aumento que se verifique, em cada momento, para os enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde.
III. Compete a quem invoca discriminação a alegação da identificação concreta daqueles face aos quais se sente discriminado.
IV. Não resulta directamente do facto dos enfermeiros abrangidos pelo DL 248/2009 terem sido reposicionados nos termos do DL 122/2010 uma discriminação face a enfermeiros com contrato individual de trabalho que não tenham sido reposicionados nos mesmos moldes, uma vez que os regimes legais aplicáveis a enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas e com contrato de trabalho individual, embora muito harmonizados, ressalvam, pelo menos, e em matéria retributiva, a diversidade que vem da autonomia de gestão consagrada pela opção por um modelo empresarial das unidades de saúde.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).