Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
325/21.1T8MLD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DA LUZ SEABRA
Descritores: COMPRA E VENDA
BENS DEFEITUOSOS
EQUIDADE
DANOS FUTUROS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20230418325/21.1T8MLD.P1
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No regime da compra e venda de bens defeituosos, os vendedores podem-se eximir à sua responsabilidade caso demonstrem uma das seguintes hipóteses:
- que os compradores conheciam o defeito e mesmo assim aceitaram comprar aquele imóvel;
- que eles próprios desconheciam, sem culpa, o defeito (art. 914º do CC).
II - O vendedor responde perante o comprador pela falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, sendo-lhe exigível que vistorie previamente o bem que vai vender de forma a assegurar-se que não padece de defeitos, sob pena de por eles vir a ser responsabilizado.
III. As hipóteses previstas no art. 566º nº 3 do CC- que remete para a equidade, quando não seja possível averiguar o valor exato dos danos- são distintas daquelas em que os danos são futuros e a fixação da indemnização é relegada para momento ulterior conforme previsto no art. 564º nº 2 do CC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 325/21.1T8MLD.P1- APELAÇÃO
Origem: Juizo de Competência Genérica da Mealhada
Recorrentes: AA
BB
Recorrida: CC
DD
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. CC e DD intentaram acção declarativa de condenação, a correr termos sob processo comum contra AA e BB, tendo peticionado a condenação dos RR a:
a) Reconhecerem que os AA são donos e legítimos possuidores da fração autónoma D, destinada a habitação, correspondente ao terceiro andar do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., na vila e freguesia ..., concelho de Mealhada, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Mealhada sob o nº ...... e inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...;
b) A pagarem todas as reparações que é necessário efectuar com referência às partes comuns do prédio e na proporção da permilagem atribuída à fração autónoma D (165), as quais consistem em comparticiparem no custo de todas as despesas que sejam imputadas à fração D para eliminação dos defeitos (anomalias) estruturais do prédio, supra elencadas, no sentido de ser assegurada a estabilidade, a segurança e as condições de habitabilidade do prédio, permitindo a sua reocupação para o fim a que se destina, em montante a liquidar em execução de sentença;
c)A indemnizarem os AA no montante de €617,98 (seiscentos e dezassete euros e noventa oito cêntimos), a título de comparticipação a pagar pelos AA nas obras de escoramento efectuadas, como supra se descreve nos artigos 61º e 62º do petitório;
d) A indemnizarem os AA no montante de €1.418,69 (mil quatrocentos e dezoito euros e sessenta e nove cêntimos), pagos a título de renda devida pelo locado no lugar de ..., ..., em virtude da desocupação a que foram obrigados, devendo os RR ser igualmente condenados a pagar aos AA todas as rendas que os mesmos vierem a ter de suportar, com referência ao contrato de arrendamento celebrado nos anos subsequentes, sendo a prestação mensal, durante o ano de 2022, de €245,92 (duzentos e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos), em montante a liquidar em execução de sentença;
e) A indemnizarem cada um dos AA, a título de danos não patrimoniais, na quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) como supra se especificou;
f) a pagarem todas as quantias reclamadas, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Como fundamento da referida pretensão, os Autores alegaram, em síntese que, compraram aos RR o imóvel identificado nos autos, em 13/2/2020 depois de terem visitado a fração autónoma por duas vezes e a placa de cobertura do prédio constituído em propriedade horizontal, acompanhados pelos representantes da imobiliária interveniente no negócio, que os demoveram de descer pelas escadas de serviço (escadas de incêndio) na direcção do logradouro do prédio, sito nas traseiras, pelo que, apenas algum tempo depois de lá passarem a residir, ao visitarem o logradouro do imóvel ficaram surpreendidos com o estado das escadas de serviço, que se desenvolvem desde o solo até à cobertura do imóvel, sendo patentes anomalias graves existentes num pilar da fachada posterior que serve de suporte às escadas exteriores, com desaprumo e deformação da geometria, com corrosão profunda de armaduras em áreas significativas e com destacamento do betão de recobrimento, com perdas na capacidade de resistência e claro comprometimento da estrutura.
Entretanto, a cabeça de casal das heranças das quais fazem parte as demais frações do referido imóvel, por ser conhecedora das anomalias estruturais do prédio, ao saber que os AA haviam ido residir para o mesmo, fez uma intervenção urgente para reforçar a estrutura das escadas e da fachada posterior, visando prevenir eventuais danos, tendo os AA decidido participar a situação em que se encontrava o imóvel aos serviços da proteção civil da CM da Mealhada, que após terem efectuado uma vistoria técnica ao imóvel, concluíram que perante tais anomalias, não estavam reunidas as condições de segurança e habitabilidade da fração e ordenaram a sua desocupação imediata, condicionando a futura ocupação do edifício à concretização de obras de reabilitação estrutural da fachada posterior e cobertura, tendo os AA sido obrigados a desocupar imediatamente a fração adquirida com efeitos desde Dezembro de 2020, estando a morar numa habitação arrendada pela qual pagam a renda de €109,13.
Mais alegaram os AA que desconheciam em absoluto a situação degradada e anómala em que se encontrava o imóvel à data da celebração da escritura de compra e venda, não foram informados daquelas anomalias estruturais do prédio, as quais já existiam muito antes daquela escritura, sendo do conhecimento dos RR, os quais actuaram de forma dolosa, ocultando de forma deliberada tais defeitos e que todos os condóminos haviam algum tempo antes acordado não efectuar obras de conservação uma vez que o prédio estava devoluto e pretendiam coloca-lo à venda no seu todo, tendo sido efectuada a denúncia de tais defeitos aos RR e exigida a reparação através da comparticipação no custo das obras a efectuar nas partes comuns na parte proporcional à área ocupada pela fração vendida aos AA, responsabilidade que os RR declinaram, pretendendo os AA ser indemnizados pelos danos positivos sofridos reportados ao custo da sua parte nas obras a efectuar e nas já efectuadas nas zonas comuns, as rendas por eles suportadas e compensação por danos não patrimoniais.

2. Os Réus deduziram contestação, suscitando a excepção da caducidade de exercício do direito de acção, impugnando também os factos alegados pelos Autores, alegando designadamente que apenas conheceram os AA no dia da escritura de compra e venda e que o negócio foi intermediado por imobiliária, sabendo os RR que os AA visitaram o imóvel 4 vezes e que nunca lhes foi vedado o acesso a qualquer zona da fração ou das partes comuns, podendo examinar tanto a fração como o imóvel onde a mesma se inseria, sendo a situação degradada e anómala, a existir, do perfeito e total conhecimento dos AA na medida em que esta era visível a olho nu e observável por qualquer pessoa que visitasse aquele espaço, tendo agido de forma negligente, refectindo o preço da venda o exacto estado do imóvel, que apresentava alguns problemas devidamente transmitidos aos AA, não tendo os RR conhecimento da dimensão deles, estando convictos de que, apesar de as partes comuns precisarem de algumas obras de conservação reunia as condições necessárias para ser habitado, não tendo agido com culpa, assim como não lograram os AA demonstrar que a aparente falta de qualidade existia já à data em que adquiriram o imóvel.
Peticionaram, ainda, a condenação dos Autores como litigantes de má-fé, no pagamento de uma multa e de uma indemnização em montante a fixar pelo tribunal, segundo critérios de equidade.

3. Os Autores exerceram o contraditório, por escrito, relativamente à matéria de excepção e litigância de má-fé, suscitadas na oposição, concluindo como na PI e peticionando a sua absolvição do pedido de condenação em litigância de má-fé.

4. Dispensada a realização da audiência prévia, veio a ser proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção da caducidade, sem fixação do objecto do litígio e temas de prova, que não mereceu reclamações.

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se a ação procedente, e, em consequência:
1.Reconhece-se que os Autores são donos e legítimos possuidores da fração autónoma D, destinada a habitação, correspondente ao terceiro andar do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., na vila e freguesia ..., concelho de Mealhada, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Mealhada sob o n.º ...... e inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ....
2. Condenam-se os Réus a pagarem todas as reparações que é necessário efetuar com referência às partes comuns do prédio e na proporção da permilagem atribuída à fração autónoma D (165), as quais consistem em comparticiparem no custo de todas as despesas que sejam imputadas à fração D para eliminação dos defeitos (anomalias) estruturais do prédio, supra elencados, no sentido de ser assegurada a estabilidade, a segurança e as condições de habitabilidade do prédio, permitindo a sua reocupação para o fim a que se destina, em montante a liquidar em execução de sentença.
3. Condenam-se os Réus a indemnizarem os Autores no montante de 617,98 € (seiscentos e dezassete euros e noventa oito cêntimos), a título de comparticipação a pagar pelos Autores nas obras de escoramento efetuadas, acrescida do montante devido a título de juros contados desde a citação até integral pagamento.
4. Condenam-se os Réus a indemnizarem os Autores no montante de 1.418, 69€, pagos a título de renda devida pelo locado no lugar de ..., ..., em virtude da desocupação a que foram obrigados, acrescida do montante devido a título de juros contados desde a citação até integral pagamento.
5. Condenam-se os Réus a pagar aos Autores todas as rendas que os mesmos vierem a ter de suportar, com referência ao contrato de arrendamento celebrado nos anos subsequentes, sendo a prestação mensal, durante o ano de 2022, de 245,92 € (duzentos e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos), em montante a liquidar em execução de sentença.
6. Condenam-se os Réus a indemnizarem cada um dos Autores, a título de danos não patrimoniais, na quantia de 1.500,00 €, acrescida do montante devido a título de juros contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento.
Julga-se improcedente o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má fé e, em consequência, dele vão absolvidos os Autores.
Custas a cargo dos Réus. Registe e notifique.”

6. Inconformados, os Réus/Apelantes interpuseram recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1. Afigura-se errada a a decisão tomada pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto provada, desde logo quanto ao ponto 9, onde se conclui que “[o] Autor não concretizou o propósito de descer pelas escadas de serviço (escadas de incêndio), na direção do logradouro do prédio, sito nas traseiras, uma vez que os representantes da imobiliária, os identificados EE e FF, o demoveram dessa ideia, dizendo-lhe que não valia a pena descer as escadas, desviando os Autores para a vistoria de outras divisões e que deviam antes continuar a discutir o preço e as condições da possível transação”.
2. Na verdade, resulta, desde logo, claro do depoimento das testemunhas EE (Gravação 20220505142440_4117865_2870304 – minuto 01:20-03:25) e FF (Gravação 20220505144503_4117865_2870304, minuto 02:48-04:48) e que os Recorridos tiveram total liberdade para explorar o prédio onde se insere a fracção vendida;
3. Na verdade, as sobreditas testemunhas afirmam, sem qualquer contradição, que os Recorridos estiveram várias vezes na fracção, onde ficaram sozinhos, podendo, portanto, ver o que lhes aprouvesse, no que se incluem as escadas posteriores do prédio, mais afirmando que os Recorridos viram mesmo essas escadas e que não fizeram, quanto a elas, qualquer observação ou reparo;
4. O Tribunal a quo assenta o juízo que faz sobre este facto nas declarações de parte prestadas pelo Autor, sendo que, como é sabido, as declarações de parte devem ser valoradas autonomamente, mas de forma integrada com os demais meios de prova;
5. No entanto, o que mais há relativamente a esta questão é o titubeante depoimento da mãe da Recorrida e sogra do Recorrido – GG (Gravação 20220505110124_4117865_ 2870304, minuto 04:45-05:25) - que afirma que, quando saíam da fracção, começou a descer as escadas e que lhe disseram que “não era por ali”, mais concretamente, e como resulta da sentença recorrida, “porque tinha estado a chover”.
6. A testemunha que “não queria ver nada” e que se preparava para descer as escadas, não com o intuito de ver o que quer que fosse, mas apenas para chegar ao piso térreo, foi desaconselhada a descer essas mesmas escadas por ter estado a chover, pelo que não se percebe como pode a sentença recorrida considerar, apenas com base neste depoimento – de que não se retira absolutamente nada - e nas declarações de parte do Autor, que os sobreditos EE e FF, em conluio com os Recorrentes, impediram os Recorridos de observar o estado em que as ditas escadas se encontravam, com o fito de lhes venderem gato por lebre.
7. Não pode perder-se de vista que, como decorre dos factos provados, o Recorrido, após visita ao imóvel, considerou que este “...estava em razoável estado de conservação, necessitando apenas de uma pintura e de alguns retoques em algumas das divisões, encontrando-se a cobertura do imóvel em bom estado, graças à sua recente impermeabilização”, e que “[j]á no interior da fração, debruçando-se [...] da varanda para toda a extensão do prédio até ao solo, não detetou fissuras ou deformações que justificassem cuidado de maior”;
8. Mais, foi o Recorrido, que, ficando agradado com o interior do 3.º D e concluindo que as divisões do mesmo e a placa de cobertura aparentavam estar em boas condições, deixa decorrer algumas semanas, aguardando pelo período mais intenso das chuvas, para avaliar da boa qualidade do interior do prédio e concluir se havia humidades ou infiltração de água;
9. Não é, pois, crível que este Recorrido, que teve tantos cuidados na compra do imóvel e que aguardou até pelo período mais intenso das chuvas para se inteirar de possíveis infiltrações, não tenha visto a parte posterior do prédio e, mais do que isso, que tenha deixado que o dissuadissem de a ver;
10. Se, no momento das visitas, os Recorridos tivessem já considerado dúbio e pouco transparente o comportamento e postura dos agentes imobiliários, como vieram depois alegar, não se compreende como não questionaram a situação desde logo, não se entende porque não insistiram em analisar melhor aspartesque, a seu ver, ficarampor analisar, ouaté por quemotivo, no limite, celebraram o contrato.
11. No âmbito do processo de concessão do crédito bancário aos Recorridos para a compra da fração em causa, foi realizada uma avaliação do imóvel pela “A..., Lda.”, de cujo relatório – junto aos autos (referência CITIUS: 41770154), podem retirar-se duas conclusões: (i) por um lado, quanto ao “Estado Atual do Bem”, constata-se que os técnicos responsáveis pela avaliação, no dia 21-01-2020, ou seja, apenas um mês antes da celebração da compra e venda, classificaram o estado de conservação do imóvel como “razoável”;ii) por outro lado, o valor comercial atribuído à fracção é de 57.000,00 € (cinquenta e sete mil euros), valor claramente superior ao preço de 52.500,00 € (cinquenta e dois mil e quinhentos euros) acordado e pago pelos Recorridos;
12. Se uma entidade como a “A..., Lda.”, ao avaliar o imóvel, entende que estese encontra em estado de conservação razoável, atribuindo-lhe um valor de mercado até superior ao valor pelo qual foi realizado o negócio, tanto que o banco não só aprova o crédito como constitui sobre este bem uma hipoteca, não se percebe como pode exigir-se que os consultores imobiliários tenham uma opinião diferente quanto ao estado do mesmo imóvel;
13. Não faz qualquer sentido, aliás, seja em face do relatório de avaliação, seja em face do que decorre do Anexo ao Decreto-Lei n.º 153/2015, de 14 de Setembro, que se considere – como se faz na sentença recorrida – que na dita avaliação apenas se considerou a fracção, a parte da frente do imóvel e a placa, sendo completamente omissa a parte posterior do imóvel, tanto mais que não se percebe como pode uma avaliação a um imóvel cingir-se apenas a partes de um edifício – placa, fachada e fracção - e não a todo ele;
14. É, aliás, manifesto que o tribunal a quo, estribado na postura do Recorrido na audiência de julgamento, valora apenas as declarações de parte prestadas por este, desconsiderando, em absoluto, toda a demais prova que foi produzida em sentido contrário e, mais do que isso, factualidade que demonstra que aquele teve assinalável cautela antes de avançar com a compra e que torna, no mínimo, duvidosa a afirmação de que não viu as escadas posteriores do prédio por o terem dissuadido de as ver;
15. Erra, pois, a sentença recorrida ao dar como assente o ponto 9 dos factos provados, porquanto inexistem no processo elementos que possam conduzir a tal conclusão, antes devendo levar-se aos factos não provados que: “[o] Autor não concretizou o propósito de descer pelas escadas de serviço (escadas de incêndio), na direção do logradouro do prédio, sito nas traseiras, uma vez que os representantes da imobiliária, os identificados EE e FF, o demoveram dessa ideia, dizendo-lhe que não valia a pena descer as escadas, desviando os Autores para a vistoria de outras divisões e que deviam antes continuar a discutir o preço e as condições da possível transação”.
16. Erra, igualmente, o Tribunal a quo na apreciação que faz quanto à matéria de facto, quando leva aos factos provados – ponto 31 - que “[a]s anomalias estruturais da edificação supra elencados, nos termos em que o auto de vistoria os descreve, já existiam muito antes da celebração da escritura de compra e venda, sendo já então, antes de 13.02.2020, do perfeito conhecimento dos Réus e de EE e FF, os quais, estes, de forma deliberada, ocultaram dos Autores tais defeitos durante o processo negocial”;
17. Nada no processo permite concluir que os Recorrentes tinham conhecimento do estado de degradação do imóvel à data da venda, pelo menos na medida em que esta degradação impediria a fruição da fracção para fins de habitação, nem tão pouco será possível concluir com certeza que essa degradação já existia sequer, à data da venda, nas proporções que revelam as fotografias tiradas nove meses depois e juntas entretanto como prova aos presentes autos;
18. Nunca os Recorrentes transmitiriam a fracção a quem quer que fosse cientes de que a degradação da mesma comprometia a função estrutural da fachada posterior, pondo em causa as condições de segurança e de habitabilidade do imóvel.
19. Os Recorrentes não visitavam o imóvel desde Dezembro de 2015, data a partir da qual os consultores imobiliários da B... asseguraram o processo de procura de compradores para a fracção, pelo que seria impossível conhecerem o estado em que se encontravam as escadas da fachada posterior.
20. Entre a saída do dos Recorremtes, em finais de 2015, e a celebração do contrato aqui em discussão, a fracção esteve de facto arrendada, por um período de cerca de 6 meses, mas a verdade é que nunca o Recorrente regressou àquele local, tendo todas as questões, como visitas, entregas de chaves, etc., sido tratadas por intermédio da agência imobiliária, como pode, desde logo, aferir-se pelas declarações de parte que prestou (Gravação 20220505101504_4117865_2870304, minuto 1:17-3:28);
21. Não é possível assumir, sem mais, que o estado de degradação das escadas é tal, nos dias que correm, que a fracção necessariamente já estaria imprópria para habitação à data da venda, muito menos em 2015, aquando da última visita dos Recorrentes ao local, porquanto, em bom rigor, inexiste nos autos prova de que assim seja.
22. Por essa razão, nunca poderia o Tribunal a quo concluir que “as anomalias estruturais da edificação supra elencados, nos termos em que o auto de vistoria os descreve, já existiam muito antes da celebração da escritura de compra e venda”.
23. De todo o modo, mesmo que os Recorrentes tivessem visitado o imóvel entre Dezembro de 2015 e a celebração do contrato – o que não fizeram -, é impossível provar que à data da venda a degradação já existia ou que, pelo menos, já era visível desta forma.
24. Não há um único depoimento ou elemento documental de que se consiga retirar qual seria o tempo mínimo de progressão dos estragos agora observados, tanto mais que a degradação constatada tanto poderia vir a ocorrer há três meses, como há seis, como há nove, e por aí adiante.
25. Aliás, tanto quanto se sabe, a deterioração do interior da estrutura até poderia vir a evoluir já há algum tempo, sem que, porém, fosse visível por fora, pelo que nada permitia ao Tribunal a quo concluir que o estado defeituoso verificado nas fotografias juntas aos autos era já anterior à celebração do contrato, “sendo já então, antes de 13.02.2020, do perfeito conhecimento dos Réus e de EE e FF, os quais, estes, de forma deliberada, ocultaram dos Autores tais defeitos durante o processo negocial”;
26. Essa indefinição quanto ao momento a partir do qual a deterioração passou a ser visível resulta, claramente, do depoimento das testemunhas HH (Gravação 20220505104854_4117865_2870304, minuto 04:18-05:35 e (Gravação 20220505104854_4117865_2870304, minuto 09:26-10:36) e II (Gravação 20220505103534_4117865_2870304, minuto 06:10-07:38):
27. Por outro lado, o depoimento prestado, quanto a este ponto, pela Testemunha JJ (Gravação 20220505112657_4117865_2870304, minuto 16:00-16:15) tem de ser apreciado à luz da sua situação particular e ro seu interesse no desfecho desta acção num determinado sentido: esta testemunha, por ser cabeça de casal das heranças ilíquidas e indivisas em cujo acervo se integram as restantes fracções autónomas deste prédio, assegurou o pagamento da totalidade das obras já realizadas, e considerando todo o contexto – nomeadamente a frágil situação económica dos Recorridos – dificilmente será ressarcida do valor que cabe à fracção em causa, a menos que os Recorrentes efectivamente sejam condenados a pagar esse montante:
28. Acresce que, sendo seu objetivo claro proceder à venda das suas fracções, a Testemunha JJ, como também decorre do seu depoimento (Gravação 20220505112657_4117865_2870304, minuto 11:20-11:55), teve todo o interesse na realização das obras de reparação realizadas, uma vez que foi certamente com esse intuito que contactou os Recorridos e que os auxiliou no processo com a Câmara Municipal e, mais tarde, a encontrar um Advogado, como também, aliás, resulta das declarações de parte do Recorrido (Gravação 20220517101421_4117865_2870304, minuto 21:50-22:21 e minuto 36:05-36:22, minuto 37:00-37:15 e minuto 39:47-41:55);
29. À luz desse depoimento e do interesse que lhe está subjacente, não se percebe como pode dar-se como provado que o estado actual das escadas corresponde ao estado em que estas se encontravam aquando da venda do imóvel, pelo que não deverá concluir-se, muito menos, que os Recorrentes tinham necessariamente conhecimento da sua deterioração no momento em que o venderam;
30. Os próprios Recorridos viveram na referida fracção entre fevereiro e novembro, ou seja, durante nove meses, com total tranquilidade, sem que durante esse período tenham tomado qualquer diligência no sentido de realizar as obras de recuperação que mais tarde vieram a ser feitas ou sem que, admitindo que não teriam possibilidades financeiras para tal, pelo menos, tenham contactado os Recorrentes nesse sentido;
31. Na verdade, os Recorridos apenas actuaram nove meses depois, e apenas após o incentivo da Senhora JJ, como explicitamente decorre do depoimento do Recorrido;
32. Mais, se a situação fosse de real urgência ou perigo para a saúde dos Recorridos e do seu agregado familiar, não só não teriam os mesmos esperado 9 meses para contactar os Recorrentes, como não teriam, tão pouco, realizado melhoramentos no imóvel, como sucedeu com a pintura da casa, o que se retira do depoimento da da testemunha GG (Gravação 20220505110124_4117865_ 2870304, minuto 12:00-12:35);
33. Não existe prova de que a degradação visível da fachada posterior e das escadas de acesso ao logradouro é anterior à venda da fracção, sendo que, mesmo que esta deterioração já existisse e fosse visível, não existe prova nos autos que indique que esta, à data da venda, fosse de tamanha proporção e gravidade que, aos olhos de qualquer pessoa, denotasse clara falta de condições de habitabilidade;
34. Mesmo que assim não fosse, não existe prova de que os Recorrentes conheciam o estado do imóvel à data da venda, porque efetivamente não o visitavam desde 2015;
35. Incorre, pois, também por aqui, a sentença recorrida em erro de julgamento quanto à apreciação que faz do facto constante do ponto 31 dos factos provados, mais concretamente de que “[a]s anomalias estruturais da edificação supra elencadas, nos termos em que o auto de vistoria os descreve, já existiam muito antes da celebração da escritura de compra e venda, sendo já então, antes de 13.02.2020, do perfeito conhecimento dos Réus e de EE e FF, os quais, estes, de forma deliberada, ocultaram dos Autores tais defeitos durante o processo negocial.”, o qual, à míngua de prova que o sustente, deveria ter sido considerado como não provado.
36. Os Recorrentes – que, para além do mais, não têm qualquer formação ou experiência na área da engenharia civil - desconheciam, sem culpa, o estado de degradação das escadas posteriores do prédio, o que, portanto, à luz do referido artigo 914.º do Código Civil, afasta a responsabilidade destes pela reparação da coisa.
37. Mas mesmo imaginando –seguindo a linha de raciocínio ínsita na sentença recorrida – que assim não é, ou seja, que o vício da coisa era, como ali se pretende, aparente, temos que seria detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência;
38. O defeito da coisa prestada só faculta ao comprador os meios jurídicos enunciados se o desconhecer sem culpa;
39. Decorre da sentença recorrida que “[n]o dia da celebração da escritura, com as chaves na mão, ao tomarem posse do bem que tinham adquirido, ao visitarem o logradouro do imóvel, na parte traseira do mesmo, repararam os Autores no estado em que se encontravam as escadas de serviço, que se desenvolvem desde o solo até à cobertura do imóvel”, mais se referindo que “...eram patentes as anomalias graves existentes num pilar da fachada posterior que serve de suporte às escadas (exteriores), com desaprumo e deformação da geometria, com corrosão profunda de armaduras em área significativas e com o consequente destacamento do betão de recobrimento, exibindo perda de secção das armaduras, com perdas na capacidade de resistência e com claro comprometimento da estrutura”;
40. Os Recorridos, antes da compra, deslocaram-se por várias vezes ao imóvel, ficando, em todas elas, sozinhos na fracção por forma a que a pudessem avaliar como lhes aprouvesse, de sorte que o Recorrido considerou que a dita fracção estava em razoável estado de conservação, necessitando apenas de uma pintura e de alguns retoques em algumas das divisões, encontrando-se a cobertura do imóvel em bom estado, graças à sua recente impermeabilização.
41. O mesmo Recorrido teve o cuidado de se debruçar da varanda, olhando para toda a extensão do prédio até ao solo, não detectando fissuras ou deformações que justificassem cuidado de maior e, munido de iguais cautelas, entendeu deixar decorrer algumas semanas, aguardando pelo período mais intenso das chuvas, para avaliar da boa qualidade do interior do prédio e concluir se havia humidades ou infiltração de água;
42. Sendo os vícios da coisa tão patentes como se quer fazer crer na sentença recorrida, impendia sobre o Recorrido o dever de se inteirar dos mesmos, na exacta medida em que, no nosso ordenamento jurídico, é sobre o comprador impende sempre o dever de verificar a conformidade da prestação;
43. Na verdade, o adquirente não tem de efectuar um exame complexo, nomeadamente recorrendo a peritos, mas impõe-se-lhe uma apreciação diligente, de forma a determinar as desconformidades patentes;
44. Diga-se, aliás, que se é certo que o credor leigo não está obrigado a contratar um perito para proceder ao exame da prestação, não o é menos que nos casos em que por força do contrato, dos usos, ou de motu próprio, se tenha servido de um técnico para examinar a coisa entregue, o padrão de exigência deverá ser o do especialista;
45. Havendo um técnico que, por solicitação da instituição bancária que concedeu o crédito aos Recorridos – e cujo serviço foi pago pelos Recorridos - avaliou o imóvel, havia, até, um dever acrescido de proceder a um exame cuidado da coisa, sobretudo quando, a atender ao que ressuma da sentença recorrida, os vícios da mesma eram tão ostensivos:
46. A admitir-se que o defeito das escadas era tão visível como a sentença recorrida faz crer, recaía sobre os Recorridos, no mínimo, um dever de apreciação diligente, o que, porém, não fizeram;
47. Os Recorrentes desconheciam, sem culpa os vícios da coisa, mas mesmo que se considere que assim não é e que, portanto, o vício é tão ostensivo quanto o que resulta da sentença recorrida, sempre impendia sobre os Recorridos um dever de exame que, face a tal ostensividade, os levaria a detectar, sem óbices, esse mesmo vício.
48. A sentença recorrida, ao assim não considerar, incorre, pois em erro de julgamento, fazendo errada interpretação e aplicação dos artigos 799.º, n.º 1, 913.º, 914.º, 915.º do Código Civil, violando-os.
49. A sentença recorrida condena os Recorrentes a pagar aos Autores todas as rendas que os mesmos vierem a ter de suportar, com referência ao contrato de arrendamento celebrado nos anos subsequentes, sendo a prestação mensal, durante o ano de 2022, de 245,92 €, em montante a liquidar em execução de sentença, partindo, pois, do pressuposto de que, até que à eliminação das anomalias estruturais do prédio, no sentido de ser assegurada a respectiva estabilidade e de permitir a ocupação a que se destina, os Recorrentes têm de custear todos os custos de alojamento dos Recorridos;
50. No entanto, as anomalias em questão verificam-se nas partes comuns do prédio e, portanto, os Recorrentes, não sendo já comproprietários dessas partes comuns, não podem realizar essas obras, antes tendo de aguardar que o condomínio – de que fazem parte do Recorridos – se decida, um dia, a realizá-las, ficando onerados, até essa data, com o sobredito pagamento das rendas.;
51. Nessa medida, a manter-se a decisão condenatória – o que não se concede -, sempre o montante a pagar aos Recorridos a título de danos futuros deveria, justamente por o termo da produção dos mesmos estar fora do alcance dos Recorrentes, ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CPC, pelo que, ao assim não entender, incorre, também por aqui, a sentença recorrida em erro de julgamento, violando o sobredito preceito normativo.
Concluiram, pedindo que seja considerando procedente o presente recurso e revogada, consequentemente, a sentença recorrida.

7. Os Autores/Apelados ofereceram contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado.

8. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
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As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1ª- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2ª- Responsabilidade dos Apelantes pela venda de bem defeituoso;
3ª-Fixação da indemnização dos danos futuros por equidade.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1) Os Autores, ambos solteiros, vivem em união de facto desde 2017 e têm um filho do casal, o KK, com dois anos de idade.
2) Uma vez que pretendiam adquirir uma habitação para morada de família, ao verem um anúncio de venda na fachada de um imóvel situado na ..., concelho de Mealhada, contactaram a agência imobiliária B..., para agendarem uma visita ao prédio.
3) A fração autónoma que lhes interessava e que se encontrava à venda é a fração D (terceiro andar) do prédio sito na Rua ..., ... na vila de ..., constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial sob o art.º ..., com a descrição predial .......
4) Na sequência, durante o mês de setembro de 2019, acompanhados pela mãe da Autora DD, GG, os Autores fizeram uma primeira visita à fração, no que foram acompanhados por EE e FF, como representantes e consultores da imobiliária interveniente.
5) Foram-lhes mostradas as divisões da fração D, as varandas e, subindo à parte superior do prédio, vistoriaram a placa de cobertura.
6) O acesso interior, a partir da Rua ..., através de sucessivos lanços de escadas, apresentava-se igualmente em razoável estado de conservação.
7) De forma geral, o interior da fração estava em razoável estado de conservação, necessitando apenas de uma pintura e de alguns retoques em algumas das divisões, encontrando-se a cobertura do imóvel em bom estado, graças à sua recente impermeabilização.
8) Já no interior da fração, debruçando-se o Autor CC da varanda para toda a extensão do prédio até ao solo, não detetou fissuras ou deformações que justificassem cuidado de maior.
9) O Autor não concretizou o propósito de descer pelas escadas de serviço (escadas de incêndio), na direção do logradouro do prédio, sito nas traseiras, uma vez que os representantes da imobiliária, os identificados EE e FF, o demoveram dessa ideia, dizendo-lhe que não valia a pena descer as escadas, desviando os Autores para a vistoria de outras divisões e que deviam antes continuar a discutir o preço e as condições da possível transação.
10) Uma vez que tinham ficado agradados com o interior do 3.º D e concluído que as divisões da mesma e a placa de cobertura aparentavam estar em boas condições, os Autores deixaram decorrer algumas semanas, aguardando pelo período mais intenso de chuvas, para avaliarem da boa qualidade do interior do prédio e concluírem se havia humidades ou infiltração de água.
11) Assim, fizeram nova visita em data imprecisa do mês de novembro de 2019, concluindo que no interior as divisões estavam boas, sem humidades.
12) Uma vez que, para descer as escadas de serviço, o caminho a seguir passa pela cozinha, a sr.ª GG iniciou tal trajeto, mas os referidos EE e FF desviaram-na de tal propósito, alegando que, como tinha estado a chover, podia ser perigoso descer por ali.
13) Na sequência, tendo acordado com a imobiliária o preço de transação da fração, (52.500,00 €) e porque se trata de um casal jovem, muito humilde e com um rendimento mensal limitado, solicitaram a concessão de crédito junto da agência na Mealhada do Banco 1..., o qual veio a responder positivamente ao pedido formulado, seguindo-se as diligências e formalidades subsequentes para a escritura de compra e venda.
14) Através da Casa Pronta, na Primeira Conservatória do Registo Predial de Coimbra, no processo identificado com o n.º ..., no dia 13 de fevereiro de 2020, foi formalizado o título de compra e venda e mútuo (com hipoteca), através do qual os Réus, pelo preço mencionado, que declararam ter recebido, venderam aos Autores a mencionada fração D.
15) Em resultado do procedimento Casa Pronta, mediante título de compra e venda celebrado com os Réus, BB e AA, através da apresentação 456 de 13 de Fevereiro de 2020, o direito de propriedade sobre a fração autónoma D, destinada a habitação, correspondente ao terceiro andar do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, com uma permilagem de 165, sito na Rua ..., ..., na vila e freguesia ..., concelho de Mealhada, encontra-se descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Mealhada sob o n.º ...... em nome dos Autores.
16) No dia da celebração da escritura, com as chaves na mão, ao tomarem posse do bem que tinham adquirido, ao visitarem o logradouro do imóvel, na parte traseira do mesmo, repararam os Autores no estado em que se encontravam as escadas de serviço, que se desenvolvem desde o solo até à cobertura do imóvel.
17) e, eram patentes as anomalias graves existentes num pilar da fachada posterior que serve de suporte às escadas (exteriores), com desaprumo e deformação da geometria, com corrosão profunda de armaduras em área significativas e com o consequente destacamento do betão de recobrimento, exibindo perda de secção das armaduras, com perdas na capacidade de resistência e com claro comprometimento da estrutura.
18) Quando JJ, cabeça de casal das heranças ilíquidas e indivisas, abertas por óbito de LL e de MM, em cujo acervo se integram as frações autónomas identificadas pelas letras “A”, “B” e “C”, teve conhecimento de que os Autores e o seu agregado familiar tinham passado a morar naquela fração, por ser conhecedora das anomalias estruturais do prédio, apressou-se a ordenar que fosse feita uma intervenção urgente para reforçar a estrutura das escadas e da fachada posterior.
19) E assim, em data indefinida, mas que se situa no início de novembro de 2020, foi feito o escoramento da totalidade das escadas de serviço, visando prevenir eventuais danos com consequências imprevisíveis.
20) Tendo resultado frustrada a diligência dos Autores no sentido de acionarem o seguro Proteção Lar que tinham celebrado com a Seguradora C..., para intervenção e reparação das anomalias detetadas, a qual recusou assumiu qualquer responsabilidade.
21) Decidiram os Autores participar aos serviços da proteção civil da Câmara Municipal ... a situação calamitosa em que se encontrava o imóvel, requerendo a sua intervenção e, como consequência, foi ordenada e efetuada uma vistoria técnica à edificação, em resultado da qual, conforme Auto de Vistoria realizada no dia 29 de Outubro de 2020, a Comissão composta por técnicos da Câmara Municipal ..., concluiu “…não estarem reunidas as condições necessárias de segurança que permitam a utilização do edifício e suas fracções, devido às anomalias graves observadas”.
22) Consta de tal auto de vistoria: “Na fachada tardoz concentram-se anomalias de grande gravidade. Esta fachada é composta por varandas corridas em todos os pisos e ligadas a escadas de serviço exterior. Esta escada permite o acesso vertical desde o logradouro até à cobertura do edifício (…) O seu evidente estado de fragilidade estrutural determinou o escoramento e interdição da sua utilização, iniciativa tomada pelos seus proprietários (…). As escadas de serviço estão comprometidas na sua estabilidade por força da deformação e desaprumo de um dos seus pilares (fotografia 10) com abatimento estrutural registado no alinhamento dessa prumada. Registam-se fendas mais acentuadas no topo lateral direito da fachada com graves implicações na sua estabilidade e na estabilidade da cobertura (…) Verifica-se ainda a degradação generalizada de rebocos e ausência de recobrimento de armaduras comprometendo a função estrutural”.
23) Concluiu ainda a Comissão de vistorias que “… perante as anomalias observadas não estão reunidas as condições de segurança e habitabilidade da sua fração verificando-se a necessidade de desocupação imediata, facto compreendido e acatado pelos visados”, neste caso os Autores, então os únicos moradores no prédio.
24) E condicionando ainda aquela Comissão a futura ocupação do edifício à concretização de obras, com particular incidência na reabilitação estrutural da fachada posterior e cobertura., objetivando a eliminação e correção das anomalias estruturais, de segurança e salubridade.
25) Na sequência do auto de vistoria e tendo em atenção que as obras não foram realizadas, foram os Autores e os restantes condóminos do imóvel notificados da prorrogação do prazo de seis meses inicialmente estipulado por mais dois meses para a conclusão das obras.
26) Tal notificação verificou-se por despacho de 05.11.2021, conforme ofício n.º ... da mencionada Câmara Municipal.
27) De todo este procedimento resultou que os Autores foram obrigados a desocupar imediatamente a fração adquirida, com efeitos desde o mês de dezembro de 2020.
28) Com efeito desde 01.12.2020, os Autores moram no Bairro ..., freguesia ..., ocupando a habitação n.º ... e suportando mensalmente a renda de 109,13 €, tudo conforme contrato de arrendamento para fim habitacional em regime de arrendamento apoiado celebrado em 14.11.2020.
29) Até ao presente, os Autores pagaram, a título de renda mensal, a quantia de 13 x 109,13 € = 1.418,69 € (mil quatrocentos e dezoito euros e sessenta e nove cêntimos).
30) Os Autores foram já notificados pela Câmara Municipal ... de que o valor da nova renda, com efeitos a partir do dia 01 de janeiro de 2022, será de 245,92 € (duzentos e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos).
31) As anomalias estruturais da edificação supra elencados, nos termos em que o auto de vistoria os descreve, já existiam muito antes da celebração da escritura de compra e venda, sendo já então, antes de 13.02.2020, do perfeito conhecimento dos Réus e de EE e FF, os quais, estes, de forma deliberada, ocultaram dos Autores tais defeitos durante o processo negocial.
32) Mediante carta registada enviada para os Réus, sob o n.º ..., no dia 24.11.2020 e recebida pelo Réu BB, foi feita a denúncia das anomalias graves existentes no prédio, em resultado das quais tinha resultado a obrigação de os Autores desocuparem a fração adquirida, e exigida a reparação da fração, através da comparticipação no custo das obras a efetuar nas partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal na parte proporcional à área de condomínio ocupada pela fração D (165 em função da permilagem) para eliminação dos defeitos, visando assegurar a estabilidade, segurança e cumprimento das normas legais por parte da edificação.
33) Por email datado de 03.12.2020, os Réus vieram declinar qualquer responsabilidade nas anomalias que existiam no prédio, não assumindo a respetiva reparação na quota-parte imputada à fração D.
34) O escoramento das varandas e das escadas de serviço, realizado em data não apurada, mas que se situa em setembro/outubro de 2020, custou 3.045,00 € + IVA à taxa de 23 %, tudo somando 3.745,35 €, tendo sido pago, ao tempo, na totalidade, por JJ, na qualidade de cabeça de casal.
35) Os Autores viveram na fração, entre fevereiro e novembro de 2020, com o seu filhote em tenra idade, em situação de manifesto perigo, com a instabilidade e a falta de segurança que o auto de vistoria patenteou, sempre estando iminente a derrocada do imóvel com consequências imprevisíveis.
36) A desocupação a que os Autores foram obrigados trouxe-lhes angústia e ansiedade.
37) E contrariamente à sensação de tranquilidade e de realização pessoal que julgavam terem adquirido no dia em que formalizaram a compra da sua fração, antes os Autores sentiram-se ansiosos e preocupados na busca de uma solução possível.
38) Para além de enganados e incomodados pela ocultação e falta de informação durante processo de negócio da fração.
39) De igual forma, sentiram-se abalados e afetados pelo sucedido, considerando um vexame sofrido perante conhecidos e não conhecidos por terem de abandonar a fração que tinham adquirido tão recentemente.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

1ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[2]
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção, mas só o deve efectuar se da fundamentação vertida na sentença recorrida for evidente algum erro de apreciação dos factos controvertidos à luz das regras de experiência ou de prova vinculada.
Não podemos escamotear a importância extrema do princípio da imediação da prova, estando o Juiz de 1ª instância, sem dúvida, melhor posicionado para ter plena percepção da forma como os depoimentos são prestados, as hesitações e linguagem corporal das testemunhas e partes, dificilmente percetível em gravações exclusivamente sonoras, para mais quando o Juiz da Instância Superior se vê limitado a ouvir os depoimentos prestados sem poder interrogar de modo a esclarecer-se convenientemente.
Sob as Conclusões de recurso 1. a 35. os Apelantes consideram incorrectamente julgados os pontos 9 e 31 dos factos provados, sustentando que devem ser dados como não provados, indicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que sob o seu ponto de vista impunham decisão diversa da recorrida, cumprindo o ónus previsto no art. 640º nº 1 al. a), b) e c) do CPC.
Para melhor compreensão da impugnação apresentada pelos Apelantes, elenca-se, por ordem numérica, cada um dos factos impugnados, seguido do que pretendem os Apelantes relativamente a cada um deles, e quais os meios probatórios invocados para o efeito:
Ponto 9 dos factos provados:
“O Autor não concretizou o propósito de descer pelas escadas de serviço (escadas de incêndio), na direção do logradouro do prédio, sito nas traseiras, uma vez que os representantes da imobiliária, os identificados EE e FF, o demoveram dessa ideia, dizendo-lhe que não valia a pena descer as escadas, desviando os Autores para a vistoria de outras divisões e que deviam antes continuar a discutir o preço e as condições da possível transação.”
Os Apelantes pretendem que se considere tal facto como não provado.
Para o efeito alegaram que o tribunal a quo assentou o seu juízo sobre este facto nas declarações de parte prestada pelo Autor, quando as declarações de parte devem ser valoradas autonomamente mas de forma integrada com os demais meios de prova e relativamente a esta questão só há mais o depoimento titubeante da testemunha GG do qual não se retira absolutamente nada, concluindo que foi feita prova em sentido contrário pelas testemunhas EE e FF no sentido de que os recorridos tiveram total liberdade para explorar o prédio onde se insere a fração vendida e que viram as escadas posteriores do prédio e não fizeram qualquer observação ou reparo e que não é crível que o recorrido, que teve tantos cuidados na compra do imóvel não tenha visto a parte posterior do prédio e que tenha deixado que o dissuadissem de a ver, convocando ainda a avaliação do imóvel que foi feita no âmbito do processo de concessão do crédito bancário aos recorridos para a compra da fração em causa, que classificaram o estado de conservação do imóvel como razoável.
Consideram manifesto que o tribunal a quo, estribado na postura do recorrido na audiência de julgamento, valorou apenas as declarações de parte prestadas por este, desconsiderando, em absoluto, toda a demais prova que foi produzida em sentido contrário e, mais do que isso, factualidade que demonstra que aquele teve assinalável cautela antes de avançar com a compra e que torna, no mínimo, duvidosa a afirmação de que não viu as escadas posteriores do prédio por o terem dissuadido de as ver, concluindo que inexistem no processo elementos que possam conduzir à prova daquele facto.
Ponto 31 dos factos provados:
As anomalias estruturais da edificação supra elencados, nos termos em que o auto de vistoria os descreve, já existiam muito antes da celebração da escritura de compra e venda, sendo já então, antes de 13.02.2020, do perfeito conhecimento dos Réus e de EE e FF, os quais, estes, de forma deliberada, ocultaram dos Autores tais defeitos durante o processo negocial.”
Os Apelantes pretendem que se considere tal facto como não provado.
Para o efeito alegaram que nada no processo permite concluir que os recorrentes tinham conhecimento do estado de degradação do imóvel à data da venda, pelo menos na medida em que esta degradação impediria a fruição da fração para fins de habitação, nem tão pouco será possível concluir com certeza que essa degradação já existia sequer, á data da venda, nas proporções que revelam as fotografias tiradas nove meses depois e juntas entretanto como prova aos presentes autos.
Sustentam que o Recorrente prestou declarações de parte nesse sentido, afirmando que não visitavam o imóvel desde Dezembro de 2015, sendo impossível conhecerem o estado em que se encontravam as escadas da fachada posterior, sendo impossível provar que à data da venda a degradação já existia ou que, pelo menos, já era visível desta forma, não havendo um único depoimento ou elemento documental de que se consiga retirar qual seria o tempo mínimo de progressão dos estragos agora observados, resultando essa indefinição quanto ao momento a partir do qual a deterioração passou a ser visível do depoimento das testemunhas HH e II, desvalorizando os Apelantes o depoimento da testemunha JJ por ter interesse no desfecho desta acção, concluindo que, à míngua de prova que o sustente, este facto deveria ter sido considerado não provado.
Vejamos a fundamentação dada na sentença recorrida a propósito destes factos impugnados:
“Quanto aos factos provados no ponto 16, 17, 31, no que concerne ao desconhecimento por parte dos Autores e conhecimento por parte dos Réus das anomalias estruturais da edificação até ao dia da celebração da escritura de compra e venda – levada a cabo a 13.02.2020-, matéria que se mostra controvertida entre as partes, o tribunal ponderou o seguinte:
Desde logo, o teor das fotografias impressas a cores e juntas no início da Audiência Final pelos Autores, de onde resulta objetivado o estado das escadas interiores do imóvel até ao acesso à fração D, bem como o interior desta fração – vide documento 4 a), 4 b), 5 a), 5 b), 5 c), 5 d), 5 e), 6 a), 6 b).
E, da análise destas fotografias, podemos, desde logo, concluir que estamos na presença de uma fração bastante modesta, inserida num imóvel cujo exterior se apresenta de igual forma na sua conservação – veja-se a fotografia junta como documento 1 e 2, na qual resulta objetivado o exterior de tal imóvel. E tal característica da fração e do restante imóvel não assumiria grande relevância não fora os contornos em que ocorreram as negociações desta fração: e acerca deles, o tribunal teve oportunidade de ouvir em declarações CC, o Autor (de 32 anos de idade e auxiliar de lar), o qual declarou acerca das visitas que fez à fração, no decurso das quais, lhe foi facultado o acesso à placa do imóvel (que ao mesmo tempo, faz a função de telhado da fração), a mãe da sua companheira (a testemunha GG) a qual foi desencaminhada de descer as escadas posteriores pelos senhores da imobiliária, porquanto não valeria a pena descer e por estar a chover. Descreveu acerca das circunstâncias de tempo e lugar em que viu, pela primeira vez, o estado das escadas posteriores, tendo, nesse momento, tido a perceção que haviam sido enganados ao comprar a fração, considerando o estado degradado em que se encontravam as escadas; nesse momento estava na presença do Réu marido, BB, no dia e que celebraram a escritura, que o tratou de tranquilizar, dizendo que não existia perigo na utilização das mesmas (veja-se que o Réu quis fazer crer que há muitos anos que não via o estado posterior do imóvel e no entanto nenhum espanto demonstrou ao ver o estado das escadas). O Autor referiu acerca das tentativas de resolução do problema, nomeadamente através do seguro, de responsabilidade civil, até que foi auxiliado pelos herdeiros das restantes frações, os quais, fizeram o escoramento das escadas.
Antes de proceder à análise crítica destas declarações, urge apontar que o Autor se apresentou ao tribunal como pessoa bastante humilde, quer na sua postura física quer na sua linguagem, revelando um total acanhamento perante os demais presentes. E tal revela-se importante para aferir da credibilidade das suas declarações quanto ao facto de apenas no dia da escritura e após a sua celebração ter tomado conhecimento do estado das escadas posteriores do prédio onde se situa a fração que decidiu comprar. E se tal fração é modesta é porque corresponde ao modesto rendimento dos Autores – e sintomático disso mesmo é o facto de atualmente, devido ao estado em que se encontra o imóvel, estarem a residir numa casa de renda social. Acaso os Autores tivessem tido oportunidade de ver o estado das escadas posteriores do imóvel teriam concluído que não estava em causa apenas o montante que despenderam para comprar a fração mas outro tanto para proceder à reparação das escadas (como declarou o Autor, referindo que se tivesse tomado conhecimento do estado das escadas, saberia que não teria dinheiro para proceder à reparação). Veja-se que resulta dos autos, que os Autores apenas procederam ao pedido de empréstimo da quantia acordada para a compra da fração, não tendo recursos económicos próprios para proceder às reparações que logo ali se revelaram como urgentes. E acerca desse mesmo empréstimo, foi junto aos autos cópia da avaliação efetuada à fração adquirida no âmbito do financiamento solicitado pelos Autores junto do Banco 1..., de onde resulta evidente que na avaliação apenas se considerou a fração, a parte da frente do imóvel e a placa, sendo completamente omissa a parte posterior do imóvel, sendo que resulta da prova produzida, que não foram os Autores que deram o acesso ao imóvel à pessoa responsável de tal avaliação.
A convicção do tribunal assume mais contorno quando se confrontam as declarações prestadas pelo Autor e as declarações prestadas por BB, Réu (de 68 anos de idade, aposentado, técnico de eletrónica industrial) que tratou de se colocar a coberto do desconhecimento do estado da parte posterior do imóvel, referindo que, residiu na fração durante 40 anos, saindo da mesma a 8.12.2015; após tal fração esteva arrendada durante seis meses, no ano de 2018, sendo que foi ao prédio algumas vezes.
O tribunal não atribuiu credibilidade a estas declarações prestadas pelo Réu, na parte em que tentou fazer crer, que, ao tempo da celebração da escritura, desconhecia o estado em que se encontravam as escadas: desde logo porque não se afigura credível que um proprietário diligente se desvincule do conhecimento da sua propriedade, tanto que a queria vender, como acabou por suceder, e tanto que dela retirou rendimentos por força de contrato de arrendamento. E tal estado de dúvida acerca da veracidade do declarado foi resolvido pela clareza e objetividade das declarações prestadas pela testemunha JJ (de 63 anos, economista de profissão e residente em Coimbra), a qual é herdeira da herança aberta mas indivisa do óbito do seu avô, proprietária das restantes frações do imóvel. Descreveu que sempre foi o Réu quem geria o estado do prédio, ainda no tempo de vida do pai da testemunha, o qual faleceu no ano de 2018, pelo que, o Réu teria que ser sabedor do estado do imóvel. Mais, relatou tal testemunha que o Réu e os demais proprietários das outras frações, considerando o estado devoluto do imóvel, fizeram um acordo de cavalheiros em proceder à venda de todo o imóvel. Declarou que o estado das escadas se encontrava no estado em que foram objeto de intervenção (após a celebração da venda da fração dos Réus) há muitos anos a esta parte, referindo que, no ano de 2014/2015, as escadas já estavam naquele estado, sendo uma fonte de preocupação e por isso mesmo todos queriam vender as frações. Desconhecia a venda em causa nos autos até ter sido informada de que estavam pessoas a viver naquela fração, tratando de imediato do escoramento das escadas.
Quanto ao estado das escadas o tribunal valeu-se do teor do auto da vistoria bem como do teor das declarações prestadas pela testemunha DD (arquiteta superior na Camara Municipal ...) que declarou que foi o Autor que se dirigiu aos serviços da Edilidade para se queixar do estado das escadas posteriores do imóvel; e pela testemunha HH (engenheira civil em serviço na Divisão da Gestão Urbanística e Planeamento Territorial da Câmara Municipal ...) que participou na referida vistoria e tratou do despejo administrativo das pessoas que viviam na fração em causa. Tais testemunhas, embora não consigam concretizar há quanto tempo tais escadas se encontram naquele estado, o certo é que resultou claro que tal estado não se alcança em pouco tempo, pelo que o tribunal, conjugando todas estas declarações bem como o relatado pelas fotografias logrou convencer-se que ao tempo da celebração da compra e venda as escadas já se encontravam naquele estado e que tal estado era do perfeito conhecimento dos Réus. Como também era do perfeito conhecimento dos consultores imobiliários que lograram franquear a visita ao interior da fração aos Autores: EE e FF, consultores imobiliários por conta da B..., descreveram acerca das visitas realizadas à fração, na qual os Autores tiveram disponibilidade de explorar a fração. Apesar da existência de tais anomalias estruturais nas escadas posteriores, EE considerou que o estado do imóvel era bom, o que não deixa de causar alguma perplexidade ao tribunal considerando a realidade objetivada nas fotografias retiradas no ano da venda. E também causou alguma perplexidade as declarações de FF quando declarou que desceram as escadas posteriores até ao logradouro e não se lembra de ter visto que as escadas se encontravam no estado objetivado nas fotografias, apesar de não ter a certeza se desceram ou não por tais escadas. Considerando as fotografias, e o teor das declarações prestadas por JJ e das técnicas dos serviços da Câmara Municipal, não se afigura credível que dois promotores imobiliários, agindo no exercício nas suas atividades profissional, classifiquem como bom o estado do imóvel e como é que ao percorrer as escadas posterior não identificam o que resulta objetivado nas fotografias. Não se mostra razoável nem credível o teor do declarado, antes indiciam um manifesto interesse no desfecho desta ação, pois que a venda em causa foi por aquele angariada e promovida. Mais, resulta evidente que tais testemunhas eram sabedoras do estado das escadas, pois foram os mesmos que trataram da promoção da venda da fração e resulta claro, como acima se referiu, que tal estado de conservação não pode ser classificado como estando em bom estado de conservação e por ser assim conseguiram desviar a atenção dos Autores das ditas escadas. Poder-se-á dizer que ninguém os agarrou por um braço para impedir uma vistoria, o que é verdade. Mas considerando as características que acima se teceram aos Autor e considerando o que resultou evidente das declarações da mãe da Autora, a testemunha GG, e considerando a notória diferença na desenvoltura verbal entre estes e aqueles, as testemunhas EE e FF, o tribunal ficou convencido que estes agiram da forma dada como provada, com o fito de os Autores não tomarem conhecimento acerca do estado das escadas posteriores do imóvel, o que conseguiram.
Ainda quis fazer crer a testemunha FF que os Autores foram junto ao portão do imóvel e dele são visíveis as escadas: por conta destas declarações, os Autores juntaram fotografias onde se mostra objetivado o exterior do imóvel, e na sessão da Audiência Final, tais fotografias foram legendadas e reportando ao documento 2, resulta demostrado que tal imóvel não tem qualquer portão e muito menos qualquer área de onde sejam visíveis as escadas posteriores - por tudo isto, o tribunal desconsiderou, por não se revelarem credíveis, as declarações prestadas por EE e FF.
Por último, considerando a localização dos danos das escadas, os mesmos não eram visíveis a quem acedia à varanda da fração, seria necessário descer pelas escadas até ao logradouro para se tomar conhecimento do real estado de tais escadas – vide a fotografia junta como documento 7 e 8 de onde resulta o que se alcança para quem se debruça na varanda da fração; vide a fotografia junta como documento 12 de onde resulta o que se alcança a quem se encontra no logradouro do imóvel. Ou seja, para que os Autores lograrem um conhecimento efetivo do estado do imóvel seria necessário e imperioso que se deslocassem ao logradouro, o que manifestamente não aconteceu.”
Salientamos os trechos da fundamentação a sublinhado e negrito para evidenciarmos que o tribunal a quo, contrariamente ao sustentado pelos Apelantes não desconsiderou nenhum dos meios de prova em que os Apelantes alicerçam a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pelo contrário, fez referência expressa às declarações de parte do Réu, ao documento da avaliação do imóvel promovida pelo banco financiador, ao depoimento das testemunhas EE e FF, assim como das testemunhas HH e II, só que valorou-os de forma crítica, articulando a prova no seu conjunto e apreciando-a à luz das regras da experiência, não segmentando excertos dos depoimentos como interessadamente o fizeram os Apelantes, mas avaliando se o que afirmaram era ou não credível e porquê.
Não temos dúvidas que a percepção com que o tribunal a quo ficou da conjugação da prova documental, testemunhal e por declarações de parte é distinta daquela invocada pelos Apelantes, porém, estes não podem afirmar, como o fazem, que inexiste nos autos prova dos factos vertidos nos pontos 9 e 31 dos factos provados.
Sinal evidente de que essa prova existe resulta desde logo do facto de os Apelantes nas suas alegações de recurso tentarem afastar os meios de prova em que o tribunal fundamentou a sua decisão, descredibilizando as declarações de parte do Autor, da testemunha GG e da testemunha JJ, o primeiro e a última alegadamente por terem interesse no desfecho desta acção e a segunda porque prestou um depoimento titubeante.
É caso para perguntar: E as declarações de parte do Réu não estarão imbuídas de interesse no desfecho da acção? E os depoimentos de parte das testemunhas EE e FF não serão também interessados, tal como o próprio tribunal a quo fez menção na sua fundamentação, por terem intermediado a compra e venda em apreço?
Todos os meios de prova têm as suas fragilidades, sabendo-se que as declarações de parte por si só não bastarão para provar factos favoráveis a quem as presta, porém, devidamente articuladas com outros meios de prova poderão e deverão ser atendidas, tal como o foram na decisão recorrida.
Importante é que o tribunal a quo fundamentou devidamente a sua decisão sobre os factos provados, permitindo que tal decisão possa ser eventualmente sindicada, por recurso às gravações dos depoimentos testemunhais referenciados e declarações de parte, conjugado com os documentos juntos aos autos (mormente fotos e relatório de vistoria).
A prova no seu conjunto é livremente apreciada pelo juiz de 1ª instância e a decisão é tomada segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, devendo ser analisadas criticamente as provas, indicadas as ilações que delas tirou e especificados os meios de prova que foram decisivos para a sua convicção, tendo o tribunal a quo assim procedido.
No entanto e, previamente à pretendida reapreciação dos pontos de facto impugnados impõe-se aferir se a alteração pretendida pelos Apelantes tem algum efeito últil na sentença final, se permite, por si só reverter a condenação dos RR, à luz das várias soluções plausíveis de direito, porquanto a impugnação da decisão de facto não constitui um fim em si mesmo, antes se mostra admitida enquanto meio ou instrumento que visa permitir à parte que impugna a decisão de facto a revogação/alteração da decisão final, ou seja, como meio que visa a demonstração de um determinado direito que a sentença não concedeu.
Assim sendo, a impugnação da decisão de facto é de rejeitar quando, em razão das circunstâncias específicas do caso submetido a julgamento, em razão das regras do ónus da prova ou do regime jurídico aplicável, a eventual alteração da decisão de facto não assume relevo para a decisão a proferir, pois que, em tal circunstancialismo, a respectiva actividade jurisdicional revelar-se-ia como inconsequente ou inútil. [3]
Afigura-se-nos que é este o caso dos autos, porquanto, à luz do regime jurídico da compra e venda de coisa defeituosa, cuja aplicabilidade não está posta em causa e, respeitadas que sejam as regras do ónus de prova, aos RR/vendedores incumbe a prova, por um lado que o comprador era conhecedor do defeito e/ou por outro lado, que os vendedores desconheciam, sem culpa, o defeito da coisa vendida, enquanto factos impeditivos e extintivos do direito indemnizatório peticionado pelos compradores, pois que, verificada qualquer uma dessas duas situações os vendedores ficariam eximidos daquela responsabilidade.
Deste modo, compulsada a matéria de facto impugnada e articulando-a com os demais factos dados como provados, ainda que procedesse a impugnação da decisão proferida quanto aos pontos 9 e 31 dos factos provados e transitassem para os factos não provados, essa alteração não possibilitaria a revogação da condenação dos aqui Apelantes.
Senão vejamos.
Está provado que os Apelantes venderam aos Apelados um imóvel que apresentava à data da escritura pública de compra e venda defeitos de vulto que inclusivamente impedem os Apelados de o habitarem.
A esse propósito não podemos deixar de salientar alguns aspectos quanto aos pontos que os Apelantes pretendem eliminar dos factos provados que demonstram a inutilidade da alteração para os factos não provados:
-o ponto 9 é praticamente inócuo para a decisão da causa, porquanto tenha ou não sido demovido o Autor do propósito que teria de descer pelas escadas de serviço, tenham ou não os mediadores desviado a sua atenção desse lado do prédio, com o propósito de não lhe permitir aperceber-se do estado da fachada tardoz, certo é que não foi alegado e por isso não consta dos factos provados que ao Autor tivesse sido mostrada a fachada tardoz do prédio, designadamente por forma a que pudesse tomar conhecimento das patologias que a mesma apresentasse, nem os RR lograram provar que o Autor fosse conhecedor dos defeitos em apreço, quando era aos RR a quem incumbia a prova de que o comprador conhecia, ou podia ter conhecido caso actuasse com diligência, os defeitos de que o prédio padecia;
-também não foram impugnados os pontos 16 e 17 dos factos provados onde claramente consta que no dia da celebração da escritura, com as chaves na mão, ao visitarem o logradouro do imóvel, na parte traseira do mesmo, repararam os AA no estado em que se encontravam as escadas de serviço, que se desenvolvem desde o solo até à cobertura do imóvel e eram patentes as anomalias graves ali existentes, factos esses demonstrativos de que o imóvel apresentava aqueles defeitos aquando da venda e que os compradores apenas naquela data deles tomaram conhecimento;
-relativamente ao ponto 31 dos factos provados os RR sustentam que não é possível saber se os defeitos já existiam aquando da venda, pelo menos com a dimensão que apresentam agora, no entanto, voltamos a frisar que está dado como provado e não foi impugnado que esses defeitos já existiam no dia da celebração da escritura (pontos 16 e 17);
-também se insurgem os RR quanto ao facto mencionado no ponto 31 de ter-se considerado como provado que eles e os mediadores tivessem conhecimento de tais defeitos durante o processo negocial e, relativamente a este facto dir-se-á que era aos RR que incumbia fazer prova de que desconheciam sem culpa os defeitos existentes aquando da venda do imóvel, desconhecimento esse que não lograram provar, e não é pela transição deste ponto de facto para os não provados que supre aquela falha ( do facto não provado não se extrai o contrário).
Deste modo, só podemos concluir que a alteração pretendida pelos Apelantes de transitarem os pontos 9 e 31 dos factos provados para os não provados em nada afecta a decisão final, como veremos em sede de mérito e, por tal razão, concluindo pela inutilidade do conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos de facto impugnados, não se conhece deste segmento recursivo.

2ª Questão-Responsabilidade dos Apelantes pela venda de bem defeituoso.
A propósito da venda de coisas defeituosas refere o art. 913º nº 1 CCivil que “se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.”
Como disposição interpretativa, manda o nº2 do art. 913º CCivil, atender para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria.
Já Pires de Lima e A. Varela alertavam que, “o regime estabelecido nos arts. 913º ss se refere apenas às coisas defeituosas ( às coisas com defeito ) e que, entre os defeitos da coisa, se aplica somente aos defeitos essenciais, seja porque impedem a realização do fim a que a coisa se destina, seja porque a desvalorizam na sua afectação normal, seja porque a privam das qualidades asseguradas pelo vendedor. São estas conotações de carácter objectivo- mais do que o erro do comprador ou o acordo negocial das partes- que servem de real fundamento aos direitos especiais concedidos pela lei ao comprador e que justificam, pela especial perturbação causada na economia do contrato, os desvios contidos nesta secção ao regime comum do erro sobre as qualidades da coisa.”[4]
A noção de defeito implica, assim, a existência de um vício que desvalorize ou impeça a realização do fim a que a coisa se destina, independentemente de esse vício se manifestar posteriormente à celebração do contrato, desde que, nessa altura, já existisse em potência.
“A coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme àquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo, enquanto que a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado. Os vícios e as desconformidades constituem o defeito da coisa.
(…) O facto de o defeito da coisa ser superveniente, isto é, de sobrevir após a celebração do contrato, não impede a aplicação destas regras sobre incumprimento, derivado do vício da coisa. Na realidade, o art. 918ºCC, relativamente às situações de defeito superveniente, remete para as regras gerais do não cumprimento, mas o facto de se remeter para o regime do não cumprimento não impede que, depois, nas particularidades próprias advenientes dos vícios, se apliquem os arts. 913º ss CC.”[5]
Em face da matéria de facto apurada, resulta claro que à data da venda do imóvel pelos Apelantes aos Apelados, o imóvel vendido, que engloba as zonas comuns do prédio onde se insere, como bem ficou esclarecido na sentença recorrida e não é questionado nesta sede de recurso, padecia de vícios que, para além de necessariamente o desvalorizar, impedem a realização do fim a que se destina, não permitindo que os Apelados/compradores lá residam.
Como defende Pedro Romano Martinez, “As consequências da compra e venda de coisas defeituosas determinam-se atentos três aspectos: em primeiro lugar, na medida em que se trata de um cumprimento defeituoso, encontram aplicação as regras gerais da responsabilidade contratual (arts. 798º ss CC); segundo, no art. 913º, nº 1 CC faz-se uma remissão para a secção anterior, que respeita à compra e venda de bens onerados; terceiro, nos arts. 914ºssCC, para a compra e venda de coisas defeituosas, estabeleceram-se algumas particularidades.” [6]
Os arts. 798º, 562º e 563º do CCivil estabelecem quais os pressupostos da responsabilidade civil contratual ou obrigacional: o incumprimento do contrato; por acto imputável ao devedor(culpa); do qual resultem danos; havendo nexo de causalidade entre o incumprimento e os danos.
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art. 798º CPC).
Na responsabilidade contratual incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º nº 1 do CPC).
“Positivamente, podemos partir de um conceito amplo, como o de Pessoa Jorge: a execução defeituosa será aquela em que o devedor «realiza a totalidade da prestação (ou parte dela, visto poder verificar-se uma execução parcial e defeituosa), mas cumpre mal, sem ser nas condições devidas». Também segundo Pedro Romano Martinez «sempre que o devedor realiza a prestação a que estava adstrito, mas esta não corresponde, totalmente, à que era devida, a violação contratual subsume-se ao cumprimento defetuoso». Podemos, assim, assentar que a prestação oferecida não reveste as características acordadas ou devidas, é imprópria.” (Catarina Monteiro Pires, Contratos, Perturbações na Execução, p. 123).
Provado o cumprimento contratual defeituoso decorrente da desconformidade do bem vendido, cuja prova incumbia aos Apelados/compradores (art. 342º nº 1 do CCivil), presume-se que esse incumprimento é imputável aos Apelantes/vendedores (art. 799º nº 1 do CCivil).
Há, pois, uma presunção legal iuris tantum de culpa do devedor no incumprimento obrigacional. Ao credor basta provar a celebração de um contrato, o objecto do mesmo e o incumprimento da obrigação ou cumprimento defeituoso.
Pode, face ao regime legal, considerar-se que o legislador, com naturais preocupações de protecção do comprador contra os vícios da coisa vendida, lhe atribuiu diversas possibilidades de reacção no caso de a coisa se apresentar defeituosa: conseguir, demonstrados os pressupostos do erro ou do dolo, a anulação do contrato (arts. 913º e 905º), acrescida da indemnização que ao caso couber (arts. 908º, 909º e 915º); exigir do vendedor a convalidação do negócio, isto é, a reparação da coisa ou, se for necessário e ela for fungível, a sua substituição ( art. 914º); peticionar contra o vendedor que não procedeu à reparação exigida, o pagamento de indemnização pelo incumprimento da obrigação de convalidar o contrato (arts. 907º nº 1 e 910º) e ainda recorrer à actio quanti minoris, obtendo a coisa vendida pelo preço por que a teria comprado se conhecesse o defeito, bem como indemnização nos termos gerais (art. 911º)—neste sentido Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Coimbra, 2001, pág.59.
No caso sub judice, os Apelados/compradores exerceram perante os Apelantes/vendedores um direito indemnizatório por força do cumprimento defeituoso do contrato, uma vez que o imóvel vendido apresenta graves defeitos, não pretendendo nem a resolução do contrato, nem a redução do preço, e não podendo pedir a sua reparação a cargo dos Apelantes uma vez que tal obrigação incumbe agora ao condomínio do qual os vendedores deixaram de pertencer.
Se os vendedores não podem cumprir a obrigação de reparar a coisa defeituosa deverão indemnizar os compradores pelo interesse contratual negativo, tratando-se de uma responsabilidade derivada do incumprimento dos deveres de reparação da coisa, determinada nos termos do art. 910º CC aplicável por força do art. 913º nº 1 CC (neste sentido, Pedro Romano Martinez, ob.cit, p. 131 e Cumprimento Defeituoso, p. 392ss).
Podem, pois, os compradores pedir uma indemnização, nos termos gerais dos arts. 562ºssCC, a qual se baseia na culpa dos vendedores, nos termos do art. 908º CC, por remissão do art. 913º nº 1 CC, culpa essa que se presume, por estarmos em sede de responsabilidade contratual.
Não obstante, tal como se fez menção em sede da 1ª Questão, os Apelantes/vendedores, de acordo com o regime da compra e venda de bens defeituosos, apenas se poderiam eximir à sua responsabilidade decorrente da venda de bem defeituoso, caso tivessem demonstrado uma de duas coisas:
1- que os compradores conheciam o defeito e mesmo assim aceitaram comprar aquele imóvel;
2- que eles próprios desconheciam, sem culpa, o defeito (art. 914º do CCiv).
Tal como defende João Calvão da Silva, “(…) o vício conhecido do comprador na conclusão do contrato exclui a garantia e responsabilidade do vendedor: convenientemente elucidado, o comprador aceita a coisa defeituosa, não se vendo como poderia depois alegar um vício ou falta de qualidade da couisa entregue em conformidade com o contrato. A prova de que o adquirente da coisa conhecida o seu defeito incumbe ao vendedor, de acordo com as regras gerais da repartição do onus probandi (art. 342º nº 2), enquanto a prova da existência do defeito cabe ao comprador (art. 342º nº 1).
Com vista à proteção do comprador de coisas defeituosas, o art. 913º nº 1, manda observar, com as devidas adaptações, o prescrito na secção relativa aos vícios do direito ou venda de bens onerados (art. 905º e segs), em tudo quanto não seja modificado pelas disposições reguladoras dos vícios da coisa.
Por força da mesma remissão, o comprador de coisa defeituosa goza igualmente do direito à indemnização do interesse contratual negativo, nos termos previstos para a venda de coisas oneradas (….) mas com uma importante modificação: na anulação por simples erro, a indemnização (confinada aos danos emergentes) só é devida se o vendedor conhecer com culpa o vício ou falta de qualidade de que a coisa padece ( art. 915º)- culpa presumida ( art. 914º, 2ª parte, art. 799º), cabendo ao alienante ilidi-la mediante a prova do seu desconhecimento não culposo do vício ou da falta de qualidade da coisa”[7]
Tal como refere Jorge Morais Carvalho, em anotação ao mencionado art. 915º do CCivil “o regime da venda de coisas defeituosas é, no entanto, menos favorável para o comprador, na medida em que este preceito exclui a responsabilidade do vendedor se este desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece.
A responsabilidade não é aqui, portanto, ao contrário do que sucede na venda de bens onerados, independente de culpa.”[8]
Ora, nem uma coisa, nem outra demonstraram os Apelantes, conforme lhes incumbia, sendo certo que não lhes seria suficiente para o efeito alegar que não impediram os compradores de ver o imóvel, quando os defeitos se situavam em zonas comuns do prédio constituído em propriedade horizontal que os Apelantes não alegaram terem sido mostradas aos compradores antes da venda, nem tão pouco lhes bastaria alegar que há vários anos que não visitavam o imóvel pois que esse desconhecimento sempre lhes seria imputável, não os isentando de culpa.
O vendedor responde perante o comprador por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, pelo que, no mínimo ser-lhe-ia exigível que vistoriasse previamente o bem que ia vender de forma a assegurar-se que não estava a vender um imóvel que padecia de defeitos, sob pena de por eles vir a ser responsabilizado.
Assim sendo, nenhuma censura merece a sentença recorrida quando condenou os Apelantes na indemnização aos Apelados dos danos por estes sofridos pela compra àqueles de bem defeituoso.

3ª Questão- Fixação da indemnização dos danos futuros por equidade.
Sustentam os Apelantes que foram condenados a pagar aos Apelados todas as rendas que os mesmos vierem a ter de suportar, com referência ao contrato de arrendamento celebrado, em montante a liquidar em execução de sentença, partindo a sentença recorrida do pressuposto de que os Apelantes têm de custear todos os custos de alojamento dos Apelados, até á eliminação das anomalias estruturais do prédio, no sentido de ser assegurada a respectiva estabilidade e de permitir a ocupação a que se destina.
Insurgem-se contra essa decisão condenatória apenas quanto ao facto de ser a liquidar em execução de sentença, pugnando pela fixação dessa indemnização a título de danos futuros por equidade, nos termos do art. 566º nº 3 do CC, argumentando que, como as anomalias em questão se verificam nas partes comuns do prédio e, não podendo ser eles a realizar essas obras por já não serem comproprietários dessas partes comuns, terão de aguardar que o condomínio ( de que fazem parte os Apelados) se decida, um dia, a realizá-las, ficando onerados, até essa data, com o sobredito pagamento das rendas.
Afigura-se-nos que, apesar da aparente indefinição do tempo durante o qual os Apelantes poderão estar onerados com o pagamento dos custos de alojamento dos Apelados decorrente da impossibilidade de estes habitarem no imóvel que lhes foi vendido até que sejam realizadas as obras necessárias pelo condomínio, não é aplicável ao caso o invocado art. 566º nº 3 do CC.
Sob o ponto 3 e 4 da sentença recorrida foram, os aqui Apelantes, condenados no seguinte:
“4. Condenam-se os Réus a indemnizarem os Autores no montante de 1.418,69€, pagos a título de renda devida pelo locado no lugar de ..., ..., em virtude da desocupação a que foram obrigados, acrescida do montante devido a título de juros contados desde a citação até integral pagamento.
5. Condenam-se os Réus a pagar aos Autores todas as rendas que os mesmos vierem a ter de suportar, com referência ao contrato de arrendamento celebrado nos anos subsequentes, sendo a prestação mensal, durante o ano de 2022, de 245,92 € (duzentos e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos), em montante a liquidar em execução de sentença.”
Refere o art. 566º nº 3 do CC que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Ora, no caso em apreço os danos decorrentes dos custos com o alojamento alternativo dos Apelados, por estarem impossibilitados de habitarem o imóvel comprado aos Apelantes até que sejam realizadas as obras exigidas pela entidade camarária, estão perfeitamente quantificados, decorrem de uma mera operação aritmética de soma das rendas mensais que os Apelados terão de pagar, no futuro, ao senhorio, podendo o tribunal apurar o valor exacto de tais danos, o que acontece é que, enquanto danos futuros, que se prolongarão no tempo, a sua quantificação total apenas se poderá ultimar na liquidação em execução de sentença, realizadas que estejam as obras mencionadas no ponto 2 da decisão proferida em 1ª Instância.
Tal como refere Ana Prata, em anotação aquele preceito legal “o nº 3 prevê as hipóteses em que não seja possível averiguar «o valor exato dos danos», remetendo então para a equidade, embora dentro dos limites que houverem sido provados. Têm de distinguir-se estas situações daquelas em que o tribunal, por serem futuros os danos ou por a sua prova integral não poder ser feita naquela ocasião, difere a fixação da indemnização para momento ulterior. (v. arts. 564º e 565º e anotação respectiva).”
Efectivamente, tal como se faz menção expressa no art. 564º nº 2 do CC, na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indenização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Assim também o permite o art. 609º nº 2 do CPC, segundo o qual, se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida, tendo sido observados os referidos preceitos legais pelo tribunal a quo, não sendo caso de fixação da indemnização por equidade.
A indefinição de que se podem queixar os Apelantes não é mais do que a que decorre de uma qualquer condenação a liquidar em execução de sentença, quando os danos futuros se prolongam no tempo.
Deste modo, sendo inaplicável ao caso o art. 566º nº 3 do CC, soçobra, também, este argumento recursivo.
**
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pelos Apelantes/Réus, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos Apelantes, que ficaram vencidos.
Notifique.

Porto, 18/4/2023
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
Artur Dionísio de Oliveira
Maria Eiró

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
_________________
[1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[3] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2ª edição, 2008, pág. 297-298, AC STJ de 29.09.2020, relator Sr. Juiz Conselheiro JORGE DIAS, AC STJ de 17.05.2017, relator Sr.ª Juíza Conselheira FERNANDA ISABEL PEREIRA, AC RC de 27.05.2014, relator Sr. Juiz Desembargador MOREIRA do CARMO e AC RP de 19.05.2014, relator Sr. Juiz Desembargador CARLOS GIL, todos disponíveis in dgsi.pt.
[4] CCivil anotado, vol.II, pág. 212
[5] Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, p. 127ss
[6] Ob. Cit., p. 128ss
[7] Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, Almedina, Pág. 48/49
[8] CC Anotado, Vol. I, Ana Prata (Coord), pág. 1132