Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
30122/15.7T8PRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
MENOR RESIDENTE NO ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RP2018030630122/15.7T8PRT-D.P1
Data do Acordão: 03/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º815, FLS.90-93)
Área Temática: .
Sumário: Tendo a requerente num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais declarado que a sua filha menor, a quem se referem tais responsabilidades, vive consigo na Bélgica, são os tribunais da respectiva ordem judiciária os internacionalmente competentes para a correspondente decisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 30122/15.7T8PRT-D.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores do Porto - Juiz 2

REL. N.º 488
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Lina Castro Baptista
Fernando Samões
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1. - RELATÓRIO
B…, na qualidade de progenitor da criança C…, intentou a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à mencionada criança contra D….
Tendo o tribunal apurado, por declarações da própria autora, que à data da propositura da presente acção, a menor residia, como ainda reside, na Bélgica, juntamente com ela, concluiu pela sua incompetência absoluta, por ser internacionalmente competente a ordem judicial belga, indeferindo a petição inicial.
É desta decisão que vem interposto recurso, aduzindo a mãe da menor diversos argumentos em função dos quais defende dever ser reconhecida a competência internacional do tribunal recorrido, para a decisão da causa. Pretende, por isso, a revogação da decisão recorrida, terminando o seu recurso com as seguintes conclusões:
1. A menor encontra-se actualmente na Bélgica na morada: …, …. …., Bélgica, Antuérpia. No entanto, tal morada não é a morada oficial da mesma, uma vez que a menor não tem certificado de registo de residência na Bélgica.
2. A menor mantém, para todos os efeitos legais, a morada no Porto, sita na Alameda …, Bloco …, entrada …, …, …. - …, Porto.
3. A menor não tem certificado de registo de residência na Bélgica, porquanto é necessário para tal uma prova de que a mesma está a cargo da Requerente, sendo que para isso é essencial a regulação das responsabilidades parentais em Portugal.
4. Todos os vínculos legais da menor encontram-se ligados a Portugal, nomeadamente: detém progenitores portugueses, morada portuguesa, todos os seus documentos são emitidos pelo estado português e beneficia de abono de família para crianças e jovens prestado pela Segurança Social portuguesa.
5. O Requerido reside no Porto, mais concretamente na morada: Travessa …, n.º .., casa …, …, Porto.
6. Nos termos do disposto no artigo 9.º n.º 7 da Lei n.º 141/2015 de 8 de Setembro, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência da Requerente ou do Requerido, se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente.
7. O tribunal português é assim internacionalmente competente, nos termos do disposto no artigo 62.º alínea c) do C.P.C., na medida em que “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: (...) c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.”
8. Atendendo ao alcance do artigo supra citado, constata-se que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, porquanto a menor não tem o certificado de registo de residência na Bélgica, pois as entidades belgas necessitam de prova em que a mesma está a cargo da Requerente, prova essa que só pode ser dada pelos Tribunais portugueses.
9. Os tribunais belgas dispõem de escassos elementos para uma decisão que se quer abrangente de toda a realidade social e familiar que envolve a menor.
10. A regulação das responsabilidades parentais só se torna efetiva por meio de acção proposta em território português.
11. É competente na presente situação o tribunal da residência do Requerido, ou seja, o Juízo de Família e Menores do Porto.
12. Por outro lado, o próprio espírito do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27 de Novembro, que regula as Decisões em Matéria Matrimonial e Responsabilidade Parental, estipula que as regras de competência em matéria de responsabilidade parental são definidas em função do superior interesse da criança.
13. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/03/2012, processo n.º 703/11.4TBLNH.L1-1, afirma que “(...) em sede de aferição da competência internacional do tribunal de um Estado-Membro para conhecer de uma acção de regulação do exercício do poder paternal, as regras comunitárias não devem ser aplicadas de uma forma mecânica, simplista, antes se impõe que a regra geral do nº 1, do artº 8º, seja aplicada sob reserva (como o refere o nº 2, do artº 8º), não olvidando nunca o superior interesse da criança e o critério da proximidade ( ou como refere o artº 15º, o tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular).”
14. Tudo apontando, pois, que é com Portugal que a menor, à data da propositura da presente acção, mantinha uma ligação particular, e com o qual ainda detém uma maior proximidade, a que acresce que, tendo desde sempre residido em Portugal, forçoso é também concluir que será o Juízo de Família e Menores do Porto, aquele que mais bem colocado estará para conhecer do processo e não qualquer outro.
15. Justifica-se assim que o estado português, no qual a menor tem uma ligação particular, seja considerado o mais bem colocado para conhecer do mérito do presente processo e a final garantir o superior interesse da criança.
16. Neste sentido, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/06/2016, processo n.º 1883-06.6TBMFR-C.L1-8, “Residindo o pai do menor em Portugal, aqui tendo sempre vivido o pai, a mãe e o menor, que se apenas se encontra na Alemanha há muito pouco tempo, o critério da proximidade, interpretado segundo o previsto no referido Regulamento, aponta para a competência dos tribunais portugueses”.
17. De igual opinião é também o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/05/2013, processo n.º 257/10.9TBCBT-D.G1, “A competência internacional da jurisdição portuguesa justifica-se, in casu, porque (...) a circunstância da mãe estar em França há apenas um ano, o menor muito menos, daí que sejam escassos os elementos à disposição do tribunal francês para uma decisão que se quer abrangente de toda a realidade social e familiar que envolve o menor.”
18. Inexistem motivos legalmente válidos que justifiquem a declaração de incompetência territorial absoluta dos tribunais portugueses para decidir quanto às responsabilidades parentais da menor C…, tal como o decidido pelo Tribunal a quo.
Nestes termos, e em face do exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue o tribunal da residência do Requerido como competente, ou seja, o Juízo de Família e Menores do Porto, determinando o prosseguimento dos autos.
O MºPº junto desta 2ª instância ofereceu resposta ao recurso, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foi recebido nesta Relação, onde cabe agora apreciar o respectivo objecto.
2- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC.
No caso, a questão a resolver é a aferição da competência internacional do tribunal recorrido para a regulação do exercício das responsabilidades parentais referentes à menor C…, em função dos elementos factuais que os autos proporcionam e que se passam a elencar.
1. A menor C… nasceu em 6/10/2016, com naturalidade na freguesia de …, Porto.
2. A menor vive com a mãe na Bélgica, em …, .., Antuérpia.
3. O pai da menor, D… é identificado com domicílio na Travessa …, .., casa …, no Porto.
4. A mãe da menor, quando em Portugal, indica como residência Alameda …, Bloco …, entrada ….
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A factualidade supra indicada, designadamente a que se refere à residência da menor à data da propositura da acção, é absolutamente relevante para a solução da questão sob apreciação.
A esse propósito, não obstante a apelante afirmar que a menor tem “residência oficial” em Portugal, no Porto, o que é certo é que foi ela própria a esclarecer que a menor vive consigo, na Bélgica, constando também dos autos um pedido de certidão para a sua matrícula numa escola belga.
Por isso, não pode deixar de ter-se por adquirido o facto de, ao tempo da entrada deste processo, a menor C… ter residência na Bélgica.
Este facto é relevante na medida em que acarreta a aplicação do Regulamento(CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro (relativo a Decisões em Matéria Matrimonial e Responsabilidade Parental).
Com efeito, dispõe a al. b) do nº 1 deste Regulamento que ele é chamado a reger sobre “matérias civis relativas … b) À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.”. Ou seja, é incontornável a sua aplicação ao caso.
Por outro lado, tratando-se de um Regulamento Comunitário, o mesmo é directamente aplicável e prevalece sobre qualquer outra disposição de direito interno nacional.
Haverá, pois, de procurar-se no seu dispositivo a solução para a questão que nos ocupa, apenas se recorrendo ao direito nacional se ela ali não se encontrar.
Relativamente á matéria de competência internacional, que é a pertinente para a solução do problema sub judice, o artigo 8.º desse mesmo regulamento dispõe:
“1. Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
2. O n.º 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.º, 10.º e 12.º”
Verificando-se que a menor C…, à data da propositura da acção, vivia e vive com a mãe na Bélgica, em Antuérpia, tal tenderá a determinar a competência dos tribunais da ordem judiciária belga, para a definição do regime de exercício das responsabilidades parentais a ela respeitantes.
Tal só não acontecerá se verificar qualquer das situações previstas nos arts. 9º, 10º e 12º do mesmo Regulamento.
O art. 9º (Prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança) estabelece pressupostos de prévia intervenção judicial que, no caso, não se verificam.
O art. 10º (Competência em caso de rapto da criança) regula situações alheias à situação em apreço.
O art. 12º (Extensão da competência) prevê igualmente uma intervenção judicial prévia, relativa a um vínculo conjugal, que motiva a extensão da competência à regulação de questões de responsabilidade parental. Assim prevê que um tribunal de um Estado-Membro que seja competente para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, o seja também para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido (de divórcio, de separação ou de anulação do casamento). Está em causa, assim, o alargamento de uma competência fixada em relação a outra matéria e que, em determinadas circunstâncias, se entende adequado alargar a questões de responsabilidade parental que sejam conexas.
Para além disso, no seu nº 3, esta norma prevê que essa extensão de competência possa ocorrer no âmbito de outros processos, que não tenham por objecto um pedido de divórcio separação ou anulação de casamento, mas sim um pedido de outro género, com o qual se relacione “ qualquer questão relativa à responsabilidade parental”. Mas, nesse caso, exigem-se, como requisitos complementares da extensão de competência, que a criança tenha uma ligação particular com esse Estado-Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado-Membro ou de a criança ser nacional desse Estado-Membro; e a sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança – als. a) e b) do nº 3 citado.
Trata-se, também nesta norma, de um alargamento da competência verificada no âmbito de um processo onde deva ser apreciado determinado pedido que, por este se relacionar com uma questão de exercício da responsabilidade parental, abrangerá também essa questão de responsabilidade parental.
Este nº 3 não prevê, assim, uma autónoma ou complementar solução de competência internacional, relativamente à do art. 8º, desde que verificados os pressupostos das alíneas a) e b), mas apenas uma situação de alargamento de uma competência previamente reconhecida para a apreciação de um pedido com o qual se relaciona a questão de responsabilidade parental a decidir.
Conclui-se, então, que nenhum destes desvios à solução constante do art. 8º que acima se enunciou se verifica no caso em apreço.
Por isso, nos termos dessa norma, a competência para a definição das responsabilidades parentais relativas à menor C… deve ser reconhecida aos tribunais da Bélgica, onde reside, e não a um tribunal português, designadamente aquele que corresponderia à área de residência do pai, requerido, ou mesmo da mãe, quando em Portugal, pois que ela própria admitiu residir na Bélgica.
Acresce que, como é lógico, essa solução prescrita pelo art. 8º é a que realiza o princípio constante do §12º, do preâmbulo do Regulamento, que refere: “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.”
A afirmação do relevo do critério da proximidade, para a definição do interesse da criança, na fixação da competência internacional do tribunal parece evidente.
Com efeito, numa análise que expressamente se reconhece e pretende simples, de um regime legal como aquele que trata de se aplicar, podemos dizer que a regulação das responsabilidades parentais relativas a uma criança exigem, em homenagem ao seu próprio interesse, que é o “superior” interesse a considerar, o mais rigoroso conhecimento possível das suas condições e circunstâncias de vida. Tal conhecimento será tão mais alcançável quanto se procure e alcance no tribunal da área de residência da criança, e não num tribunal da residência dos seus pais.
No caso concreto, repare-se quão mais adequado é o apuramento e conhecimento de tais circunstâncias por um tribunal belga, da área de residência da menor, do que por um tribunal português.
É certo que para a definição daquelas responsabilidades também haverá de ser procurada factualidade respeitante ao pai da menor e suas circunstâncias. Mas esse conhecimento poderá ser mais facilmente obtido por um tribunal belga, do que o apuramento das circunstâncias de vida da menor e sua mãe, na Bélgica, por um tribunal português. Além de que, como se disse, o interesse superior a atender é o da menor e não o dos seus progenitores.
Tem, pois, todo o sentido quer a regra constante do art. 8º, nº 1 do Regulamento 2201/2003, quer a sua aplicação ao caso em apreço.
Admite-se que se a realização do interesse da menor, inerente à definição das responsabilidades parentais a si relativas, não pudesse efectivar-se junto dos tribunais da ordem judiciária belga, haveria de reconhecer-se uma competência internacional subsidiária ao tribunal recorrido, nos termos da al. c) do art 62º do CPC, pois a situação tem inequívocos elementos de conexão pessoais com a ordem jurídica portuguesa. Isso reconheceria estar prejudicada ou ter sido recusada a aplicação do regulamento, nos termos citados, por um tribunal belga.
Porém, nada se conhece que justifique uma tal conclusão, sendo uma afirmação desprovida de suporte o relato de a menor não ser reconhecida como residente na Bélgica, por não estar definida a atribuição da sua guarda à mãe. De resto, como se verifica dos autos e já se referiu, é com base nessa realidade que a ora apelante tratou de providenciar pela matrícula da menor em instituição de ensino naquele país.
Conclui-se, pois, ser incontornável a solução afirmada pelo tribunal recorrido, de resto igualmente sustentada na resposta do MºPº.

Nestes termos, nenhuma censura merece a decisão em crise, cabendo confirmá-la, na improcedência da presente apelação.
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Sumariando:
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante.
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Porto, 6/3/2018
Rui Moreira
Lina Baptista
Fernando Samões