Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5730/16.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
TEMPO PARCIAL
REQUISITOS
INDICAÇÃO DO PERÍODO NORMAL
TRABALHO DIÁRIO E SEMANAL
PRESUNÇÃO DE TEMPO COMPLETO
Nº do Documento: RP201711205730/16.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º264, FLS.58-68)
Área Temática: .
Sumário: I - Pese embora não se encontrar no Código revisto preceito legal que corresponda ao artigo 646.º, n.º 4, do anterior CPC, que impunha, como consequência, para as respostas sobre matéria de direito que as mesmas fossem consideradas como não escritas, o Juiz não fica dispensado de evitar formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam diretamente ao objeto da ação.
II – O artigo 153.º do CT/2009 identifica os vários requisitos necessários para que o contrato de trabalho possa ser exercido a tempo parcial, entre os quais, de acordo com a alínea b) do seu n.º 1, a indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo, requisito este que tem por objetivo obstar a abusos inaceitáveis por parte da entidade empregadora, colocando no seu livre arbítrio a atribuição, ou não, de um número mínimo de horas de trabalho diário ou semanal, como ainda, do mesmo modo, de não atribuição de qualquer trabalho por largos períodos de tempo ou a atribuição de meras “migalhas” retributivas.
III - Constando do contrato celebrado que o trabalhador ficaria sujeito a um horário “em tempo parcial, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais, nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável”, tal indicação, não sendo infirmada por outra prova, sendo superior em termos comparativos o horário de trabalho a tempo completo, permite ter por ilidida a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 153.º no que se refere em particular ao número de horas semanal contratado, que deverá ser tido como sendo o de 32 horas, daí decorrendo, por consequência, que se esteja nesse caso perante um contrato de trabalho a tempo parcial, com esse horário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 5730/16.2T8PRT.P1
Autor: B…
: C…, S. A.

Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rita Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. B… intentou ação emergente de contrato individual de trabalho, em processo declarativo comum, contra C… - Empresa de Segurança, S. A.
Pede o reconhecimento como contrato de trabalho a tempo completo do contrato que celebrou com a Ré no dia 1 de abril de 2014, e, consequentemente: a condenação desta a pagar-lhe as quantias de retribuição vencidas e não pagas no valor de €4.979,53 e juros de mora vincendos, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efectivo pagamento dos montantes em que a ré vier a ser condenada, sendo os vencidos de €122,19; a condenação da Ré ao pagamento do subsídio de alimentação não pago pelos dias que trabalhou no valor de €1.056,54, e juros de mora vincendos, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efectivo pagamento dos montantes em que a Ré vier a ser condenada, sendo os vencidos de €41,44; a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 2.000,00€ a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescido dos juros de mora desde a apresentação da petição inicial.
Para tanto, em síntese, alegou ter celebrado com a Ré contrato de trabalho crismado formalmente como trabalho a tempo parcial no seu clausulado, mas cuja execução por períodos superiores ao convencionado e legalmente admissível teriam transformado judicialmente em contrato a tempo inteiro, pedindo assim a condenação da Ré nos termos pedidos, argumentando ter direito a receber os valores mínimos estipulados convencionalmente para os contratos a tempo completo do setor, para além de subsídios de refeição em falta e de indemnização por danos advenientes do cumprimento de horário de trabalho desajustado com as exigências legais atinentes ao tempo máximo de pausa para almoço, que descreve.

1.1. Frustrando-se a conciliação em sede de audiência de partes, contestou a Ré, impugnando a versão factual aportada aos autos pelo Autor, no respeitante às horas de trabalho prestadas e invocando a impertinência do peticionado reconhecimento da configuração contratual do tempo de trabalho pelo mesmo invocada, repudiando ainda a versão referente aos subsídios de alimentação e à indemnização por danos de índole moral.
1.3. Fixado o valor da acção em € 8.493,00, foi de seguida elaborado despacho saneador tabelar, admitindo-se ainda os meios de prova e designando-se data para a realização da audiência de julgamento.

1.4. Seguindo os autos os seus posteriores termos, realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta o seguinte:

“Pelo supra exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, declarando-se que o contrato celebrado entre autor e ré no dia 1 de abril de 2014 assume a qualidade de contrato de trabalho a tempo completo, e, consequentemente condena-se a ré a pagar ao autor as quantias de retribuição vencidas e não pagas no valor total de €4.979,53 (quatro mil, novecentos e setenta e nova euros e cinquenta e três cêntimos) – que resultam da diferença entre valor da remuneração mínima convencionada para os trabalhadores em funções similares, vigilantes, e os valores pagos e descritos supra em 16 a 32 –, a que adicionam juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada prestação até ao seu efetivo pagamento.
Mais se absolve a ré do demais pedido pelo autor.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apelou a Ré, tendo rematado as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

“a. Autor e Ré celebraram um contrato de trabalho nos termos do qual o primeiro se comprometeu, por determinação expressa e no interesse da ré, a cumprir um horário de trabalho em tempo parcial, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais, nos termos do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável, auferindo uma retribuição mensal ilíquida de €3,70/hora.”, conforme resultou dos 5. e 6. dos factos provados da sentença.
b. O contrato individual de trabalho celebrado entre Autor e Ré, consubstancia um contrato de trabalho em tempo parcial, correspondendo integralmente à vontade das partes. Como tal,
c. Nunca se poderia concluir que a partir de Novembro de 2014 existiu uma redução do horário de trabalho do Autor, mas, antes sim, que o Autor se limitou a cumprir as horas de trabalho determinadas pela empresa em estrito cumprimento do estabelecido nas Cláusula do contrato individual de trabalho celebrado entre as partes e a que correspondem os factos 5. e 6. dos factos provados.
d. O Mmº Juiz deveria assim ter considerado NÃO provado o facto 14. dos factos provados.
e. Decidindo como decidiu, i.e., considerando provado o facto 14. dos factos provados, efectuou o Mmº Juiz uma errada apreciação da prova, incorrendo em erro de julgamento.
f. Nunca se poderia igualmente concluir que a partir do mês de Novembro de 2014 se verificou uma redução da retribuição do Autor.
g. Da matéria dada como provada apenas ficou demonstrado que o Autor se limitou a cumprir as horas de trabalho determinadas pela empresa em estrito cumprimento do estabelecido nas Cláusula do contrato individual de trabalho celebrado entre as partes e a que correspondem os factos 5. e 6. dos factos provados.
h. E, ainda que se considerasse que alguma diminuição da retribuição de facto existiu, tal sempre se teria ficado a dever à circunstância do Autor não querer prestar mais horas, mormente em dias feriado quando existe um substancial incremento da remuneração.
i. O Mmº Juiz deveria assim ter considerado NÃO provado o facto 15. dos factos provados.
j. Decidindo como decidiu, i.e., considerando provado o facto 15. dos factos provados, efectuou o Mmº Juiz uma errada apreciação da prova, incorrendo consequentemente em erro de julgamento.
k. O nº 1 do artigo 153º do Código do Trabalho estabelece que o contrato de trabalho a tempo parcial está sujeito a forma escrita e, nos termos da alínea b) da mesma disposição legal, deve conter a indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo.
l. O nº 2 da mesma disposição legal estabelece uma presunção ilidível que determina que, na falta da aludida referência, o contrato se considera celebrado a tempo completo.
m. Da prova realizada resultou claramente que as partes quiseram estabelecer um contrato de trabalho em tempo parcial, nos precisos termos em que o fizeram, tendo-se as testemunhas D… e E... pronunciado de forma clara nesse sentido.
n. Mas o próprio Autor, quando perguntado sobre a sua intenção aquando da celebração do contrato individual de trabalho com a Ré, veio esclarecer definitivamente a questão proferindo “Sim, sim, sim, sim. Part time, área do Porto.”.
o. O Mmº Juiz do tribunal a quo deveria ter considerado “Provado” o FF. dos factos não provados.
p. Isto é, o Mmº Juiz deveria ter considerado provado “Que autor e ré pretenderam que o tempo de trabalho prestado por força da subscrição do contrato mencionado em 5 e 6 se limitasse a um tempo parcial.”
q. Decidindo como decidiu, efectuou o Mmº Juiz uma errada apreciação da prova, incorrendo consequentemente em erro de julgamento.
r. Mas ainda que se venha a considerar que Autor e Ré celebraram um contrato de trabalho a tempo inteiro, o que não se concede e apenas se admite como mero exercício de raciocínio, sempre deverá ser a douta sentença de que se recorre, revogada, condenando-se a Ré unicamente no pagamento da quantia de €1.971,89 a título de diferenças retributivas, acrescida de juros à taxa de 4%. Isto porque,
s. O mmº Juiz do tribunal a quo efectuou uma errada interpretação e aplicação do direito, incorrendo consequentemente em erro de julgamento no cálculo das retribuições devidas ao Réu.
t. O disposto no nº 2 do artigo 153º do Código do Trabalho deverá ser interpretado no sentido de considerar que o Autor tem unicamente direito às diferenças retributivas calculadas entre as remunerações efectivamente auferidas e a que resulta de um vencimento mensal correspondente a 128 horas mensais,
u. atendendo a que as partes estabeleceram um horário de trabalho em tempo parcial de até 32 horas semanais, e o vencimento horário era de €3,70 até Fevereiro de 2015 e de €3,76 a partir de Março de 2015.
Termos em que, com o douto suprimento de V/ Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar-se a douta decisão recorrida, absolvendo-se a Ré da totalidade do pedido.
Caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite como mero exercício de raciocínio, deverá ser a Ré, ora Recorrente absolvida do pagamento que exceder a quantia de €1.971,89 a título de diferenças retributivas, acrescida de juros à taxa de 4%, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

2.1. Contra - alegou o Autor, concluindo pela improcedência do recurso.

2.2. O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (art.ºs 79.º-A n.º 1, 80.º n.ºs 1 e 3, 83.º n.º 1 e 83.º-A n.º 1, todos do C. P. Trabalho, e art.ºs 629.º e 631.º, estes do C. P. Civil).

3. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, sustenta a improcedência do recurso, de facto e de direito.
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Corridos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
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II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) Reapreciação da matéria de facto; (2) Saber se o tribunal a quo errou no julgamento na aplicação do direito aos factos, ao considerar que estamos perante um contrato de trabalho a tempo completo e não, como defende a Recorrente, a tempo parcial, com as consequências que derivam dessa conclusão para o demais em apreciação.
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III – Fundamentação
A) De facto
São os seguintes os factos considerados provados nos autos:
“1. A ré é uma empresa que se dedica à prestação de serviços de segurança privada.
2. O autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 1 de abril de 2014, mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado, para desempenhar, sob ordens, direção e fiscalização da ré, as funções inerentes à categoria profissional de Vigilante.
3. Tais funções consistiam em assegurar a vigilância, prevenção e segurança de diversas empresas ou serviços públicos com quem a ré tinha celebrado contratos de prestação de serviços, e onde era colocado por esta.
4. O autor prestou trabalho no Centro de Saúde F…, Centro de Saúde G…, H…, I…, J…, entre outros locais.
5. No contrato de trabalho foi estipulado entre as partes que, em contrapartida pelo trabalho prestado, o autor auferiria a retribuição mensal ilíquida de €3,70/hora.
6. Nos termos do mesmo contrato, obrigava-se o autor, por determinação expressa e no interesse da ré, a cumprir um horário de trabalho em tempo parcial, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais, nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável.
7. Em Abril de 2014 o autor trabalhou 159 horas.
8. Em Maio de 2014 o autor trabalhou 224,5 horas.
9. Em Junho de 2014 o autor trabalhou 162,5 horas.
10. Em Julho de 2014 o autor trabalhou 191,75 horas.
11. Em Agosto de 2014 o autor trabalhou 200,75 horas.
12. Em Setembro de 2014 o autor trabalhou 230,5 horas.
13. Em Outubro de 2014 o autor trabalhou 195,5 horas.
14. A partir de Novembro de 2014 verificou-se uma redução das horas de trabalho prestado pelo autor.
15. Acompanhado dessa redução existiu uma diminuição do vencimento do autor porquanto a ré procedia apenas ao pagamento das horas que o autor efetivamente trabalhava.
16. Em novembro/2014 o autor auferiu €525,40 de horas de trabalho.
17. Em dezembro/2014 auferiu €456,95 de horas de trabalho.
18. Em janeiro/2015 auferiu €493,03 de horas de trabalho.
19. Em fevereiro/2015 auferiu €377,40 de horas de trabalho.
20. Em março/2015 auferiu €407,00 de horas de trabalho.
21. Em abril/2015 auferiu €310,80 de horas de trabalho.
22. Em maio/2015 auferiu €225,60 de horas de trabalho.
23. Em junho/2015 auferiu €225,60 de horas de trabalho.
24. Em julho/2015 auferiu €387,28 de horas de trabalho.
25. Em Agosto/2015 auferiu €394,80 de horas de trabalho.
26. Em Agosto/2015 auferiu €162,89 a título de subsídio de férias.
27. Em setembro/2015 auferiu €357,20 de horas de trabalho.
28. Em outubro/2015 auferiu €372,24 de horas de trabalho.
29. Em novembro/2015 auferiu €394,80 de horas de trabalho.
30. Em novembro/2015 auferiu €358,36 a título de subsídio de Natal.
31. Em dezembro/2015 auferiu €300,80 de horas de trabalho.
32. Em janeiro/2016 auferiu €308,32 de horas de trabalho.
33. Em abril de 2014, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 19 dias.
34. Em maio de 2014, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 22 dias.
35. Em junho de 2014, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 20 dias.
36. Em julho de 2014, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 22 dias.
37. Em agosto de 2014, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 22 dias.
38. Em setembro de 2014, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 22 dias.
39. Em outubro de 2014, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 22 dias.
40. Em novembro de 2014, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 17 dias.
41. Em dezembro de 2014, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 15 dias.
42. Em janeiro de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 16 dias.
43. Em fevereiro de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 12 dias.
44. Em março de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 13 dias.
45. Em abril de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 13 dias.
46. Em maio de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 7 dias.
47. Em junho de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 7 dias.
48. Em julho de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 7 dias.
49. Em agosto de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 13 dias.
50. Em setembro de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 7 dias.
51. Em outubro de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 12 dias.
52. Em novembro de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 13 dias.
53. Em dezembro de 2015, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 10 dias.
54. Em janeiro de 2016, o autor recebeu subsídio de alimentação referente a 10 dias.
55. Para além da redução do horário do autor, a ré atribuía-lhe recorrentemente o horário diário das 8h às 10h e das 17.30h às 20.00h.”
Por sua vez, o mesmo Tribunal não considerou demonstrada a seguinte matéria invocada:
A. Que em Abril de 2014 o autor trabalhou 197,8 horas.
B. Que em Maio de 2014 o autor trabalhou 217,5 horas mensais.
C. Que em Junho de 2014 o autor trabalhou 173 horas mensais.
D. Que em Julho de 2014 o autor trabalhou 188 horas mensais.
E. Que em Agosto de 2014 o autor trabalhou 226 horas mensais.
F. Que em Setembro de 2014 o autor trabalhou 222 horas mensais.
G. Que em Outubro de 2014 o autor trabalhou 177 horas mensais.
H. Que a partir de novembro de 2014 o horário de trabalho do autor foi reduzido pela ré.
I. Que em abril de 2014 o autor trabalhou 30 dias.
J. Que em maio de 2014 o autor trabalhou 30 dias.
K. Que em junho de 2014 o autor trabalhou 28 dias.
L. Que em julho de 2014 o autor trabalhou 28 dias.
M. Que em agosto de 2014 o autor trabalhou 29 dias.
N. Que em setembro de 2014 o autor trabalhou 28 dias.
O. Que em outubro de 2014 o autor trabalhou 28 dias.
P. Que em novembro de 2014 o autor trabalhou 25 dias.
Q. Que em dezembro de 2014 o autor trabalhou 26 dias.
R. Que em janeiro de 2015 o autor trabalhou 23 dias.
S. Que em fevereiro de 2015 o autor trabalhou 20 dias.
T. Que em março de 2015, o autor trabalhou 22 dias.
U. Que em abril de 2015 o autor trabalhou 21 dias.
V. Que em maio de 2015 o autor trabalhou 20 dias.
W. Que em junho de 2015 o autor trabalhou 19 dias.
X. Que em julho de 2015 o autor trabalhou 12 dias.
Y. Que em agosto de 2015 o autor trabalhou 22 dias.
Z. Que em setembro de 2015, o autor trabalhou 11 dias.
AA. Que em outubro de 2015, o autor trabalhou 22 dias.
BB. Que em novembro de 2015, o autor trabalhou 20 dias.
CC. Que em dezembro de 2015, o autor trabalhou 19 dias.
DD. Que em janeiro de 2016, o autor trabalhou 19 dias.
EE. Que o horário referido em 49 impossibilitava o autor de manter um equilíbrio saudável entre a vida profissional e a vida pessoal: o que, aliada à diminuição da sua retribuição, agravou o seu stress, conduzindo a um esgotamento físico e mental, angústia e profunda irritabilidade.
FF. Que autor e ré pretenderam que o tempo de trabalho prestado por força da subscrição do contrato mencionado em 5 e 6 se limitasse a um tempo parcial.”
***
B) Discussão
1. Reapreciação da matéria de facto:
Resulta das conclusões apresentadas pela Apelante que a mesma impugna a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto quanto aos pontos 14 e 15 da factualidade provada, sustentando que devem ser considerados não provados, bem como, ainda, quanto à alínea FF) dos factos não provados, que entende dever ser considerada provada.
Não se levantando no caso questões que obstem ao conhecimento, assim referentes ao cumprimento dos ónus que impendem sobre a Recorrente face ao disposto nos artigos 639.º e 640.º do Código de processo Civil (CPC), passaremos de seguida à análise, em cumprimento do que decorre do artigo 662.º do mesmo Código, tendo por referência primeira as conclusões do Recorrente.
1.1. Pontos 14 e 15 da factualidade provada.
Os referidos pontos têm a redacção seguinte:
“14. A partir de Novembro de 2014 verificou-se uma redução das horas de trabalho prestado pelo autor.
15. Acompanhado dessa redução existiu uma diminuição do vencimento do autor porquanto a ré procedia apenas ao pagamento das horas que o autor efetivamente trabalhava.”
Indica a Recorrente como meios de prova, no corpo das alegações, o depoimento das testemunha E… e as declarações de parte do Autor, fazendo a transcrição de excertos.
Da decisão recorrido fez-se constar, quanto à fundamentação dessas respostas, o seguinte:
“(…) O descrito em 14 advém também da posição assumida pela ré, reiterada pelos depoimentos das testemunhas K…, inspetor da ré, encarregado de organizar serviço, D…, também funcionário da ré, e E…, adjunta da direção da ré, que confirmaram a redução das necessidades de serviço findo o período usual de férias que vai de abril a outubro.
Serviriam os contratados como o autor para “taparem buracos”, face às ausências ou alterações do serviço, faltas de pessoal e outros imprevistos. Ora, o que o tribunal concluiu é que a redução se refere na sua essência ao número de horas prestadas, sendo muito frequentes alterações no horário de prestação de trabalho no decurso do ano, antes e depois de novembro. Afigura-se assim mais preciso falar numa redução das horas prestadas, e não numa reorganização do horário de trabalho no sentido de um evento isolado de alteração da estrutura organizativa do tempo de trabalho pontificada naquele momento temporal, afastando-se o descrito em H.
E desta aceitação do facto 14 decorre por ordem logica o mencionado em 15: menos horas de trabalho, menos retribuição auferida, atendendo à modalidade de pagamento descrita em 5.”
Apreciando, importa desde logo assinalar que a Ré, dirigindo o recurso ao ponto 14 da factualidade provada, não o dirigiu, porém, o que se lhe impunha caso pretendesse ver esse eliminado, ao ponto 55, com aquele relacionado, por constar do mesmo que “Para além da redução do horário do autor, a ré atribuía-lhe recorrentemente o horário diário das 8h às 10h e das 17.30h às 20.00h.”
Porque assim é, limitada que está a apreciação do recurso pelas conclusões – salvo questões de conhecimento oficioso, o que não é o caso –, daí decorreria, sem mais, a improcedência do recurso.
Porém, por intervenção oficiosa, dentro dos poderes desta Relação neste âmbito (artigo 662.º do CPC), importa alterar os aludidos factos, na parte em que traduzem meras conclusões a retirar de factos.
Como se afirma entre outros no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de setembro de 2014[1], constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual. Sobre a mesma questão podem ver-se também, de entre outros, os Acórdãos do mesmo Tribunal de 29 de Abril de 2015 e 28 de Janeiro de 2016, como também o recente Acórdão de 15 de setembro de 2016[2], em que se reafirma que, «pese embora não se encontrar no Novo CPC preceito legal que corresponda ao art. 646º, nº 4, do anterior CPC, que impunha, como consequência, para as respostas sobre matéria de direito que as mesmas fossem consideradas “como não escritas”, actualmente o Juiz não fica dispensado de efetuar “o cruzamento entre a matéria de facto e de direito”, evitando formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam directamente ao objecto da acção.»
Cumprindo pois apreciar, não temos dúvidas em afirmar que, no caso, a questão de saber se ocorre ou não redução de horas de trabalho e diminuição de vencimento pressupõe a formulação de um mero juízo conclusivo sobre factos, assim, acrescente-se, aqueles que no caso resultam já dos pontos 5 (em que se refere o valor da retribuição hora ilíquida, de €3,70/hora) e 16 a 32 (em que constam os valores recebidos em cada mês).
Deste modo, expurgando tais expressões conclusivas, eliminando-se o ponto 15, considera-se provado, no ponto 14, o seguinte:
“14. A partir de Novembro de 2014, por decorrência do número de horas de trabalho prestado pelo Autor, o mesmo auferiu os montantes referidos nos pontos 16 a 32.”
1.2. Alínea FF) dos factos não provados:
Sustenta a Recorrente dever considerar-se provado o que consta da referida alínea, ou seja, “que autor e ré pretenderam que o tempo de trabalho prestado por força da subscrição do contrato mencionado em 5 e 6 se limitasse a um tempo parcial.”
Para tanto, sustentando estabelecer o nº 2 do artigo 153º do Código do Trabalho uma presunção ilidível, que foi ilidida tal presunção, indicando como meios de prova excertos dos depoimentos das testemunhas D… e E… e das declarações de parte do Autor.
Da decisão recorrida fez-se constar, em fundamentação do decidido, o seguinte:
“(…) No respeitante a FF, a vontade subjacente à celebração do contrato de trabalho no que ao tempo de trabalho concerne, entende o tribunal que a prova obtida não permite concluir que em particular o autor tinha como vontade clara e exclusiva celebrar um contrato a tempo parcial, não sendo suficiente, neste campo, a descrição que a testemunha D… trouxe aos autos de que nos contactos com o autor, havidos nomeadamente em sede de formação inicial, essa vontade emergiu manifestada, pois nenhum elemento concreto e relevante, para além dessa alusão, emerge como claramente demonstrativo dessa intenção, designadamente uma intenção contemporânea ou futura de exercício paralelo de outra atividade profissional, adequadamente concretizada. Essa evidência surge até grande medida afastada através da ponderação do número elevado de horas de trabalho mensais prestadas no início da execução do contrato, de abril a outubro de 2014 (…).”
Cumprindo apreciar, sem prejuízo de constatarmos que os elementos indicados pela Recorrente contrariam de algum modo algumas das considerações constantes da citada fundamentação – em particular quanto à aferição da real vontade do Autor aquando da celebração do contrato, quer face ao que o mesmo referiu expressamente aquando das declarações de parte que prestou (e que também ouvimos nesta sede), por mais do que uma vez diga-se, assim que havia sido contratado em part time, quer ainda, acrescente-se, o que também não pode olvidar-se, a própria indicação que nos é dada pelas partes ao contratarem, e que se fez constar do contrato, assim de que o Autor ficaria sujeito a um horário “em tempo parcial, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais, nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável” –, constata-se porém que o conteúdo da referida alínea contém sem dúvidas uma questão de direito, que aliás é objeto de apreciação nos autos, assim a de saber o que deve entender-se por “tempo parcial”, que, enquanto tal, não se consubstancia como facto no sentido naturalístico, dependendo antes da formulação de um juízo conclusivo e de direito baseado em factos, sendo estes e não já aquela, que importa considerar em sede de apreciação da matéria de facto – assim, desde logo, face à alegação das partes, os que constam dos artigos 6.º da p.i. – “Nos termos do mesmo contrato, obrigava-se o Autor, por determinação expressa e no interesse da Ré, a cumprir um horário de trabalho em tempo parcial, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais” – e 4.º da contestação, em que a Ré aceita aquela alegação – “Admite-se o vertido no artigo 6º da petição. Atente-se, desde já, que o A. reconhece expressamente ter-se comprometido a “(…) cumprir um horário de trabalho em tempo parcial, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais.” Daí que, nos termos referidos supra, aquando da apreciação do ponto 1.1., não possa nesta sede ser considerada.
Sem esquecermos pois o que foi efetivamente alegado pelas partes, mas que já resulta afinal da factualidade provada – assim do seu artigo 6.º, de onde consta que, nos termos do contrato, “obrigava-se o autor, por determinação expressa e no interesse da ré, a cumprir um horário de trabalho em tempo parcial, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais, nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável” –, a menção que agora se pretende fazer constar como facto, assim de que “autor e ré pretenderam que o tempo de trabalho prestado por força da subscrição do contrato mencionado em 5 e 6 se limitasse a um tempo parcial”, não assume pois, como se disse, a natureza de facto, sendo que, diversamente, contendendo antes com a aplicação do direito – assim o saber-se se os factos consubstanciam a celebração de um contrato a termo parcial como o defende a Ré ou, diversamente, como sustentou o Autor e foi considerado na sentença, um contrato a tempo completo –, essa questão terá de ser analisada não nesta sede, em que se apenas se reaprecia a matéria de facto, e sim posteriormente, no momento em que for afirmado o Direito do caso.
Improcede pois, face ao exposto, o recurso nesta parte.
*
Nos termos expostos, os factos a considerar são aqueles que o Tribunal a quo considerou provados, com a alteração que resultou na nossa intervenção – ponto 1.1.
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2. O Direito do caso:
Sustenta a Apelante que o contrato celebrado o foi apenas a tempo parcial e não pois a inteiro, mas que, ainda que se entenda ter sido este último o caso, que deve a sentença ser revogada, condenando-se a Ré unicamente no pagamento da quantia de €1.971,89, a título de diferenças retributivas, acrescida de juros à taxa de 4%, pois que, diz, o disposto no n.º 2 do artigo 153.º do Código do Trabalho deve ser interpretado no sentido de considerar que o Autor tem unicamente direito às diferenças retributivas calculadas entre as remunerações efetivamente auferidas e a que resulta de um vencimento mensal correspondente a 128 horas mensais, atendendo a que as partes estabeleceram um horário de trabalho em tempo parcial de até 32 horas semanais e o vencimento horário era de €3,70 até Fevereiro de 2015 e de € 3,76 a partir de Março de 2015.

Consta da sentença recorrida, dizendo o Direito do caso, o seguinte:
“A primeira questão que se levanta dirige-se à natureza do tempo de trabalho prestado por força do contrato de trabalho firmado entre as partes: parcial ou integral?
Invoca o autor na sua petição, em suma, que a cláusula contratual relativa a esta questão não contém, como impõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 153.º do Código do Trabalho, a indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo, e que visando este requisito prevenir abusos por parte da entidade empregadora – colocando no seu livre arbítrio a atribuição, ou não, de um número mínimo de horas de trabalho diário ou semanal, ou mesmo a própria atribuição de trabalho em certos períodos temporais –, a mera indicação da duração máxima de trabalho não preenche o requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 153.º do Código do Trabalho, o que, por força do n.º 2 do artigo 153.º do Código do Trabalho, faz presumir que o contrato é celebrado a tempo completo, sendo essa mesmo, objetivamente, a intenção das partes.
Respondeu a ré afirmando que a vontade real das partes se focou no tempo parcial, como decorre do próprio contrato, resultando a cláusula contratual em causa, descrita em 6, não só do imperativo legal atrás exposto, mas também da regulamentação contate do CCT aplicável (CCT publicado no BTE n.º 32, de 29-08- 2014), onde se refere, na sua cláusula 11.ª, n.º 1, que “o trabalhador em regime de tempo parcial não poderá perfazer mais de 140 horas mensais de trabalho”, acrescentando o n.º 2 que “considera-se a prestação de trabalho suplementar a que exceda 140 horas mensais, sem prejuízo da aplicação dos demais critérios previstos neste CCT e na lei para os trabalhadores a tempo inteiro.”
Inexistindo obrigatoriedade no CCT de indicação do número de horas diárias ou semanais a prestar nestas circunstâncias, estaria a cláusula contratual em convergência com os ditames legais e da contratação coletiva aplicável.
Discorda o tribunal da ré.
Assim prevê o art.º 153.º do Código do Trabalho, sobre a Forma e conteúdo de contrato de trabalho a tempo parcial:
1 - O contrato de trabalho a tempo parcial está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo.
2 - Na falta da indicação referida na alínea b) do número anterior, presume-se que o contrato é celebrado a tempo completo.
3 - Quando não tenha sido observada a forma escrita, considera-se o contrato celebrado a tempo completo.
E, no respeitante à contratação coletiva invocada, estabelecia o primeiro CCT vigente, publicado no BTE n.º 8, de 28-02-11, aplicável por força da Portaria 2/2011, de 3 de janeiro:
Cláusula 5.ª
Trabalho a tempo parcial
1 - O trabalhador em regime de tempo parcial não poderá perfazer mais de 132 horas mensais de trabalho.
2 - Considera -se prestação de trabalho suplementar a que exceda as 132 horas mensais, sem prejuízo da aplicação dos demais critérios previstos neste CCT e na lei para os trabalhadores a tempo inteiro.
3 - Aos trabalhadores a tempo parcial que prestam trabalho suplementar será dada preferência em igualdade de condições no preenchimento de vagas a tempo completo.
4 - O período normal de trabalho diário do trabalhador em regime de tempo parcial que preste trabalho exclusivamente nos dias de descanso semanal (trabalho em fim-de-semana) dos restantes trabalhadores ou do estabelecimento pode ser aumentado, no máximo, em quatro horas diárias.
5 - A retribuição dos trabalhadores admitidos em regime de tempo parcial não poderá ser inferior à fracção da retribuição do trabalhador a tempo completo correspondente a período de trabalho ajustado.
Já o segundo CCT publicado no BTE n.º 32, de 29-08-2014, aplicável por força da portaria 95/2015, de 27 de março, assim preceitua:
Capítulo III
Duração e organização do tempo de trabalho
Cláusula 11.ª
Trabalho a tempo parcial
1- O trabalhador em regime de tempo parcial não poderá perfazer mais de 140 horas mensais de trabalho.
2- Considera-se prestação de trabalho suplementar a que exceda 140 horas mensais, sem prejuízo da aplicação dos demais critérios previstos neste CCT e na lei para os trabalhadores a tempo inteiro.
3- Aos trabalhadores a tempo parcial que prestam trabalho suplementar será dada preferência em igualdade de condições no preenchimento de vagas a tempo completo.
4- O período normal de trabalho diário do trabalhador em regime de tempo parcial que preste trabalho exclusivamente nos dias de descanso semanal e feriados obrigatórios dos restantes trabalhadores ou do estabelecimento pode ser aumentado, no máximo, em quatro horas diárias.
5- A retribuição dos trabalhadores admitidos em regime de tempo parcial não poderá ser inferior à fração da retribuição do trabalhador a tempo completo correspondente a período de trabalho ajustado.
Cláusula 12.ª
Limites máximos do período normal de trabalho
1- Sem prejuízo do disposto no presente capítulo, o período normal de trabalho será de 8 horas diárias e 40 semanais.
2- O período normal de trabalho de trabalhador que preste trabalho exclusivamente em dias de descanso semanal da generalidade dos trabalhadores da empresa e em dias feriados obrigatórios pode ser aumentado até quatro horas diárias, sem prejuízo no disposto no presente capítulo.
Da leitura do convencionado coletivamente não resulta que a ré esteja por qualquer meio dispensada de cumprir o exigido pelo art.º 153.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, isto é, fazer referenciar o período normal de trabalho diário e semanal comparativamente ao trabalho a tempo completo, sob pena de, tal como o autor argumenta através de invocação jurisprudencial:
“Este requisito visa obstar a inaceitáveis abusos por parte da entidade empregadora, colocando no seu livre arbítrio a atribuição, ou não, de um número mínimo de horas de trabalho diário ou semanal, procurando também impedir situações de não atribuição de qualquer trabalho por largos períodos de tempo ou a atribuição de meras “migalhas” retributivas, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa com n.º 12514/13.8T2SNT.L1-4, in www.dgsi.pt.”
O limite de horas mensais, singelamente, serve para delimitar uma noção “global”, por referência ao mês, do que é considerado trabalho a tempo parcial, e não para, dentro desse limite, a entidade empregadora poder definir, a seu alvitre, num intervalo entre zero e 140, o número de hora de labor prestadas pelo trabalhador no mês, na semana e no dia.
Diga-se, desde logo, que da leitura do último do CCT se extrai, no ponto 4 das cláusulas relativas ao tempo parcial, a referência a um período normal de trabalho diário do trabalhador em regime de tempo parcial, evidenciando assim a urgência da sua indicação, em obediência ao imperativo legal acima designado.
Com a consequência expressa no n.º 2, e não sendo a presunção em causa, de iuris tantum, adequadamente ilidida, como ocorre neste processo, terá de se considerar o contrato como referenciado a tempo de trabalho integral.
Nessa medida, são devidos os valores referentes à remuneração mínima convencionada para os trabalhadores em funções similares, vigilantes, quando esta não foi paga ao autor, a partir de novembro de 2014, nos termos dos CCT’s: €641,93 até fevereiro de 2015, e a partir de março de 2015, €651,56, sendo as diferenças salariais em causa, computadas do confronto entre estes valores e os mencionados supra em 16 a 32, num total de €4.979,53.
Aos valores diferenciais em dívida somam-se juros moratórios calculados à taxa legal de 4% desde o vencimento de cada prestação até ao seu efetivo pagamento.”

Cumprindo apreciar, não sendo tal questionado pela Apelante em sede de recurso, teremos como pressuposto que, quando Autor e Ré celebraram o contrato individual de trabalho, à relação laboral que daí emergiu aplicava-se, no plano infraconstitucional, o quadro normativo indicado na sentença, assim o Código de Trabalho de 2009 (CT) e os CCT naquela indicadas.
Ora, como se referiu anteriormente, e resulta das conclusões da Recorrente, a questão a apreciar prende-se, desde logo, com a qualificação do contrato de trabalho que é objeto dos autos como sendo a tempo parcial, como do mesmo se fez constar, ou, diversamente, a tempo completo.
Com o aludido objetivo, adiante-se desde já, não acompanhamos, importa dizê-lo, o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo.
É que, e desde logo, precisamente por referência ao que se dispõe no artigo 153.º do CT, a solução não passa, na nossa ótica, salvo o devido respeito, face aos elementos que se fizeram constar expressamente do contrato sobre o horário de trabalho do Autor – “em tempo parcial, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais, nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável” –, por considerarmos, como o fez a sentença (no entendimento de que não havia sido cumprido o exigido pela alínea b) do n.º 1 do citado normativo: “ Indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo”) e de que a Ré não havia ilidido a presunção estabelecida no seu n.º 2 (“Na falta da indicação referida na alínea b) do número anterior, presume-se que o contrato é celebrado a tempo completo”), que estamos perante um contrato a tempo completo.
Vejamos o porquê deste nosso entendimento.
O aludido artigo 153.º do CT identifica os vários requisitos necessários para que o contrato de trabalho possa ser exercido a tempo parcial, sendo tais requisitos necessariamente aplicáveis em situações em que, como a dos autos, se faz constar do contrato que o trabalhador cumprirá um horário a tempo parcial. Um desses requisitos é, precisamente, a indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo (alínea b do seu n.º 1).
Como se refere na sentença, citando a propósito o Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Janeiro de 2016[3], esse requisito tem por objetivo obstar a abusos inaceitáveis por parte da entidade empregadora, colocando no seu livre arbítrio a atribuição, ou não, de um número mínimo de horas de trabalho diário ou semanal, como ainda, do mesmo modo, de não atribuição de qualquer trabalho por largos períodos de tempo ou a atribuição de meras “migalhas” retributivas.
No caso, com facilidade se conclui que o contrato celebrado apenas fixou um período máximo diário e semanal, assim, respetivamente, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais.
No domínio do CT/2003, assim por referência ao n.º 3 do seu artigo 184.º – Se faltar no contrato a indicação do período normal de trabalho semanal, presume-se que o contrato foi celebrado para a duração máxima do período normal de trabalho admitida para o contrato a tempo parcial pela lei ou por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável[4]. –, como referiam Pedro Romano Martinez e Outros [5], a ausência de indicação do período normal de trabalho semanal desencadeia a presunção, também ilidível, de que o trabalho a tempo parcial contratado tem a duração máxima permitida por lei...ou pelo instrumento de regulamentação colectiva aplicável se este contiver disposição sobre a matéria.” Confrontando a redação do citado n.º 3 do artigo 184.º do CT/2003 com a que resulta do n.º 2 do artigo 153.º do CT/2009, constata-se que não existe exata correspondência. Compreende-se aliás a eliminação da primeira, no novo Código, pela necessidade de adaptar o regime ao que neste Código se veio a consagrar, assim quanto à eliminação, para efeitos de qualificação do contrato como a tempo parcial, da referência ao percentual que constava do Código de 2003, assim no artigo 180.º, n.º 1: Considera-se trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal igual ou inferior a 75% do praticado a tempo completo numa situação comparável.[6]
Tendo então presente que, no caso, no contrato celebrado apenas se fixou um período máximo diário e semanal, assim, respetivamente, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais, será caso para considerar-se, por aplicação da presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 153.º, que o período de trabalho semanal é de 40 horas, como previsto no artigo 203º do CT/2009?
Salvo o devido respeito, entendemos que não, pois que a factualidade provada, assim o que expressamente se fez constar do contrato, permite ter por ilidida a presunção no que se refere, em particular, ao número de horas semanal contratado, que deverá ser considerado como sendo o de 32 horas.
De facto, e desde logo, sendo inquestionável que a falta absoluta de indicação dos elementos a que alude a alínea b) do n.º 1 do citado artigo, fazendo operar a presunção estabelecida no seu n.º 2, pode conduzir à consideração de que se está perante um contrato a tempo completo – caminho que acabou por ser seguido na sentença –, já em casos como o que se analisa, em que ocorre indicação de número de horas diárias e semanais (no caso de 32), ainda que por referência apenas ao um limite máximo, maiores cautelas se imporão, pois que, tratando-se de presunção ilidível, aquela indicação, que se fez constar do contrato, não se podendo dizer que não resulte afinal da vontade das partes – Autor e Ré, pois –, aponta precisamente no sentido de que se tenha por ilidida aquela presunção.
Não se concorda, pois, com a afirmação, constante da sentença recorrida, de que “com a consequência expressa no n.º 2, e não sendo a presunção em causa, de iuris tantum, adequadamente ilidida, como ocorre neste processo, terá de se considerar o contrato como referenciado a tempo de trabalho integral.”
Aliás, sendo esta a única referência que é feita na sentença aquando da aplicação do direito do caso, já deixámos plasmada supra – ponto 1.2. deste acórdão – a nossa apreciação sobre as razões que se fizeram constar, aquando da apreciação da alínea FF) dos factos não provados, assim no sentido de termos como não demonstradas algumas das afirmações constantes da sentença, em particular quanto à procura da vontade real do Autor aquando da celebração do contrato – que referiu, por mais do que uma vez diga-se, que havia sido contratado em part time –, sendo que, agora sim como fator determinante, com base apenas nos factos provados, pois que são esses que devem servir de base à aplicação do direito, não poderemos deixar de ter presente a própria indicação que nos é dada pelas partes ao contratarem, e que se fez constar do contrato, assim de que o Autor ficaria sujeito a um horário “em tempo parcial, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais, nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável” – contrato coletivo que, na dada da celebração do contrato, estabelecia no n.º 1 da sua cláusula 5.ª (Trabalho a tempo parcial), o limite de 132 horas mensais de trabalho, portanto inferior ao estabelecido (de 128 horas mensais).
Daí que, não sendo sem dúvidas de aceitar a indefinição que resultaria da consideração de um horário estabelecido entre 0 e 32 horas semanais – não se vislumbra norma legal que tal permita, decaindo pois a Recorrente quanto a esta pretensão –, tenhamos de considerar que foi efetivamente estabelecido um horário correspondente ao número de horas máximo semanal previsto pelas partes, ou seja de 32 – correspondentes a 128 horas mensais.
Este foi, aliás, o entendimento sufragado no Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Janeiro de 2016 supra citado, o mesmo que, de resto, foi invocado pelo próprio Autor na p.i. e depois citado na sentença recorrida, sem que, como seria de esperar, face à relevância que lhe foi dada, se tivesse ponderado, pelo menos, que mais não seja para a afastar, a solução a que nesse se chegou, assim não de que, “por força art. 153º-2 do CT/2009, tem de se entender que a autora passou a estar sujeita a cumprir um horário de trabalho de duração de 132 horas mensais, com uma retribuição horária de €3,63, no equivalente a €479,16 mensais.” (e não pois a um horário a tempo completo, nessa assim afastado).
Por decorrência da conclusão a que se chegou, teria assim o Autor direito a receber – por referência a um horário a tempo parcial de 32 horas semanais, correspondentes a 128 horas mensais, com uma retribuição horária de €3,70 (facto 5 da factualidade provada), nos termos dos CCT’s aplicáveis e indicados na sentença – o valor mensal de €473,60 até fevereiro de 2015, passando esse a partir de então (valor hora de €3,76) a ser de €481,28.
Daí que, na consideração então dos valores que recebeu (pontos 16 a 32 da factualidade provada), lhe seja devido, porque não pago, um total de €2163,80, decorrente, quanto aos meses em que foi pago valor inferior ao indicado (sendo pago valor superior, como ocorreu em novembro de 2014 e janeiro de 2015, o excesso só poderá ser computado a título de trabalho suplementar, aqui não considerado), à soma dos valores correspondentes às diferenças encontradas em cada um desses meses.
Nos termos expostos, procede o recurso quanto a esta questão, alterando-se, em conformidade, a sentença recorrida nesta parte, condenando-se a Ré a pagar ao Autor, de diferenças salariais não pagas referente a um horário semanal de 32 horas, a quantia total de €2.163,80, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, computados à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada prestação até ao seu efetivo pagamento.
*
No que se refere à responsabilidade pelas custas, da ação e deste recurso, serão suportadas por Autor e Ré na proporção do decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC)
***
IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram a secção social do Tribunal da Relação do Porto, na parcial procedência do recurso:
1. Em revogar a sentença, na parte em que se declarou “que o contrato celebrado entre autor e ré no dia 1 de abril de 2014 assume a qualidade de contrato de trabalho a tempo completo” e se condenou “a ré a pagar ao autor as quantias de retribuição vencidas e não pagas no valor total de €4.979,53 (quatro mil, novecentos e setenta e nova euros e cinquenta e três cêntimos) – que resultam da diferença entre valor da remuneração mínima convencionada para os trabalhadores em funções similares, vigilantes, e os valores pagos e descritos supra em 16 a 32 –, a que adicionam juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada prestação até ao seu efetivo pagamento”,
Sendo nessa parte substituída por este acórdão, nos termos que se seguem:
2. Condena-se a Ré a pagar ao Autor, de diferenças salariais não pagas referente a um horário de trabalho a tempo parcial de 32 horas semanais, a quantia total de €2.163,80 (dois mil, cento e sessenta e três euros e oitenta cêntimos), acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, computados à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada prestação até ao seu efetivo pagamento.
Custas da ação e do recurso por Autor e Ré, atento o decaimento.
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663.º, n.º 7, do CPC.
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Porto, 20 de novembro de 2017
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Disponível em www.dgsi.pt.
[2] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Ac. RL de 13 de Janeiro de 2016, Relator Duro Mateus Cardoso, in www.dgsi.pt.
[4] Cuja redação era a seguinte: 1 - Do contrato de trabalho a tempo parcial deve constar a indicação do período normal de trabalho diário e semanal com referência comparativa ao trabalho a tempo completo.
2 - Quando não tenha sido observada a forma escrita, presume-se que o contrato foi celebrado por tempo completo.
3 - Se faltar no contrato a indicação do período normal de trabalho semanal, presume-se que o contrato foi celebrado para a duração máxima do período normal de trabalho admitida para o contrato a tempo parcial pela lei ou por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável.
[5] Código do Trabalho Anotado, 2.ª ed., Almedina, pág. 314
[6] Veja-se sobre a razão da eliminação da presunção prevista no n.º 3 do artigo 184.º do CT/2003, Código do Trabalho Anotado e Comentado, Paula Quintas/Hélder Quintas, 4.ª Ed., pág. 414.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7 do CPC):
I - Pese embora não se encontrar no Código revisto preceito legal que corresponda ao artigo 646.º, n.º 4, do anterior CPC, que impunha, como consequência, para as respostas sobre matéria de direito que as mesmas fossem consideradas como não escritas, o Juiz não fica dispensado de evitar formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam diretamente ao objeto da ação.
II – O artigo 153.º do CT/2009 identifica os vários requisitos necessários para que o contrato de trabalho possa ser exercido a tempo parcial, entre os quais, de acordo com a alínea b) do seu n.º 1, a indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo, requisito este que tem por objetivo obstar a abusos inaceitáveis por parte da entidade empregadora, colocando no seu livre arbítrio a atribuição, ou não, de um número mínimo de horas de trabalho diário ou semanal, como ainda, do mesmo modo, de não atribuição de qualquer trabalho por largos períodos de tempo ou a atribuição de meras “migalhas” retributivas.
III - Constando do contrato celebrado que o trabalhador ficaria sujeito a um horário “em tempo parcial, até doze horas diárias e até trinta e duas horas semanais, nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável”, tal indicação, não sendo infirmada por outra prova, sendo superior em termos comparativos o horário de trabalho a tempo completo, permite ter por ilidida a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 153.º no que se refere em particular ao número de horas semanal contratado, que deverá ser tido como sendo o de 32 horas, daí decorrendo, por consequência, que se esteja nesse caso perante um contrato de trabalho a tempo parcial, com esse horário.

Nelson Fernandes