Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
104/18.3PDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO
PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
COAUTORIA
CUMPLICIDADE
REINCIDÊNCIA
Nº do Documento: RP20230315104/18.3PDPRT.P1
Data do Acordão: 03/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A partir da prestação do termo de identidade e residência, as notificações serão validamente feitas por via postal simples para a morada indicada pelo arguido, exceto se o mesmo comunicar uma outra nos moldes legalmente previstos.
II – Se o Tribunal justificou o início da audiência sem a presença dos arguidos por entender que a mesma não era essencial, o que não mereceu oposição, mormente por parte da defesa, que nada requereu, quando podia solicitar que o mesmo fosse ouvido na segunda data designada; tal justificação é suficiente e afasta um qualquer vício e/ou nulidade decorrente de nada se ter diligenciado para obter o comparecimento do arguido, tanto mais que o julgamento terminou naquela mesma data, conforme, de resto, decorre de jurisprudência fixada nesse sentido.
III – A insuficiência da matéria de facto provada para a decisão não se confunde com a insuficiência da prova para a matéria de facto provada, tema do campo da livre apreciação da prova, e que é insindicável em sede de reexame da matéria de facto.
IV – O fundamento da punição da cumplicidade reside no contributo que o comportamento do cúmplice oferece para a realização pelo autor de um facto ilícito-típico, fornecendo a este auxílio material ou moral para o efeito, exigindo-se que a sua prestação consubstancie um contributo efetivo para o facto do autor, quando na cumplicidade não tem o domínio funcional do facto, manifestando-se a atuação em atos que não eram indispensáveis à prática do crime, sendo este o traço fundamental da cumplicidade que a distingue da coautoria.
V – O instituto da reincidência tem os pressupostos legalmente previstos no artigo 75º do Código Penal, os quais, além dos de ordem formal, incluem um pressuposto de ordem substancial, o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
VI – Para além disso, é igualmente pacífico ao nível da jurisprudência que a agravante da reincidência, que jamais pode ser aplicada de forma automática, nem fundamentada de forma meramente tabelar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 104/18.3PDPRT.P1

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:

Neste processo, por acórdão datado de 17/12/2019 (refª 410501227), e no que ora importa salientar, decidiu-se julgar procedente a acusação e, em consequência, condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (art. 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas I-A e I-B), agravado pela reincidência, na pena de dois anos e nove meses de prisão, efectiva.

Inconformado com a sobredita decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma nos termos constantes dos autos e aqui tidos como especificados (refª 32583216), tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

1. Interpõe o arguido recurso porquanto determinar o julgamento do arguido ausente como se estivesse presente, viola o princípio das garantias de defesa artigo 32º, nº 1, da Constituição), do contraditório (artigo 32º, nº 5, da Constituição), da verdade material e da imediação da prova e, consequentemente, deve ser declarado nulo o acórdão recorrido, ordenando a repetição do julgamento com a comparência do arguido.

2. A evolução legislativa referente à possibilidade de audiência julgamento na ausência do arguido revela claramente a intenção da lei em conciliar o indeclinável direito do arguido à sua defesa, com o também interesse público de uma justiça em tempo útil, não afetada por adiamentos ou interrupções injustificadas, que acarretem o protelamento da decisão, assim pondo em causa, seja a realização da justiça, seja a salvaguarda, em tempo útil, dos direitos e interesses da vítima, seja a desejável reafirmação dos valores tutelados pela norma que, eventualmente, porque presumido inocente, o arguido tenha negado.

3. Deveria ser considerado como necessariamente obrigatória, sob pena de nulidade, a realização de diligências para fazer comparecer arguido que não foi devidamente notificado.

4. Impor a realização de diligências em ordem à comparência do arguido, quando este não foi devidamente notificado, mesmo que o Tribunal não entendesse como absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença em audiência, é obrigatório em nome do princípio da defesa do arguido.

5. Para que possa vir ocorrer o julgamento na ausência do arguido impõe-se que o Tribunal venha a concluir pela sua dispensabilidade, como decorre do n.º 2, do art.º 333.º, do Cód. Proc. Pen., pois só desta feita se poderá vir estabelecer uma concordância prática entre as garantias de defesa, no caso a comparência do arguido na audiência de julgamento, com a realização da justiça penal através dos Tribunais;

6. O acórdão recorrido é nulo ao abrigo do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, uma vez que o tribunal “a quo” não apreciou e não motivou a dispensabilidade ou indispensabilidade do arguido no julgamento, conforme preconiza o artigo 333.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, questão essa que não poderia ter deixado de ser fundadamente apreciada.

7. Termos em que deverá o douto acórdão a ser revogado, determinando-se a repetição do julgamento.

8. Os vícios decisórios – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – previstos no nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, como dispõe a lei, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.

9. O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada pode ter-se como evidente quando a factualidade provada não chega para justificar a decisão de direito, ou seja, para a subsunção na norma incriminadora, considerando todos os seus elementos típicos.

10. Importa pois analisar que o arguido foi detido sendo que não se lhe imputa a posse de qualquer produto estupefaciente.

11. Da matéria dada como provada apenas se retira que o arguido conduzia um veículo (cuja propriedade não lhe pertence) e no qual se encontrou, após revista ao mesmo, produto estupefaciente.

12. Entende o recorrente terem sido violados os limites do poder discricionário da apreciação da prova.

13. Pois, não explica como é que se pode concluir que o arguido era também possuidor dos produtos encontrados assim como participante no crime de trafico de estupefacientes que se lhe imputa.

14. O acórdão recorrido em crise é efetivamente lacónico no que respeita à concretização factual no que se refere ao ora Recorrente pelo que apenas se pode concluir pela existência de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

15. Não sendo possível suprir o vício e, portanto, decidir a causa, impõe-se o reenvio do processo, para novo julgamento (art. 426º, nº 1 do C. Processo Penal).

Sem prescindir,

16. Da matéria de facto dada como provada retira-se que a atuação do arguido apenas poderia ser considerada como cúmplice.

17. In casu, afigura-se-nos que a atuação do arguido apenas facilitou a prática pela arguida BB do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pois que apenas se limitava a transportar a arguida, em veículo que não é da sua propriedade.

18. O traço fundamental da cumplicidade, que a distingue da co-autoria, é a ausência de domínio funcional do facto; o cúmplice não faz mais que facilitar o facto do autor, podendo fazê-lo através de auxílio físico (cumplicidade material) ou psíquico (cumplicidade moral, também chamada cumplicidade intelectual), situando-se a prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.

19. O auxílio do arguido manifestava-se em atos que não eram indispensáveis à prática do crime.

20. Porquanto, o veículo não era seu e sem essa colaboração a arguida BB muito provavelmente, não deixaria de se dedicar à atividade de tráfico de estupefacientes; possivelmente, fá-lo-ia de outro modo, no caso solicitando a outra pessoa que a transportasse até à cidade do Porto, mas não seria a recusa de participação do arguido que a levaria a desistir do seu propósito criminoso.

21. Sendo pois aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada (nº2 do art. 27º).

Sem prescindir,

22. Dos factos provados resulta que apenas se referem as condenações anteriores, nada se referindo sobre se as citadas condenações e o cumprimento das ditas penas de prisão não constituíram suficiente advertência, nem lograram afastar o arguido da prática dos factos por que se encontra agora acusado e que consubstanciam o crime de tráfico de estupefacientes que lhe é imputado.

23. Como é jurisprudência dominante, a circunstância qualificativa da reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação.

24. A punição na forma agravada só terá lugar «se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».

25. Não se basta a reincidência, a sua certificação está dependente de apreciação e decisão judicial.

26. No Acórdão ora recorrido, na fundamentação de facto, não existe a mínima referência factual, que substancie o elemento material da reincidência, quedando-se os factos provados por conterem apenas referências às condenações anteriores.

27. Considerando que o vertido é uma mera declaração tabelar, com os dizeres da lei, sem albergar qualquer facto, deve ser de desconsiderar a qualificativa o que terá reflexos ao nível da medida da pena.

O recurso foi regularmente admitido (refª.437882484).

O Ministério Público veio responder nos termos insertos nos autos, cujos fundamentos aqui temos como renovados (refª. 32819152), concluindo que a decisão recorrida e questionada deve permanecer integralmente, julgando-se o recurso improcedente.

Neste tribunal, o Ex.mo PGA emitiu o parecer junto aos autos e que aqui se tem como repetido (refª. 16064880), através do qual sustentou que o recurso deverá ser julgado improcedente e manter-se o acórdão recorrido nos seus precisos e exactos termos, com todas as legais consequências substantivas e adjectivas.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO:

a) a decisão recorrida:

No que aqui importa reter, a sentença recorrida é do teor seguinte (transcrição):

2.1. Matéria de facto provada

1. No dia 17 de Março de 2018, os arguidos AA e BB, residentes em ..., deslocaram-se ao Bairro ..., sito nesta cidade, no veículo de matrícula ..-..-RD, conduzido pelo arguido AA e no qual seguia como passageira, no banco da frente, a arguida BB, e abasteceram-se de produtos estupefacientes, para consumirem e para venderem em ....

2. De regresso, pelas 10h15m, quando seguiam no cruzamento entre a Rua ... e a Via de Cintura Interna, nesta cidade, foram mandados parar pela PSP, que se encontrava no local numa missão de fiscalização policial.

3. Submetida a arguida BB a uma revista, foi a mesma encontrada na posse de:
- 5,010 gramas (peso líquido) de cocaína (cloridrato), com uma (THC) de 79,8%;
- 0,31 gramas (peso líquido) de heroína; e
- 4,238 gramas (peso liquido) de heroína, com uma (THC) de 28,446%;

4. No dia 6 de Setembro de 2018, os arguidos, com o mesmo propósito, deslocaram-se novamente a esta cidade para se abastecerem de mais produtos estupefacientes, agora no veículo de matrícula ..-..-EG, que era conduzido novamente pelo arguido AA e no qual seguia como passageiro, no banco da frente, a arguida BB.

5. Pelas 14h30m, na Rua ..., nesta cidade, e depois de terem ido ao Bairro ..., foram mandados parar por agentes PSP que se encontravam numa missão de fiscalização policial.

6. Pousado no interior da dita viatura, em cima do tabelier, foi encontrado e apreendido pelas autoridades policiais:
- 0,145 gramas (peso liquido) de heroína;

7. No momento em que se iniciava a revista, a arguida BB lançou para o chão um pequeno plástico, que o arguido AA de seguida tentou desmarcar, dando-lhe um pontapé.

8. O referido plástico foi recuperado pelos agentes policiais, tendo sido encontrado no seu interior:
- 4,889 gramas (peso liquido) de heroína, com uma (THC) de 19,1%.

9. Efectuada uma busca ao interior do referido veículo, foi encontrado:
(na consola central)
- 1 (um) canivete de enxertia, com a inscrição “Portugal” na lâmina, com 15,5 cm de comprimento total, sendo 6,7 cm de lâmina, que servia para cortar/dosear o produto estupefaciente, com resíduos de cocaína.
(por baixo do tabelier)
- 2 (dois) cantos de saco plásticos que serviam para acondicionamento dos produtos estupefacientes.

10. Os arguidos são residentes em ..., deslocando-se ao Bairro ..., sito nesta cidade, para se abastecerem dos produtos referidos, para posterior consumo próprio e venda na zona onde residem, por forma a obterem os correspondentes proventos económicos, que dividiram entre si.

11. Os arguidos actuaram de acordo com um plano previamente estabelecido e em comunhão de esforços e intenções.

12. Os arguidos tinham consciência de que não podiam adquirir, deter, ceder, proporcionar a outrem ou vender as mencionadas substâncias, cuja natureza e características conheciam, e mesmo assim muniram-se das mesmas e transportavam-nas consigo, com o propósito de as consumir e entregar, mediante contrapartida, a outras pessoas, pretendendo assim obter vantagens económicas.

13. Os arguidos agiram de forma voluntária, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intenções, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

14. Por acórdão de cúmulo jurídico proferido em 28/05/2009, no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 180/06.1POPRT, da 2ª Vara Criminal do Porto (agora Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 14), transitado em julgado em 24/06/2009, o arguido AA foi condenado na pena única de 10 anos e 3 meses de prisão.
Este cúmulo jurídico englobou as penas parcelares aplicadas no Processo nº 729/05.7SJPRT, da 4ª Vara Criminal do Porto (três crimes de roubo qualificado, praticados em 22/09/2005, 10/03/2006 e 02/04/2006, e três crimes de roubo simples, com a agravante da reincidência, praticados em 13/02/2006, 08/04/2006 e 13/04/2006; acórdão de 20/11/2006, transitado em julgado em 23/10/2007; pena única de 10 anos de prisão) e no Processo nº 180/06.1POPRT, da 2ª Vara Criminal do Porto (um crime de apropriação de coisa achada, praticado entre 05 e 06/04/2006, e um crime continuado de burla informática, praticado entre 06 e 13/04/2006; acórdão de 12/02/2009, transitado em julgado em 04/03/2009; pena única de 10 meses de prisão).
O arguido AA foi detido no dia 26 de Abril de 2006 e, desde 28 de Abril de 2006, ficou em prisão preventiva.
O arguido AA cumpriu sucessivamente a referida pena única de 10 anos e 3 meses de prisão e a pena residual de 4 anos, 9 meses e 2 dias de prisão (esta última por revogação de liberdade condicional que lhe foram concedida quando cumpria a pena de prisão ditada no Processo nº 28/97 da 1ª Vara Criminal do Porto), estando o termo destas penas previsto para 26/04/2021.
Contudo, foi concedida a liberdade condicional ao arguido AA, com efeitos a partir de 26/04/2016.

15. Apesar da condenação sofrida e do cumprimento da pena de prisão, o arguido AA voltou a praticar crimes, revelando com tal comportamento que a pena sofrida e o tempo de prisão cumprido não teve sobre si qualquer efeito dissuasor.

16. Para além das condenações atrás identificadas, o arguido AA já sofreu as seguintes condenações:
a. Por sentença proferida em 12/11/1992, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 04/09/1990, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 90 dias de prisão, substituídos por igual tempo de multa, à taxa diária de 300$00, que foi declarada integralmente perdoada (Processo nº 843/91 do 1º Juízo Correccional do Porto);
b. Por sentença proferida em 05/03/1993, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 07/09/1990, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 5 meses de prisão, substituídos por multa, à taxa diária de 200$00, que foi declarada integralmente perdoada (Processo nº 1118/91 do 3º Juízo Correccional do Porto);
c. Por sentença proferida em 24/03/1993, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática dos crimes de ofensas corporais, detenção de arma proibida, ameaça com arma de fogo e dano, na pena única de multa de 93.000$00 ou, em alternativa, na pena de 206 dias de prisão (Processo nº 5055 do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia);
d. Por sentença proferida em 20/04/1993, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 04/10/1990, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 60 dias de prisão, substituídos por multa, à taxa diária de 300$00, que foi declarada integralmente perdoada (Processo nº 654/91 do 2º Juízo Correccional do Porto);
e. Por sentença proferida em 15/06/1993, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 25/10/1989, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 60 dias de prisão, substituídos por multa, à taxa diária de 300$00, que foi declarada integralmente perdoada (Processo nº 909/91 do 3º Juízo Correccional do Porto);
f. Por sentença proferida em 29/06/1993, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 02/04/1992, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 7 meses de prisão (Processo nº 106/93 do Tribunal Judicial de Espinho);
g. Por acórdão proferido em 24/09/1993, transitado em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 30/07/1992, de um crime de homicídio qualificado, na pena de 15 anos e 8 meses de prisão (Processo nº 1841 do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia);
h. Por acórdão proferido em 23/11/1993, transitado em julgado, o arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (Processo nº 5182 do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia);
i. Por acórdão proferido em 29/11/1993, transitado em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 07/09/1992, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (Processo nº 830/93 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos);
j. Por sentença proferida em 30/11/1993, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 01/04/1992, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 7 meses de prisão (Processo nº 161/93 do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho);
k. Por sentença proferida em 21/01/1994, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 15/01/1992, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 7 meses de prisão (Processo nº 249/93 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho);
k.1. No âmbito deste processo (Processo nº 249/93), foi efectuado cúmulo jurídico, por acórdão de 17/11/1994, transitado em julgado, que englobou várias condenações anteriores, tendo sido aplicada ao arguido a pena única de 18 anos de prisão e 82.000$00 de multa (ou 226 dias de prisão alternativa), tendo sido perdoados 2 anos e 3 meses de prisão.
l. Por sentença proferida em 07/03/1994, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 05/10/1990, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 6 meses de prisão, totalmente perdoada (Processo nº 299/92 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira);
m. Por acórdão proferido em 12/04/1994, transitado em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 02/06/1993, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 3 anos de prisão (Processo nº 1834/94 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos);
n. Por acórdão proferido em 17/05/1994, transitado em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 25/10/1989, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 90 dias de prisão, substituídos por igual tempo de multa, à taxa diária de 200$00, declarada perdoada (Processo nº 102/94 da 1ª Vara Criminal do Porto);
o. Por acórdão proferido em 02/02/1995, transitado em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 19/06/1993, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão (Processo nº 2113/94 do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos);
o.1. No âmbito deste processo (Processo nº 2113/94), foi efectuado cúmulo jurídico, por acórdão de 04/12/1995, transitado em julgado, que englobou várias condenações anteriores, tendo sido aplicada ao arguido a pena única de 19 anos de prisão, 45 dias de multa à taxa diária de 300$00 (ou 30 dias de prisão) e 150 dias de multa à taxa diária de 300$00 (ou 100 dias de prisão), tendo sido perdoado 1/8 da pena de prisão e a totalidade das penas de prisão substituída por multa, multa e prisão alternativa.
p. Por sentença proferida em 04/07/1996, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 07/12/1991, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 7 meses de prisão, totalmente perdoada (Processo nº 783/93 do 3º Juízo Criminal do Porto, 1ª Secção);
q. No âmbito do Processo nº 28/97, da 1ª Vara Criminal do Porto, na sequência de extracção de certidão e envio a este Tribunal para realização de cúmulo jurídico, foi efectuado cúmulo jurídico, por acórdão de 18/09/1997, transitado em julgado, que englobou várias condenações anteriores, tendo sido aplicada ao arguido a pena única de 19 anos e 30 dias de prisão, 45 dias de prisão substituídos por igual tempo de multa à taxa diária de 300$00 (com alternativa de 30 dias de prisão) e 150 dias de multa à taxa diária de 300$00 (com alternativa de 100 dias de prisão), tendo sido perdoados 2 anos, 4 meses e 19 dias de prisão e a totalidade das penas de prisão substituída por multa, multa e prisão alternativa.
Em 14/07/2003, foi concedida a liberdade condicional ao arguido até 14/07/2008, tendo o arguido sido libertado em 14/07/2003.
Em 12/01/2009, foi revogada a liberdade condicional concedida ao arguido em 14/07/2003.
(…)
18. O arguido AA nasceu em .../.../1964 (tem 55 anos de idade).
(…)

2.2. Matéria de facto não provada

Não há factos não provados.

2.3. Motivação da decisão de facto

Os arguidos faltaram à audiência de julgamento.
Ouvidos os depoimentos dos agentes da PSP que procederam à intercepção e detenção dos arguidos e à apreensão dos produtos estupefacientes, conclui o tribunal ter sido feita prova cabal da versão factual que constava da acusação, excepto o segmento inicial da acusação que indicia o destino exclusivo à venda da droga adquirida pelos arguidos.
Resulta dos depoimentos dos agentes da PSP CC e DD, intervenientes na intercepção de 17/03/2018, que se tratou de abordagem aleatória (i.e., não sendo os arguidos conhecidos daqueles agentes policiais), à saída de um bairro social (Bairro ...) conotado com a venda de estupefacientes (os agentes policiais colocam-se nas artérias adjacentes àquele bairro e abordam veículos automóveis ou pessoas quando entendem que algo de ilícito pode estar a ocorrer). Ambos os agentes policiais referiram que a arguida entregou voluntariamente a droga que tinha e ambos os agentes referiram que o arguido sabia que a arguida, sua companheira, tinha droga em seu poder, estando a droga no banco do carro, no meio das pernas da arguida. A testemunha CC referiu, com credibilidade, que a sua experiência profissional leva a concluir, quer pela quantidade de droga detida pelos arguidos, quer pela sua condição económica, quer pela deslocação à cidade do Porto, quer pela qualidade de consumidores dos arguidos, que parte da droga detida seria para consumo e parte para venda na área de residência dos arguidos.
Resulta também dos depoimentos dos agentes da PSP EE e FF, intervenientes na intercepção de 06/09/2018, que se tratou de abordagem aleatória (i.e., não sendo os arguidos conhecidos daqueles agentes policiais), tendo os arguidos saído de um bairro social (Bairro ...) conotado com a venda de estupefacientes (os agentes policiais colocam-se nas artérias adjacentes àquele bairro e abordam veículos automóveis ou pessoas quando entendem que algo de ilícito pode estar a ocorrer, sendo que, no caso concreto, os agentes encetaram seguimento ao veículo dos arguidos até o abordarem, já na Rua ..., quando o trânsito parado possibilitou tal abordagem). A testemunha EE referiu que o mostrou a droga que estava em cima do tabelier do veículo e ambas as testemunhas referiram que no momento em que os arguidos saíram do veículo, por ordem da autoridade policial, a arguida lançou para o solo uma embalagem com droga e o arguido tentou desmarcar tal droga, dando-lhe um pontapé, tendo a testemunha EE referido ser evidente a existência de comunhão de esforços entre os arguidos e ter a convicção de que a droga seria para consumir e para vender.
No que respeita às quantidades de droga apreendidas, o tribunal teve em conta o teor dos relatórios de exame pericial juntos aos autos (fls. 103, 112 e 160).
Quanto aos factos respeitantes aos elementos subjectivos da infracção, o tribunal teve em conta todos os factos e meios de prova atrás referidos, respeitantes aos elementos objectivos da infracção.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, o tribunal valorou o teor dos certificados de registo criminal juntos aos autos e ainda, no que respeita ao arguido AA, a certidão de fls. 131 a 153 dos autos.
Quanto aos factos da reincidência do arguido AA, o tribunal socorreu-se das regras da experiência (as quais apontam no sentido de que a prática de crime em acto seguido ao cumprimento de pena de prisão demonstra que a condenação e a reclusão não tiveram qualquer efeito dissuasor sobre o arguido).
Quanto aos factos relativos às condições pessoais, familiares, sociais e económicas dos arguidos, o tribunal teve em consideração, no que respeita à arguida BB, o teor do relatório social desta arguida. No que respeita ao arguido AA, não se mostrou possível realizar relatório social (conforme foi reportado aos autos pela DGRSP), tendo o tribunal valorado o que consta do relatório social da co-arguida, sua companheira.

3. DIREITO

3.1. Do enquadramento jurídico das condutas

Os arguidos estão acusados da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência às Tabelas I-A e I-B anexa àquele diploma legal, com a agravante da reincidência, nos termos dos arts. 75º, nº 1 e 76º do Código Penal, em relação ao arguido AA.
Dispõe o art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22-01: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”.
Este artigo contém a descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes.
Tal descrição da factualidade típica é levada a cabo de maneira assumidamente compreensiva e de largo espectro, solução ditada pela necessidade ingente de dar alguma eficácia ao combate a um problema social de contornos complexos, multifacetados e de difícil mapeamento em todos as suas manifestações.
De facto, resulta tipificado como crime praticamente qualquer contacto ou actividade relacionada com as substâncias nele mencionadas – por remissão para as tabelas anexas ao referido decreto-lei –, que não estejam expressamente salvaguardados como legais, de entre as quais se destacam, por mais frequentes, a detenção, o transporte, a venda e a cedência a outrem das ditas substâncias.
De notar que para que o tipo objectivo se preencha, basta a mera detenção ilícita daquelas substâncias estupefacientes, desde que não seja para exclusivo consumo pessoal, não sendo pois necessário que a detenção se destine a posterior venda.
O crime de tráfico de estupefacientes (em qualquer das suas modalidades) é um crime de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal, mas reconduzidos à saúde pública. E é, também, um crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem o dano nem o perigo para um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo a esses bens.
O tipo subjectivo exige o dolo, numa das formas previstas no art. 14º do Código Penal.
A par do tipo essencial atrás descrito, o legislador criou um tipo qualificado do mesmo crime (art. 24º do decreto-lei em referência) e um tipo privilegiado (art. 25º do decreto-lei em referência).
Quer dizer, só depois de se verificar o preenchimento dos elementos típicos descritos na norma incriminadora do art. 21º é que se deverá apurar a possibilidade de aplicação ou não dos artigos 24º ou 25º.
Por outro lado, há que ter presente que o art. 21º estabelece uma ilicitude padrão, contraposta a ilicitudes mais marcadamente intensas ou consideravelmente diminuídas que são as das previsões dos artigos 24º e 25º, respectivamente.
Para o crime de “tráfico de menor gravidade”, dispõe o art. 25º do DL nº 15/93 que: “Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;
b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”.
O único elemento distintivo do tipo privilegiado, por comparação com o tipo essencial, é a existência de uma ilicitude consideravelmente diminuída.
O tipo privilegiado, previsto no art. 25º, constitui uma “válvula de segurança do sistema”, destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial.
Note-se, no entanto, que o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse “consideravelmente diminuída”.
Esta ilicitude consideravelmente diminuída não é fácil de determinar, nomeadamente quando, na comparação com o tipo essencial, a ilicitude deste último tipo não apresenta qualquer patamar de elevação relativamente às mais elementares condutas. Os elementos típicos das condutas previstas e punidas no art. 21º são representados por verbos, na forma infinitiva, sem recurso a quaisquer outras expressões, além do simples fazer, que lhes dêem “volume” e “carácter”.
Talvez por isso, a lei, ainda no art. 25º, indica, de forma não taxativa, determinadas circunstâncias para serem instrumentalmente consideradas pelo aplicador – sós ou conjugadamente – na aferição das condutas sub judice à luz do elemento em causa: os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. Mas, ainda aqui, sem outras referências de concretização, notando-se que os conceitos em presença podem ser “densificados” segundo critérios variáveis, no seu inter-relacionamento.
Nos últimos tempos, a jurisprudência do nosso mais alto tribunal (Supremo Tribunal de Justiça) tem vindo a ensaiar um esforço metodológico disciplinador da determinação em concreto dos casos de ilicitude do facto consideravelmente atenuada.
É paradigma dessa intervenção o Acórdão do STJ, de 23/11/2011 (relator: Santos Carvalho; in www.dgsi.pt), retomado, nos princípios que enunciou, pelo Acórdão do STJ, de 05/01/2012 (relator: Souto Moura; in www.dgsi.pt).
O primeiro dos referidos acórdãos declara que “o agente do crime de tráfico de menor gravidade deve estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas:
a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet);
b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;
c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;
d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas;
e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;
f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;
g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita;
h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.”.
Louva-se o esforço de criação de critérios mais ou menos gerais e abstractos (ver voto de vencido do mesmo Acórdão), mas sempre o aplicador do direito deve ter presente o caso concreto.
E, perante o caso concreto, deverá procurar apreender a imagem global do facto.
Esta ideia de imagem global do facto tem sido sistematicamente utilizada na jurisprudência para estabelecer o quadro compreensivo do resultado da aplicação atomizada dos itens de ponderação aqui em causa, evitando que o somatório acrítico de tais operações parcelares resulte numa distorção da realidade global e corrigindo-a quando seja o caso.
O caso dos autos.
A acusação qualificou os factos como integrando o tipo privilegiado do tráfico de menor gravidade, não se vendo motivo para discordar de tal qualificação jurídica.
Analisados os factos provados, ressalta que os arguidos têm duas situações (nos dias 17/03/2018 e 06/09/2018) de detenção de estupefacientes, com vista a consumo e à venda a terceiros, sem que existam actos de venda (por parte dos arguidos), primando o modo de actuação dos arguidos pela simplicidade (ainda que se tenham deslocado de longe ao Porto com vista a aqui adquirirem os produtos estupefacientes) e a quantidade de droga apreendida não se mostra substancial.
Os factos provados revelam inequivocamente a existência de situações de co-autoria entre os arguidos (art. 26º do Código Penal).
A heroína é uma substância constante da tabela I-A, anexa ao referido DL nº 15/93.
A cocaína é uma substância constante da tabela I-B, anexa ao referido DL nº 15/93.
Os arguidos actuaram de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que a detenção, transporte, guarda, cedência e venda de tais substâncias, cujas características conheciam, eram actividades proibidas.
Apesar de o saberem, os arguidos não se coibiram de deter as referidas quantidades de heroína e cocaína a fim de posteriormente as destinar, ao menos parcialmente, à venda a terceiros, obtendo o lucro dessa actividade, o que concretizaram.
Entendemos, por último, que apesar de existirem duas situações de detenção de estupefacientes, em momentos temporais distintos, só está em causa o cometimento de um único crime (de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, al. a), do DL nº 15/93), em co-autoria (como já foi referido), pelos arguidos.
Como refere o Ac. STJ, de 18/04/1996 (relator: Sá Nogueira; in CJ, STJ, 1996, II, pag. 170): “... Crimes exauridos são aqueles que ficam consumados através da comissão de um só acto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal pretendido pelo agente. É uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa e em que a repetição dos actos como produção de sucessivos resultados, é, ou pode ser, imputada a uma realização única; o resultado típico é obtido pela realização inicial da conduta ilícita, de modo a que a sua continuação, mesmo que com propósitos diversos do originário, se não traduz necessariamente na comissão de novas violações do respectivo tipo legal. Cada actuação do agente no crime exaurido traduz-se na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas actuações reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é normalmente tratada unificadamente pela lei e pela jurisprudência como correspondente a um só crime. São conhecidos noutras doutrinas por “delito de empreendimento”, “crimes que executam no resultado ou com o resultado” ou “crimes excutidos”. Enquadram-se nesta figura criminal, por exemplo, os crimes de uso de documento falso, de contrafacção de moeda e de tráfico de estupefacientes, nas suas diversas modalidades, em que cada actuação do agente se traduz na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas actuações do mesmo agente reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime (...). Apenas não se verifica essa unificação quando, por motivos de natureza processual, as diversas condutas do arguido, repetidas no tempo, vêm a ser apreciadas e julgadas em processos distintos, quer ocorram na mesma ou em diferente comarca. O facto de se tratar de crimes exauridos não é incompatível com a circunstância de as condutas que lhes estão subjacentes poderem traduzir actuações com intervalos temporais ou espaciais que permitam o desenvolvimento de processos autónomos, independentes entre si, a gerarem condenações autonomizadas. Assim, a circunstância de o arguido ser ou ter sido preso por mais de uma vez, no âmbito de um mesmo processo, por detenção de estupefacientes, não contém, por si só, a virtualidade de conduzir à conclusão prática de tantos crimes quantas as vezes em que se verificou a sua prisão.”.
Também Helena Moniz, em artigo recente intitulado “Crime de trato sucessivo” (in Revista Julgar Online, Abril de 2018), refere que a jurisprudência introduziu a designação de “crime de trato sucessivo” no âmbito do crime de tráfico de estupefacientes para singularizar que este tipo legal pune a conduta de tráfico enquanto integrante de múltiplos actos (e não cada acto individualmente considerado), i.e., pune uma actividade, ela mesma integradora de múltiplos actos (que não se podia caracterizar como de crime continuado, por não estarem preenchidos os pressupostos legais daquele), desde que as condutas ilícitas (os múltiplos actos) se apresentem essencialmente homogéneos e temporalmente próximos e desde que exista uma mesma, uma só resolução criminosa, desde o início assumida pelo agente.
Cumpre referir que a punição de uma certa conduta a partir da reiteração, sem possibilidade de análise individual de cada acto, apenas pode decorrer da lei ou, dito de outro modo, da análise do tipo legal de crime, o que sucede, como se viu, no crime de tráfico de estupefacientes.

A reincidência

O arguido AA está acusado como reincidente.
A agravante qualificativa da reincidência deve ser tratada em sede de fixação da medida da pena, o que se fará.

3.2. Das consequências jurídicas dos crimes

A compreensão dos fundamentos, do sentido e dos limites das penas deve partir de uma concepção de prevenção geral de integração (a pena só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídicos – art. 40º, nº 1, do CP –, visando uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada e em que a intimidação só actua dentro do campo marcado por certas orientações culturais, por modelos ético-sociais de comportamento que a pena visa reforçar), ligada institucionalmente a uma pena da culpa (a pena deve supor sempre e sem alternativa um elemento ético de censura pessoal do facto ao seu agente, por exigência constitucional de respeito da dignidade da pessoa humana, revelando a personalidade do agente para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico perpetrado; a culpa constitui ainda o limite inultrapassável da pena – art. 40º, nº 2, do CP), a ser executada com um sentido predominante de (re)socialização do delinquente (trata-se de oferecer ou de proporcionar ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o ordenamento jurídico-penal – art. 40º, nº 1, do CP).
Traçadas as coordenadas lógicas do moderno sistema penal português, no que às reacções criminais diz respeito, importa agora proceder à determinação da natureza e medida da sanção a aplicar, tendo em conta o disposto nos arts. 70º e 71º do Código Penal.
I) O crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (art. 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22-01), em causa nos autos, é punido com prisão de 1 a 5 anos.
II) O arguido AA vem acusado como reincidente.
Nos termos do nº 1 do artigo 75º do CP, “é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”.
Por seu turno, prescreve o nº 2 do citado normativo que “o crime por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade”.
Constata-se que o arguido AA sofreu uma condenação anterior, em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, constatando-se igualmente que não se verifica a “prescrição” da reincidência, por não estar transcorrido o prazo a que alude o art. 75º, nº 2, do CP.
Contudo, antes de analisar a verificação do pressuposto material da reincidência (“se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime” – art. 75º, nº 1, do CP), importa verificar se, no crime dos presentes autos, o arguido será ou não sancionado com pena de prisão efectiva, procedendo-se, assim, à determinação da medida da pena independentemente da reincidência e à ponderação da aplicação de penas de substituição (com base em tal medida da pena).
III) A fixação da medida concreta da pena de prisão deve observar os critérios estabelecidos no art. 71º do Código Penal.
O critério e as circunstâncias do art. 71º do CP são contributo quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), fornecendo ainda indicações exógenas objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente.
As exigências de prevenção geral são determinantes de primeira referência na fixação da medida da pena, face à necessidade de reafirmação da validade das normas, defendendo o ordenamento jurídico e assegurando segurança à comunidade, para que esta sinta confiança e protecção pela norma, apesar de violada.
Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais.
A razão profunda da reprovação da culpa reside no facto de que a pessoa está dotada de uma faculdade de autodeterminação ética, livre e responsável e, em consequência, é capaz de optar pelo Direito e decidir contra o que seja injusto, orientando o seu comportamento de acordo com normas de dever ser jurídico, evitando o que está proibido pela Lei.
Neste processo de decisão necessariamente que devem ser valorados todos os factores que, à luz da experiência comum, condicionam a formação da vontade pois que o grau de reprovação depende, também, da forma, ou intensidade, como se conjugam tais factores (cfr. voto de vencido do Conselheiro Santos Cabral ao Ac. STJ, de 13/12/2006; relator: Oliveira Mendes; in www.dgsi.pt).
O caso dos autos.
Como é salientado por numerosa jurisprudência, o tráfico de estupefacientes, como tipo legal de crime, viola uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a saúde física e mental, e a liberdade; acelera desmedidamente o aumento da criminalidade e põe em causa, perigosamente, a segurança e estabilidade social. Não podem, assim, os tribunais usar de excessiva brandura na punição dos crimes de tráfico de estupefacientes.
Cumpre referir, no entanto, que, no caso dos autos, está em causa um tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
A imagem global transmitida pelos factos provados revela uma ilicitude algo elevada, no quadro de um tráfico de menor gravidade (art. 25º, al. a), do DL nº 15/93), visto estar em causa cocaína e heroína, a mesma ser parcialmente destinada à venda e ainda o facto de os arguidos se terem deslocado, por duas vezes, à cidade do Porto para aquisição de tais estupefacientes.
Sempre se dirá, no entanto, que as quantidades de droga detidas pelos arguidos não se apresentam como substanciais e, por outro lado, os arguidos são consumidores de estupefacientes.
O arguido AA possui antecedentes criminais de grande monta, com condenações desde 1992 e com cumprimento de penas de prisão de apreciável dimensão (19 anos e 30 dias de prisão + 10 anos e 3 meses de prisão).
Sobressai ainda a condenação do arguido, por três vezes, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
E sobressai ainda o facto do arguido ter praticado o crime em causa nos presentes autos no período de liberdade condicional (concedida com efeitos a partir de 26/04/2016 e até 26/04/2021).
O pouco que se sabe da integração social, familiar e laboral do arguido AA (uma vez que este não compareceu à audiência de julgamento e não colaborou com a DGRSP para a elaboração do relatório social) não é absolutamente favorável, na medida em que a própria companheira (co-arguida) não sabe do seu paradeiro.
(…)
Tudo ponderado, o Tribunal entende como proporcionadas as seguintes penas:
- Para o arguido AA, a pena de 2 anos e 4 meses de prisão;
(…)
V) Voltando à ponderação da aplicação da agravante da reincidência, verifica-se que o arguido AA foi condenado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, pelo que se mostram verificados todos os pressupostos formais de aplicação da referida agravante.
Passando agora ao pressuposto material da reincidência (“se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime” – art. 75º, nº 1, do CP), não podemos deixar de julgar verificado tal pressuposto.
De facto, o arguido AA, após cumprimento de uma pena de prisão, cometeu novo crime, evidenciando, no facto posteriormente praticado, um particular modo de ser da sua personalidade que, só por si, justifica o tal acréscimo de censura, traduzido numa agravante especial (modificativa) da pena (cfr. Ac. RG, de 09/07/2007; relator: Cruz Bucho; in www.dgsi.pt).
Em suma, o arguido AA deve ser condenado como reincidente.
Tendo em conta o disposto no art. 76º, nº 1, do Código Penal, a moldura penal do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade passa a ser de prisão de 1 ano e 4 meses a 5 anos.
É tempo agora de fixar a medida concreta da pena de prisão, tendo em consideração a nova moldura penal abstracta, decorrente da aplicação da agravante da reincidência.
Renovando tudo quanto atrás foi dito, aquando da inicial fixação da medida concreta da pena, mas ponderada a agravante, o Tribunal entende como proporcionada a pena de 2 anos e 9 meses de prisão (efectiva).
*
b) apreciação do mérito:

Começaremos por recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[2], devendo sublinhar-se que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede notoriamente no caso vertente.
*
Neste contexto, e em face daquilo que se apreende das efetivas conclusões trazidas à discussão pelo recorrente, importa saber:

1 – se o acórdão deverá ser declarado nulo por violação do princípio das garantias de defesa, do contraditório, da verdade material e da imediação da prova, e igualmente nulo pelo facto de o tribunal não ter apreciado e não ter motivado a sua dispensabilidade ou indispensabilidade no julgamento, devendo ordenar-se a repetição deste com a sua comparência;
2 – se existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pelo que, e não sendo possível suprir o vício, impõe-se o reenvio do processo, para novo julgamento;
3 – se da matéria de facto dada como provada retira-se que a sua actuação apenas poderia ser considerada como cúmplice, sendo-lhe pois aplicável a pena fixada para o autor, especialmente atenuada;
4 – se a fundamentação de facto no tocante à reincidência é uma mera declaração tabelar, com os dizeres da lei, sem albergar qualquer facto, devendo, por isso, ser de desconsiderar a qualificativa, o que terá reflexos ao nível da medida da pena.

Vejamos, pois.
1 – da dupla nulidade do acórdão.

O recorrente alega que o acórdão é nulo por violação da lei que exige a presença do arguido na audiência de julgamento, sem que lhe haja sido marcado novo julgamento, e por não ter sido determinada qualquer diligência para obter a sua comparência, posto que determinar o seu julgamento ausente como se estivesse presente, viola o princípio das garantias de defesa, do contraditório, da verdade material e da imediação da prova e, consequentemente, deve ser declarado nulo o acórdão recorrido, ordenando-se a repetição do julgamento com a sua comparência.
Mais alega que para que possa vir ocorrer o julgamento na ausência do arguido impõe-se que o tribunal venha a concluir pela sua dispensabilidade, como decorre do nº 2, do artigo 333º, do Código de Processo Penal, pois só desta feita poderá vir a estabelecer-se uma concordância prática entre as garantias de defesa, no caso a comparência do arguido na audiência de julgamento, com a realização da justiça penal através dos tribunais, contexto em que sustenta que o acórdão recorrido é nulo ao abrigo do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, uma vez que o tribunal “a quo” não apreciou e não motivou a sua dispensabilidade ou indispensabilidade no julgamento, conforme preconiza o artigo 333º, nº 1 do Código de Processo Penal, questão essa que não poderia ter deixado de ser fundadamente apreciada, ou seja, olvidou de apreciar fundadamente a necessidade, ou não, de ele ser ouvido, pelo que entendia que o acórdão deverá ser revogado, determinando-se a repetição do julgamento.

Na resposta, o Ministério Público anotou, em síntese, que o espirito do legislador vai no sentido de que, efetuada a notificação regular do arguido, não tendo este comparecido na data designada sem apresentar qualquer justificação para a sua ausência, tendo sido realizada a audiência de julgamento sem a sua presença por a mesma não ter sido considerada como indispensável, tendo estado representado pelo seu defensor durante o julgamento, não tendo este requerido que fosse designada nova data para o ouvir, e tendo sido notificado pessoalmente da sentença (que foi lida em data para a qual não foi notificado e sem que estivesse presente), dessa forma se garantindo o direito ao recurso, foram rigorosamente observados todos os procedimentos estabelecidos na lei, não se topando qualquer violação dos direitos de defesa, de presença e de audição, o que depois especifica com base em citações de jurisprudência consonantes, sublinhando ainda que o artigo 32.º nº 6 da Constituição da República Portuguesa estabelece que a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento, salientando ainda o reforço decorrente da revisão constitucional de 1997 e legislação daí derivada no sentido de dificultar o adiamento da audiência fundado na falta de comparecimento do arguido, concluindo que, no caso, não se justificava que o tribunal determinasse as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter o seu comparecimento, pois o tribunal não considerou ser absolutamente indispensável a sua presença desde o início do julgamento.
Mais alegou, agora quanto à questão de o recorrente não se considerar como notificado para a audiência em julgamento e que o acórdão seria nulo, nos termos do artigo 379º, nº1 do CPP, por violação do artigo 333º do mesmo diploma, que nada de ilegal se detecta nos autos, conforme procurou depois demonstrar através da súmula do correspondente processado existente, para concluir depois que foram cumpridas todas as formalidades legais previstas nos artigos 113º, nº 9 e 196º, ambos do CPP.

Por seu turno, o Ex.mo PGA veio sustentar, genericamente, que, não havia, na sua opinião, qualquer razão ou fundamento para ser posta em causa a validade substancial do acórdão recorrido, que espelha com autenticidade uma verdade processual sólida, racionalmente coerente e credível, mais anotando que as questões a dirimir no presente recurso foram, a seu ver, adequadamente equacionadas e debatidas a resposta da Exma. Magistrada do Ministério Público junto da 1.ª Instância, que por inteiro sufragava, nada mais tendo a acrescentar, anotando apenas que, para além disso, a decisão revidenda também era autossustentável, autoexplicativa e autossuficiente, o que já era motivo suficiente e acrescido para que se escusar de tecer mais aturadas considerações, por manifesta redundância.

Apreciando.

Do que se apreende, e embora interligadas, temos aqui duas questões distintas, a saber, a da nulidade por violação da lei que exige a presença do arguido na audiência de julgamento, sem que lhe haja sido marcado novo julgamento, e por não ter sido determinada qualquer diligência para obter a sua comparência, associada ao facto de, na sua tese, não estar devidamente notificado, pelo que caberia a integração da alínea c) do artigo 119º, que prevê como nulidade insanável a ausência de arguido nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência, e a nulidade do acórdão recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, uma vez que o tribunal “a quo” não apreciou e não motivou a sua dispensabilidade ou indispensabilidade no julgamento, conforme preconiza o artigo 333º, nº 1 do Código de Processo Penal.
Ora bem.
Começando pelo texto legal, como se impõe, é indiscutível que decorre do artigo 61º do Código de Processo Penal que “O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
(…)

e) Constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor”.
Por outro lado, decorre do nº 1 do artigo 332º do Código de Processo Penal que “É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 334º”.
Finalmente, e no que aqui importa reter, estipula o artigo 333º do Código de Processo Penal que:
1 - Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.

2 - Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.os 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º

3 - No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do n.º 2 do artigo 312º”.

Cientes do texto legal aqui interferente, impõe-se começar por assinalar que, contrariamente ao que alega, o recorrente estava devidamente notificado.
Na verdade, tal como se anotava na resposta, aquando da sua primeira detenção no âmbito deste processo ocorrida em 17/3/2018, altura em que foi submetido a interrogatório judicial, viria a ser colocado em liberdade sujeito a TIR, além do mais (vide refª 438920925).
Ora, retornando à letra da lei, decorre do artigo 196º do Código de Processo Penal que:
1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º

2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.

3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.

Cremos linear que a partir da prestação do TIR as notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada pelo arguido, excepto se o mesmo comunicar uma outra nos moldes supra previstos, sendo que, no caso, não houve qualquer comunicação de nova morada, pelo que a sua notificação foi efectuada de forma perfeitamente válida, já que para a morada que consta do TIR, com prova de depósito (vide ref.ª 24414770), conforme ficou a constar expressamente da acta de audiência iniciada em 10/12/2019 (vide refª. 410249225).
Nenhuma nulidade, portanto, conforme vinha alegado.

Adiante.

Passando à alegada nulidade por violação da lei que exige a presença do arguido na audiência de julgamento, sem que lhe haja sido marcado novo julgamento e por não ter sido determinada qualquer diligência para obter a sua comparência, esta pura e simplesmente não existe, uma vez que, consta também daquela mesma acta da audiência que, declarada esta aberta, foi de imediato dado a palavra aos ilustres defensores dos arguidos para se pronunciarem, querendo, sobre a falta dos mesmos, e no uso da mesma disseram que nada tinham a requer, logo nenhuma diligência se impunha levar a cabo para obter o comparecimento do arguido, tanto mais que, sempre de acordo com o ter da acta em questão, “Ao abrigo do disposto no artº 333º do C.P.Penal determina-se a realização da audiência de julgamento sem a presença dos arguidos por se entender não ser essencial tal presença desde o início da audiência”, daqui derivando igualmente que inexiste a segunda nulidade que vinha invocada, já que o tribunal justificou o início da audiência sem a presença dos arguidos por entender que a mesma não era essencial, o que não mereceu oposição, mormente por parte da defesa, que, reitere-se, nada requereu, podendo, designadamente, solicitar que o mesmo fosse ouvido na segunda data designada, ou seja, fundamentação existe, devendo entender-se a remissão em bloco para o artigo 333º no sentido de a presença não ser imprescindível para a descoberta da verdade material, nada na lei se prevendo que aquela justificação não seja suficiente, sendo certo que nada se impunha encetar para obter o comparecimento do arguido, uma vez que o julgamento terminou naquela mesma data, logo, estava já encerrada a fase da discussão.
O sobredito raciocínio tem presente a jurisprudência fixada[3] no sentido de que “Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente á mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.
Assim sendo, resta concluir pelo naufrágio deste capítulo do recurso, manifestamente.
2 – da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Começando por anotar, com base em citação doutrinária, que existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada, designadamente porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo relevante para a decisão e cujo apuramento conduziria à solução legal, isto é, tal vício pode ter-se como evidente quando a factualidade provada não chega para justificar a decisão de direito, ou seja, para a subsunção na norma incriminadora, considerando todos os seus elementos típicos, o recorrente alegou depois que importava analisar que ele foi detido, mas não se lhe imputa a posse de qualquer produto estupefaciente, pelo que falta um elemento fáctico final que suporte a presunção de que era o detentor ou possuidor do produto estupefaciente, mais destacando que da matéria dada como provada apenas se retira que ele conduzia um veículo, cuja propriedade não lhe pertence, e no qual se encontrou, após revista, produto estupefaciente, e ainda que se impute diretamente à arguida a posse de várias quantidades, verdade é que a si tal não sucede, contexto em que entende terem sido violados os limites do poder discricionário da apreciação da prova, pois se não explica como é que pode concluir-se que ele era também possuidor dos produtos encontrados, assim como participante no crime de tráfico de estupefacientes que se lhe imputa, não podendo deixar de dizer-se que é uma mera convicção do julgador de primeira instância, sendo o acórdão recorrido efetivamente lacónico no que respeita à concretização factual no que a si se refere, pelo que apenas pode concluir-se pela existência de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício que não sendo possível e, portanto, decidir a causa, imporá o reenvio do processo para novo julgamento.

Respondendo, sempre a coberto de adequadas citações jurisprudenciais, e após ter dissertado sobre o conceito do alegado vício, o Ministério Público veio sublinhar, em suma, que, face a tudo o que antes ficara exposto e perante a aludida motivação do tribunal, certo se torna concluir que, considerando a valoração feita por esta entidade, através dos depoimentos dos agentes policiais, concatenadas com a própria prova pericial e documental feita nos autos, conjugada com a regras da experiencia e da leitura do texto da decisão recorrida, outro não poderia deixar de ser o entendimento que não seja aquele que determinou a condenação deste arguido, e nos termos em que o fez e deu como provado os questionados parágrafos da dita matéria, mais anotando que o recorrente queria impugnar a matéria de facto, mas sem o pretender fazer, apegando-se a meros e supostos erros de natureza formal e previstos no artigo 410º do CPP, os quais, alias, são de conhecimento oficioso, concluindo que a apreciação da prova obedeceu a critério estritamente legal, mais propriamente ao princípio da imediação, impregnado pela livre convicção e segundo as regras da experiencia comum, que levaram o tribunal a concluir, e bem, pela verificação dos elementos objetivos e subjetivos no comportamento deste arguido/recorrente, passiveis de integrarem o imputado ilícito penal.

A posição expressa no parecer é a que acima ficou exarada, sendo que, do que se denota, não é ali tratada esta concreta questão.

Apreciando.

A singela leitura da sobredita motivação ou argumentação, cuja deliberada extensão da sua síntese acima feita pretende fazer notar a sua natureza e a sua total falência, dá clara nota de uma confusão conceptual entre o alegado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e a insuficiência de prova bastante para se firmar o discutido quadro probatório no que a si respeita, realidades perfeitamente distintas, pois que, como assertivamente se anotava na sobredita resposta, a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão não se confunde com a insuficiência da prova para a matéria de facto provada, tema do campo da livre apreciação da prova, e que é insindicável em sede de reexame da matéria de facto, o que nos remete para a ilação ali igualmente contida de que o recorrente queria impugnar a matéria de facto, mas sem o pretender fazer, apegando-se a meros e supostos erros de natureza formal, o tal invocado vício.
Vale isto por dizer que, por um lado, não se vislumbra, minimamente, onde poderia radicar a alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, já que, em bom rigor, o recorrente, adentro daquela confusão conceptual, acaba por não concretizar em que assentava tal vício, o que, logicamente, impossibilita a sua concreta análise, já que, é mais que consabido, é ontologicamente impossível apreciar aquilo que pura e simplesmente não existe.
Por outro lado, se pretendia simplesmente impugnar a matéria de facto, haveria de ter cumprido o ónus que lhe impunha o artigo 412º, nºs. 2 e 3 do Código de Processo Penal, o que não sucedeu minimamente e, por via disso, implicaria sempre a mera rejeição do recurso nessa parte, se tal era efectivamente a sua real intenção, como parece.
De qualquer modo, tratando-se de vício do conhecimento oficioso conforme acima se deixou anotado, e para nos situarmos em termos legais e interpretativos, convirá começar por relembrar que o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só ocorre “… quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deveriam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão”[4].
Ora, percorrida a matéria de facto tida como assente, fácil será perceber a suficiência da mesma para alcançar o ilícito que vem imputado ao recorrente, pois ao contrário do que o mesmo alega, dela resulta que, no dia 17/03/2018, ambos os arguidos deslocaram-se ao Bairro ..., sito nesta cidade, no veículo de matrícula ..-..-RD, conduzido pelo arguido e no qual seguia como passageira, no banco da frente, a arguida, e abasteceram-se de produtos estupefacientes, para consumirem e para venderem em ..., onde residiam (ponto 1 dos factos provados), que no regresso, foram alvo de uma fiscalização policial (ponto 2 dos factos provados), que a arguida foi alvo de uma revista, tendo sido encontrado na sua posse várias gramas de cocaína e heroína (ponto 3 dos factos provados), que no dia 06/09/2018, deslocaram-se novamente ao Porto, noutro veículo conduzido pelo arguido, para se abastecerem de mais produtos estupefacientes (ponto 4 dos factos provados), tendo sido alvo de nova fiscalização policial (ponto 5 dos factos provados), que nessa ocasião, pousado no interior da dita viatura, em cima do tablier, foram encontradas e apreendidas pelas autoridades policiais várias gramas de heroína (ponto 6 dos factos provados), que, no momento em que se iniciava a revista, a arguida lançou para o chão um pequeno plástico, que o arguido de seguida tentou desmarcar, dando-lhe um pontapé, mas que foi recuperado pelos agentes policiais e continha no seu interior algumas gramas de heroína, que na consola central do veículo um canivete que servia para cortar/dosear o produto estupefaciente, com resíduos de cocaína, e por baixo do tablier foram encontrados dois cantos de saco plásticos que serviam para acondicionamento dos produtos estupefacientes (pontos 7 a 9 dos factos provados), que os arguidos são residentes em ..., deslocando-se ao Bairro ..., sito nesta cidade, para se abastecerem dos produtos referidos, para posterior consumo próprio e venda na zona onde residem, por forma a obterem os correspondentes proventos económicos, que dividiram entre si, actuaram de acordo com um plano previamente estabelecido e em comunhão de esforços e intenções e tinham consciência de que não podiam adquirir, deter, ceder, proporcionar a outrem ou vender as mencionadas substâncias, cuja natureza e características conheciam, e mesmo assim muniram-se das mesmas e transportavam-nas consigo, com o propósito de as consumir e entregar, mediante contrapartida, a outras pessoas, pretendendo assim obter vantagens económicas (ponto 10 e 12 dos factos provados).
Ora cremos mais que evidente que de tal factualidade se extrai que o recorrente actuava concertadamente com a arguida, pelo que, independentemente de parte do produto estar com ela própria não impede que o mesmo seja atribuía a ambos, e se dúvidas houvesse, na segunda ocasião em que foram fiscalizados, havia heroína em cima do tablier, e, fosse esta viatura de quem fosse, era conduzida pelo arguido e tinha com passageira a arguida, pelo que só a ambos poderia ser imputada a detenção de tal produto, bem como o restante, sendo certo que a atitude daquele de dar um pontapé no produto que a arguida detinha, tentando desmarcá-lo, é bem sintomática do seu claro envolvimento.
Assim sendo, não existe o invocado vício.
Paralelamente, não se entende a alegação do recorrente de que não existe prova suficiente para lhe atribuir a imputada actuação em co-autoria, pois que a simples análise da motivação inserta na decisão de facto permite reter a sua génese, a saber, no declarado pelos agentes da PSP que estiveram nas ditas intervenções de fiscalização, sendo que os dois agentes que estiveram na primeira delas referiram que a arguida entregou voluntariamente a droga que tinha e ambos os agentes referiram que o mesmo sabia que aquela, sua companheira, tinha droga em seu poder, estando a droga no banco do carro, no meio das pernas da mesma, e que um dos agentes que esteve na segunda abordagem declarou que no momento em que os arguidos saíram do veículo, por ordem da autoridade policial, a arguida lançou para o solo uma embalagem com droga e o arguido tentou desmarcar tal droga, dando-lhe um pontapé, mais referindo ser evidente a existência de comunhão de esforços entre os arguidos e ter a convicção de que a droga seria para consumir e para vender, aspecto este corroborado por outros dos agentes baseado na sua experiência profissional, associada à quantidade de droga detida pelos arguidos, à sua condição económica, à sua deslocação à cidade do Porto, quer pela qualidade de consumidores dos arguidos.
Coisa diversa seria a sua decisão em sede de impugnação ampla da matéria de facto, o que, como antes se anotou, foi tarefa que o recorrente realmente não encetou e, caso fosse essa a sua real intenção, o recurso seria sempre de rejeitar nessa parte, por inverificação, mínima, dos necessários pressupostos, o que ora se reitera.
Naufraga, pois, também este capítulo do recurso, a raiar também a manifesta improcedência.
3 – da mera cumplicidade.

Mais alega o recorrente, em suma, que o fundamento da punição da cumplicidade reside no contributo que o comportamento do cúmplice oferece para a realização pelo autor de um facto ilícito-típico, fornecendo a este auxílio material ou moral para o efeito, exige-se que a sua prestação consubstancie um contributo efectivo para o facto do autor, sendo que se lhe afigurava que a sua actuação apenas facilitou a prática pela arguida BB do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, pois que se limitava a transportá-la, em veículo que não é da sua propriedade, logo, não tinha o domínio funcional do facto, já que a sua actuação manifestava-se em actos que não eram indispensáveis à prática do crime, sendo este o traço fundamental da cumplicidade que a distingue da co-autoria, contexto em que sustentava que da matéria dada como provada a sua actuação apenas poderia ser considerada como cúmplice e não em co-autoria.

Na resposta, e apos prévia dissertação sobre esta temática, o Ministério Público veio anotar, em síntese, que a fundamentação em sede de facto vertida na decisão recorrida, que resume, fala por si quanto à imputação da comparticipação criminosa de ambos os arguidos, designadamente face à atitude tida pelo aqui recorrente aquando da detenção de ambos os arguidos, pois ao dar um pontapé na embalagem contendo a droga, pretendendo desmarcá-la, sabia perfeitamente que lhe pertencia e que a mesma iria ser comercializada, atendendo à quantidade e qualidade do estupefaciente apreendido, sendo irrelevante que a viatura onde se transportava e que conduzia fosse ou não titulada em seu nome, porque sabemos ser uma prática corrente estes agentes não utilizarem veículos registados em nome próprio, com receio de apreensão e perdimento.

A posição expressa no parecer é a que acima ficou exarada, sendo que, do que se depreende, não é ali tratada também esta concreta questão.

Apreciando.

Estipula o artigo 26º do Código Penal que “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.
Quanto ao conceito, “I. A jurisprudência define a co-autoria como envolvendo um acordo prévio com vista á realização do facto, acordo esse que pode ser expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, não sendo imprescindível que o co-autor tome parte na execução de todos os actos, mas que aqueles em que participa sejam essenciais á produção do resultado.
II. No plano objectivo, o co-autor torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direcção, preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, podendo impedi-lo, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os actos que integram o iter criminis.
III. No plano subjectivo, é imprescindível, á comparticipação como co-autor, que subsista a consciência da cooperação na acção comum”[5].
Por seu turno, decorre do artigo 27º daquela mesma codificação substantiva penal que:
1 - É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.
2 - É aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada.
Relativamente ao conceito entende a jurisprudência que “IV. …a cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outro, estando subordinada ao princípio da acessoriedade. O cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime, mas não toma parte nela, limitando-se a facilitar o facto principal”[6].
Esta jurisprudência, citada a título meramente exemplificativo, vai de encontro ao alegado pelo recorrente quando afirma que o fundamento da punição da cumplicidade reside no contributo que o comportamento do cúmplice oferece para a realização pelo autor de um facto ilícito-típico, fornecendo a este auxílio material ou moral para o efeito, exigindo-se que a sua prestação consubstancie um contributo efectivo para o facto do autor, quando na cumplicidade não tem o domínio funcional do facto, manifestando-se a actuação em actos que não eram indispensáveis à prática do crime, sendo este o traço fundamental da cumplicidade que a distingue da co-autoria.
Sendo, pois, pacíficos tais conceitos, cremos que nenhuma razão assiste ao recorrente, pois que, independentemente da valia daquela teorização conceptual, o mesmo pretende operar a propugnada subsunção na cumplicidade com base em factualidade que o acervo de factos provados não comporta, conforme antes se explanou a propósito do tal invocado vício, o que, sendo mais que evidente, nos dispensa outros considerandos, mormente desenvolvimentos e/ou outras citações sobre esta temática, pois que, conforme se anota no acórdão recorrido, os factos provados revelam inequivocamente a existência de situações de co-autoria entre os arguidos.
Também improcede, pois, este item recursivo, e manifestamente.
4 – da reincidência.

Por último, alega o recorrente que dos factos provados resulta que apenas se referem as condenações anteriores, nada se referindo sobre se as citadas condenações e o cumprimento das ditas penas de prisão não constituíram suficiente advertência, nem o lograram afastar da prática dos factos por que se encontra agora acusado e que consubstanciam o crime de tráfico de estupefacientes que lhe é imputado, e apenas na fundamentação de direito, ao versar a medida concreta da pena, alude-se de forma perfunctória à imputação de reincidência referindo “De facto, o arguido AA, após cumprimento de uma pena de prisão, cometeu novo crime, evidenciando, no facto posteriormente praticado, um particular modo de ser da sua personalidade que, só por si, justifica o tal acréscimo de censura, traduzido numa agravante especial (modificativa) da pena”, após o que, adentro de adequada abordagem desta temática e apoiado em consonantes citações, e anotando que a reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, não sendo suficiente erigir a sua história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação, fez sobressair depois os pressupostos formais do instituto em questão, bem como o pressuposto substantivo ou material, ou seja, para além daqueles de ordem formal, exige-se expressamente, para que a reincidência funcione, a verificação de que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente advertência contra o crime, tratando-se manifestamente de uma prevenção especial, fazendo-se, assim, a exigência da concreta verificação do funcionamento desta qualificativa, o que implica indagação da correspondente matéria de facto, ou seja, é necessário enunciar os factos concretos dos quais possa retirar-se a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação, e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor, pois que a agravação da pena assenta, essencialmente, numa maior disposição para o crime, num maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de ter sido condenado em prisão efetiva, insistir em delinquir, donde resulta um maior grau de censura, por aquela não ter constituído suficiente advertência, não se ter revelado eficaz na prevenção da reincidência, devendo distinguir-se o reincidente do multi-ocasional, verificando-se a pluriocasionalidade quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, na sua culpa, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizado na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da atividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são suscetíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime, concluindo que no acórdão ora recorrido, na fundamentação de facto, não existe a mínima referência factual que substancie o elemento material da reincidência, quedando-se os factos provados por conterem apenas referências às condenações anteriores e vindo apenas enunciar que “De facto, o arguido AA, após cumprimento de uma pena de prisão, cometeu novo crime, evidenciando, no facto posteriormente praticado, um particular modo de ser da sua personalidade que, só por si, justifica o tal acréscimo de censura, traduzido numa agravante especial” e que “Em suma, o arguido AA deve ser condenado como reincidente”, pelo que, e considerando que o vertido é uma mera declaração tabelar, com os dizeres da lei, sem albergar qualquer facto, será de desconsiderar a qualificativa, o que terá reflexos ao nível da medida da pena.

Respondendo, o Ministério Público veio destacar, em suma, que não poderia estar mais de acordo se tivesse havido da parte do recorrente qualquer acto relevante e merecedor de confissão por parte da sociedade, aqui representada pelo tribunal, inexistindo no caso qualquer forma que o tribunal tivesse podido entender que o seu comportamento não deveria ser integrado nessa agravativa, desde logo, porque o mesmo nem sequer compareceu em juízo, para cujo julgamento estava devidamente convocado, nem colaborou, sequer, aquando da sua detenção, com as autoridades, quer policiais, quer judiciais, sendo de pasmar a sua pretensão, pois este caso é um autêntico protótipo ou “study case”, em que ocorre esta situação e onde a aplicação deste instituto se deve operar, como ficou bem explicito na decisão, que transcreve, para concluir que é esta a situação dos autos e o facto do arguido ter sido detido por duas vezes, pelo mesmo comportamento delituoso e, sobretudo, pelo seu relapso na fase de julgamento que, só por si, resulta que não seja passível de poder concluir-se não estarmos perante um mero agente pluriocasional, mas antes de um reincidente, como efectivamente se trata, pelo que entendia que a decisão recorrida e questionada deve permanecer integralmente, julgando-se o recurso improcedente.

Também aqui, e embora ali se anote que como já foi realçado no acórdão recorrido, vista a matéria de facto dada como provada em articulação com as sólidas considerações expendidas pelo tribunal recorrido como fundamento da reação criminal apurada e encontrando tudo eximiamente justificado, afigurava-se que a pena aplicada, dentro da catalogação fechada legalmente prevista, para além de bem escolhida ou primorosamente selecionada e ser a adequada às circunstâncias envolvidas e envolventes do caso concreto, encontra-se fixada ou doseada com rigor, ponderação e equilíbrio, não se vislumbra que no parecer se tenha tratado também esta concreta questão da reincidência.

Apreciando.

Começando também aqui pelo texto legal, recorda-se que estipula o artigo 75º do Código Penal, no que ora importa, que “1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
Pese embora exista total sintonia nos autos nesta matéria quanto ao instituto aqui em apreço, mormente no tocante aos seus referenciados pressupostos, limitar-nos-emos a recordar, em total consonância, que a jurisprudência tem sustentado, de forma que cremos uniforme, que “I. O art. 75.º do CP enuncia os requisitos da condenação a título de reincidência. Assim, constituem pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, «por si só ou sob qualquer forma de participação»:
- que o crime agora cometido seja doloso;
- que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão superior a 6 meses;
- que o arguido tenha sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;
- que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança.
II. Além daqueles pressupostos formais a verificação da reincidência exige, ainda, um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”[7].
Por outro lado, cremos que é igualmente pacífico ao nível da jurisprudência que “II. A agravante da reincidência, que jamais pode ser aplicada de forma automática, assenta, essencialmente, numa maior culpabilidade e censurabilidade do agente pelo facto de, apesar de já ter sido anteriormente condenado, insistir em praticar novo crime, persistindo em delinquir.
III. Há que distinguir o reincidente do delinquente multiocasional: o primeiro tem personalidade propensa à prática de determinado tipo de factos ilícitos e típicos, sendo indiferente às condenações judiciais; o segundo reitera a conduta devido a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na sua personalidade”[8].
De tudo isso cientes, e tendo presente a sobredita argumentação recursiva, impõe--se revisitar um tal peculiar aspecto do acórdão recorrido, do qual se colhe que em sede de facto, o tribunal teve como provado que, por acórdão de cúmulo jurídico proferido em 28/05/2009, no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 180/06.1POPRT, da 2ª Vara Criminal do Porto (agora Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 14), transitado em julgado em 24/06/2009, o arguido AA foi condenado na pena única de 10 anos e 3 meses de prisão.
Este cúmulo jurídico englobou as penas parcelares aplicadas no Processo nº 729/05.7SJPRT, da 4ª Vara Criminal do Porto (três crimes de roubo qualificado, praticados em 22/09/2005, 10/03/2006 e 02/04/2006, e três crimes de roubo simples, com a agravante da reincidência, praticados em 13/02/2006, 08/04/2006 e 13/04/2006; acórdão de 20/11/2006, transitado em julgado em 23/10/2007; pena única de 10 anos de prisão) e no Processo nº 180/06.1POPRT, da 2ª Vara Criminal do Porto (um crime de apropriação de coisa achada, praticado entre 05 e 06/04/2006, e um crime continuado de burla informática, praticado entre 06 e 13/04/2006; acórdão de 12/02/2009, transitado em julgado em 04/03/2009; pena única de 10 meses de prisão).
O arguido AA foi detido no dia 26 de Abril de 2006 e, desde 28 de Abril de 2006, ficou em prisão preventiva.
O arguido AA cumpriu sucessivamente a referida pena única de 10 anos e 3 meses de prisão e a pena residual de 4 anos, 9 meses e 2 dias de prisão (esta última por revogação de liberdade condicional que lhe foram concedida quando cumpria a pena de prisão ditada no Processo nº 28/97 da 1ª Vara Criminal do Porto), estando o termo destas penas previsto para 26/04/2021.
Contudo, foi concedida a liberdade condicional ao arguido AA, com efeitos a partir de 26/04/2016.
Mais considerou provado que apesar da condenação sofrida e do cumprimento da pena de prisão, o arguido AA voltou a praticar crimes, revelando com tal comportamento que a pena sofrida e o tempo de prisão cumprido não teve sobre si qualquer efeito dissuasor (pontos 14 e 15 dos factos provados).
Ora, esta última factualidade constitui o alicerce para que posteriormente o tribunal pudesse alcançar aquilo que ponderou em sede de medida da pena, ocasião em que, previamente, constatando a verificação dos necessários pressupostos formais aqui pacificamente reinantes, analisou depois o denominado pressuposto material, ou seja, o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime, que teve como verificado, conforme seguidamente explicou, ancorado em consonante aresto do TRG, isto é, pelo facto de, após cumprimento de uma pena de prisão, ter cometido novo crime, evidenciando, no facto posteriormente praticado, um particular modo de ser da sua personalidade que, só por si, justifica o tal acréscimo de censura, traduzido numa agravante especial (modificativa) da pena, raciocínio este devidamente alicerçado na factualidade apurada sita a montante e encetado no lugar próprio, pois que tais ilações têm o seu natural “habitat” neste específico enquadramento jurídico que, é consabido, versa sobre matéria de direito e, por isso, deverá ficar sempre arredado da matéria de facto, além de que, e contrariamente ao alegado, não se trata de uma mera declaração tabelar, com os dizeres da lei, sem albergar qualquer facto, pois que, como se disse, trata-se de ilação devidamente suportada naquela factualidade tida como assente e aqui não questionada, a qual tem naturalmente como subjacente a destrinça entre a reincidência e a mera pluriocasionalidade, ou seja, não se tratou de considerar que a reincidência operava como mero efeito automático das anteriores condenações, pelo que não será de desconsiderar tal qualificativa, com os inerentes reflexos fixados ao nível da medida da pena e, afora a questão da sua pretendida e não conseguida desconsideração, aqui não beliscados pelo recorrente, minimamente.
Assim sendo, e porque tal se mostra para nós mais que evidente, resta concluir pelo inexisto também deste capítulo do recurso, sem necessidade de maiores considerandos.
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Naufraga, pois, o recurso na sua totalidade, o que, logicamente, implica a inerente tributação do recorrente em sede de custas, considerando-se adequado, atento o trabalho processual desenvolvido e a sua complexidade, fixar em seis UC a taxa de justiça devida, nos termos dos artigos 513º, nºs. 1 a 3, e 514º, ambos do Código de Processo Penal, e 8º, nº 9 e tabela III, estes do Regulamento das Custas Processuais.
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III – DISPOSITIVO:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes nesta Relação acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, em consequência do que, e na parte aqui questionada, decidem confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se em seis UC a taxa de justiça devida.

Notifique.
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Porto, 15/03/2023[9].
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
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[1] Vide, entre outros no mesmo e pacífico sentido, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[3] Através do acórdão do STJ de fixação de jurisprudência nº 9/2012, publicado no DR, I série, de 10/12/2012.
[4] Vide Ac. do STJ, de 03/07/02, relatado por Armando Leandro, apud Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, pág. 914.
[5] Sumário extraído das anotações ao artigo 26º do Código Penal anotado da PGDLisboa, inserto na sua base de dados e com origem no acórdão do STJ proferido em 05/06/2012.
[6] Sumário extraído das anotações ao artigo 27º do Código Penal anotado da PGDLisboa, inserto na sua base de dados e com origem no mesmo acórdão do STJ mencionado na nota precedente.
[7] Sumário extraído das anotações ao artigo 75º do Código Penal anotado da PGDLisboa, inserto na sua base de dados e com origem no acórdão do STJ proferido em 29/02/2012, aqui citado a título meramente exemplificativo.
[8] Parte do sumário extraído das anotações ao artigo 75º do Código Penal anotado da PGDLisboa, inserto na sua base de dados e com origem no acórdão do TRP proferido em 06/02/2013, aqui também citado a título meramente exemplificativo.
[9] Texto composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).