Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
209/14.0TAVLC-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: EXAME PERICIAL
POLÍCIA JUDICIÁRIA
PAGAMENTO
Nº do Documento: RP20170524209/14.0TAVLC-A,P1
Data do Acordão: 05/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 719, FLS 18-21)
Área Temática: .
Sumário: A redação do nº 3 do citado artigo 2º da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril impõe que o custo de exame pericial (perícia de escrita manual) realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária seja considerado para efeitos de pagamento antecipado do processo, mesmo que o exame tenha sido elaborado para apoiar despacho de arquivamento de inquérito, ou de acusação, elaborado pelo Ministério Público.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 209/14.0TAVLC-A.P1
Data do acórdão: 24 de Maio de 2017

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem: Comarca de Aveiro
Instância Local de Vale de Cambra | Secção de Competência Genérica

Sumário:
A redação do nº 3 do citado artigo 2º da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril impõe que o custo de exame pericial (perícia de escrita manual) realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária seja considerado para efeitos de pagamento antecipado do processo, mesmo que o exame tenha sido elaborado para apoiar despacho de arquivamento de inquérito, ou de acusação, elaborado pelo Ministério Público.

Acordam, em conferência, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos autos acima identificados, em que figura como recorrente o Ministério Público;
I – RELATÓRIO
1. Por despacho datado de 9 de Janeiro de 2017, foi determinado o pagamento da nota de débito n.º ........../2016, no valor de 795,60€ (setecentos e noventa e cinco euros e sessenta cêntimos), referente ao exame n.º .........-FEM, junta aos autos principais pela Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e de Segurança da Polícia Judiciária, pela realização de uma perícia de escrita manual realizada em fase de inquérito, por ser devido a título de encargos - artigo 16.°, n° 1, ai. d), 17.°, n° 2, do RCP e Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril. O despacho acrescenta que, a não ser devido o valor reclamado, tal prejudicaria a entidade pública prestadora e, no caso de condenação, injustificadamente, o arguido beneficiaria ilegitimamente com esse não pagamento.
2. Inconformado com tal despacho, o Ministério Público junto do tribunal a quo interpôs recurso da decisão, terminando a motivação do recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas:
«(…)
A Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril, aprovou a tabela de preços a cobrar pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, pelo Instituo Nacional de Medicina Legal, I.P. e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais e outros documentos que lhes forem requeridos.
Nos termos dos n.ºs 3, e 4, do artigo 2.°, do referido diploma, tais custos são cobrados para efeitos de pagamento antecipado do processo e são pagos, diretamente, a essas entidades pelos Tribunais.
De acordo com o artigo 46.°, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 37/2008, de 06 de agosto (Lei Orgânica da Polícia Judiciária) tais verbas constituem receitas próprias do mencionado Serviço.
Apesar do teor relativamente inequívoco dos mencionados preceitos legais, cremos que, quando tais entidades atuam no exercício das atribuições da sua competência exclusiva, no âmbito da sua missão de coadjuvação dos Tribunais, o mencionado documento (fatura/recibo/nota de débito) destina-se, exclusivamente, à demonstração do montante a levar em regra de custas, aí se imputando tal encargo ao seu responsável.
Nestes casos, obtido o pagamento da conta pelo seu responsável, tal quantitativo deverá ser transferido para a mencionada entidade, traduzindo-se em sua receita própria. Já se não for obtido tal pagamento, nada haverá a transferir para o mencionado Serviço.
Cremos que esta é a interpretação que melhor acolhe a teleologia das normas em referência e a lógica subjacente à circunstância de um serviço central da administração direta do Estado exigir de um outro órgão do Estado o pagamento de quantias pelos serviços prestados no âmbito da sua própria missão.
Razão pela qual deveria ter sido indeferido o requerido pagamento.
Salvo melhor opinião, ao assim não decidir, o despacho recorrido violou os artigos 1.°, 2°, n.º 1, e 46.°, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 37/2008, de 06 de agosto, e os artigos 1.°, e 2.°, n.ºs 3, e 4, da Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril.»

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
4. Não houve resposta ao recurso.
5. Nesta instância o Ministério Público emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, não acompanhando a motivação do recurso.
6. Não houve resposta ao parecer.
7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].
II – FUNDAMENTAÇÃO
Questão a decidir
A questão a decidir, que resulta das conclusões do recorrente, é a seguinte:
É devido pagamento pela realização, em sede de inquérito, de exame pericial (perícia de escrita manual) elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária?
Apreciando.
As posições jurídicas em confronto:
Do despacho recorrido e do parecer do Ministério Público junto deste Tribunal Superior:
O despacho recorrido determinou o pagamento da nota de débito n.º ........../2016, no valor de 795,60€ (setecentos e noventa e cinco euros e sessenta cêntimos), referente ao exame n.º .........-FEM, junta aos autos principais pela Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e de Segurança da Polícia Judiciária, pela realização de uma perícia de escrita manual realizada em fase de inquérito.
A base legal que fundamenta essa ordem de pagamento resulta da circunstância de integrar encargos sujeitos a pagamento à luz do disposto no artigo 16.°, n° 1, al. d), 17.°, n° 2, do RCP e Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril.
O despacho acrescenta que, a não ser devido o valor reclamado, tal prejudicaria a entidade pública prestadora e, no caso de condenação, injustificadamente, o arguido beneficiaria ilegitimamente com esse não pagamento.
Do recorrente:
O recorrente motiva a sua discordância jurídica no entendimento de que quando o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária atua no exercício das suas atribuições exclusivas de coadjuvação dos Tribunais, a fatura/recibo/nota de débito destina-se, exclusivamente, à demonstração do montante a levar em regra de custas, aí se imputando tal encargo ao seu responsável e só nas situações em que for obtido o pagamento pelo seu responsável, devendo só então o pagamento ser efetuado à mencionada entidade.
Nas situações em que não for obtido tal pagamento, nada haverá a transferir para o mencionado Serviço.
Decidindo.
Resulta do artigo 1º, nº 1, da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, que o seu objeto é aprovar “a tabela de preços a cobrar (…) pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas”.
Contrariando expressamente a tese do recorrente, o artigo 2º, nº 3, do mesmo diploma, estatui que “o custo das perícias e exames (…) elaborados para apoiar as decisões das entidades judiciárias são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo”.
Por seu turno, o número 4 do mesmo artigo estatui que “as perícias e os exames realizados (…) pela Policia Judiciária, são pagos directamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram, de acordo com a tabela de preços anexa à presente portaria.”
A redação do nº 3 do citado artigo 2º da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, retira fundamento jurídico à tese do recorrente, na medida em que impõe que o custo de exame pericial (perícia de escrita manual) realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária seja considerado para efeitos de pagamento antecipado do processo, mesmo que o exame tenha sido elaborado para apoiar despacho de arquivamento de inquérito, ou de acusação, elaborado pelo Ministério Público.
Daqui resulta que a mera circunstância do exame ter sido realizado no exercício das atribuições exclusivas de coadjuvação da Polícia Judiciária, neste caso, ao Ministério Público, tal não afasta o dever legal de pagamento antecipado do valor correspondente ao exame.
Tal resulta, aliás, da jurisprudência dos Tribunais Superiores, já publicada, conforme o próprio recorrente expressamente admite: "toda a jurisprudência conhecida dos nossos Tribunais Superiores se tem pronunciado em sentido diverso. Na verdade, veja-se, a este propósito, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 20/10/2015, proferido no processo n.º 31/11.5TAMTL-A.El, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Alberto Borges; de 20/10/2015, proferido no processo n.º 43/13.4GAMTL-A.E1, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Fernando Pina; de 03/12/2015, proferido no processo n.º 120/12.9PBBJA-B.E1, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Alberto Borges; e 02/02/2016, proferido no âmbito do processo n.º 95/11.1 GCBJA- B.E1, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Carlos Berguete Coelho, todos disponíveis em www.dgsi.pt)".
Não se ignora que a respeito desta matéria foi elaborado o ofício emanado do Gabinete de Sua Excelência, a Ministra da Justiça, assinado pelo seu Chefe de Gabinete, datado 13 de Janeiro de 2012[1], segundo o qual "No âmbito da investigação criminal a realização de perícias e exames levados a cabo pela Polícia Judiciária, enquanto órgão que coadjuva as autoridades judiciárias, são actos praticados na prossecução das suas atribuições, destinando-se as notas de débito emitidas à demonstração dos recursos utilizados e respectivos custos para o erário público“.
Alguns magistrados do Ministério Público – o que não foi o caso do recorrente - têm invocado esse ofício para sufragar a tese de que as notas de débito não são assim para serem pagas pelas autoridades judiciárias. No entanto, esse alcance não resulta expressamente do seu teor e, mesmo que essa interpretação do ofício fosse possível, sendo a República Portuguesa um Estado de Direito Democrático, tal ofício nunca teria o efeito jurídico de revogar normas jurídicas expressas em Portaria (números 3 e 4 do citado artigo 2º da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril) – artigos 2º, 3º, 2 e 3, ambos da Constituição da República Portuguesa -.
Se o Governo pretender alterar o regime jurídico de pagamento antecipado das perícias, deverá revogar ou alterar as citadas normas da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, que impõem o seu pagamento antecipado. Enquanto tal não suceder, mantém-se a sua obrigatoriedade.
Confirma-se, assim, o despacho recorrido.
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Das custas
Apesar da improcedência total do recurso, não há lugar ao pagamento de custas, por força da isenção prevista no artigo 522º, 1, do Código de Processo Penal.
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, em conferência, em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
Sem custas.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 24 de Maio de 2017.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa

[1] Disponível em https://simp.pgr.pt/mensagens/mount/anexos/2013/255727_despacho_mj_pericias_pj.pdf.