Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2680/19.4T8AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: NOTIFICAÇÃO
DEPÓSITO
PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
Nº do Documento: RP202106212680/19.4T8AGD-A.P1
Data do Acordão: 06/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando a lei adjetiva considera a notificação feita na data certificada pelo distribuidor postal do depósito do expediente para notificação do requerimento de injunção, cria uma ficção legal de concretização de um certo ato, no caso a notificação do requerimento de injunção.
II - Porém, isso não significa que o ato de certificação pelo distribuidor postal do depósito do expediente para notificação do requerimento de injunção seja uma prova pleníssima, insuscetível de ser contrariada por qualquer forma ou sequer uma prova plena.
III - O distribuidor postal não é uma autoridade pública, nem um oficial público provido de fé pública, pelo que a aludida certificação não constitui um documento autêntico (veja-se a primeira parte do nº 2, do artigo 363º, do Código Civil), nem existe qualquer normativo que o equipare a uma destas entidades, nomeadamente, no Regulamento dos Serviços Postais aprovado pelo decreto-lei nº 176/88, de 18 de maio.
IV - Ainda que o distribuidor postal fosse uma autoridade pública, um oficial público provido de fé pública ou equiparado legalmente a uma destas entidades, sempre seria viável a prova da falsidade ou da inverdade do ato de certificação do depósito do expediente para notificação do requerimento de injunção (artigo 372º, do Código Civil).
V - De facto, apenas quando provada a certificação do depósito do expediente para notificação do requerimento de injunção e a sua veracidade, se essa questão se colocar, é irrefutável a conclusão de que a citação ou a notificação para o procedimento de injunção se verificou no montante em que se processou a aludida certificação.
VI - Afirmar que a carta para notificação do procedimento de injunção não foi depositada no seu recetáculo postal é dizer que não corresponde à verdade a certificação do distribuidor postal de que esse depósito se verificou em certo local, num certo dia e a certa hora.
VII - Nos embargos de executado, questionando-se o depósito do expediente para notificação do procedimento de injunção, o ónus da prova distribui-se tendo em conta que a embargante pretende demonstrar um facto impeditivo da atribuição de força executiva ao requerimento de injunção, competindo-lhe, por isso, o ónus da prova dessa factualidade, nos termos do disposto no artigo 342º, nº 2, do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2680/19.4T8AGD.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 2680/19.4T8AGD.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 24 de fevereiro de 2020, por apenso à ação executiva sob forma sumária, para pagamento de quantia certa, instaurada em 22 de novembro de 2019 por B…, S.A. e que com o nº 2680/19.4T8AGD pende no Juízo de Execução de Águeda, Comarca de Aveiro, C…, Lda. deduziu embargos de executado suscitando, além do mais, a inexequibilidade do título exequendo, requerendo, em consequência, desde já a suspensão da ação executiva, oferecendo para tanto garantia bancária e, a final, a extinção da ação executiva.
Para fundamentar os embargos alega, em síntese, que “nunca foi citada nem de qualquer modo notificada do requerimento injuntivo sujeito ao nº82078/19.0YIPRT do B.N.I. referido no requerimento executivo”, nem nunca no recetáculo da sua caixa postal foi depositada qualquer carta ou sobrescrito”, sendo “certo que, relativamente ao montante vindicado na sobredita injunção, nunca entre executada e exequente foi celebrado qualquer acordo negocial, nomeadamente contrato escrito que suportasse o alegado crédito da exequente além vindicado.
Os embargos foram liminarmente admitidos, declarando-se suspensa a execução ao abrigo do disposto na alínea d), do nº 1, do artigo 733º do Código de Processo Civil, sendo a embargada notificada para, querendo, contestar os embargos.
B…, S.A. contestou os embargos pugnando pela regularidade da notificação da embargante em sede de procedimento de injunção e reafirmando todos os factos que alegou no requerimento de injunção a que foi conferida força executiva, alegando constituir abuso do direito por parte da embargante a invocação da inexistência de contrato escrito subjacente à pretensão exequenda e sendo em todo o caso válido o acordo verbal que à mesma subjaz e, ainda que assim não fosse, sempre a embargante estaria obrigada ao pagamento dos materiais que recebeu da embargada por via do instituto do enriquecimento sem causa, requerendo ainda a condenação da embargante como litigante de má-fé em multa e indemnização que oportunamente liquidará.
Notificada da contestação, a embargante impugnou alguma da prova documental oferecida pela embargada, referindo, nomeadamente, que “desconhece os documentos relativos ao requerimento de injunção nº82078/19.0YIPRT e respetivos anexos, nomeadamente cópias de avisos postais, pois nunca lhe foram remetidos, nem dos mesmos teve qualquer conhecimento”, requerendo, por sua vez a admissão de variada documentação.
A embargada pronunciou-se sobre o requerimento da embargante em que tomou posição sobre a prova documental oferecida com a contestação dos embargos, requerendo a realização de uma diligência probatória.
Em 03 de setembro de 2020 foi proferido despacho solicitando ao Balcão Nacional de Injunções a remessa de cópia dos elementos relativos à notificação da embargante em sede de procedimento de injunção.
Recebidos os elementos solicitados ao Balcão Nacional de Injunções e notificados aos mesmos às partes, sem que qualquer uma se tenha pronunciado sobre os mesmos, ouviram-se as partes sobre a dispensa da audiência prévia a fim de conhecer de imediato do mérito da causa, proferindo-se em 30 de novembro de 2020 decisão[1] a julgar os embargos de executado totalmente improcedentes.
Em 18 de janeiro de 2021, inconformada com a decisão que precede, C…, Lda. interpôs recurso de apelação, requerendo a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
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B…, S.A. contra-alegou opondo-se à atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto por não terem sido alegados os factos necessários à procedência de tal pretensão, por a garantia oferecida ser insuficiente e, quanto ao recurso, pugnou pela sua total improcedência com a confirmação da decisão recorrida.
Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso e a sua relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
Da natureza controvertida da matéria dada como assente na alínea H) dos fundamentos de facto da decisão recorrida e do necessário prosseguimento dos autos para a fase de instrução e realização da audiência final.
3. Fundamentos
3.1 Da natureza controvertida da matéria dada como assente na alínea H) dos fundamentos de facto da decisão recorrida e do necessário prosseguimento dos autos para a fase de instrução e realização da audiência final
A recorrente pugna por que se julgue controvertida a matéria vertida na alínea H) dos fundamentos de facto da sentença recorrida, por carecer de prova, já que alegou que “nunca rececionou no recetáculo da sua caixa postal qualquer carta relativa aos autos de injunção em causa” e ainda que “[n]ão pode, sem mais, a declaração unilateral, sem direito a contraditório, de um funcionário do serviço postal que “certifica” que a carta foi depositada no recetáculo destinado a esse efeito valer como presunção “iuris tantum” de que de facto assim aconteceu”, razão pela qual o processo deve prosseguir com produção de prova.
A recorrida pugna pela manutenção da matéria vertida na alínea H) dos factos provados como provada porque, em síntese, a recorrente não impugnou a prova documental remetida pelo Balcão Nacional de Injunções a fim de comprovar a forma como se efetivou a notificação da mesma em sede de procedimento de injunção.
A alínea H) dos factos provados que a recorrente considera integrar matéria controvertida tem o seguinte teor:
- Que veio a ser depositada no recetáculo para esse efeito[2].
Na decisão recorrida, em substância, julgou-se provado o facto que a recorrente considera controvertido com a seguinte argumentação:
Mas alega a mesma que a carta de notificação com prova de depósito não foi depositada no recetáculo de que dispõe para efeitos de receção do correio.
Conforme supra exposto, há falta de citação, nos termos previstos no artigo 188/1, alínea e) do Código de Processo Civil quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
Ao citando/notificando incumbe o ónus de prova do desconhecimento do ato, por motivo ou facto que lhe não seja imputável - Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 155
No caso dos autos, a embargante limita-se a alegar que a carta de notificação não foi depositada no recetáculo destinado à receção de correio postal, mas nada alegando em concreto quanto ao fundamento da sua não receção.
Com efeito, foi certificado pelo funcionário do correio que a carta foi depositada no receptáculo destinado a esse efeito, na morada da embargante.
E nada alegou a embargante, em concreto, para ilidir tal presunção (por exemplo: ausência de recetáculo, erro no recetáculo, por existirem outras empresas a laborar com caixa de correio muito próximas da sua; extravio habitual do correio que habitualmente recebe; mudança de direção da sua sede; etc.)
Prescreve o artigo 5/1 do Código de Processo Civil que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseias as exceções invocadas.”
No caso dos autos, conforme referido, não foram alegados os factos essências atinentes à não receção, pela embargante, da carta de notificação em sede de procedimento de injunção, sendo certo que a sua falta de alegação não é suprível nos termos previstos no artigo 590 do Código de Processo Civil.
Assim, em face do exposto, não tendo sido alegados quaisquer factos suscetíveis de ilidir a presunção de que a carta foi efetivamente depositada na caixa do correio da ora embargante, julgo improcedentes os embargos de executado.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, situemo-nos normativamente.
Aos presentes embargos de executado, o tribunal a quo, ainda que sem fundamentar essa opção, aplicou o regime emergente das alterações ao Código de Processo Civil introduzidas pela Lei nº 117/2019, de 13 de setembro, em vigor desde 01 de janeiro de 2020.
No entanto, este diploma legal, em sede de disposições transitórias (artigo 11º, nº 1) prevê que o disposto na mesma lei apenas se aplica aos processos iniciados a partir da sua entrada em vigor (01 de janeiro de 2020), bem como aos processos que, nessa data, estejam pendentes nos cartórios notariais mas sejam remetidos ao tribunal nos termos do disposto nos artigos 11º a 13.
Ora, a ação executiva de que estes autos são dependência, iniciou-se antes de 01 de janeiro de 2020, apenas se tendo iniciado após essa data os embargos de executado.
Porém, se se atentar em todo o conteúdo do citado artigo 11º da Lei nº 117/2019, de 13 de setembro, percebe-se que o legislador teve em vista precipuamente nesta normação o processo de inventário e não a aplicação no tempo das restantes alterações legislativas que introduziu.
Neste circunstancialismo, afigura-se-nos que deve ser aplicado, por analogia, o disposto no artigo 6º, nº 4, da lei nº 41/2013, de 26 de junho, pelo que as alterações introduzidas pela Lei nº 117/2019 de 13 de setembro serão aplicáveis aos presentes embargos de executado, porque iniciados após a entrada em vigor da Lei nº 117/2019.
Deste modo, estando em causa uma ação executiva para pagamento de quantia certa sob forma sumária e em que o título exequendo é um requerimento de injunção a que foi conferida força executiva, por força do disposto no nº 1, do artigo 857º do Código de Processo Civil, na redação introduzida pela Lei nº 117/2019, para além dos fundamentos previstos no artigo 729º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª Instância, aprovados em anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
De acordo com o disposto na alínea d), do artigo 729º do Código de Processo Civil, pode constituir fundamento de embargos de executado contra execução fundada em requerimento de injunção a que foi conferida força executiva a falta de intervenção do requerido no procedimento de injunção, verificando-se algumas das situações previstas na alínea e) do artigo 696º.
Na alínea e) do artigo 696º do Código de Processo Civil, na redação introduzida pela Lei nº 117/2019, prevê-se que a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando, tendo o processo corrido à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) O réu não pode [pôde?] apresentar a contestação por motivo de força maior.
Os casos de falta de citação e de nulidade de citação constam dos artigos 188º e 191º, ambos do Código de Processo Civil, devendo entender-se que as referências à citação se consideram feitas à notificação do requerimento de injunção.
No caso dos autos, na perspetiva do tribunal recorrido, está em causa uma notificação do requerimento de injunção por via postal simples nos termos do nº 4, do artigo 12º do anexo ao decreto-lei nº 269/98, de 01 de setembro na redação então vigente.
O normativo que se acaba de citar prescreve que se aplica à aludida notificação por via postal simples o disposto nos nºs 2 a 4 do artigo seguinte.
De acordo com o disposto no nº 3, do artigo 13 do citado anexo, o distribuidor do serviço postal procede ao depósito da carta na caixa de correio do notificando e certifica a data e o local exato em que a depositou, remetendo de imediato a certidão à secretaria.
À notificação do requerimento de injunção, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 12º do anexo ao decreto-lei nº 269/98, de 01 de setembro na redação então vigente, numa interpretação atualista face à vigência do atual Código de Processo Civil[3], é aplicável o disposto no artigo 223º do vigente Código de Processo Civil e que corresponde ao artigo 232º do anterior Código de Processo Civil, o artigo 224º do vigente Código de Processo Civil e que corresponde ao artigo 231º do anterior Código de Processo Civil, o artigo 228º, nºs 2 a 5 do vigente Código de Processo Civil e que corresponde aos nºs 2 a 5 do artigo 236º do anterior Código de Processo Civil, não havendo no atual Código de Processo Civil correspondência com o artigo 237º do anterior Código de Processo Civil[4].
Na decisão recorrida, entendeu-se que a “certificação”[5] por parte do distribuidor postal do depósito da carta simples na caixa do correio do notificando tinha o valor de presunção legal iuris tantum de que esse depósito foi efetivamente realizado, não se indicando contudo o normativo legal que confere tal valor a essa “certificação”.
Porventura, numa interpretação que não se mostra questionada no recurso, entendeu-se que seria aplicável, por analogia, o disposto no nº 2, do artigo 230º, do Código de Processo Civil, rectius do nº 4, do artigo 246º do mesmo código por estar em causa a notificação de uma pessoa colectiva[6].
Por força da aplicação deste preceito, a notificação para o procedimento de injunção considera-se feita na data “certificada” pelo distribuidor postal do depósito do expediente.
Salvo melhor opinião, quando a lei adjetiva considera a notificação feita na data certificada pelo distribuidor postal do depósito do expediente para notificação do requerimento de injunção, cria uma ficção legal[7] de concretização de um certo ato, no caso a notificação do requerimento de injunção.
Porém, isso não significa que o ato de “certificação” pelo distribuidor postal do depósito do expediente para notificação do requerimento de injunção seja uma prova pleníssima, insuscetível de ser contrariada por qualquer forma, uma prova plena apenas contrariável mediante prova da falsidade (artigo 347º do Código Civil) ou uma prova legal apenas ilidível mediante prova do contrário, como sucede com as presunções legais iuris tantum (artigo 350º, nº 2, do Código Civil).
Na verdade, o distribuidor postal não é uma autoridade pública, nem um oficial público provido de fé pública, pelo que a aludida certificação não constitui um documento autêntico (veja-se a primeira parte do nº 2, do artigo 363º, do Código Civil), nem existe qualquer normativo que o equipare a uma destas entidades, nomeadamente, no Regulamento dos Serviços Postais aprovado pelo decreto-lei nº 176/88, de 18 de maio.
E ainda que o distribuidor postal fosse uma autoridade pública, um oficial público provido de fé pública ou equiparado legalmente a uma destas entidades, sempre seria viável a prova da falsidade ou da inverdade do ato de “certificação” do depósito do expediente para notificação do requerimento de injunção (artigo 372º, do Código Civil).
De facto, apenas quando provada a certificação do depósito do expediente para notificação do requerimento de injunção e a sua veracidade, se essa questão se colocar, é irrefutável a conclusão de que a citação ou a notificação para o procedimento de injunção se verificou no momento em que se processou a aludida certificação[8].
No caso em apreço importa não olvidar que o ónus da prova se distribui tendo em conta que a embargante pretende demonstrar um facto impeditivo da atribuição de força executiva ao requerimento de injunção, competindo-lhe, por isso, o ónus da prova dessa factualidade, nos termos do disposto no artigo 342º, nº 2, do Código Civil.
Na decisão recorrida entendeu-se que a embargante nada alegou para ilidir a “certificação” do distribuidor postal de que a carta para notificação do requerimento de injunção foi depositada no recetáculo da recorrente que se destina a esse efeito.
Ora, discordamos em absoluto desta afirmação da Sra. Juíza a quo pois afirmar que a carta para notificação do procedimento de injunção não foi depositada no seu recetáculo postal é dizer que não corresponde à verdade a “certificação” do distribuidor postal de que esse depósito se verificou no dia 15 de outubro de 2019, pelas 15h22, como consta da aludida “certificação”[9]. E a eventual comprovação de que o depósito certificado pelo distribuidor postal afinal não se verificou demonstrará inelutavelmente por que razão a notificanda do requerimento de injunção não recebeu o expediente alegadamente depositado e, além disso, que esse não recebimento e consequente não conhecimento não lhe é imputável[10].
Neste enquadramento, os autos não contêm todos os elementos para que seja conhecido diretamente o mérito da causa (artigo 595º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil), conforme se entendeu em primeira instância, devendo ser revogada a decisão recorrida e determinado o prosseguimento dos autos nos termos previstos no artigo 597º do Código de Processo Civil, ex vi artigos 551º, nº 3 e 732º, nº 2, do mesmo código, salvo se qualquer outra questão ainda não apreciada e de conhecimento oficioso a tanto obstar.
Pelo exposto, o recurso procede, devendo revogar-se a decisão recorrida, sendo as custas do recurso da responsabilidade da recorrida já que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto por C…, Lda. e, em consequência, em revogar a decisão proferida em 30 de novembro de 2020, determinando-se o prosseguimento dos autos nos termos previstos no artigo 597º do Código de Processo Civil, ex vi artigos 551º, nº 3 e 732º, nº 2, do mesmo código, salvo se qualquer outra questão ainda não apreciada e de conhecimento oficioso a tanto obstar.
Custas a cargo da recorrida, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 21 de junho de 2021
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 02 de dezembro de 2020.
[2] Esta alínea só se entende conjugada com a que antecede com o seguinte teor: “Em 08.10.2019, o Balcão Nacional de Injunções enviou carta simples com prova de depósito para a morada referida em D)”. A morada referida em D) é a …, nº .., …, ….-… ….
[3] Sublinhe-se que aquando da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, no artigo 2º da Lei nº 41/2013, de 26 de junho curou-se de prever um regime jurídico para as remissões constantes de qualquer diploma para o processo declarativo ordinário, sumário e sumaríssimo e bem assim para as referências ao tribunal coletivo constantes de processos de natureza civil não previstos no Código de Processo Civil. Porém, não se curou de prever o regime jurídico a aplicar a remissões em diplomas avulsos para o anterior Código de Processo Civil (assim se cuidou no artigo 11º, nº 1, do decreto-lei nº 53/2004, de 18 de março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), como sucede no caso em análise. Por outro lado, nas alterações que o procedimento de injunção sofreu após a entrada em vigor do Código de Processo Civil vigente, também não se curou de atualizar as referidas remissões legais. No entanto, afigura-se-nos que neste caso, ressalvando os casos em que seja detetável um propósito de sobrevigência do preceito normativo entretanto revogado e para o qual é feita a remissão, a regra geral será a de entender que a remissão opera para as disposições correspondentes do atual Código de Processo Civil.
[4] O conteúdo deste artigo era o seguinte: “Não podendo efetuar-se a citação por via postal registada na sede da pessoa coletiva ou sociedade, ou no local onde funciona normalmente a administração, por aí não se encontrar nem o legal representante, nem qualquer empregado ao seu serviço, procede-se à citação do representante, mediante carta registada com aviso de receção, remetida para a sua residência ou local de trabalho, nos termos do disposto no artigo 236º.”
[5] As aspas justificam-se porque no caso em apreço o distribuidor postal não faz uma certificação da prática de certo ato mediante uma fórmula que assim o ateste, antes se limita a dar conta da prática de um concreto ato no decurso da distribuição postal.
[6] Sublinhe-se porém que, na lógica da decisão recorrida, a analogia não é total, já que a situação prevista no nº 2, do artigo 230º do Código de Processo Civil diz respeito ao depósito de uma carta registada com aviso de receção, enquanto no caso dos autos, fazendo fé na factualidade dada como provada e neste segmento não impugnada, estaria em causa o depósito de uma carta registada simples, sendo certo em todo o caso, que para efeitos de regime jurídico, o que assume relevo é o depósito pelo distribuidor postal e a certificação desse depósito, com remessa imediata da certidão ao tribunal. No entanto, se bem se atentar no expediente que foi remetido pelo Balcão Nacional de Injunção e que a embargada já havia oferecido com a sua contestação, a segunda notificação foi também feita por via registada com aviso de receção, tendo o distribuidor postal, Sr. D…, declarado, no dia 15 de outubro de 2019, pelas 15h22, que na impossibilidade de entrega, procedeu ao depósito no recetáculo postal domiciliário da morada indicada a citação a ela referente.
[7] A distinção entre as ficções legais e as presunções legais iuris et de iure não é fácil e relativamente a este caso concreto, se bem interpretamos o seu pensamento, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre consideram tratar-se de uma presunção inilidível, ou seja, uma presunção iuris et de iure (veja-se Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 4ª edição, Almedina 2018, páginas 462 e 463, anotação 2). Pela nossa parte, seguindo o ensinamento do Sr. Professor João Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina 1985, página 108, parece-nos que o considerar-se que a citação se considera feita no momento da prática do referido ato do distribuidor postal se quadra mais à figura da ficção legal.
[8] Mesmo nas presunções iuris et de iure, o beneficiário da presunção precisa sempre de provar a factualidade que integra a previsão legal em que se retira dessa prova, de modo inilidível, um outro facto. Assim, entendendo-se que no nº 3 do artigo 1260º do Código Civil se prevê uma presunção iuris et de iure, só depois de provada, nos termos gerais, a aquisição da posse mediante coação física ou moral se poderá retirar a conclusão irrefutável de que essa posse é de má-fé.
[9] Recorde-se a alegação textual da recorrente constante do artigo 2º da petição de embargos: “nunca no recetáculo da sua caixa postal foi depositada qualquer carta ou sobrescrito”.
[10] Em rigor, a demonstração de que afinal o expediente para notificação do requerimento de injunção não foi depositado no recetáculo postal da embargante, a ter ocorrido efetivamente um depósito desse expediente num recetáculo postal que não o da recorrente, isso significará que ocorreu um erro na determinação do recetáculo postal, situação que, a nosso ver, deve enquadrar-se, por identidade de razão, na previsão da alínea b), do nº 1, do artigo 188º do Código de Processo Civil.