Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
372/14.0TBOAZ-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
RATEIO FINAL
Nº do Documento: RP20151116372/14.0TBOAZ-G.P1
Data do Acordão: 11/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito do processo de insolvência os credores garantidos podem adquirir os bens integrados na massa insolvente sendo-lhes, nesse caso, aplicável o disposto para o exercício dos respectivos direitos na venda em processo executivo (artigo 165.º do CIRE).
II - Tais credores, pese embora possam ser dispensados de proceder ao depósito do preço pelo qual o bem lhe foi adjudicado (artigo 815.º, nº 1 do CPCivil), poderão ter que realizar um depósito para satisfação das dívidas da massa insolvente (artigo 55.ºdo CIRE) correspondente a 10% daquele valor nos termos do artigo 172.º, nº 1 e 2 do CIRE, normativo que traduz e concretiza a regra da precipuídade das custas do processo e despesas de liquidação.
III - Todavia, tal valor pode ser superior se for indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente, sendo que, esse valor, na hipótese de os rendimentos da massa não serem suficientes para o pagamento daquelas dívidas, é sempre determinado, para efeitos de imputação às referidas dívidas, na devida proporção ao produto da venda de cada bem móvel ou imóvel.
IV - A operação de rateio final sendo feita pela secretaria do tribunal quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta (artigo 182.º, nº 1 do CIRE) deve ser feita pela ponderação e articulação de três factores, a saber: a) o produto da liquidação não distribuído; b) as custas do processo; e a c) graduação dos créditos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 372/14.0TBOAZ-G.P1-Apelação
Origem: Comarca de Aveiro-Oliveira Azeméis-Inst. Central-2ª S. Comércio-J2
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Rita Romeira
2º Adjunto Des. Caimoto Jácome
Sumário:
I- No âmbito do processo de insolvência os credores garantidos podem adquirir os bens integrados na massa insolvente sendo-lhes, nesse caso, aplicável o disposto para o exercício dos respectivos direitos na venda em processo executivo (artigo 165.º do CIRE).
II- Tais credores, pese embora possam ser dispensados de proceder ao depósito do preço pelo qual o bem lhe foi adjudicado (artigo 815.º, nº 1 do CPCivil), poderão ter que realizar um depósito para satisfação das dívidas da massa insolvente (artigo 55.ºdo CIRE) correspondente a 10% daquele valor nos termos do artigo 172.º, nº 1 e 2 do CIRE, normativo que traduz e concretiza a regra da precipuídade das custas do processo e despesas de liquidação.
III- Todavia, tal valor pode ser superior se for indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente, sendo que, esse valor, na hipótese de os rendimentos da massa não serem suficientes para o pagamento daquelas dívidas, é sempre determinado, para efeitos de imputação às referidas dívidas, na devida proporção ao produto da venda de cada bem móvel ou imóvel.
IV- A operação de rateio final sendo feita pela secretaria do tribunal quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta (artigo 182.º, nº 1 do CIRE) deve ser feita pela ponderação e articulação de três factores, a saber: a) o produto da liquidação não distribuído; b) as custas do processo; e a c) graduação dos créditos.
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Nos presentes autos em que são insolventes B… e C… notificado o mapa veio de rateio veio o D…, S. A., credor, dele reclamar, pedindo a sua reforma.
Alega em síntese que o cálculo dele constante não está correcto, uma vez que a participação de cada credor nas despesas-e que se repercute, por sua vez, no montante que cada um irá receber do produto da venda-tem que ser directamente proporcional ao peso que cada um destes créditos tem no universo das dívidas existentes.
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Perante a impetrada reclamação o Sr. juiz do processo ordenou que a secção sobre se pronunciasse sobre as reclamações e pedidos de rectificação apresentados em relação ao mapa de rateio proposto.
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Nessa sequência foi então aberta conclusão com a seguinte informação:
“C
om a respeitosa informação de que o mapa de rateio elaborado nos autos teve em conta a informação prestada pela sra. AJ a fls. 186, sendo que ali é dito que o saldo da massa é de 2.928,55 € depois de pagas as custas, as despesas e remuneração variável, pelo que no referido mapa apenas é tido em conta tal valor”.
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O Sr. juiz perante essa informação exarou o seguinte despacho:
“Notifique os reclamantes do mapa de rateio da informação que antecede”.
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Decorrido o prazo para o exercício do contraditório o Sr. juiz decidiu nos seguintes termos:
Fls. 187 e sgs:
Analisando o mapa de rateio, consideramos que o mesmo obedece à sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso de reclamação de créditos.
O montante a ratear foi o indicado pela Sra. AJ a fls. 186.
As custas do processo são um encargo da massa–artigo 304º do CIRE-e nessa medida são deduzidas do valor total da liquidação.
No rateio apenas pode ser considerado o valor sobrante, deduzidas as quantias relativas ao pagamento das custas processuais e das despesas da massa.
Assim e porque não foi referido que o valor a ratear é diferente do que foi indicado, não existem fundamentos que sustentem a alteração do mapa elaborado.
Notifique”.
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Não se conformando com o assim decidido veio a credora D…, SA interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
1. – No âmbito do processo de insolvência de B… e C…, procedeu-se à venda dos dois bens apreendidos à ordem da massa insolvente, que consistiram num bem imóvel, hipotecado a favor da credora E…, S.A. e num veículo automóvel da marca TOYOTA, …, com a matrícula ..-HF-.., sobre o qual incidiu uma hipoteca registada a favor do D…, S.A.
2 – O prédio, correspondente à verba 2, foi adjudicado à E…, S.A. pela quantia de 63.750,00 e o veículo automóvel, correspondente à verba 1, foi vendido pelo montante de € 5.410,00.
3 - A E…, S.A. requereu a isenção do pagamento, tendo procedido ao depósito do valor de € 6.375,00, correspondente a 10% do preço.
4 – Nesta sequência, o mapa de rateio elaborado foi alvo de reclamação, uma vez que apenas se considerou o depósito de € 11.785,00 (€ 5.410,00 + € 6.375,00), ao invés do que, verdadeiramente e em termos reais, entrou para a massa insolvente, ou seja, € 69.160,00 (€ 5.410,00 + € 63.750,00).
5 – Para efeitos de imputação nas despesas, é esta a quantia que tem de ser tida em consideração e não apenas o que foi depositado à ordem da mesma.
6 – Ao invés, consideraram-se apenas os valores depositados à ordem desta num total de € 11.785,00 (€ 5.410,00 + € 6.375,00).
7 – Com efeito, a participação de cada credor nas despesas repercute-se, por sua vez, no montante que cada um irá receber do produto da venda.
8 - Neste caso concreto, em termos de percentagem, a participação que os credores D…, S.A. e E…, S.A. têm nas despesas da massa insolvente que totaliza a quantia de € 8.856,15 corresponde a 7,82% e 92,18%, respectivamente.
9 – Deste modo, o ora recorrente e a credora E…, S.A. devem suportar, por conta das despesas, as quantias de € 692,55 e € 8.163,60, respectivamente.
10 – Por outro lado, deverá a E…, S.A. ser notificada para proceder ao depósito da quantia adicional de € 1.788,60, bem como ser emitido cheque à ordem do D…, S.A. no valor total de € 4.717,45, correspondente ao saldo da massa insolvente, em 10.04.2015, (€ 2.928, 85) acrescido da entrega adicional da E…, S.A. (€ 1.788,60).
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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Neste seguimento é apenas uma a questão que importa apreciar a decidir:
a)- saber se o mapa de rateio está, ou não, elaborado de acordo com a sentença de graduação de créditos e a liquidação da massa insolvente.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto a ter em conta para apreciação da questão enunciada é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá por reproduzida.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu a única questão que no recurso vem colocada prende-se com:
a)- saber se o mapa de rateio está, ou não, elaborado de acordo com a sentença de graduação de créditos e a liquidação da massa insolvente.
Como o evidenciam as alegações recursivas, a divergência da recorrente assenta, essencialmente, na circunstância de o valor depositado pela E… para as despesas da massa não ser o correspondente, na devida percentagem, ao valor porque lhe foi adjudicado o bem imóvel.
Com efeito, refere, a credora em causa apenas depositou o valor de 10% daquele valor, ou seja, o montante de € 6.375,00 (€ 63.375,00 x 10%), quando o valor que deveria ter depositado devia ser € 8.163,38, por essa razão, o valor que tem direito a receber é o montante de € 4.717,23 e não de € 1.344,64.
Quid iuris?
Analisando.
Para a massa insolvente foram apreendidos os seguintes bens:
a)- bem imóvel, hipotecado a favor da credora E…, S.A., e
b)- um veículo automóvel da marca TOYOTA, …, com a matrícula ..-HF-.., sobre o qual incidiu uma hipoteca registada a favor da recorrente.
O prédio, correspondente à verba 2, foi adjudicado à credora E…, S.A. pela quantia de € 63.750,00 e o veículo automóvel, correspondente à verba 1, foi vendido a terceiros pelo montante de € 5.410,00, sendo que, os valores reclamados pelo D…, S.A. e pela E…, S.A. ascendiam € 99.522,06 e 24.126,13, respectivamente, tendo como tal sido verificados.
A E…, S.A. ficou dispensada do pagamento do preço, tendo apenas procedido ao depósito de € 6.375,00 à ordem da massa, correspondente a 10% do preço do valor pelo qual lhe foi adjudicado o bem em causa.
Vejamos, então, se este depósito se mostra correctamente efectuado.
Estatui o artigo 165.º do CIRE sob a epígrafe “Credores garantidos e preferentes” que:
Aos credores garantidos que adquiram bens integrados na massa insolvente e aos titulares de direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, é aplicável o disposto para o exercício dos respectivos direitos na venda em processo executivo
Significa, portanto, que se aplica aos credores garantidos o disposto no artigo 815.º do CPCivil (antigo 887.º) que consigna no seu nº 1 que: “O exequente que adquira bens pela execução é dispensado de depositar a parte do preço que não seja necessária para pagar a credores graduados antes dele e não exceda a importância que tem direito a receber; igual dispensa é concedida ao credor com garantia sobre os bens que adquirir”, ou seja, estes credores estão dispensados de depositar o preço.
Resulta, assim, do exposto, que a E…, como credora garantida, tendo adquirido o bem imóvel, foi-lhe permitido, nos termos estatuídos na referida norma, não proceder ao depósito do respectivo preço.
Como efeito, como resulta do citado normativo, a referida credora estava dispensado de proceder ao depósito do preço que não fosse necessária para pagar aos credores graduados antes dela, sendo que, neste caso, nenhum se encontrava nessas circunstâncias face ao estatuído no artigo 686.º, nº 1 do Civil, pois que, não existiam credores a gozarem de privilégio especial ou prioridade de registo.
E, estando dispensada de proceder ao depósito do preço, a questão que agora se coloca é se, mesmo assim, não tinha que proceder ao depósito de qualquer outra quantia.
Vejamos.
As dívidas da massa insolvente são aquelas que que se encontram referidas no artigo 51.º do CIRE:
1 - Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código:
a) As custas do processo de insolvência;
b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores;
c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente;
d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções;
e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência;
f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração;
g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório;
h) As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes;
i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente;
j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º.
Em relação a estas, a lei determina a sua liquidação antes de se proceder ao pagamento dos créditos da insolvência, tal qual resulta do artigo 172.º n.º 1 do CIRE que estipula “Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência o administrador deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo”, devendo essa liquidação ocorrer na data do vencimento das dívidas, seja qual for o estado do processo (nº 3 do mesmo inciso).
Para esse efeito, o administrador da insolvência deverá deduzir da massa insolvente os bens e direitos necessários para a satisfação dessas dívidas, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.
Este preceito traduz e concretiza a regra da precipuídade das custas do processo e despesas de liquidação.
Por sua vez, o nº 2 do mesmo normativo consagra que, “As dívidas da massa insolvente são imputadas aos rendimentos da massa, e, quanto ao excedente, na devida proporção, ao produto de cada bem, móvel ou imóvel; porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objecto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.”
Resulta desta norma que se deve imputar prioritariamente às dívidas da massa, em que se incluem as custas do processo, os rendimentos[1] que ela própria gera.
Se os rendimentos da massa insolvente não chegarem para satisfazer as suas dívidas, serão os próprios bens móveis ou imóveis que têm de as suportar, mesmo que esses tenham sido objecto de garantias, através do produto da liquidação, sem qualquer limite, desde que isso seja indispensável à satisfação integral das mesmas, e na respectiva medida. [2]
Todavia, se isso não acontecer, isto é, se não se verificar a excepção prevista no nº 2 2ª parte do artigo 172.º, a imputação no que concerne aos bens objecto de garantia deve limitar-se a 10% do seu valor.
Assim, o art.º 174.º do CIRE, relativo ao pagamento aos credores garantidos, prescreve que, “Sem prejuízo do disposto no art.º 172.º n.ºs 1 e 2, liquidados os bens onerados com garantia real, e abatidas as correspondentes despesas, é imediatamente feito o pagamento aos credores garantidos com respeito com a prioridade que lhes caiba; quanto àqueles que não fiquem integralmente pagos e perante os quais o devedor responda com a generalidade do seu património, são os saldos respectivos incluídos entre os créditos comuns, em substituição dos saldos estimados, caso não se verifique coincidência entre eles”.
Acontece que, este ritualismo processual é adoptado nas situações normais, ou seja, nos casos em que, os bens apreendidos para a massa insolvente são vendidos e o respectivo valor, nos termos dos artigos 167.º, nº 1 e 150.º, nº 6 do CIRE, ressalvada as somas estritamente necessárias às despesas correntes, vai sendo depositado em conta à ordem da administração da massa, aberta pelo administrador da insolvência em instituição de crédito por si escolhida.
Quando assim ocorra, o administrador da insolvência, antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo, nos termos do artigo 172.º, nº 1, atrás transcrito, sendo que, como já tivemos ensejo de referir, tais dívidas são, em primeira linha, imputadas aos rendimentos da massa, não sendo estes rendimentos suficientes, a imputação é efectuada na devida proporção ao produto da venda de cada bem móvel oi imóvel.
Se esses bens forem objecto de garantias reais a imputação não excederá 10% do produto de bens objecto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.
Aliás, este regime é aplicável mesmo no caso de as garantis se destinarem à satisfação de dívidas de terceiro, pela qual o insolvente responda pessoalmente, excepto se o bem tiver sido alienado com a garantia ou o titular à mesma (artigo 174.º, nº 3 do CIRE).
A questão que agora se coloca é: qual o procedimento a seguir quando um bem apreendido para a massa é adjudicado ao credor que sobre ele beneficia de garantia real, como aconteceu no caso em apreço em relação ao imóvel adjudicado à credora E…, caso em que, na conta da massa, não é depositado qualquer valor proveniente dessa adjudicação?
Ora, quando assim suceda vários cenários se mostram possíveis.
Se à data da adjudicação do bem com garantia ao respectivo credor, o administrador da insolvência já sabe quais são os montantes das dívidas da massa insolvente, pode acontecer que os rendimentos desta sejam suficientes para aquele pagamento e, nesse caso, o credor com garantia nãos está obrigado a depositar qualquer valor, claro está, verificando-se as condições definidas no artigo 815.º, nº 1 do CPCivil atrás transcrito.
Se os rendimentos da massa são insuficientes ou mesmo não existem, então, a imputação é efectuada na devida proporção ao produto da venda de cada bem móvel e imóvel e, se esses bens forem objecto de garantias reais, a imputação não excederá 10% do produto desses bens, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.
Portanto, nestes casos o credor que beneficie da garantia real tem, antes de lhe ser adjudicado o bem respectivo, que proceder ao depósito de 10% do valor do bem, ou mesmo mais, se se verificar a excepção no nº 2 do artigo 172.º do CIRE, referida no parágrafo antecedente.
Se o administrador da insolvência, à data da adjudicação do bem, ainda não sabe qual o montante das dívidas da massa insolvente podem, perante requerimento impetrado pelo credor a solicitar a dispensa de depósito do preço, ser tomadas as seguintes decisões:
a)- indeferimento desse requerimento;
b)- deferimento desse requerimento com a condição de proceder ao depósito de 10% do valor da adjudicação;
c)- deferimento desse requerimento mas com a condição de proceder ao depósito de quantia superior a 10% do valor da adjudicação, por ser indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente.
Poder-se-á objectar, que quando se tome a decisão referida em a), que a mera circunstância de não estar definido o valor das dívidas não constitui fundamento válido e bastante para afastar a aplicabilidade do artigo 815.ºdo CPCivil (antigo 887.º).
Para além disso, é também verdade, que o CIRE não apresenta qualquer especificidade nesta matéria relativamente à venda em execução regulada pelo CPCivil, onde também tem de ser assegurado o pagamento das custas e das despesas e honorários do Sr. Agente de Execução.
Acontece que, no âmbito do processo de insolvência, o leque definido, como sendo dívidas da massa insolvente, é bastante mais abrangente do que as custas e meras despesas e honorários do agente da execução num processo executivo normal.
Acresce que, a própria lei tendo embora estabelecido, no que tange aos bens com garantia real, um limite de imputação de 10% como já acima se evidenciou, essa imputação pode ser sem qualquer limite desde que isso seja indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente e na respectiva medida.
Significa, portanto, que se na altura da adjudicação do bem com garantia real ao respectivo credor, ainda não estiver determinado o valor das dívidas da massa insolvente, o indeferimento da dispensa do depósito do preço pode ter sustentação legal, face à especificidade das normas do CIRE que, neste caso, se sobrepõem às normas do CPCivil.
A possibilidade, concedida pela lei, da adjudicação do bem com garantia real, apreendido para a massa insolvente, ao respectivo credor, pressupõem, como é natural e determinado pelas regras de exigência e segurança atinentes ao Direito e à Justiça, o apuramento prévio de todas as dívidas da massa insolvente.
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Isto dito e revertendo ao caso em apreço, verifica-se que a credora E…, tendo-lhe sido adjudicado o bem sobre que incidia a garantia real (hipoteca), foi dispensado de proceder ao depósito do preço, tendo apenas realizado o depósito de 10% do valor respectivo.
Ora, tendo sido adoptado este procedimento é porque, como nos parece evidente, a Srª administradora da insolvência já tinha na sua posse o valor aproximado de qual era o montante das dívidas da massa insolvente, que esta massa ou não tinha rendimentos ou os mesmos eram insuficientes para suportar aquelas dívidas e que aquele depósito de 10% do valor do bem, juntamente com o valor, na devida proporção, do outro bem apreendido para a massa, era o bastante para a satisfação daquelas dívidas.
Mas será que esse depósito correspondia ao valor indispensável para assegurar a satisfação integral das dívidas da massa insolvente na proporção do produto da venda do bem imóvel?
Vejamos.
Não obstante, o referido bem ter sido adjudicado à credora E… pelo valor de € 63.750,00 e ter sido ela dispensada do depósito do preço, isso não significa que, em termos reais, esse valor não tenha que ser contabilizado como produto da massa insolvente.
Por conseguinte o valor da massa insolvente após a respectiva liquidação cifrou-se em € 69.160,00 (€ 5.410,00[3] + € 63.750,00).
Ora, sendo este o valor da massa insolvente a imputação das suas dívidas faz-se, como já se supra se referiu, na devida proporção ao produto da venda de cada bem móvel ou imóvel (artigo 172.º, nº 2 do CIRE).
Como assim, a proporção de cada um dos credores tem de ser encontrada da seguinte forma:
€ 5.410,00/69.160,00= 7,82% para o banco recorrente;
63.750,00/69.160,00= 92,18% para a E….
Conforme informação prestada pela Srª administradora da insolvência a fols. 186 dos autos, o montante das dívidas da massa insolvente ascendia ao valor de € 8.856,15.
Assim, à credora E… o valor de imputação às dívidas da massa insolvente era de € 8.163,60, ou seja, 8.856,15 x 92,18%.
Por sua vez à credora D… o valor de imputação àquelas dívidas era de € 692,55, ou seja, 8.856,15 x 7,82%.
Resulta, assim, do exposto que, o valor depositado pela credora E… de 10% do valor da venda, não era o proporcional ao produto da venda do bem imóvel para a imputação às dívidas da massa insolvente, pelo que se lhe impunha que fizesse um depósito adicional de € 1.788,60, para perfazer o valor total de € 8.163,60.
E, se tivesse sido feito esse depósito o saldo da massa insolvente à data de 10/04/2015, não seria de € 2.982,85 mas sim de € 4.417,45.
E, sendo esse o saldo da massa insolvente, será que havia lugar a rateio final?
O rateio final vem previsto no artigo 182.º do CIRE onde se prevê:
1-Encerrada a liquidação da massa insolvente, a distribuição e o rateio final são efectuados pela secretaria do tribunal quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta; o encerramento da liquidação não é prejudicado pela circunstância de a actividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa.
2-As sobras da liquidação, que nem sequer cubram as despesas do rateio, são atribuídas ao Cofre Geral dos Tribunais.
3-O administrador da insolvência pode apresentar no processo proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respectiva documentação de suporte, sendo tal informação apreciada pela secretaria.
A operação de rateio final incide, portanto, sobre o remanescente do produto da liquidação e não é necessário para suportar as custas apuradas na conta.
Constitui uma operação a ser realizada depois de elaborada a conta, pela secretaria, o que a distingue dos rateios parciais (artigo 178.º do CIRE), que são realizados pelo Administrador da Insolvência e aprovados pelo tribunal.
Como referem João Labareda e Carvalho Fernandes[4], em anotação ao preceito, na operação de rateio final: os cálculos são feitos pela ponderação e articulação de três factores, a saber:
- o produto da liquidação não distribuído;
- as custas do processo; e
- a graduação dos créditos (sendo os condicionais tratados em conformidade com o art. 181º CIRE (DL 53/2004 de 14/03, na redacção do DL 200/2004 de 18/08).
O rateio final traduz-se em operações aritméticas, que não envolvem juízos de legalidade, oportunidade ou probabilidade.
No caso dos autos, procedeu-se apenas a rateio final, pela secretaria, pois no decurso do processo não houve lugar a rateios parciais.
O rateio final foi elaborado depois da remessa do processo à conta e uma vez comprovado o pagamento das custas e das dívidas da massa insolvente.
Cremos, porém, salvo o devido respeito, que esse rateio não se mostra conforme à sentença de graduação de créditos.
Com efeito, na sentença de verificação e graduação de créditos, proferiu-se a seguinte decisão:
Tendo presente o exposto, procede-se à seguinte graduação de créditos:
Imóvel identificado no auto de apreensão–verba 2:
1.º Crédito reclamado pela E…, S. A. no montante de € 99.522,06;
2.º Remanescente do crédito reclamado pela E… no valor de € 1.419,78 e restantes créditos comuns, rateadamente;
Bens móveis–verba 1:
1.º Crédito reclamado pelo D… no montante de € 24.126,13;
2.º Créditos comuns, rateadamente”.
Portanto, pelo produto da venda do bem imóvel seria pago em primeiro lugar a E… e depois os créditos comuns.
Ora, tendo tal imóvel sido adjudicado à referida credora pelo preço de € 63.750,00, torna-se evidente que ela, face ao ao montante da liquidação da massa insolvente supra referido, já nada mais tem a receber no rateio final.
Relativamente ao bem móvel, pelo produto da sua venda, seria pago em primeiro lugar a credora recorrente e depois os créditos comuns.
Esse bem foi vendido a terceira pessoa pelo preço de € 5.410,00 sendo que, o crédito reclamado pela recorrente era de € 24.126,13, razão pela qual esse valor, depois de feita a imputação às dívidas da massa insolvente no valor de € 692,55, deveria ter-lhe sido entregue, como pagamento do seu crédito.
E, se assim se tivesse procedido, não haveria que elaborar qualquer mapa de rateio final, por não existir produto da liquidação para distribuir.
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Perante o exposto, torna-se evidente, não se poder manter o despacho recorrido o qual deve ser substituído por outro que notifique a E…, SA para proceder ao depósito adicional de € 1.788,60 e, uma vez feito, deverá juntamente com o saldo de € 2.982,85 ser entregue à credora recorrente como pagamento do seu crédito.
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Procedem, assim, as conclusões formuladas pela recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta procedente por não provada e, consequentemente, revogando-se o despacho recorrido deve o mesmo ser substituído por outro que notifique a E…, SA para proceder ao depósito adicional de € 1.788,60 e, uma vez feito, deverá juntamente com o saldo de € 2.982,85 ser entregue à credora recorrente como pagamento do seu crédito, isto é, o valor de € 4.417,45 (quatro mil quatrocentos e dezassete euros e quarenta cinco cêntimos).
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Sem custas (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 16 de Novembro de 2015.
Manuel Domingos Fernandes
Rita Romeira
Caimoto Jácome
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[1] Rendimentos que no dizer de Carvalho Fernandes e João Labareda in C.I.R.E. Anotado, 2ª ed., p. 680 “são qualquer qualquer proveito patrimonial que acresça ao universo de bens apreendidos e que resulte directamente deles ou da sua administração, excluídos, no entanto, os bens que venham a integrar a massa por virtude do exercício pelo administrador, do direito à resolução de actos do insolvente ao abrigo dos artºs 120 e segs., ou em razão da recusa do cumprimento de negócios em curso em conformidade com os artºs 102º e segs.
[2] Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada pags. 574 e 575.
[3] Valor referente à venda do veículo.
[4] Obra citada pág. 601.