Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2708/20.5T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: CENTRAL DE RESPONSABILIDADE DE CRÉDITO
COMUNICAÇÃO AO BANCO DE PORTUGAL
OFENSAS AO BOM NOME
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Nº do Documento: RP202203242708/20.5T8GDM.P1
Data do Acordão: 03/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A Central de Responsabilidades de Crédito, com atual enquadramento legal no Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14 de outubro, constitui, no essencial, uma base de dados criada com o objetivo de apoiar as instituições financeiras na avaliação do risco na concessão de crédito, permitindo-lhes consultar informação agregada sobre o endividamento de quem lhes peça a concessão de crédito.
II - A responsabilidade da informação prestada à CRC cabe apenas à entidade que a presta, competindo-lhe, designadamente proceder à sua alteração ou retificação sempre que ocorram erros ou omissões.
III - A comunicação de uma informação incorreta à Central de Responsabilidades de Crédito pode ofender a honra e o bom nome da pessoa visada na comunicação e, bem assim, a sua credibilidade ou confiança na sua capacidade para cumprir as suas obrigações.
IV - Incorre a em responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, relativamente ao fiador, a instituição de crédito que, sem cuidar de verificar previamente a real situação de um determinado crédito, informa a CRC, em dois meses consecutivos, da pendência do seu incumprimento e da identidade do fiador, quando, na realidade, já estava extinto pelo pagamento (tendo reparado a informação junto da CRC cerca de 4 meses depois).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2708/20.5T8GDM.P1 (apelação)
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Gondomar – J 2

Relator Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
AA, com o NIF ..., residente na Rua ... ..., Gondomar, intentou a presente ação declarativa que segue a forma de processo comum contra Banco ..., S.A.[1], com o NIF ..., com sede na Rua ... Lisboa, com fundamento em comunicação indevida de dados sobre incumprimento contratual à Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal[2], sobre a sua capacidade financeira e de uma sociedade unipessoal de que é sócio, que obstou a que fosse concedido crédito bancário à A..., Unipessoal, Lda. de que também é (o único) sócio.
A falta desse crédito, para além de ter dado origem a dificuldades na vida comercial daquela segunda sociedade, originou um conjunto de danos não patrimoniais ao A., desde logo pela diminuição do prestígio de que o mesmo beneficiava junto das entidades bancárias, e pela necessidade que teve de suportar custos, no valor de € 300,00 para resolver o problema despoletado pela R.
Deduziu o seguinte pedido:
«Deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, deve a R. ser condenada:
a) A pagar ao A. a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais;
b) A pagar ao A. a quantia de €300,00 (trezentos euros), a título de danos patrimoniais.»
Citada, a R. deduziu contestação, onde se opôs a grande parte dos factos alegados na petição inicial, descrevendo a sua versão do relacionamento bancário em causa na defesa da improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.
Teve lugar a audiência prévia, onde se dispensou a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova e, após pronúncia do tribunal sobre a admissibilidade dos meios de prova, foi designada data para a realização da audiência final.
Concluída aquela audiência, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Julga-se a presente ação parcialmente procedente condenando-se a R. a pagar ao A., a título de danos não patrimoniais, quantia de €10.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se do restante pedido.
Custas na proporção do decaimento.
(…).»
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Inconformada, a R. recorreu da sentença, produzindo alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
………………………………
………………………………
………………………………
Assim, entende a apelante que, face à ponderação casuística da individualidade do caso em apreço, não se reúnem os pressupostos para a sua condenação, a título de responsabilidade civil por facto ilícito, na indemnização nos termos constantes da douta sentença do Tribunal a quo, tendo, assim, a douta sentença recorrida feito uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 483.º, n.º 1, 562.º, e 566.º do Código Civil.
Pelo que não poderia a Banco ... ter sido condenada, nos termos em que o foi.» (sic)
Manifestou assim a sua pretensão de que seja revogada a sentença recorrida.
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O A. respondeu em contra-alegações que sintetizou assim:
«a) Dado que os factos dados como provados e os factos dados como não provados não merecem qualquer censura e
b) E que inexiste erro na aplicação do direito, conforme supra se explanou, deve manter-se a douta sentença proferida pelo tribunal “a quo”;» (sic)
Pugnou, deste modo, pela confirmação da sentença.
*
Foram colhidos os vistos legais.
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II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º, do novo Código de Processo Civil).

Estão para apreciar e decidir as seguintes questões:
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto;
2. Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil da R.
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III.
É a seguinte a matéria de facto considerada provada na 1ª instância:[3]
1. A R. intentou uma execução contra a sociedade “C..., LDA.” e o A., seu sócio e fiador, a qual correu termos sob o n.º 1734/14.8T8MAI, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução da Maia – Juiz 2.
2. A execução extinguiu-se por pagamento em 08/09/2017.
3. Em 10/10/2017, a sociedade “A..., Unipessoal, Lda.” (NIPC ...), da qual o A. é sócio, deu entrada de um pedido de linha de crédito para microempresas junto da Banco 1... no valor de €10.000,00 pelo prazo de 72 meses.
4. Após análise da entidade bancária, o A. foi surpreendido com a recusa da concessão do crédito pelo facto de existir no Banco de Portugal um registo de crédito vencido do aqui A., o qual assumiria a posição de fiador.
5. Nesse seguimento, o A. acedeu ao seu mapa de responsabilidades de crédito e constatou a informação prestada pela Banco 1... e apresentou uma reclamação ao Banco de Portugal.
6. E, por outro lado, foi ao Balcão do Banco ... no qual lhe entregaram em mão uma carta que, alegadamente, foi enviada para a sede da empresa em novembro de 2017, a comunicar a cessão de crédito.
7. Em 02/02/2018, a aqui R. envia ao A. uma carta afirmando na qual faz referência à reclamação junto do Banco de Portugal e reconhece que “ (…) conforme V. Ex.a referiu a quantia exequenda foi paga e o processo executivo foi, consequentemente, extinto, em setembro de 2017.
As comunicações efetuadas à Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal, a partir da centralização de 30/09/2017, inclusive, foram indevidas, à semelhança da cessão de crédito, comunicada a V. Ex.ª, através de carta datada de 02.11.2017, cuja cópia juntamos.
Nesse sentido, a Banco ... (Banco ...) procedeu, entretanto, à anulação das comunicações que efetuou, relativas às centralizações de 30.09.2017 e 31.10.2017, a título de crédito vencido em litígio judicial.
Quanto às centralizações seguintes, a Banco ... obteve confirmação da cessionária em como procedeu de igual forma”.
8. O A. não tinha liquidez para atividade comercial da sociedade “A..., UNIPESSOAL, LDA” que geria.
9. Tendo-lhe sido negado a linha de crédito pela Banco 1... em face da sua inscrição na Central de Responsabilidades de Crédito, viu-se impedido de fazer compras que lhe permitissem satisfazer as necessidades da clientela, e de gerar rendimentos para a mesma e para si.
10. Todo este processo originou desgaste e incómodos ao A..
11. E diminuiu a imagem que o A. possuía junta das entidades bancárias, nomeadamente junto da Banco 1..., e a confiança na capacidade para cumprir as suas obrigações.
12. O A. sentiu-se humilhado quando se dirigiu ao balcão da Banco 1... e a funcionária que estava a tratar da linha de crédito o informou da situação.
13. O A. é pessoa educada e sensível, tendo esta situação provocado desgaste emocional, stress e ansiedade até ver a sua situação resolvida.
14. Por cessão de créditos realizada no dia 02/11/2017, foram cedidas as responsabilidades tituladas pela sociedade “C..., LDA.” e do A. à H..., S.A...
15. A H..., S.A.. fez comunicação da divida a CRC do Banco de Portugal aos 31-12-2017.
16. Quando em Janeiro de 2018, na sequência da reclamação do A., a R. teve conhecimento da extinção da instância executiva, contactou com a cessionária no sentido de a informar que já recebera os valores da execução, procedeu, no dia 02-02-2018- à anulação das comunicações efetuadas à CRC a partir da data de notificação do AE, e solicitou à cessionária que procedesse do mesmo modo a partir da data da cessão.
*
O tribunal deu como não provada a seguinte matéria:[4]
a) O A. teve de suportar despesas de deslocações, telefonemas, envio de cartas e outras despesas em valor nunca inferior a €300,00.
b) Os mandatários das cessionárias tenham sido substabelecidos na identificada execução em Agosto de 2017.
c) Tendo a partir dessa data todas as notificações sido remetidas àqueles, incluindo a extinção da execução.
E acrescentou: «Inexistem outros factos provados ou não provados com relevância para os presentes autos sendo o demais alegado de teor conclusivo e/ou juízos de direito».
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1. Erro de julgamento da decisão proferida em matéria de facto
A recorrente impugna os seguintes pontos da decisão em matéria de facto dada como provada:
6. E, por outro lado, foi ao Balcão do Banco ... no qual lhe entregaram em mão uma carta que, alegadamente, foi enviada para a sede da empresa em novembro de 2017, a comunicar a cessão de crédito.
8. O A. não tinha liquidez para atividade comercial da sociedade “A..., UNIPESSOAL, LDA” que geria.
9. Tendo-lhe sido negado a linha de crédito pela Banco 1... em face da sua inscrição na Central de Responsabilidades de Crédito, viu-se impedido de fazer compras que lhe permitissem satisfazer as necessidades da clientela, e de gerar rendimentos para a mesma e para si.
11. E diminuiu a imagem que o A. possuía junta das entidades bancárias, nomeadamente junto da Banco 1..., e a confiança na capacidade para cumprir as suas obrigações.
Defende a exclusão desta materialidade do âmbito dos factos provados.

A R. impugna também as al.s b) e c) da matéria que o tribunal a quo deu como não provada.
Entende que tal matéria deve dada como provada, nos seguintes termos:
- Os mandatários das cessionárias foram substabelecidos na identificada execução em Agosto de 2017.(b)
- A partir de agosto de 2017, todas as notificações foram remetidas aos mandatários das cessionárias, incluindo a extinção da execução.(c)
Para além da indicação de documentos, ponto por ponto, a apelante reporta-se também aos meios probatórios oralmente produzidos e constantes da gravação, com indicação das passagens mais marcantes e que considera relevantes para as alterações propugnadas, sendo eles as declarações de parte do A. e os depoimentos testemunhais de BB, de CC e de DD, seja pela invocação de congruência, seja pela incoerência de algumas das suas passagens no confronto com outras provas produzidas.
Como assim, mostram-se cumpridos os ónus de impugnação a que se refere o art.º 640º, nºs 1, al.s a), b) e c) e nº 2, al. a), do Código de Processo Civil.
Entende-se atualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no art.º 662º, que, no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 655º do anterior Código de Processo Civil e art.º 607º, nº 5, do novo Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes[5], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelo recorrente e, se necessário, outras provas, maxime indicadas pelo recorrido nas contra-alegações e as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, por esta via, serviram para formar a convicção do Ex.mo Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efetivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Citando Antunes Varela, escreve Baltazar Coelho[6] que “a prova jurídica de determinado facto … não visa obter a certeza absoluta, irremovível da (sua) verificação, antes se reporta apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador ou, o que vale por dizer, apenas aponta para a certeza relativa dos factos pretéritos da vida social e não para a certeza absoluta do fenómeno de carácter científico”.
Na mesma linha, ensina Vaz Serra[7] que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto.
Terá que haver sempre um grau de convicção indispensável e suficientemente justificativo da decisão que não pode ser, de modo algum, arbitrária. A fundamentação funciona sempre como meio de justificação e compreensão do processo lógico e convincente da formação da convicção.
No essencial, quanto à impugnação da decisão em matéria de facto, o recorrido remete para a fundamentação da sentença e também para os depoimentos de BB e CC.
Naquela motivação, a Ex.ma Juiz destacou, na prova dos pontos 6, 8, 9 e 11, as declarações do A., o depoimento de DD e documentos juntos ao processo, que especificou.
Relativamente à matéria que deu como não provada, o tribunal apontou criticamente para a ausência de produção de prova no seu sentido, afirmando ainda que, quanto às al.s b) e c), não consta prova documental que demonstre a alegada junção aos autos executivos dos substabelecimentos e seu teor e ainda subsequentes notificações.
Havemos de ponderar os documentos juntos aos autos, as suas faltas e, pelo menos, também os depoimentos daquelas testemunhas que vão ser ouvidos na íntegra, ao abrigo da primeira parte da al. b) do nº 2 do citado art.º 640º.
Na base dos factos impugnados está um conjunto de relações jurídicas cruzadas que importa compreender antes de nos debruçarmos propriamente sobre a parte da decisão de facto colocada em crise.
O A., como único sócio e gerente de facto da C..., Lda. (adiante C...) geria um financiamento efetuado pela R. àquela sociedade, que, por se encontrar numa situação de incumprimento, foi objeto de uma ação executiva movida pela aqui demandada (proc. 1734/14.8T8MAI).
A quantia exequenda foi paga na pendência do processo, após penhora de bens, tendo sido tal execução considerada extinta por decisão que foi notificada aos interessados no dia 8 de setembro de 2017.
Porém, por escritura de cessão de créditos de 2 de novembro de 2017, ou seja, em data posterior à da própria extinção do crédito, por pagamento, e da respetiva execução, a R. cedeu esse mesmo crédito à H..., S.A.
Mais, também já depois daquele pagamento e da extinção da execução, a R., confessadamente, efetuou as centralizações do crédito concedido à C... no Banco de Portugal, em dois momentos: 30 de setembro de 2017 e 31 de outubro 2017.
Defendeu a R., designadamente, através das testemunhas BB e CC, seus funcionários na área dos serviços da direção de recuperação de crédito no ano de 2017, que antes da formalização da cessão de créditos, a aqui R. havia diligenciado pelo substabelecimento sem reservas do mandato forense a favor de advogado da H..., S.A. em agosto de 2017, ficando então sem acesso (ao menos direto) ao processo de execução e sem possibilidade de tomar conhecimento sobre o seu estado, não mais sendo notificada, designadamente da sua extinção pelo pagamento da quantia exequenda.
Esta versão dos factos não tem sustentação probatória fidedigna. Porquê?
A prova da existência do alegado substabelecimento de poderes forenses, com as caraterísticas apontadas pela R. (sem reservas), quer pela relevância que a própria R. lhe atribui, quer pela extrema facilidade com que poderia aceder à respetiva documentação probatória escrita, não pode ser aceite com base em meras declarações testemunhais, diga-se até, pouco seguras e evasivas. Impunha-se, segundo um critério de normalidade e razoabilidade, a junção das procurações forenses documentadores, sobretudo quando, como no caso acontece, se pretende demonstrar que a R. deixou de controlar o processo de execução e o seu crédito mesmo antes de ter sido formalizada a cessão desse mesmo crédito para a H..., S.A. É pouco, é muito pouco, neste conjunto de circunstâncias probatórias, querer provar tal facto com testemunhas, “deixando o documento em casa”.
Mas não só…
Então se, como pretende demonstrar, a R. agiu logo em 1 de agosto de 2017 como se nada mais tivesse a ver com o crédito --- ainda que só formalizando a cessão à H..., S.A. cerca de três meses depois, no dia 2 de novembro de 2017 --- não é compreensível que, em 30 de setembro e em 31 de outubro de 12017 (portanto, depois daquela suposta cessão informal do controlo do crédito exequendo) a R. venha a fazer a comunicação de incumprimento ao CRC do Banco de Portugal, para registo. É que, se não tinha nem tinha que ter o controlo do crédito, nada estava obrigada a comunicar ao Banco de Portugal; mas, se tinha que ter tal controlo e era sua obrigação fazer aquela comunicação, não vemos como não se informasse da situação (então) atual para que a aquela fosse feita de uma forma realista e responsável.
Por se manter o registo do incumprimento da devedora C... e do A.. enquanto seu fiador, nas circunstâncias em que este tentava obter para a sua outra sociedade, A..., Unipessoal, Lda. (adiante, A...), na Banco 1..., um outro financiamento, viu o mesmo ser-lhe negado por esta última instituição de crédito.
Avancemos no âmago da matéria de facto impugnada.
O A. e as testemunhas foram confrontados com os documentos juntos com a petição inicial e com a contestação.
Quanto ao ponto 6 dos factos provados
Desconhecemos se a carta enviada a 2 de novembro de 2017 chegou ou não chegou ao conhecimento do A. (que o nega) antes de, mais tarde, lhe ter sido entregue em mão ao balcão da R.), mas foi envida para a sede a sociedade devedora, a C..., sob registo (cf. doc. nº 6 junto com a petição inicial), e não consta que, por qualquer motivo, tivesse sido devolvida à remetente. O envio foi comprovado também pelos depoimentos de BB e CC, também como sendo regra dar conhecimento aos devedores de qualquer cessão de créditos a que o R. proceda, no cumprimento da lei.
O ponto 6 passa a ter o seguinte teor:
6. E, por outro lado, foi ao balcão do Banco ... no qual lhe entregaram uma carta que já anteriormente, em 2 de novembro de 2017, havia sido enviada para a sede da C..., em novembro de 2017, a comunicar a cessão do crédito à H..., S.A.

Ponto 8
Este facto corresponde à realidade demonstrada. Não apenas com base nas declarações do A., mas sobretudo a partir do depoimento da testemunha DD, o contabilista das duas sociedades unipessoais de que o A. é sócio. Este depoimento foi muito claro e seguro, não deixando dúvida razoável sobre a atual situação de total inatividade da C... e das enormes dificuldade financeiras que a A... atravessava já em 2017 e continua a atravessar na atualidade que, a continuar assim, terá o mesmo destino da primeira, sem funcionários e apenas dependente do trabalho do A., de onde colhe apenas a cobertura de despesas pessoais correntes, como os seus almoços (que faz fora de casa) e deslocações. O A. vive com a mãe, pessoa com mais de 80 anos de idade, que o ajuda em parte das suas despesas pessoais (alojamento, água, eletricidade, jantar e outras, por o acolher como residente no seu domicílio).
Aquela mesma testemunha explicou também a importância que o crédito que o A,. estava a tentar obter para a A... junto da Banco 1.... Descapitalizada, aquela sociedade dependia do crédito para constituir stock de equipamentos e outros produtos destinados ao seu comércio para conseguir melhores preços e facilitar a sua atividade num mercado altamente concorrencial. A não obtenção do crédito levou à perda de clientela. A falta de liquidez foi, assim, atestada pelo contabilista daquela pequena empresa e explicada pelo A. declarante, sem que alguma prova nos surja em sentido contrário.
O ponto 8 deve manter-se como facto provado.

Ponto 9
Esta matéria não foi negada. Antes foi afirmada pelo A. e pelo contabilista da empresa por forma e modo que lhe conferem credibilidade. Valem aqui as considerações acabadas de tecer a propósito do ponto 8.
A negação do crédito e os respetivos motivos foi afirmada na prova oral produzida, sem oposição probatória, sendo que está documentada no processo (doc.s nºs 3, 4 e 5 juntos com a petição inicial).

Ponto 11
Este ponto também está demonstrado, sobretudo a partir do depoimento do contabilista DD, das declarações do A. e das regras da experiência da vida.
Como referiu aquela testemunha, a A..., sem o apoio da linha de crédito em causa deixou de ter produtos que os seus clientes procuravam, foi adiando as entregas e acabou por não adquirir e não poder satisfazer a procura, perdendo credibilidade no mercado e o acesso a preços praticáveis face às condições da concorrência. Obviamente que, sendo a informação existente na Central de Responsabilidades de Crédito no Banco de Portugal acessível às várias entidades financeiras, desde logo à Banco 1... que lhe negou o crédito face à informação negativa dali constante, há que reconhecer que a imagem e a confiança do A., ali identificado como fiador incumpridor, foram afetadas junto da Banca.
O ponto 11 também não merece qualquer alteração.

Quanto à matéria dada como não provada, A R. pretende agora a prova de que:
- Os mandatários das cessionárias foram substabelecidos na identificada execução em agosto de 2017.(b)
- A partir de agosto de 2017, todas as notificações foram remetidas aos mandatários das cessionárias, incluindo a extinção da execução.(c)
Já atrás, nas considerações iniciais, abordámos este tema.
Na falta dos substabelecimentos não é possível, nas condições exigíveis pelo caso, saber quem representava quem, como, e a partir de que datas.
O e.mail que constitui o documento nº 5 junto com a contestação data de 2 de fevereiro de 2018. A referência que ali foi feita a um e.mail “acastanheira” que poderá ser (ou não) o advogado da H..., S.A. nada nos diz quanto ao início da sua intervenção no processo de execução. A notificação que lhe foi dirigida pelo Agente de Execução em 8 de setembro de 2017, da extinção da execução, pelo pagamento também não permite que saibamos que parte era por ele representada no processo de execução (nº 1734/14.8T8MAI).
Os documentos 3 e 4 juntos com a contestação indicam a cessão do crédito como sendo de 2 de novembro de 2017.
Acabou por ser a própria R. a comunicar ao Banco de Portugal a necessidade de corrigir o registo na centralização de responsabilidades de crédito, conforme pedido assinado pela testemunha CC em 1.2.2018 (cf. doc. nº 7 junto com a contestação).
Assim e face ao que ficou exposto inicialmente sobre a prova, as al.s b) e c) da matéria dada como não provada assim se devem manter.
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2. Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil da R.
Argumenta a R., Banco ..., que nenhuma responsabilidade lhe pode ser imputada no que respeita às comunicações à CRC, por ter ficado demonstrado que a R. não tinha conhecimento da extinção da execução e que, logo que da mesma teve conhecimento, diligenciou no sentido de reverter as comunicações efetuadas à CRC (em 30.9.2017 e em 31.10.2017), as quais, ainda que indevidas (por desconhecimento da extinção da execução) eram da sua responsabilidade, nunca tendo tido qualquer intenção de atingir o bom nome, honra e reputação do A.
A recorrente também desenvolve as suas alegações no sentido de que não se verifica nenhum dos pressupostos da responsabilidade civil aquiliana, devendo ser revogada a sentença e a consequente absolvição do pedido da ação.
Vejamos.
Sendo de responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos que tratamos, façamos uma breve resenha dos seus pressupostos legais (art.ºs 483º e seg.s do Código Civil).
Dispõe aquele primeiro normativo deste instituto que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Trata-se da regra geral de responsabilidade civil por atos ilícitos e culposos. Assim, a responsabilização de alguém depende da verificação dos seguintes pressupostos:
a) A existência de um facto voluntário do agente;
b) Que o facto seja ilícito, contrário à lei;
c) A existência de um nexo de imputação do facto ao lesante;
d) Que à violação do direito subjetivo ou da lei sobrevenha um dano; e, por último,
e) Que exista um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do Direito, que o dano é resultante da violação.
Só a verificação simultânea de todos estes elementos poderá constituir o lesante na obrigação de indemnizar o lesado, apenas desta forma surgindo o correspondente direito de crédito deste último, ou seja, o direito a ser reparado pelo dano sofrido.
Compete ao lesado provar todos os pressupostos da responsabilidade, designadamente a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (art.ºs 342º, nº 1 e 487º, nº 1, do Código Civil).
Explicando um pouco mais…
O facto voluntário é o facto dominável ou controlável pela vontade (não um mero facto natural causador de danos). Pode ser um facto positivo que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de ação do titular do direito absoluto, ou um facto negativo, uma abstenção ou omissão (art.º 486° do Código Civil).
Para a doutrina mais tradicional, este último preceito consagra uma disciplina que comporta, para além dos demais requisitos da responsabilidade civil, dois requisitos específicos:
a) Que existisse o dever jurídico da prática do ato omitido;
b) Que o ato omitido tivesse, seguramente ou com a maior probabilidade, obstado ao dano.[8]
A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano sempre que haja o dever jurídico de praticar um ato que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano.[9]
Já Menezes Cordeiro argumenta que não há propriamente especificidades na responsabilidade por omissão. Nesta, tal como na responsabilidade por ação, existe uma violação de deveres, não se concebendo esta fora da hipótese da existência de norma que mande praticar a atividade omitida. Algum problema poderá surgir na avaliação da obrigação de evitar o dano ou, pelo menos, de desenvolver, nesse sentido, um esforço razoável face a determinado dano iminente. Quanto a este aspeto, defende aquele Professor que a resposta não pode ser dada em geral, por não existir qualquer norma explícita nesse sentido ou outro: “Cada situação deve ser ponderada, concretamente, à luz das normas aplicáveis e no espírito dado, pela boa fé, à colaboração intersubjectiva que deve reinar no espaço jurídico da nossa disciplina. Nos casos limites — em que, por exemplo, um dano máximo pode ser evitado com esforço mínimo — … a simples boa fé manda agir, sob pena de surgir um delito omissivo”.[10]
A ilicitude representa a violação de valores da ordem jurídica, um agir objetivamente mal, e não depende necessariamente da direta violação de leis ou regulamentos.[11] Resulta sempre da violação de um dever jurídico, a omissão de um comportamento devido consubstanciado na prática de atos diferentes daqueles a que se estava obrigado.[12]
A violação do direito de outrem traduz-se na infração de um direito subjetivo de outra pessoa. Aqui se abrangem as ofensas aos direitos absolutos, nomeadamente os direitos reais (direitos sobre as coisas), os direitos de personalidade, a propriedade intelectual (direitos de autor e propriedade industrial) e os direitos familiares de eficácia absoluta.
Tem-se entendido que “o facto é ilícito quando viola um direito subjectivo de outrem, de natureza absoluta, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como acontece, nesta última situação, quando a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respectivo titular um direito subjectivo, dependendo, então, a indemnização a arbitrar que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar”[13].
Dispõe o art.º 484º do Código Civil que “quem afirmar ou difundir ura facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”.
Do art.º 70º do Código Civil resulta que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”.
Desde há longa data que a jurisprudência tem vindo a reconhecer, como conduta antijurídica, aquela que lese o crédito ou o bom-nome de outrem, quer os factos abrangidos sejam verdadeiros ou não verdadeiros, conquanto sejam dolosa ou culposamente apresentados e em condições suscetíveis de afetar esse crédito ou bom-nome, ou possuam virtualidade de atingir ou diminuir a confiança na capacidade da pessoa para cumprir as suas obrigações ou apresentando-a em condições desleais ou deformadoras, dessa forma afetando o crédito ou a imagem e reputação ou a integridade moral da pessoa visada.[14]
Interpretando o art.º 484º do Código Civil, Capelo de Sousa[15] explica que, por crédito pode entender-se o prestígio da pessoa, ... gerador de confiança financeira, de convicção social de solvabilidade ... ao passo que o bom-nome ou reputação abrangerá tudo o que se refere ao prestígio da própria pessoa ... no plano da lisura e do relevo da sua conduta social. Citando Orlando de Carvalho, refere que este autor entende por crédito «tudo o que se refere ao prestígio económico da pessoa, às suas disponibilidades e qualidades de exactidão, prudência e diligência que interessam à confiança financeira».[16]
O mesmo sentido é dado por Pires de Lima e A. Varela[17] ao fazerem corresponder ao prejuízo do crédito a diminuição da confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações, e ao prejuízo do bom nome a ofensa do prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida.
A culpa é o nexo de imputação do facto ao agente, considerando todos os aspetos circunstanciais que interessam à maior ou menor censurabilidade da conduta do agente. Olha ao lado individual, subjetivo, do facto ilícito, embora na apreciação da negligência a lei inclua, nos termos expostos, elementos de carácter objetivo.
O Prof. Galvão Telles[18], numa posição tradicional, define a culpa como sendo «a imputação psicológica de um resultado ilícito a uma pessoa. Se a culpa produz um evento contrário à lei e esse evento é psíquica ou moralmente imputável a certo indivíduo, diz-se que agiu com culpa».
Esta conceção tem vindo a ser substituída por uma definição da culpa em sentido normativo como um juízo de censura ao comportamento do agente. A culpa pode ser assim definida como o juízo de censura ou reprovação pessoal ao agente por ter adotado a conduta que adotou, quando de acordo com o comando legal estaria obrigado a adotar conduta diferente. Deve, por isso, ser entendida em sentido normativo, como a omissão da diligência que seria exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe[19].
Se a culpa produz um evento contrário à lei e esse evento é psíquica ou moralmente imputável a certo indivíduo, diz-se que agiu com culpa. Esta não deixa de existir pelo facto de o agente se ter convencido de que o resultado não se produziria, não sendo no entanto razoável essa sua confiança, fruto de inconsideração ou ligeireza (negligência consciente); ou nem sequer pensou na possibilidade do evento ilícito, que não previu, porquanto deveria ter também procedido por forma a evitá-lo, usando da diligência adequada (negligência inconsciente). Em qualquer caso, faltando embora previsão ou aceitação do resultado antijurídico, existe omissão da diligência exigível. Nessa omissão consiste a mera culpa, enquanto juízo de reprovação pessoal.
Também tem que haver produção de dano. Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha causado prejuízo a alguém.
Finalmente, tem que haver um nexo causal entre o facto e o dano, ou seja, um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do Direito, que o dano é resultante da violação, pois só quanto a esse a lei manda indemnizar o lesado (art.º 563º do Código Civil).
O nexo causal tem sido definido pela maior parte da jurisprudência, na esfera do direito civil, em função da variante negativa da causalidade adequada, o que significa que qualquer condição que interfira no processo sequencial dos factos que conduzem à lesão, e que não seja de todo em todo indiferente à produção do dano segundo as regras normais da experiência comum, seja causa adequada do prejuízo verificado.
Por isso mesmo, na variante negativa da causalidade adequada o facto é causa adequada do dano se for uma das condições do processo sequencial que vai desembocar na produção desse efeito; só assim não será se essa condição for totalmente irrelevante para a eclosão do dano segundo os dados da experiência comum.[20]
No nosso ordenamento jurídico o nexo de causalidade apresenta-se com uma dupla função: como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar.
A R. vem defender que, tendo praticado atos relacionados com o cumprimento da sua obrigação legal, de registo no CRC da situação de incumprimento contratual da devedora C..., Lda. e do seu fiador, agiu voluntariamente no prática de atos lícito, cumprindo o seu dever de informação. Manifesta-se em descordo com a ilicitude de conduta que a sentença lhe atribui.
Discute-se a responsabilidade da R., Banco ..., enquanto instituição de crédito, pelo cumprimento dos deveres inerentes à transmissão de dados no âmbito da aplicação do Decreto-lei nº 204/2008, de 14 de outubro, que revogou o Decreto-lei nº 29/96, de 11 de abril que já regulava o então denominado Serviço de Centralização de Riscos de Crédito, destinado a satisfazer a necessidade de as instituições de crédito e as sociedades financeira avaliarem corretamente os riscos das suas operações.
Com o regime atual, o serviço passou a ter a designação legal de Central de Responsabilidades de Crédito (CRC), sendo assegurado pelo Banco de Portugal mediante as informações ali centralizadas por obrigação das várias entidades participantes, sendo estas todas aquelas que estão sujeitas à supervisão do Banco de Portugal[21] que concedem crédito.
Se ao BP compete reunir e divulgar a informação centralizada às entidades participantes, é da responsabilidade destas transmitir àquela central de dados as responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, de que sejam beneficiárias pessoas singulares ou coletivas, residentes ou não residentes em território nacional. Quer isto significar que a informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante da CRC, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou retificação, por sua iniciativa ou a solicitação aos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões. É o que resulta da análise conjugada do art.º 1º, nº 1, al.s a), b) e nº 2, com o art.º 2º, nºs 1 e 4, do Decreto-lei nº 204/2008, de 14 de outubro.[22]
Como assim, a R. não estava apenas obrigada a transmitir a situação de incumprimento, mas também as vicissitudes do crédito que posteriormente se verificassem, conferindo rigor, seriedade e atualidade ao conteúdo informativo registado na CRC, de modo a permitir que as várias instituições de crédito e as sociedades financeiras avaliassem corretamente, em cada momento, os riscos das suas operações, prevenindo prejuízos, seja para elas, seja para os seus clientes, podendo estes resultar na negação de um crédito com base em elementos incorretos ou desatualizados.
Repetimos, as entidades participantes devem proceder à alteração ou retificação dos elementos previamente fornecidos, por sua iniciativa ou a solicitação dos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões relevantes a respeito dos mesmos. Ou seja, a responsabilidade das referidas entidades, que é exclusiva, tanto diz respeito ao fornecimento inicial de dados, como à atualização dos mesmos – art.º 2º, nº 4, do Decreto-Lei n.º 204/2008.[23]
A R. vem dizer que cedeu o seu crédito na pendência da execução, em 2.11.2017, mas que já anteriormente, desde agosto de 2017, havia substabelecimento, sem reserva, do mandato forense que conferira aos seus advogados, a favor do advogado da cessionária do crédito exequendo, a H..., S.A., tendo passado a ser este o notificado das ocorrências da execução, nomeadamente, da sua extinção, ocorrida, pelo pagamento, conforme notificação de 8.9.2007. Daí desconhecer o pagamento enquanto facto extintivo do crédito e da respetiva execução para cobrança coerciva.
Ora, a R. foi titular do crédito até à data da sua cessão, ou seja, até 2.11.2017. A cessão de crédito ocorre quando o credor, mediante negócio jurídico, transfere para outrem o seu direito. Consiste, portanto, na substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional. Não se produziu a substituição da relação obrigacional antiga por uma nova, mas a simples transferência daquela pelo lado ativo (art.ºs 577º e seg.s do Código Civil).
Não consta que, por qualquer outro motivo, diferente da cessão de crédito, a R. tivesse deixado de figurar na execução como titular exequente ainda antes da cessão do crédito à H..., S.A.
Ora, tendo-se extinguido a execução em data coincidente ou anterior à data da notificação dessa extinção (8.9.2017), manifestamente, quando a R. prestou as informações do crédito à CRC do BP, no dia 30.9.2017 e no dia 31.10.2017, já o mesmo estava pago, sendo erradas as informações então por ela prestadas. Por serem contrárias à realidade, por se afirmar duas vezes um incumprimento que já não existia, tais atos foram contrários à lei, designadamente à informação correta e atualizada exigida pelos art.ºs 1º e 2º do Decreto-lei nº 204/2008. A R. agiu objetivamente mal, em prejuízo do A., enquanto fiador da obrigação cujo incumprimento foi indevidamente centralizado por ação da demandada.
Terá a R. agido com culpa?
A resposta é também aqui afirmativa.
Desde logo não se provou a existência de substabelecimento e suas condicionantes, designadamente se tinha ou não tinha reserva, antes da cessão de créditos. Desconhece-se, por isso, em que qualidade o Sr. Dr. EE foi notificado da informação de que a execução se encontrava extinta, por quem e que poderes lhe foram conferidos.
Mas ainda que assim não fosse, a suposta cessão do crédito só ocorreu no dia 2.11.2017. Até lá, o crédito, a existir, estava na titularidade da R., e não da cessionária. A R., também exequente no processo nº 1734/14.8T8MAI, era a entidade responsável pela transmissão de informações e suas retificações e atualizações relativamente ao crédito em que era devedora a C..., Lda. e fiador o aqui A.
A R. estava obrigada a manter-se informada e atualizada sobre o seu crédito para poder transmitir as necessárias e corretas informações periódicas à CRC. Não o fez. E porque foi negligente no acompanhamento do seu próprio crédito, com ou sem substabelecimentos forenses na execução, até acabou por ceder o crédito quando já havia informação de que se havia extinguido anteriormente pelo pagamento.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.5.2011[24], o facto de os Bancos serem obrigados a remeter mensalmente e por via informática ao Banco de Portugal todos os créditos e a respetiva situação devidamente codificada não lhes retira a responsabilidade pelas comunicações efetuadas. Mesmo o automatismo dessa comunicação e as consequências que dela nascem para o cliente impõem um reforço do cuidado e da diligência por forma a evitar o erro e as suas consequências.
Não agiu com dolo, mas podia e devia a R. ter agido de outro modo, mais consentâneo com o devido sentido de responsabilidade e da lei, informando-se previamente sobre o estado do crédito (ainda não cedido) e evitando a prestação de duas informações falsas, em dois meses consecutivos, sobre o estado do seu crédito. Tal conhecimento estava perfeitamente ao seu alcance. Tais factos, contrários à lei, são imputáveis à R. a título de mera culpa.
Tal não significa que a R. tivesse agido de má fé. A negligência é compatível com a boa fé. Uma pessoa pode agir com falta de atenção e de cuidado e, por isso, prejudicar outra pessoa, sem intenção, ou simplesmente sem consciência, desse prejuízo.
Em resultado daquelas informações incorretas, consultadas pela Banco 1..., o A. viu ser negado um crédito que solicitara a esta nova instituição a 10.10.2017 --- data em que o crédito sobre a C... Unipessoal, Lda. até já estava extinto --- para outra sociedade de que também é único sócio, a A..., Unipessoal, Lda. Tratava-se de um crédito de € 10.000,00, pelo prazo de 72 meses, de uma linha própria para microempresas.
Só por ação do A., desenvolvida junto do BP e da R. depois de ficar a conhecer os motivos do indeferimento deste crédito, foi esta última (e não qualquer cessionária do crédito) que, em 2.2.2018, enviou ao A. uma carta onde reconhece que “(…) conforme V. Ex.a referiu a quantia exequenda foi paga e o processo executivo foi, consequentemente, extinto, em setembro de 2017.
As comunicações efetuadas à Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal, a partir da centralização de 30/09/2017, inclusive, foram indevidas, à semelhança da cessão de crédito, comunicada a V. Ex.ª, através de carta datada de 02.11.2017, cuja cópia juntamos.
Nesse sentido, a Banco ... (Banco ...) procedeu, entretanto, à anulação das comunicações que efetuou, relativas às centralizações de 30.09.2017 e 31.10.2017, a título de crédito vencido em litígio judicial.
Quanto às centralizações seguintes, a Banco ... obteve confirmação da cessionária em como procedeu de igual forma”.
Ora, da não concessão do crédito, resultaram danos para a pretensa beneficiária, a sociedade A.... Não tinha liquidez par a sua atividade e viu-se impedida de fazer compras que lhe permitissem satisfazer as necessidades da clientela, e de gerar rendimentos para a mesma e para o A.
E se aqueles danos societários não estão aqui diretamente em causa, por não ser a sociedade ofendida parte na ação, facto é que aquela situação consistiu num processo que originou desgaste e incómodos ao A., seu único sócio, e uma depreciação na imagem que tinha junto das entidades bancárias, nomeadamente junto da Banco 1..., e ainda desconfiança relativamente ao cumprimento das suas obrigações. Além disso, o A. sentiu-se humilhado quando se dirigiu ao balcão da Banco 1... e a funcionária que o atendeu, tratando da linha de crédito, o informou da situação.
O A. é uma pessoa educada e sensível, tendo sofrido desgaste emocional e stress enquanto não viu a situação resolvida.
Como acabámos de observas, só em 2.2.2018, por comunicação da R., se anularam as comunicações que efetuara à CRC, e se deu conhecimento ao A. da resolução do problema.
Trata-se de danos não patrimoniais não desprezíveis à luz do critério indemnizatório previsto no art.º 496º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito.
A gravidade dos danos não patrimoniais deve medir-se por critérios objetivos, e o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.[25]
Os referidos critérios de indemnização dos danos não patrimoniais não devem ser confundidos com os critérios de indemnização dos danos patrimoniais, que têm na sua base a teoria da diferença. Não obstante a equidade esteja consagrada para ambas as indemnizações, a sua função é distinta conforme os danos sejam imateriais ou materiais. No dano não patrimonial tem uma função primacial, sendo simultaneamente compensadora e sancionadora (art.ºs 494º e 496º, n.º 1 e 3 Código Civil), enquanto a equidade nos danos patrimoniais tem uma função auxiliar e corretora (artigo 566º, nº 3, Código Civil).
Trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro.
A humilhação sentida pelo A. quando lhe foi transmitida, pela funcionária bancária a não atribuição do crédito pela Banco 1..., em razão do registo de incumprimento de um crédito em que é fiador e em que é devedora outra sociedade unipessoal, sendo ele também o único sócio, incomoda e desgasta. Traduz um sofrimento psicológico que atinge bens imateriais como a saúde e o bem-estar do ofendido, a justificar compensação.
Mas não só. O A., ainda devido à inscrição na Central de Responsabilidades de Crédito, viu ser depreciada a sua imagem pessoal e a confiança na sua capacidade para cumprir as suas obrigações, o que afeta também, de modo expressivo, ainda que temporariamente possa ser, a sua reputação e bom-nome, assim como o seu crédito pessoal no ambiente comercial em que atua, designadamente junto dos seus clientes e operadores financeiros, entre estes a Banco 1....
No acórdão da Relação de Lisboa de 28.9.2017[26] sumariou-se: «As angústias e transtornos causados pela indevida inclusão de um nome na base de dados de incumpridores, transmitida e comunicada ao Banco de Portugal, atingem o património moral dessa pessoa, devendo merecer a tutela do direito e, pela sua gravidade, ser indemnizados, nos termos previstos pelo art. 496.º do CC.»
A conduta da R. produziu aqueles danos não patrimoniais na pessoa do A., danos que são consequência adequada da sua ação ilícita e culposa, o que espelha a verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil: o dano e o nexo causal relevante entre a conduta da R. e os prejuízos sofridos.
Tais danos, pela sua relevância, são dignos de justa compensação, segundo a equidade (art.º 496º, nº 3, do Código Civil).
O tribunal fixou essa indemnização na quantia de € 10.000,00.
A recorrente discute a atribuição da compensação, ou seja, a ressarcibilidade dos danos, mas não já a quantificação fixada, para o caso da improcedência da questão da não sua não reparação.
Com efeito e não podendo a Relação conhecer de questões não suscitadas pelas partes no recurso, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2, ex vi art.º 663º, nº 2, do Código de Processo Civil), só nos resta julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
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IV.
SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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………………………………
………………………………
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
*
As custas da apelação são da responsabilidade da apelante, por nela ter decaído totalmente, sem prejuízo da taxa de justiça já paga pela interposição do recurso (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Porto, 24 de março de 2022
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Adiante também Banco ....
[2] Adiante também CRC.
[3] Por transcrição.
[4] Por transcrição.
[5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[6] Sob o título “Os Ónus da Alegação e da Prova, em Geral …”, in Colectânea de Jurisprudência, Ano VII, T I, pág. 19.
[7] “Provas – Direito Probatório Material”, in BMJ 110/82 e 171.
[8] Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 1979, pág. 369.
[9] A. Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª edição, vol. I, pág. 480.
[10] Direito das Obrigações, 2º volume, AAFDL, 1980, pág.s 347 e 348.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.2.2006, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. I, pág. 85.
[12] Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág. 69.
[13] A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 1970, 362 a 369, citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.6.2010, e acórdão do mesmo Tribunal de 25.6.2009, ambos publicados na Colectânea de Jurisprudência do Supremo, o primeiro no T. II, pág. 116 e o segundo no T. II, pág. 131.
[14] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16.4.1991, BMJ 406/623 e de 20.6.1996, Colectánea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, T. II, pág. 277.
[15] Direito Geral da Personalidade, 1995, pág.s 596 e seg.s
[16] Ob. cit., pág. 249, nota 569.
[17] Código Civil anotado, 2ª edição revista e anotada, vol. I, anot. ao art.º 484º (pág. 421).
[18] “Obrigações”, 3ª Edição, pág. 176.
[19] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Almedina, 2ª edição, pág. 295.
[20] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de maio de 2006, de 24 de maio de 2007 e de 20 de junho de 2016, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T.s II, pág. 95, II, pág. 82 e II, pág. 119, respetivamente.
[21] Adiante BP.
[22] Entre outros, o acórdão da Relação de Coimbra de 16.10.2012, proc. 601/10.9TBMLD.C1, in www.dgsi.pt.
[23] Neste sentido, cf. acórdão da Relação do Porto de 28.4.2015, proc. 5472/12.8TBMTS.P1, in www.dgsi.pt.
[24] Proc. 3003/04.2TVLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt, citado na sentença recorrida, e seguido também no acórdão da Relação de Coimbra de 28.1.2014, proc. 1776/11.5T2AVR.C1, publicado na mesma base de dados.
[25] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 566.
[26] Proc. 15249/15.3T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt.