Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6695/18.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DEVER DE INFORMAÇÃO
RISCO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP201907016695/18.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/01/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 699-A, FLS 106-127)
Área Temática: .
Sumário: I- Constitui um contrato de recepção e transmissão de ordens de aquisição de valores mobiliários por conta de outrem a relação bancária particular de intermediação financeira através do qual o banco apresenta aos clientes um produto financeiro de valores mobiliários e após a decisão dos autores de subscrever o produto, recebe e transmite as respectivas ordens de subscrição por conta dos autores.
II - As obrigações são instrumentos financeiros que representam um empréstimo contraído junto dos investidores pela entidade que as emite; o adquirente das obrigações (obrigacionista) torna-se credor da entidade emitente do valor representado pelo título, acrescido de um prémio ou um rendimento periódico, nos termos estipulados na emissão do valor mobiliário.
III - Qualquer instrumento financeiro contém o chamado risco de crédito, isto é, o risco de a entidade que emite o instrumento enfrentar dificuldades financeiras e/ou vir a ser declarada insolvente e o investidor não receber o valor investido e/ou os juros.
IV - O intermediário financeiro não responde pela solvabilidade do emitente das obrigações, apenas responde pelo incumprimento dos seus deveres perante o cliente, designadamente o dever de informação.
V - Só existe relação de causalidade adequada entre a falha nos deveres de informação do intermediário financeiro e o dano do cliente de perda do capital por insolvência do devedor se se demonstrar que se a informação tivesse sido a devida o cliente não teria adquirido o instrumento financeiro.
VI - O artigo 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra um prazo de prescrição de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, salvo dolo ou culpa grave sendo neste caso aplicável o prazo ordinário de 20 anos (cfr. artigo 309.º do CCivil).
VII – O ónus da prova da excepção da prescrição cabe ao réu (cfr. artigo 342.º, nº 2 do CCivil), daí que, mesmo nos casos da prescrição de dois anos por não se ter provado o dolo ou culpa grave do intermediário financeira, se tenha de julgar improcedente a referida excepção se este não prova o momento temporal em que o mediado teve conhecimento do negócio e dos respectivos termos, mais concretamente sobre as características do produto financeiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 6695/18.1T8PRT.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim-J5
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, viúva, residente na Av. …, nº …- Habitação ., Matosinhos, C… e marido D…, residentes na Av. …, nº …-Habitação ., Matosinhos e E…, solteira, maior, na Av. …, nº …-Habitação ., Matosinhos, intentaram a presente acção declarativa de condenação contra o Banco F…, S.A., da Rua …, nºs . a .., Porto, pedindo que, julgada provada a procedente a presente acção, por via dela, seja:
a-) O réu condenado a pagar aos autores o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de 115.000,00 euros, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;
Ou, assim não se entendendo:
b-) Declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os 100.000,00 euros que os autores entregaram ao réu, em obrigações subordinadas G…;
c) Declarado ineficaz em relação aos autores a aplicação que o réu tenha feito desses montantes;
d) Condenado o réu a restituir aos autores 115.000,00 euros que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao réu e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento;
E, sempre,
e-) Ser o réu condenado a pagar aos autores a quantia de 5.000,00 euros, a título de dano não patrimonial.
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Alegaram, em síntese, que em 2007, o gestor de conta do banco réu, apresentou ao marido, pai e sogro dos autores um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido pelo H… e rentabilidade assegurada, pelo que o mesmo investiu a quantia de 100.000,00 euros no aludido produto, sem sequer haver memória nem registo de ter assinado qualquer documento para o efeito ou de lhe ter sido dada qualquer informação sobre as características especificas da obrigação subscrita, nunca nada lhe sendo lido ou explicado (sendo que, a existir, de contratos com cláusulas gerais se trata, que não têm validade por ter sido completamente omitido e distorcido o processo informativo).
O dito funcionário de Banco réu sabia o perfil do marido, pai e sogro dos autores, tendo este actuado sempre com a convicção de que estava a colocar as suas economias numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, nunca sendo sua intenção investir em produtos de risco, não sabendo sequer o que era a G1… (pensando ser mera denominação da conta a prazo), do que esteve assim convicto até ao seu falecimento, em Novembro de 2015.
Com o óbito do marido, pai e sogros dos autores, legitimados estão estes a intentar a presente acção, porquanto o banco réu não restitui o dinheiro aplicado, de que era garante, devendo ser condenado a pagar o mesmo, bem como os devidos juros.
A conduta do réu causou inúmeros danos, patrimoniais, em face do capital investido, e não patrimoniais, em face dos transtornos causados, o que deve pelo mesmo ser ressarcido.
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O réu contestou, por excepção, arguindo a incompetência territorial do tribunal, afirmando que o direito dos autores prescreveu, dado que o marido, pai e sogro dos mesmos, teve conhecimento, da suposta subscrição abusiva, actuando os autores em abuso de direito, pois que sempre souberam o que havia sido adquirido, auferindo remuneração muito acima da média sem que nunca tivessem solicitado qualquer esclarecimento, fazendo o réu confiar que jamais iriam pôr em causa a operação de aquisição daquele título. Ademais impugnou boa parte da factualidade alegada, reiterando ter sempre agido de acordo com a vontade e instruções dos clientes, mormente com a do seu então cliente, como resulta do documento 1 junto com a contestação.
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Os autores replicaram, como dos autos consta, dando resposta a todas as excepções suscitadas, incorrendo num sem número de considerandos jurídicos, afirmando que os funcionários do réu sempre reconhecerem que este iria restituir o valor reclamado, assegurando sempre o reembolso pelo réu, que não agiu assim apenas como mero intermediário financeiro, mas sim e também como garante do próprio reembolso. Mais alegam que, a entender-se que o réu agiu apenas nas vestes de intermediário financeiro, certo é que nunca tal contrato de intermediação foi assinado, arguindo, como tal, a nulidade do contrato de intermediação financeira por não respeitar o requisito de forma nem o seu conteúdo mínimo, tal como o exigiam os artigos 321º e 321º A do CVM, agindo pois o banco com clara culpa grave, o que implica que o prazo de prescrição seja então de 20 anos.
Concluem como na petição inicial, pugnando pelo indeferimento da prescrição e do invocado abuso de direito.
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Findos os articulados, foi proferido despacho a julgar procedente a excepção de incompetência territorial deduzida, com a remessa dos autos ao Juízo Central.
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Após, foi proferido respectivo despacho saneador, em audiência prévia designada para o efeito, sendo remetido para sentença o conhecimento da excepção de prescrição e abuso de direito invocados.
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Realizou-se a audiência de julgamento com as formalidades legais tendo, a final, sido proferido decisão que julgou parcialmente procedente por provada a acção e, em consequência, condenou o réu a restituir aos autores a quantia de 100.000,00 euros, acrescida de juros moratórios legais, vencidos e vincendos, desde a data da citação do réu até efectivo e integral pagamento.
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Não se conformando com o assim decidido veio o Banco Réu interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
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Devidamente notificados contra-alegaram os Autores concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- saber se se verifica a responsabilidade civil do intermediário financeiro na obrigação de indemnizar o cliente;
c)- saber se ocorreu, ou não, o prazo de prescrição invocado pelo banco réu.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos:
Factos provados
1º. No dia 17 de Novembro de 2015 faleceu I…, no estado de casado com a 1ª autora, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros, a dita sua esposa 1ª autora, e suas filhas, as 2ª e 3ª autoras, conforme constata do Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registos junto aos autos.
2º. O falecido I… e a 1ª autora, eram clientes do réu, na sua agência do Porto-…, com a conta à ordem nº ..............
3º. Em Maio de 2007, na sequência de um contacto com o gerente do Banco Réu da agência do Porto-…, I… colocou o valor de 100.000,00 euros em obrigações G….
4º. Com vista à subscrição da aplicação aludida em 3º, o gerente do Banco Réu da agência do Porto-…, disse ao falecido marido, pai e sogro dos autores, que tinha uma aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
5º. O falecido marido, pai e sogro dos autores ficou convicto da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que lhe transmitiu segurança e nunca o alertou para qualquer irregularidade, face ao que tinha sido dito pelo referido gerente da agência do Porto-…, o que sucedeu até à maturidade das obrigações G…, momento em que o falecido marido, pai e sogro dos autores e a 1ª autora, verificaram que o Banco Réu não iria pagar.
6º. Um dos argumentos invocados pela Direcção Comercial do H… e que os funcionários da rede de balcões do banco réu repetiam junto dos seus clientes era o de que se tratava de um investimento seguro com reembolso do capital investido e juros.
7º. Nos extractos mensais periódicos enviados ao de cujus estavam discriminadas as aplicações financeiras de acordo com a sua natureza.
8º. O de cujus demonstrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários, tendo subscrito UP’s de Fundos de Investimento Imobiliário ou de Obrigações.
9º. As Obrigações G… foram emitidas pela G2…, SGPS, S.A., sociedade titular de 100% do capital social do Banco réu, participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada.
Factos não provados
Não se provou que:
a-) que o gerente do Banco réu sabia que o de cujus não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente;
b-) que o de cujus tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data sempre o aplicou em depósitos a prazo;
c-) que aquando a subscrição da aplicação o de cujus desconhecia que a G1… era uma empresa, actuando convicto de que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias;
d-) que se o mesmo tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações G…, produto de risco e que o capital não era garantido pelo H…, não o autorizaria, nunca tendo sido sua intenção investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do réu;
e-) que com a sua actuação, o réu colocou os autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saberem quando iam reaver o seu dinheiro, vivendo com ansiedade e tristeza, em permanente estado de “stress”;
f-) que a aplicação em causa era um produto conservador, com risco reduzido, indexado à solidez financeira da entidade emitente, não sendo previsível, à data da subscrição, que iria ocorrer uma nacionalização parcelar do grupo;
g-) que o produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e juros da responsabilidade da entidade emitente;
h-) que aquando da subscrição do produto o banco réu deu conta de todas as condições das subscritas obrigações G3…, nos termos da nota interna junta a fls. 27 e sgs., sendo-lhe comunicado que a entidade emitente era a G1… que detinha o banco réu;
i-) Que em Novembro de 2008, data da nacionalização da G1…, o de cujus sabia que a responsabilidade pelo reembolso do produto em causa era da G1…, e não do banco réu.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar e decidir consiste em:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões o banco Réu impugnou a decisão da matéria de facto tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPCivil.
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, o Réu “f)” e “h)” do elenco dos factos provados os quais, em seu entender, deviam ter sido dados como provados.
Quid iuris?
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[1]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[2]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[5]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão ao apelante neste segmento recursivo da impugnação da matéria de facto, nos termos por ele pretendidos.
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As alíneas “f)” e “h)” do elenco dos factos não provados têm, respectivamente, a seguinte redacção:
f-) que a aplicação em causa era um produto conservador, com risco reduzido, indexado à solidez financeira da entidade emitente, não sendo previsível, à data da subscrição, que iria ocorrer uma nacionalização parcelar do grupo;
h-) que aquando da subscrição do produto o banco réu deu conta de todas as condições das subscritas obrigações G3…, nos termos da nota interna junta a fls. 27 e sgs., sendo-lhe comunicado que a entidade emitente era a G… que detinha o banco réu.
Para a pretendida alteração o banco apelante convoca o depoimento da testemunha J… seu funcionário.
Repare-se, porém, que o apelante se limita a fazer uma pequena sumula daquilo que a testemunha afirmou durante do seu depoimento.
Todavia, isso não basta.
A lei impõe aos recorrentes que indiquem o porquê da discordância, isto é, em que é que os referidos meios probatórios contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta dos citados meios probatórios.
É exactamente esse o sentido da expressão legal “quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida” (destaque e sublinhado nossos).
Repare-se na letra da lei: “Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida”!
Trata-se, aliás, da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.
Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório.
Na verdade, fazer sumulas dos depoimentos não é fazer a sua análise crítica, esta pressupõe que se construa um raciocínio lógico e fundamentado que leve a extrair uma conclusão baseada naqueles, ou seja, o que se exige é que se analisem esses meios de prova, cotejando-os mesmo com a prova em sentido contrário, relativizando o sentido dessa prova e dizendo porquê, mas também relativizando as provas que convoca para sustentar o seu ponto de vista e de tudo isso extraindo o sentido que lhe merecer acolhimento.
O que se pretende que a parte faça?
Certamente que apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, dizendo onde se encontram no processo e, tratando-se de depoimentos, identifique a passagem ou passagens pertinentes, e, em segundo lugar, produza uma análise crítica dessas provas, pelo menos elementar.
A razão pela qual se afirma que a parte deve produzir uma análise crítica mínima é esta: indicar apenas os meios probatórios, isto é, o depoimento da testemunha A ou B, ou o documento C ou D, é reproduzir apenas o que consta do processo, pelo que nada se acrescenta ao que já existe nos autos, nem se mostra a razão por que a resposta a uma dada matéria de facto deve ser diversa da que foi dada pelo juiz.
Para desencadear a reapreciação pelo Tribunal da Relação, a parte tem de colocar uma questão a este tribunal.
Ora, só coloca uma questão se elaborar uma argumentação que se oponha à argumentação produzida pelo juiz em 1.ª instância, colocando então o tribunal de recurso perante uma questão a resolver.
Não basta, pois, fazer sumula do depoimento de uma testemunha e depois afirmar que os dois supra referidos factos deviam ser dados como provados.
Como supra se referiu, embora o tribunal de recurso possa formar a sua própria convicção, mantêm-se vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, o que não é, manifestamente, o caso.
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Mas ainda que assim não se entendesse repare-se que é a própria testemunha que refere, no que à venda do produto–Obrigações G…–diz respeito, que em concreto, e como já se tinham volvidos 12 anos, não se recordava o que tinha transmitido.
Ora, como a partir do referido depoimento, desgarrado de qualquer outro elemento probatório, se pode dar como provada a factualidade vertida nas referidas alíneas “f” e “h” do elenco dos factos não provados?
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Decorre do exposto que a apreciação da Mmª juiz a quo-efectivada no contexto da imediação da prova-, surge-nos assim como claramente sufragável, não sendo o depoimentos indicado pelo recorrente capaz, para além de toda a dúvida razoável, sustentar a tese que por ele vem expendida, pese embora se respeite a opinião em contrário veiculada nesta sede de recurso, não existindo, portanto, fundamento probatório convocado pelo recorrente para que este tribunal dê como provados os factos em causa.
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Improcedem, desta forma, as conclusões 4ª a 8ª formuladas pelo banco apelante.
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Mantendo-se inalterada a fundamentação factual dada como provada pelo tribunal recorrido, importa agora analisar as restantes questões postas na apelação.
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b)- saber se se verifica a responsabilidade civil do intermediário financeiro na obrigação de indemnizar o cliente.
Como se evidencia da petição inicial os autores sustentam a sua pretensão na violação por parte do réu recorrente de deveres, quer de natureza legal, quer contratual, que lhes são impostos enquanto instituições de crédito e intermediários financeiros, no que se refere à comercialização do produto financeiro designado por obrigações subordinadas G… em que o falecido marido e pai dos Autores aplicou o montante de 100.000,00 €.
Como é sobejamente conhecido são inúmeras as decisões judiciais sobre casos relativos à comercialização de produtos financeiros antes do eclodir da crise financeira mundial de 2008 pelos bancos que tiveram de ser intervencionados pelo Banco de Portugal e mais em particular pelo H… que foi nacionalizado através da Lei n.º 62-A/2008 de 11 de Novembro.
Respigando muitas dessas decisões e a doutrina entretanto publicada sobre o assunto, evidencia-se o facto de a tónica da discussão ser colocada precisamente na forma como tais produtos eram comercializados e mais propriamente com a forma como os clientes bancários eram ou não informados das características e do risco dos produtos em causa.
Como assim, isso obriga-nos, a qualificar a relação jurídica estabelecida entre o banco réu e o falecido I… e pela definição dos deveres principais e acessórios a que por via dessa relação o banco se vinculou em ordem a apurar depois se esses deveres foram violados e qual a consequência que daí resultará.
Analisando.
O artigo 289.º do Código dos Valores Mobiliários aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, estabelece que são consideradas actividades de intermediação financeira os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros. Por sua vez o artigo 290.º do mesmo diploma dispõe que são serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, designadamente, a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem.
A relação estabelecida entre o falecido I… e o banco réu integra-se nesta previsão: a falecido I… e a 1ª autora, eram clientes do réu, na sua agência do Porto-…, com a conta à ordem nº …………., sendo que em Maio de 2007, na sequência de um contacto com o gerente do banco réu da agência do Porto-…, I… colocou o valor de 100.000,00 euros em obrigações G….
Significa, portanto, que temos aqui reunida uma relação bancária geral, que consistiu num contrato de abertura de conta, e uma relação bancária particular de intermediação financeira que consistiu num contrato de recepção e transmissão de ordens de aquisição de valores mobiliários por conta de outrem, através do qual o banco apresentou ao falecido I… um determinado produto financeiro de valores mobiliários e após a decisão deste subscrever o produto, recebeu e transmitiu as respectivas ordens de subscrição por conta do mesmo.
Os valores mobiliários de que esse produto é constituído são obrigações.
Como sabemos as obrigações são instrumentos financeiros que representam um empréstimo contraído junto dos investidores pela entidade que as emite, a qual pode ser o Estado ou outra entidade pública ou mesmo entidades particulares. O adquirente das obrigações (obrigacionista) torna-se credor da entidade emitente do instrumento do valor representado pelo título, tendo o direito de que o valor que empresta seja, posteriormente, reembolsado, normalmente acrescido de um prémio ou um rendimento periódico (o juro), nos termos estipulados na data da emissão do valor mobiliário em questão.
Na negociação das obrigações deparamo-nos normalmente com uma dupla relação. A relação entre o investidor e a instituição financeira ao balcão da qual as obrigações são negociadas, a qual é essencialmente uma relação de informação geradora da vontade de ordenar a aquisição do instrumento e da obrigação da sua aquisição por conta do ordenante. E a relação entre o investidor e o emitente da obrigação que é essencialmente uma relação de crédito, ao fazer surgir entre o obrigacionista e o emitente uma relação creditícia por força da qual este é devedor e aquele é credor do valor representado pelo título das obrigações.
Se o banco não for ele mesmo o emitente das obrigações, o obrigacionista não é credor do banco. Não é ao banco que pode exigir o reembolso do empréstimo obrigacionista, apesar de ter sido a este que dirigiu a ordem de aquisição das obrigações. Tal direito tem de ser exercido contra o emitente das obrigações e só este responde pela satisfação do mesmo. Do banco, o obrigacionista apenas pode exigir responsabilidade (leia-se: uma indemnização) pelos danos que a actuação de intermediação financeira do banco lhe tenha causado.
Como em qualquer outra relação jurídica em que uma das partes assume a obrigação de efectuar uma determinada prestação, o credor corre inevitavelmente o risco de o devedor não cumprir ou não ter como cumprir a sua prestação. É o chamado risco de crédito, isto é, o risco de a entidade que emite as obrigações enfrentar dificuldades financeiras e/ou vir a ser declarada insolvente e o investidor não receber o valor investido e/ou os juros.
O obrigacionista corre ainda, entre outros, um risco de liquidez que advém da impossibilidade ou dificuldade em alienar os títulos das obrigações por não haver comprador para eles ou o mercado não estar disponível para pagar por eles aquilo que o credor desembolsou e/ou quer receber.
No que concerne à garantia de capital, em regra as obrigações oferecem essa garantia: o emitente garante que o investidor (obrigacionista) será reembolsado da totalidade do capital investido no termo do prazo da aplicação ou no momento do reembolso antecipado, se tal for aplicável. Excepcionalmente essa garantia não existe, pelo que faz sentido colocar a questão de saber se no caso concreto ela existe ou não, não se podendo sem mais inferir da colocação dessa questão que tenha sido pretendida ou atribuída uma garantia superior ou de diferente natureza.
A garantia de capital (o ter “capital garantido”) só importa que o direito do credor sobre o devedor tenha essa medida ou amplitude (que o credor possa exigir esse reembolso) já que se trata, em qualquer circunstância, de uma mera garantia (pessoal) do emitente das obrigações. Ela não anula nem evita o risco de crédito: a garantia só funcionará se no momento certo o emitente tiver condições para efectuar esse reembolso; se tais condições não existirem o credor estará nas mesmas condições dos outros credores: receberá o que o património do devedor permitir pagar e suportará o prejuízo da diferença em relação ao montante do seu crédito. E como a garantia é prestada pelo devedor naturalmente que a mesma apenas poderá ser exercida pelo obrigacionista perante o emitente das obrigações, não perante o intermediário financeiro que tenha intermediado a aquisição das obrigações.
E qual é o papel dos intermediários financeiros neste investimento? Precisamente o de intermediarem o negócio entre os obrigacionistas e as entidades emitentes das obrigações. Uma vez aprovado o lançamento das obrigações, estas são colocadas no mercado através dos intermediários financeiros, os quais irão divulgá-las e promovê-las, colocando a procura em contacto com a oferta e procurando captar, entre os seus clientes, interessados na aquisição das obrigações.
Essa actuação serve dois interesses distintos: o de proporcionar às entidades emitentes o acesso aos recursos financeiros dos investidores e ao capital de que necessitam para a sua actividade e o de facultar aos investidores o acesso ao mercado de valores mobiliários e aos respectivos proveitos financeiros.
Atenta a relevância do papel da intermediação financeira para o mercado e para os investidores, os intermediários encontram-se sujeitos a deveres de elevado grau.
O artigo 304.º do Código dos Valores Mobiliários (CdVM), na redacção em vigor à data da subscrição das obrigações (Maio de 2007) estabelecia o seguinte:
1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3- Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar. […].
Por sua vez o artigo 312.º do mesmo diploma estabelecia os chamados “deveres de informação” nos seguintes termos:
1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2- A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3- A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.
O artigo 314.º, relativo à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, estabelecia que:
1- Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2- A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
Ainda a propósito dos deveres de informação, convém ter presente o disposto no artigo 7.º relativo à qualidade da informação, segundo o qual:
1- Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
2- O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
3- O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.
4- À publicidade relativa a valores mobiliários e a actividades reguladas neste Código é aplicável o regime geral da publicidade.
Do cotejo das referidas disposições verifica-se pois que subjacente a todo este vasto conjunto de normas, constantes do CVM e também do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF)[6], está a intenção de proteger a confiança dos clientes dos bancos nas informações que estes lhes prestam aquando das conversações e/ou contactos preliminares à celebração de um acto ou contrato bancário, correspondente ao serviço tido em vista, tendo em atenção que hoje em dia existe uma gama muito vasta de serviços e produtos financeiros, o que mais faz ressaltar a necessidade de uma forte protecção aos clientes dos bancos, face à cada vez maior variedade e especificidade de tais produtos financeiros. Há assim uma maior necessidade de quem os adquire ser cabalmente esclarecido quanto à natureza do que está a comprar e dos riscos que a eles poderão estar associados.
Deste modo, bem se compreende que, caso as informações prestados pelo banco se mostrem inexactas, incompletas ou falsas e foram causais da celebração de um ato ou contrato com o banco, este venha a ser responsabilizado pelos danos que assim causou, quer por via contratual, quer por via extracontratual, tendo-se em conta a especificidade da matéria fáctica apurada.[7]
O dever de informação tem, por conseguinte, no domínio bancário, um carácter acentuado, visando a protecção da parte débil na relação contratual, sendo que aqui a fraqueza apura-se pela falta de conhecimento e de experiência do utente do banco ou pela ausência de liberdade e em que a protecção da parte mais fraca se efectiva através de particulares deveres de informação e esclarecimento, a cargo da parte forte.[8]
Este dever de informação, rigorosa e precisa quando contrata com os seus clientes, é, pois, um dever de conduta fundamental para o banco e da sua violação resulta a obrigação de indemnizar os danos causados, já que quer ao abrigo do disposto no artigo 762.º, nº 2, do Cód. Civil, se exige às partes que atuem de boa-fé na execução do contrato, bem como ao abrigo do disposto no seu artigo 227.º, nº 1 do mesmo diploma, logo nos preliminares ou na formação do contrato, se exige que as partes contratantes procedam segundo as regras da boa-fé e em que se contam, indiscutivelmente, os deveres de lealdade, transparência, informação rigorosa e exacta e de cabal esclarecimento.
Isto dito a questão que agora importa dilucidar é qual foi a informação que o banco réu não forneceu ao falecido I…?
Nos autos vem provado o seguinte quadro factual:
“2º. O falecido I… e a 1ª autora, eram clientes do réu, na sua agência do Porto-…, com a conta à ordem nº …………..
3º. Em Maio de 2007, na sequência de um contacto com o gerente do Banco Réu da agência do Porto-…, I… colocou o valor de 100.000,00 euros em obrigações G….
4º. Com vista à subscrição da aplicação aludida em 3º, o gerente do Banco Réu da agência do Porto-…, disse ao falecido marido, pai e sogro dos autores, que tinha uma aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
5º. O falecido marido, pai e sogro dos autores ficou convicto da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que lhe transmitiu segurança e nunca o alertou para qualquer irregularidade, face ao que tinha sido dito pelo referido gerente da agência do Porto-…, o que sucedeu até à maturidade das obrigações G…, momento em que o falecido marido, pai e sogro dos autores e a 1ª autora, verificaram que o Banco Réu não iria pagar.
6º. Um dos argumentos invocados pela Direcção Comercial do H… e que os funcionários da rede de balcões do banco réu repetiam junto dos seus clientes era o de que se tratava de um investimento seguro com reembolso do capital investido e juros.
7º. Nos extractos mensais periódicos enviados ao de cujus estavam discriminadas as aplicações financeiras de acordo com a sua natureza.
8º. O de cujus demonstrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários, tendo subscrito UP’s de Fundos de Investimento Imobiliário ou de Obrigações.
9º. As Obrigações G… foram emitidas pela G2…, SGPS, S.A., sociedade titular de 100% do capital social do Banco réu, participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada”.
Perante este quadro factual pergunta-se: o banco prestou informação falsa ou insuficiente sobre o risco inerente a este produto?
O acervo factual supra descrito é, como dele se evidencia, deveras lacunoso para se poder concluir pela resposta positiva à citada questão.
Efectivamente, o que dele resulta é que em Maio de 2007, na sequência de um contacto com o gerente do Banco Réu da agência do Porto-…, I… colocou o valor de 100.000,00 euros em obrigações G…, sendo que com vista à subscrição da aplicação aludida, o gerente do Banco Réu da agência do Porto-…, disse ao falecido marido, pai e sogro dos autores, que tinha uma aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
Repare-se, desde logo, que não está demonstrado, nem isso foi alegado que tivesse sido o banco réu, ou concretamente o seu gerente a procurar o falecido I… no sentido de este investir no produto em causa, o que se sabe é que na sequência de um telefonema com o gerente do banco réu, o referido I… colocou o valor de 100.000,00 euros em obrigações G….
Importa, aliás, enfatizar como está demonstrado nos autos que o de cujus demonstrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários, tendo subscrito UP’s de Fundos de Investimento Imobiliário ou de Obrigações (ponto 8. da fundamentação factual), ou seja, daqui resulta que podem muito bem ter sido o falecido a tomar a iniciativa de querer rentabilizar as suas economias em produtos mais atractivos que não em depósitos a prazo.
Portanto, não se pode dizer que estivéssemos propriamente perante um investidor de perfil conservador.
Aliás, sob este conspecto cumpre ainda salientar que não se provou como havia sido alegado pelos autores que o gerente do banco réu sabia que o de cujus não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que o de cujus tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data sempre o aplicou em depósitos a prazo [cfr. als. a) e b) do elenco dos factos não provados]
Que não era um depósito bancário era claro para o banco e também para o falecido face à alegação que consta do artigo 12º da petição inicial.[9]
Aliás, se fosse para ser igual não havia necessidade de o comercializar sobre outra forma ou de lhe associar uma rentabilidade diferente. E se tinha mais rentabilidade era porque se afastava de um simples depósito a bancário a prazo, como qualquer destinatário minimamente interessado e diligente podia concluir.
De todo o modo, não se provou, que o produto tivesse sido comercializado como sendo um produto cujo reembolso fosse garantido pelo próprio banco, que o banco, embora não fosse o emitente das obrigações e/ou o beneficiário do capital angariado com a sua colocação no mercado, assumisse por si mesmo a garantia de reembolso do capital. Também não se provou, que o falecido I… tivesse sido convencido pelo funcionário do banco, que seria o próprio banco a fazer o reembolso no final do prazo.
A este propósito refere-se no Ac. STJ de 12/01/2017,[10] “É verdade ter ficado provado que o Banco Recorrido, através do seu funcionário, o Recorrido DD, garantiu aos Recorrentes que o capital investido seria reembolsado na data do vencimento. Todavia, não está provado que a garantia do reembolso do capital investido coubesse ao Recorrido Banco. A afirmação do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro, designadamente face ao bom rating das entidades estrangeiras emitentes das obrigações, sendo certo também que o maior rendimento de qualquer aplicação financeira anda, igualmente, associado a mais elevado risco. De resto, e contrariando a ideia da garantia absoluta do reembolso do capital investido, os Recorrentes não lograram provar que o “negócio não envolvia qualquer risco” (resposta negativa ao artigo 20.º da petição inicial - fls. 938). O risco, com efeito, é inerente a qualquer aplicação financeira, sendo embora variável, consoante o tipo de aplicação. Na verdade, até aplicações de depósito a prazo, com juros baixos, não estão totalmente isentas de riscos, dado que as instituições financeiras, como se tem observado um pouco por todo o lado, também não estão completamente imunes à insolvência, apesar da sua sujeição à supervisão de entidades públicas. A possibilidade de risco poderá ser remota, mas não poderá ser inteiramente excluída. Ora, desde que o risco não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, não pode deixar de correr por conta do titular do direito, porquanto quem goza das suas vantagens também está sujeito a suportar as suas desvantagens (ubi commoda, ibi incommoda)”.
Por outro lado o banco prestou informação falsa ou insuficiente sobre o prazo de maturidade das obrigações e as possibilidades de resgate antecipado?
Não se provou que como havia sido alegado que aquando a subscrição da aplicação o de cujus desconhecia que a G… era uma empresa, actuando convicto de que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias [cfr. al. c) do elenco dos factos provados].
Fazendo da matéria de facto esta leitura e interpretação não é, a nosso ver, possível imputar ao banco réu a prestação de informação falsa, incorrecta ou insuficiente sobre o produto financeiro em causa.
A possível ausência de explicação detalhada de todas as características das obrigações não é bastante para se considerar que a informação foi insuficiente, deficiente ou errada [não provou o banco réu que “aquando da subscrição do produto o banco réu deu conta de todas as condições das subscritas obrigações G3…, nos termos da nota interna junta a fls. 27 e sgs., sendo-lhe comunicado que a entidade emitente era a G… que detinha o banco réu”-cfr al. h) do elenco dos factos não provados].
Como quer que seja, na acção não estão em causa danos que tenham sido causados por alguma das características específicas e particulares das obrigações; o que está em causa é o dano do incumprimento do dever de reembolso das obrigações pelo emitente, para o que não tem qualquer relevância, designadamente, a natureza subordinada das obrigações.
Também a informação de que se tratava de um produto com capital garantido e juros, não se mostra, a nosso ver, falsa.
Conforme observou Abrantes Geraldes na declaração de voto que proferiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/01/2013 a propósito de uma situação similar em que igualmente se provou que a aplicação financeira foi anunciada como tendo “garantia do montante de capital investido” e ser “um produto comercializado pelo Private Banking do Banco ...... com o capital garantido”, não é possível extrair desse facto que o intermediário financeiro “tenha assumido perante a autora o compromisso de, no final do período de maturidade do produto financeiro, proceder ao reembolso do capital aplicado. Devendo a interpretação das declarações negociais tomar em conta essencialmente os elementos percepcionáveis na data da sua prestação, em 2001, [tal] matéria de facto … apenas permite concluir que foi proposta pela intermediária financeira à autora a aplicação da quantia depositada na aquisição de um produto cujas características envolvia, em termos objectivos, para além da remuneração periódica, o reembolso ou resgate do respectivo capital. Característica que permitia diferenciar o produto de outros de maior rentabilidade, mas também de risco mais elevado, em que o reembolso não estaria acautelado. Por outras palavras, tendo sido proposta a aquisição, a favor da autora, de um produto financeiro com “capital garantido”, a matéria de facto apurada não me permite afirmar que a entidade bancária, excedendo o âmbito da correlativa actividade de intermediária financeira, se tenha vinculado à obrigação de proceder ao reembolso ou resgate dos títulos, obrigação que, como é natural, impendia sobre a respectiva entidade emitente (sobre a distribuição do risco nos contratos de intermediação financeira, cfr. Carneiro da Frada, Revista da Ordem dos Advogados, ano 69º, vol. III/IV, págs. 656 e segs., em artigo intitulado “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteiras”).
Nesse sentido, afigura-se-nos não se poder imputar ao banco, a título de responsabilidade civil por violação dos deveres legais do intermediário financeiro, a obrigação de indemnizar os autores do dano proveniente do incumprimento do emitente das obrigações de efectuar o seu reembolso.
Deste modo, conclui-se pela inexistência de ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada ao réu.
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A questão que se poderia colocar, mas que não foi trazida à colação como causa de pedir da acção, era de saber se entre o banco e a sociedade emitente das obrigações existia uma relação especial em resultado da qual o banco tinha ou devia ter conhecimento da situação financeira em que esta se encontrava, designadamente porque o seu maior activo era a propriedade do banco e este não podia deixar de conhecer a sua própria falta de saúde financeira, e, consequentemente, em virtude do dever de lealdade para com os seus clientes bancários, se devia ter abstido de comercializar um produto financeiro que sabia ou devia saber encerrar um elevado risco de incumprimento, ainda que não lhe coubesse a aprovação da operação nem dos respectivos folhetos.
Ora, ao configurarem a acção os autores não ancoraram a sua pretensão nesse fundamento e, como tal, além do mais que respeita aos limites dos poderes de cognição do tribunal, não se encontram provados factos jurídicos bastantes para nos pronunciarmos sobre esse possível alicerce de responsabilidade civil do réu na comercialização dos produtos financeiros em causa.
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Mas ainda que se entenda que o banco violou os seus deveres de informação ao ter comunicado ao falecido I… que se tratava de uma “aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada” ou que se tratava de “um investimento seguro com reembolso do capital investido e jurosquando não era o banco que garantia o reembolso das obrigações, entendemos que ainda assim a pretensão dos autores está votada ao insucesso por se não verificar um dos pressupostos da responsabilidade civil: o nexo de causalidade entre a actuação ilícita e os danos cujo ressarcimento se reclama.
Foi alegado pelos autores mas não se provou que se o falecido I… “(…) tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações G…, produto de risco e que o capital não era garantido pelo H…, não o autorizaria, nunca tendo sido sua intenção investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do réu” [cfr. al, d) do elenco dos factos não provados].
É certo que se o banco não tivesse proposto ao de cujus a aquisição deste produto os autores nunca se teriam visto na posição em que se encontram de correr o risco de não receber o capital que investiram no produto (conditio sine qua non).
Acontece que, em nossa modesta opinião, isso não chega para que se possa afirmar a existência de um nexo de causalidade juridicamente relevante entre a actuação do réu e o dano suportado pelos autores.
Com efeito, o mesmo se pode dizer de vários outros factores que contribuíram para a situação gerada, designadamente o incumprimento da sociedade emitente, o que determinou que esta não tivesse condições para cumprir as suas obrigações e, porventura mesmo, a própria nacionalização do H… que privou a sociedade emitente do seu maior activo, sem que seja sustentável defender que todos esses factores, ou qualquer um deles, foram causa adequada do dano.
Nos termos do artigo 483.º do Código Civil, a obrigação de indemnização a cargo do autor do facto ilícito culposo compreende apenas os danos que forem resultantes do evento lesivo. O artigo 563.º do mesmo diploma concretiza que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Por detrás desta simplicidade, as expressões da lei (ser resultado de; que provavelmente não teriam ocorrido) escondem a imensa e difícil questão da causalidade.
Ninguém aceita que as citadas normas legais tenham em vista a causalidade natural, isto é, que a causa se possa afirmar por aplicação de critérios puramente naturalísticos ou relativos às regras de sucessão dos acontecimentos próprios da natureza das coisas. A mera simultaneidade ou sequência espácio-temporal não é suficiente para se afirmar a existência de uma relação de causa efeito entre um evento e uma consequência para outrem.
A regra legal é antes de mais uma regra de actuação humana ou que pretende funcionar como tal, daí que nos elementos da sua previsão deva estar reflectida a lógica das actuações humanas, ponderando, designadamente, aquilo com que a pessoa, no caso concreto, pode ou deve contar, porque é esse factor (humano) espoletador dos acontecimentos e suas consequências que a regra estigmatiza e torna responsável (por que danos, é a questão a que responde a teoria da causalidade).
Antunes Varela[11], citando as teses de Trimarchi aparentemente divergentes da teoria da causalidade adequada, acentua que “verdadeiramente útil e exacta é a ideia de que a causalidade (jurídica) se não resolve forçosamente por uma fórmula unitária, válida para todos os casos. A formulação que mais convém à responsabilidade baseada nos factos ilícitos pode, com efeito, não ser a que melhor se adapta à responsabilidade baseada no risco ou na prática dos factos ilícitos danosos”.
Defendendo que a teoria da causalidade adequada é o “rumo certo” para a resolução da causa (jurídica) relevante este autor[12] ensina que “O pensamento fundamental da teoria é que, para impor a alguém a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição (s.q.n.) do dano; é necessário ainda que, em abstracto ou em geral, o facto seja uma causa adequada do dano. Há que escolher, entre os antecedentes históricos do dano, aquele que, segundo o curso normal das coisas, se pode considerar apto para o produzir, afastando aqueles que só por virtude de circunstâncias extraordinárias o possam ter determinado. Que o facto seja condição do dano será requisito necessário; mas não é requisito suficiente, para que possa ser considerado como causa desse dano. (…) Tudo está, entretanto, em saber quando é que um facto pode, abstractamente considerado, ser apontado como causa de certo dano. (…)
Para Pessoa Jorge[13], “para saber se certo prejuízo decorre do acto ilícito em termos de ser indemnizável pelo autor deste, é necessário averiguar. 1.º se o acto ilícito foi conditio sine qua non do prejuízo, e não o será se estes se tivesse dado mesmo sem aquele; Se o acto ilícito é, abstractamente considerado, causa adequada do prejuízo; 3.º Se, concretamente, o prejuízo resultou do acto ilícito pelo processo ou forma que atribui a este abstractamente a natureza de causa adequada”.
De acordo com a nossa leitura, os deveres impostos aos intermediários financeiros de prestação de informação verdadeira, actual, lícita, objectiva e completa, visam criar condições para que o cliente tome decisões livres, conscientes e informadas. Mas a decisão é sempre do cliente, é a ele que cabe avaliar a informação que lhe chega e decidir segundo o seu critério. Tais deveres não servem para impedir o cliente de tomar decisões erradas ou que venham a mostrar-se ruinosas, porque a função do intermediário financeiro não é a de assegurar que o cliente nunca corre risco, tem sempre lucro, sai sempre a ganhar.
Como se refere no Ac. desta Relação de 30/05/2018[14] e que aqui seguimos de perto “Não há mercado financeiro em que ninguém corra riscos e todos ganhem! Quando parece que se elimina o risco de todos, somos afinal todos que corremos o risco e suportamos as respectivas consequências, ou seja, o risco não desaparece, apenas é nacionalizado. O retorno que queremos obter do nosso dinheiro e que outrem está disposto a pagar pela disponibilidade do mesmo, são sempre resultado das expectativas que ambos criam sobre o que irá ocorrer no futuro e, como todos aprendemos de forma crua nos últimos anos, mesmo sectores que dispõem de amplos mecanismos de regulação e vigilância representam para os investidores riscos tão insuspeitos, porventura mesmo imprevisíveis, quanto inevitáveis, sem que se possa dizer que todos os agentes sabem do que se passa na casa dos outros porque nesse sector o segredo é fundamental e tem ampla cobertura legal”.
De facto ao sugerir a aquisição de um produto por cujo reembolso é responsável o emitente, o intermediário financeiro não está a garantir ao cliente que esse reembolso se concretizará sempre e em qualquer circunstância, imputável ao devedor ou mesmo alheia. E também não está a garantir esse reembolso com o seu próprio património, no caso de o devedor não cumprir ou não ter com que cumprir. Supor que a indicação de que o “capital” é “garantido” tem esse conteúdo ou consequência, por mais atractivo que possa parecer, é, com todo o devido respeito, subverter o mercado financeiro e alterar de forma significativa os papéis e responsabilidades que nele desempenham os diversos intervenientes e produtos.
Acresce que, se o reembolso das obrigações cabe ao respectivo emitente e o exercício da actividade de intermediação financeira não gera para o intermediário o encargo desse reembolso. Não sendo o intermediário financeiro a entidade à qual cumpre aprovar a operação em causa (Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) verificando os pressupostos do seu lançamento e publicitação, em regra não será previsível para o intermediário financeiro que o emitente virá a incumprir as suas obrigações. Ao invés, a regra de funcionamento do mercado, sem a qual este, aliás, não existiria sequer, é a de que os seus agentes irão cumprir as obrigações a que se vinculam com os produtos financeiros que colocam no mercado. O que é expectável e previsível é que isso suceda, pois só dessa forma se cria a confiança sem a qual o mercado de capitais não se desenvolveria.
Como assim, pensamos, respeitando-se entendimento diverso, que o intermediário financeiro só pode ser responsabilizado pelas consequências que advierem da frustração do objectivo que preside ao estabelecimento dos deveres a que nessa actividade devem legalmente respeito.
Na verdade, se a decisão de investir do investidor foi determinada pela falta de informação ou pela informação incorrecta, insuficiente, desactualizada ou equívoca o acto ilícito do intermediário financeiro foi causa adequada dos danos gerados pelo investimento, designadamente do dano da perda do capital no caso de esta ocorrer (ainda que a causa directa e imediata deste seja o incumprimento do devedor).
Mas para que isso suceda é necessário que o investidor prove essa relação entre a (deficiência da) informação e a decisão, isto é, prove que se tivesse recebido a informação devida não teria tomado a decisão que tomou ou, noutra perspectiva, que só a tomou porque a informação que recebeu não foi a devida. Se isso não acontecer, o dano do investidor continua a ter como causa adequada apenas o incumprimento do devedor, não o incumprimento do intermediário financeiro.
Destarte, uma vez que no caso não se provou que o de cujus não teria adquirido as obrigações se o réu lhe tivesse fornecido mais informação que tinha à sua disposição, não é possível considerar que a (deficiente ou insuficiente) informação prestada pelo réu sobre o produto foi causa adequada do não reembolso do capital pela sociedade emitente. O que faz soçobrar um dos pressupostos da responsabilidade civil.
Terminando, diremos que o alegado dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente, o que constitui uma circunstância anómala e não previsível, à data da subscrição das obrigações, não sendo devido a qualquer violação de deveres de informação ou de obrigação contratual a que o H… estivesse vinculado.[15]
A lei portuguesa não permite, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção (artigos 563.º e 799.º, conjugados com os artigos 342.º e ss, todos do CC). O artigo 799.º do CC aplica-se apenas à culpa e não ao nexo de causalidade.[16] Ainda que se presuma a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano não se podendo, em caso algum, presumir-se quer o nexo de causalidade quer o dano.[17]/[18]
Ou seja, ainda que se presuma a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo, em caso algum presumir-se (quer o nexo de causalidade quer o dano).
*
Analisemos, por fim à última questão colocada no recurso e que consiste em:
c)- saber se os autores tivessem o direito que alegam estaria, ou não, o mesmo já prescrito.
A norma que prevê o prazo de prescrição invocado pelo réu é o n.º 2 do artigo 324.º do CdVM, nos termos da qual “salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”.
A responsabilidade do intermediário financeiro pela sua actuação no âmbito de um contrato de intermediação financeira encontra-se assim sujeita a dois prazos de prescrição distintos: se a actuação ilícita (em sede contratual, o incumprimento da prestação devida) resultou de dolo ou culpa grave, a responsabilidade prescreve no prazo de prescrição ordinária previsto no artigo 309º do Código Civil (20 anos); caso contrário, a responsabilidade prescreve no prazo de 2 anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.
Como se refere no Ac. desta Relação[19] 02/03/2015 “a culpa lata, mais frequentemente chamada culpa grave “consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio adoptam. A culpa leve seria a omissão da diligência normal (podendo o padrão da normalidade ser dado em termos subjectivos, concretos, ou em termos objectivos, abstractos). A culpa levíssima seria a omissão dos cuidados especiais que só as pessoas mais prudentes e escrupulosas observam. Esta classificação dos graus de culpa tem a ver com a gravidade ou a intensidade da violação dos deveres que recaem sobre o agente do facto, sendo sobreponível com a classificação que atende à previsão ou não do facto ilícito. Assim, pode um agente agir com culpa ou negligência consciente e dever essa culpa qualificar-se como leve ou levíssima, podendo também agir com negligência inconsciente e dever essa conduta qualificar-se como uma culpa ou negligência grave”.
Se fosse bastante invocar o especial dever de diligência dos intermediários financeiros e a obrigação de que na sua actividade adoptem elevados padrões de diligência e de profissionalismo para daí concluir que qualquer falha cometida seria sempre devida a culpa grave por inobservância do grau de diligência requerido a tal profissional, a norma era absolutamente desnecessária porque a mesma só trata da responsabilidade do intermediário financeiro e essa estaria então sempre sujeita ao prazo de prescrição de 20 anos.
Portanto, a norma só faz algum sentido admitindo-se que mesmo um intermediário financeiro cuja actividade se encontra sujeita a esses dever particular e padrão elevado pode incorrer em falhas perante o cliente que não podem considerar-se devidas a culpa grave. Nessa medida, porque a culpa consiste um juízo ético-normativo de avaliação do comportamento devido, a qualificação da culpa do intermediário financeiro deve ter em conta a gravidade e notoriedade da falha (quanto mais notada ela devia ser, maior será o grau de culpa), a relevância da mesma para o objectivo normativo da disposição legal violada (quanto mais relevante ela for, maior será o grau de culpa) e a intensidade da violação dos deveres do intermediário financeiro (mais grave a falha, maior a culpa).
Como noutro passo já referimos, a única falha que se poderá imputar ao banco réu foi de não ter demonstrado, como alegou, de ter dado uma explicação detalhada sobre todas as características das obrigações. Essa falha assume importância porque no caso tratava-se de obrigações subordinadas e estas representam um maior risco para o investidor que as obrigações não subordinadas. Todavia, não está demonstrado que os autores só não foram ressarcidos do capital por causa da natureza subordinada das obrigações e que se elas não tivessem essa natureza teriam obtido o reembolso do capital.
Na nossa leitura as afirmações de “aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada” ou “investimento seguro com reembolso do capital investido e juros” não constituem nem uma falsa informação nem uma falha de informação.
Por isso entendemos que no caso concreto não se deve entender que essa falha seja imputável a culpa grave do réu e, portanto, não seria aplicável o prazo ordinário da prescrição de 20 anos.
Mas será que mesmo não existindo a culpa grave o prazo de dois anos supra referido já decorreu?
Se bem interpretamos a norma em questão-artigo 342.º, nº 2 do CdVM-, o prazo de dois anos apenas se conta da data em que o investidor tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos. Ora se por virtude da informação omitida o investidor não chega a apreender os concretos termos do negócio celebrado através do intermediário financeiro, o prazo de prescrição apenas se iniciará quando o investidor alcançar esse conhecimento.
Ora, no caso concreto está apenas provado que só na maturidade da obrigações- 27/10/2014-o falecido I…, pai e sogro dos autores e a 1ª autora, verificaram que o Banco Réu não iria pagar, ou seja, não está provada a extensão do conhecimento do falecido sobre as características daquele produto financeiro, naquela data, sendo que era sobre o réu recorrente que incumbia o ónus de prova, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2, do CCivil.
É que, querendo o banco réu prevalecer-se da excepção da prescrição, deveria ter alegado a factualidade conducente a verificação da mesma, ou seja, deveria ter alegado a data em que o falecido I… e a 1ª autora tiveram o efectivo conhecimento sobre as características do produto financeiro subscrito o que, manifestamente, não resulta dos factos assentes.
Como assim, a falta de prova por parte do banco réu do mencionado conhecimento tem como consequência que a excepção de prescrição por ele invocada terá de ser decidida em sentido desfavorável à si.
Conclui-se, assim, que não se encontraria prescrito se os autores tivessem o direito de que se arrogam.
*
Destarte, procedem, assim, as conclusões 9ª a 31ª formuladas pelo recorrente e, com elas, o respectivo recurso e improcedem as conclusões 32ª a 36ª.
*
IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta procedente por provada e, consequentemente, revogam a decisão absolvendo do pedido o réu banco.
*
Custas da apelação pelos apelados (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 01 de Julho de 2019.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[2] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[3] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Ac. Rel. Porto de 19 de Setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de Dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[6] O artigo 75.º, nº 1 deste diploma, também na redacção em vigor à data, estabelecia que “as instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”.
[7] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 9.10.2012, proc. 1432/09.4T2AVR.C1, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Menezes Cordeiro, in “Banca, Bolsa e Crédito, Estudos de Direito Comercial e de Direito da Economia”, I Vol., Almedina, 1990, págs. 40 a 42.
[9] Cujo conteúdo é o seguinte: “A verdade é que, o falecido marido, pai e sogro dos AA. actuou convicto de que estava a colocar o dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco”.
[10] In www.dgsi.pt.
[11] In Das Obrigações em Geral, 5.ª edição, Vol. I, pág. 845, nota 1.
[12] Obra citada pag. 846.
[13] In Direito das Obrigações, 1976, pág. 569.
[14] In www.dgsi.
[15] Cfr. Ac STJ de 11.10.2018 in www.dgsi.pt
[16] Neste sentido veja-se Nuno Manuel Pinto Oliveira, Deveres de Protecção em Relações Obrigacionais, in Scientia Juridica, Tomo LII, N.º 297, págs 495 e ss.
[17] Ac STJ de 13.09.2018, Proc.º 13809/16.4T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[18] Neste sentido cfr., entre muitos outros, Acs. do STJ de 06/11/2018, 19/12/2018, 09/01/2019, 24/01/2019 E 21/02/2019 todos in www.dgdi.pt.
[19] In www.dgsi.pt.