Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
140/11.0TBSBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
OBRAS NO LOCADO
NULIDADE DE SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RP20150112140/11.0TBSBR.P1
Data do Acordão: 01/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I -A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não se basta com a existência de uma fundamentação que seja incompleta ou deficiente ou que, por qualquer modo, não seja convincente, casos em que se poderá questionar o mérito da própria decisão e a procedência dos seus argumentos, mas não afirmar a sua nulidade.
II -A alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, só devendo ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
III -A realização de obras pelo arrendatário que não estão contempladas no contrato e sem autorização do senhorio constituem fundamento para resolução do contrato pelo senhorio, desde que o incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 140/11.0TBSBR.P1
5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I- A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não se basta com a existência de uma fundamentação que seja incompleta ou deficiente ou que, por qualquer modo, não seja convincente, casos em que se poderá questionar o mérito da própria decisão e a procedência dos seus argumentos, mas não afirmar a sua nulidade.
II- A alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, só devendo ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
III- A realização de obras pelo arrendatário que não estão contempladas no contrato e sem autorização do senhorio constituem fundamento para resolução do contrato pelo senhorio, desde que o incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.


Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
1. B…, C…, D… e marido, E…, intentaram a presente acção declarativa, com a forma de processo comum ordinário, contra F… e G…, todos melhor identificados nos autos.
1.1 Os autores alegam que são comproprietários e compossuidores de um prédio urbano, composto de casa de quatro pisos, sendo os réus arrendatários do rés-do-chão, onde têm instalado um estabelecimento comercial de café.
Os réus realizaram obras no locado sem o conhecimento e autorização dos autores.
Tais obras alteraram substancialmente a configuração e estrutura interior do locado e apenas visaram embelezar o mesmo; puseram em causa a estrutura do prédio.
Terminam pedindo que, com a procedência da acção:
A – Se decrete a resolução do contrato de arrendamento, condenando-se os réus a despejar imediatamente o imóvel objecto do mesmo, livre de pessoas e bens;
B – Se condene os réus a executarem as obras necessárias para recolocar o locado no estado em que se encontrava antes das obras que nele levaram a efeito, repondo, assim, as paredes demolidas no exacto sítio onde se encontravam as demolidas, as canalizações alteradas, as portas interiores e exteriores, as janelas;
C – Se condene os réus a pagarem aos autores a quantia que se vier a liquidar em execução da sentença, para ressarcimento dos danos materiais sofridos em todo o prédio por via das obras que efectuaram;
D – Se condene os réus a pagar aos autores o valor de € 2.500,00, correspondente aos danos morais por estes sofridos, por via da conduta dos mesmos.
1.2 Os réus vieram contestar e deduzir reconvenção.
Invocam, em síntese, que as obras eram urgentes e não consentiam qualquer dilação, atento o estado degradado do locado; comunicaram a realização das mesmas ao senhorio.
Invocam a existência de abuso de direito, porquanto os autores nunca realizaram quaisquer obras, sabendo do estado do locado.
Terminam afirmando que a acção deverá ser julgada improcedente, com a consequente absolvição do pedido e, em reconvenção, pedem que os autores sejam condenados a pagar a quantia que despenderam para proceder às reparações do locado e que eram responsabilidade do locador, a apurar em execução de sentença e que estimam em € 9.500,00.
1.3 Os autores apresentaram réplica, refutando a excepção invocada e o pedido deduzido em reconvenção.
1.4 Elaborado despacho saneador, aí se admitiu a reconvenção, procedendo-se depois à elaboração de especificação e questionário.
Foi produzida prova pericial. Concretizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, fixando a matéria de facto, veio a decidir julgando improcedente o pedido deduzido pelos autores e a reconvenção formulada pelos réus, com as consequentes absolvições.
2.1 O autor C…, não se conformando com a sentença proferida, veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição integral):
«1. – Da confrontação/conjugação de toda a prova produzida resulta que a sentença recorrida se constituiu por uma errada decisão/julgamento da matéria de facto e, em consequência, errada aplicação das regras de direito.
2. – Desde logo, porque a sentença recorrida é omissa quanto à fundamentação da decisão da matéria de facto.
3. – O Tribunal a quo não descreveu o procedimento lógico que presidiu à decisão que adoptou.
4. – Não bastando, para essa fundamentação a simples menção aos meios de prova que foram considerados para a formação dessa convicção.
5. – É necessário, por legalmente imposto, que a motivação dessa matéria aponte os motivos/raciocínios que relevaram para a formação dessa convicção, porque só assim será viável o exame dessa convicção.
6. – Nas respostas a cada um dos factos, para melhor reproduzir a verdade, o Tribunal a quo pode usar métodos que expressem de diferente modo aquilo que resulte dos autos e da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, podendo, inclusive ampliar a matéria de facto.
7. – Com regularidade, na resposta à matéria de facto, encontramos respostas de âmbito restritivo ou de conteúdo explicativo.
8. – O que o Meritíssimo Juiz a quo fez quanto às respostas à matéria de facto dos artigos 8.º, 13.º, 15.º, 18.º, 19.º, 48.º, 49.º a 51.º da Base Instrutória.
9. – Não o fazendo quanto a outra matéria, apesar da prova de toda a prova produzida ter resultado factos com relevância para a boa decisão da causa.
10. – A livre apreciação da prova não contende com o dever/imposição de fundamentação/motivação das decisões judiciais – artigo 205.º da CRP.
11. – Tal omissão acarreta a nulidade da mesma da sentença recorrida – artigo 607.º, n.º 4, NCPC.
12. – Os recorrentes não aceitam algumas respostas dadas pelo Tribunal recorrido à matéria de facto.
13. – Uma vez que da audiência de discussão e julgamento resultaram provados factos que sem dúvidas, têm de conduzir a respostas diferentes.
14. – Os depoimentos têm de ser conjugados com a demais prova produzida, designadamente perícia e documental.
15. – O Tribunal tem, assim, de considerar toda a prova produzida pelas partes – artigo 413.º NCPC.
16. – Tal não o impede de julgar segundo a sua “prudente convicção acerca de cada facto”, ou seja, nada o impede de dar mais relevância a um depoimento ou outro meio de prova em detrimento de um outro – artigo 607.º, n.º 5, NCPC.
17. – O que não foi feito.
18. – Por isso, as respostas à matéria de facto vertida nos artigos 1.º a 48.º, 2.º e 7.º, 13.º e 16.º, 19.º, 49.º a 51.º e 3.º a 7.º, deverão ser reapreciadas, nos termos supra alegados.
19. – Porquanto, pecam por falta de perceptibilidade e rigor.
20. – “Conhecimento prévio” é quando sabemos algo antes de termos que lidar com uma determinada situação.
21. – Não bastando, qualquer conhecimento.
22. – É imprescindível um conhecimento de tal modo preciso, como a data, o tipo e extensão das obras, para que se possa, sem quaisquer incertezas, considerarse que os autores foram regularmente informados dessas mesmas obras, isto é, que os recorridos deram conhecimento da intenção de as executar no locado.
23. – Do documento junto com a petição inicial, resulta que os autores apenas tiveram conhecimento das obras no locado, sem que as tenham especificado, decorridos que eram mais de uma semana após o início das mesmas, ou seja, já em absoluta execução daquelas.
24. – O que quer dizer que, quando foi recepcionada a dita carta, refirase por apenas um dos comproprietários/senhorios, já os autores tinham tido, por terceiros/vizinhos e por eles próprios se terem deslocado ao locado, tomado conhecimento das mesmas, onde se confrontaram com o locado destruído, os móveis (portas e janelas), balcão e uma parede.
25. – Por isso, a referida carta não podia dar conhecimento aos autores de factos que estes já haviam tomado conhecimento.
26. – Não se pode afirmar, assim, que “a falta de conhecimento apenas foi prévio”, porque esse dever imposto aos recorridos/arrendatários não foi cumprido.
27. – O Tribunal pode decidir sobre a matéria de facto de modo diverso do Relatório Pericial.
28. – O resultado da perícia não é vinculativo, estando sujeito à livre apreciação do Tribunal, que no confronto de todas as provas produzidas pode decidir de modo distinto, sem que tenha necessidade de justificar o seu ponto de vista.
29. – O Relatório Pericial, não foi “excepcionalmente alterado”.
30. – Do depoimento de parte dos réus e do depoimento de testemunhas, resulta que no âmbito das obras, os réus demoliram uma parede e em substituição da demolida/destruída executaram uma outra com espessura e materiais diferentes.
31. – O Tribunal a quo não considerou o licenciamento que foi requerido pelos recorridos e emitido, já no decurso da audiência de discussão e julgamento.
32. – Partindo da premissa que o Meritíssimo Juiz a quo: “… só excepcionalmente é que altero o que está na matéria pericial …”, a resposta à correlativa foi, também, erradamente julgada.
33. – Porque, diz o Relatório Pericial: “As obras executadas no estabelecimento em causa teriam de ser objecto de licenciamento pela Câmara Municipal …”.
34. – Não se pode, porque inexiste qualquer sustentabilidade, inferir que “o licenciamento não era necessário, com excepção da fachada a qual foi concedida após a realização das obras”.
35. – Tratandose, como se trata, de um estabelecimento comercial, os termos da legislação em vigor, o RJUE, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 26/2010, que as obras em causa não estão isentas de controlo preventivo, estando, por conseguinte, sujeitas a licenciamento.
36. – Ponderandose o depoimento das testemunhas, constatase que não é verdade que o locado não tenha sido objecto de qualquer intervenção ao nível de obras de conservação, ou de outra natureza, desde há cerca de 40 anos.
37. – Da prova produzida, documental e testemunhal, não resulta que os senhorios tivessem conhecimento do “estado degradado do estabelecimento”.
38. – Nem os recorridos alegaram que a Câmara ou outro qualquer Organismo Público, designadamente a ASAE tivessem interpelado e/ou ordenado, quer os autores quer os réus, para a necessidade de realização de obras no locado.
39. – Os recorrentes não aceitam a alteração efectuada pelo Tribunal recorrida do vocábulo “destruíram”, pelo “substituíram”.
40. Em conclusão, na fundamentação de facto da sentença recorrida, o Tribunal recorrido não efectuou o imperioso exame crítico das provas que lhe incumbia fazer, violou, assim, o disposto no artigo 607.º, n.º 4, NCPC.
41. – Impondose a reapreciação de toda a prova, designadamente da prova gravada, pelo Tribunal ad quem – artigos 640.º e 662.º NCPC.
42. – O Tribunal na prolação da sentença atevese, tãosó e resumidamente, ao relatório pericial, aos documentos, às declarações e aos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, sem fazer menção à credibilidade que cada um deles tenha merecido e às considerações do atinente mérito, ou seja, limitouse a remeter para os ditos meios de prova, sem concretizar o que entendeu serem os pontos relevantes de cada uma delas.
43. – Em matéria de direito, limitouse, no entender dos recorrentes e salvo o devido respeito, a enumerar e a transcrever a legislação que entendeu ser de aplicar aos factos.
44. – Para de seguida, revelar que a acção seria julgada improcedente, por “não assistir direito aos senhorios, aqui AA”.
45. – Seguidamente, no que respeita aos pedidos dos recorrentes, em mais ou menos 36 linhas, fundamentar a decisão que previamente havia tomado.
46. – Os recorrentes não se conformam com este entendimento, por entenderem que a justificação oferecida para tal decisão é insuficiente, senão completamente omissa, desde logo, porque da análise/valoração e ponderação dos factos e na aplicação do direito a estes deveriam ser tidas em conta todas as disposições legais que sobre a matéria versam e, ainda, deveria ter sido considerada toda a factualidade discutida nos autos. O que não foi.
47. – Os recorridos, por contrato de trespasse, outorgado em 5 de Janeiro de 1980, assumiram a posição de arrendatários relativamente ao locado, r/c do prédio identificado em A) da matéria assente, onde se encontra instalado o estabelecimento comercial denominado Z….
48. – Desconhecese as cláusulas contratuais do contrato de arrendamento comercial, porquanto não foi junto aos autos qualquer cópia donde se possa extrair quais os direitos e obrigações particulares, se acordadas, de cada um dos outorgantes.
49. – A transferência da posição contratual operada por via do contrato de trespasse do estabelecimento comercial, não acarreta qualquer redução dos direitos do senhorio, este continua a ter o seu direito de propriedade sobre o locado.
50. – O senhorio e o inquilino com a celebração do contrato de arrendamento adquirem direitos e obrigações, que se encontram consignadas nos artigos 1031.º e 1038.º do CC.
51. – O arrendatário está obrigado a restituir a coisa locada no final o contrato, nas condições em que essa lhe foi entregue – artigo 1043.º CC.
52. – Há deteriorações que são consideradas lícitas e, portanto, passíveis de reparação pelo locatário, outras, para o serem têm de obedecer a certos requisitos impostos por lei, porque se isso não suceder: como poderá o locador aceitar a restituição do locado, se na data da entrega, este não se encontra nas mesmas condições em que lhe foi entregue? Aceitao? Nega aceitálo? Consequências de uma ou de outra posição?
53. – Resulta, portanto, da lei que o locatário tem de manter e restituir o locado no estado em que lhe foi entregue. Concludentemente, o locatário não pode proceder à execução de obras, como as que resultam dos autos, dadas como provadas ou cuja reapreciação se pede, nomeadamente as referidas anteriormente, que aqui se reproduzem.
54. – Tais obras, definitivas, implicaram uma alteração substancial do locado.
55. – A argumentação dos recorridos para justificar a execução das obras efectuadas não pode proceder.
56. – Os recorridos nunca interpelaram os recorrentes de quaisquer deteriorações e infiltrações de água no locado e, por conseguinte, estes nunca poderiam saber e diligenciar no sentido da resolução desse problema.
57. – Não ficou provado, porque nem sequer foi alegado, que por força das ditas deteriorações e infiltrações, os recorridos alguma vez tivessem estado impedidos de desenvolver a actividade, pelo contrário, durante mais de 31 anos desenvolveram ininterruptamente tal actividade.
58. – As deteriorações, algumas próprias do decurso do tempo e outras, seguramente, por imprudência dos recorridos, não obstaram à privação do locado para o fim que as partes destinaram no contrato de arrendamento.
59. – O locatário está obrigado a “Não fazer dela uma utilização imprudente” – artigo 1038.º, aliena d), do CC. Tal obrigação é desenvolvida no artigo 1043.º do mesmo diploma legal.
60. – Ocorrendo deteriorações no do locado, a lei faz presumir a responsabilidade do locatário. Presunção iludível se for demonstrada que essa deterioração não lhe pode ser assacada.
61. – A lei impõe, por conseguinte, que o locatário seja diligente e faça uma utilização prudente da coisa locada. Não o fazendo será responsável por violação das obrigações que legalmente lhe são impostas.
62. – Desde logo, comunicar ao locador os vícios da coisa locada e as deteriorações próprias do decurso do tempo.
63. – Comunicar ao locador as reparações, bem como quaisquer obras ordenadas pela Autoridade Pública – artigo 1038.º, alínea e), do CC.
64. – O incumprimento desta obrigação pelo locatário faz com que o locador deixe de responder pelos vícios da coisa locada – artigo 1033.º, alínea d), do CC.
65. – Verificase incumprimento definitivo da obrigação por parte dos recorridos, que permiti, por isso e também, por parte dos recorrentes, o direito de resolverem o contrato – artigos 432.º e ss. e 801.º, n.º 2, do CC.
66. – O locado não se encontra, nítida e visivelmente nas mesmas condições em que foi entregue.
67. – Encontramonos, sem dúvidas, perante um novo locado, completamente transformado.
68. – Apesar da sentença recorrida ter entendido “O Tribunal considera que tais obras não eram urgentes”, não são substanciais, perguntase: se tal alteração, não urgente, portanto, não necessária ao exercício da actividade desenvolvida pelos recorridos, não é substancial, o que é então substancial?
69. – Que obras mais seria preciso executar/alterar no locado conceder ao locador/recorrentes o direito à resolução do contrato?
70. – Tal alteração ocorreu sem consentimento e conhecimento dos recorrentes, sem que tenha sido obtido licenciamento e, ainda, sem que as mesmas tenham sido consideradas urgentes.
71. – Tal conduta, no nosso entender e contra o que se sentenciou, é fundamento da resolução do contrato.
72. – Padece, assim, a sentença recorrida de nulidade e/ou no mínimo de erro de julgamento, por violação dos seguintes preceitos normativos: artigos 615.º, n.º 1, alínea b), do NCPC, e artigos 1038.º, alíneas d) e h), 1043.º, n.ºs 1 e 2, 1073.º, n.º 2, 1074.º, n.ºs 1 e 2, 1083.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil.»
Termina afirmando que “deve a sentença proferida ser declarada nula e, proferido acórdão que considere a acção totalmente procedente por provada, ou caso assim não se entender deve ser proferido acórdão que revogue a sentença proferida pelo Tribunal a quo e substituindose por outra que julgue a acção totalmente procedente por provada e, consequentemente, condene os recorridos nos pedidos.
2.2 Os réus vieram responder, refutando os fundamentos enunciados pelo recorrente e concluindo que se deve manter na íntegra a decisão recorrida, negando-se provimento ao recurso.
3. Colhidos os vistos e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pelos apelantes definem a matéria que é objecto de recurso e que cabe aqui precisar, em face do que se impõe decidir as seguintes questões essenciais:
● A nulidade da sentença.
● A impugnação da matéria de facto.
● A pretendida existência de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento e despejo imediato do locado e, na afirmativa, quais as consequências daí decorrentes, em atenção aos pedidos formulados.
II)
Fundamentação
1. A alegada nulidade da sentença.
O recorrente afirma a nulidade da sentença recorrida, invocando o disposto nos artigos 205.º da Constituição e 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil, na redacção actual, resultante da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
Nos termos do artigo 607.º do Código de Processo Civil, impõe-se na sentença a respectiva fundamentação, com a discriminação dos factos que se consideram provados e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes; na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (n.º 4); o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (n.º 5).
É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [artigo 615.º, n.º 1, alínea b)], os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [alínea c) da mesma norma].
A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não se basta com a existência de uma fundamentação que seja incompleta ou deficiente ou que, por qualquer modo, não seja convincente, casos em que se poderá questionar o mérito da própria decisão e a procedência dos seus argumentos, mas não afirmar a sua nulidade. O dever de fundamentação decorre do princípio consagrado do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República, nos termos do qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, reiterando-se o referido princípio no artigo 154.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, onde se diz que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
Esta exigência vem desde o início do referido diploma – integrando o artigo 158.º, n.º 1, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho – e é óbvia a sua razão de ser: a apreciação do acerto ou do desacerto da decisão proferida e a sua eventual impugnação por via de recurso só é possível com o conhecimento dos seus fundamentos de facto e de direito. No ensinamento já antigo – mas ainda actual – de Alberto dos Reis, “a parte vencida carece de ser convencida, isto é, de conhecer as razões do seu insucesso, para que possa atacá-las por via de recurso, se quiser e puder recorrer”, sendo que, “desde que o nosso sistema é o de legalidade, o juiz tem de demonstrar que decidiu em conformidade com a lei” (“Código do Processo Civil Anotado”, volume I, Coimbra Editora, página 284, em anotação ao artigo 158.º); mas o mesmo autor salientava, relativamente à nulidade: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” (obra citada, volume V, página 140, em anotação ao artigo 668.º).
No caso dos autos, é certo que a sentença não é exemplar no que diz respeito à fundamentação da matéria de facto, na medida em que, explicitando os elementos de prova relevantes para a decisão proferida, onde se incluem os documentos e o relatório pericial que menciona, bem como os depoimentos de parte dos réus e os depoimentos das diferentes testemunhas inquiridas em audiência, mencionando quanto a estes os trechos dos respectivos relatos a que o tribunal deu relevância, não pormenoriza de modo explícito os elementos decisivos quanto a cada um dos quesitos.
Este facto, no entanto, não determina necessariamente a nulidade da sentença, pelas razões que acima se deixaram sumariamente enunciadas.
E no caso em discussão, apesar dos termos em que se concretizou a fundamentação, não está impedida a efectiva compreensão das razões que determinaram o tribunal a julgar provados e não provados os factos que integram cada um dos diferentes quesitos, ou provados com restrições ou com menções explicativas, não havendo razão consistente para afirmar a nulidade da sentença.
Assim, o recurso improcede nesta parte.
2. A impugnação da matéria de facto.
2.1 Nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, vigente na data em que foi proferida a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, esta deve ser alterada, em sede de recurso, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa; e pode ser alterada pela Relação se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 640.º, a decisão proferida com base neles.
Importa ter presente a prevalência do princípio da liberdade de julgamento, consagrado no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, antes citado e nos termos do qual o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Mas não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.
Por isso, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais; naquilo que aqui interessa, só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
“A efectivação do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância – um novo julgamento, no sentido de produzir, ex novo, respostas aos quesitos da base instrutória –, mas, apenas, verificar, mediante a análise da prova produzida, nomeadamente a que foi objecto de gravação, se as respostas dadas pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2007 (disponível em www.dgsi.pt, processo 06S3540).
Assim, as disposições em causa não visam propriamente a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova, como parece pretender o recorrente (cf. conclusão 41), tendo antes em vista um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que o recorrente assinala.
Impõe-se a este que, pretendendo recorrer da matéria de facto, cumpra certas exigências que, constando agora no artigo 640.º do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, já integravam o artigo 685.º-B do Código de Processo Civil na redacção anterior, em termos genericamente idênticos.
Naquela norma estabelece-se que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados [n.º 1, alínea a)], os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [n.º 1, alínea b)] e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [n.º 1, alínea c)], sendo que, no caso previsto na alínea b), quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [n.º 2, alínea a)] e que, independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes [n.º 2, alínea b)].
Como resulta da norma e da respectiva epígrafe, a exigência em causa reporta-se aos casos em que o recorrente impugne a decisão relativa à matéria de facto, o que se verifica quando entende que o tribunal, erradamente, julgou provados concretos factos que, na sua perspectiva, não resultaram provados ou, inversamente, julgou não provados factos que, na leitura que faz da prova, deviam ter sido julgados provados ou ainda quando, por qualquer forma, entende que um concreto facto não se demonstrou nos precisos termos em que o tribunal o afirma, com a consequente alteração da redacção do parágrafo relativo a esse facto.
Decorre da letra da lei que não se impõe que o recorrente proceda à transcrição dos excertos dos depoimentos que considere relevantes (o que é meramente facultativo) e muito menos que transcreva integralmente os depoimentos; o que se exige é que, mesmo sem qualquer transcrição, identifique com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, de modo a permitir ao tribunal de recurso, perante a audição da gravação efectuada, a localização dessas concretas passagens que o recorrente considera relevantes. O programa de gravação permite este procedimento, na medida em que regista e publicita continuamente o momento da audição, cujos valores se obtêm pela simples observação.
2.2 Reportando-nos ao caso dos autos, o recorrente pretende que o tribunal errou relativamente aos quesitos 1.º e 48.º, 2.º e 7.º, 13.º e 16.º, 19.º e 49.º a 51.º e que, quanto aos quesitos 3.º a 7.º, deu respostas que não espelham toda a verdade.
Ao questionar as respostas a estes quesitos, pretendendo que os mesmos se julguem provados, o recorrente transcreve trechos dos depoimentos de parte dos réus e de algumas das testemunhas inquiridas em audiência, dos quais entende que resulta sustentação suficiente para as respostas pretendidas.
Ao consignar os aludidos trechos dos depoimentos e apesar da respectiva gravação, não explicita adequadamente a localização dos mesmos, na certeza de que, como antes se assinalou, a audição da gravação feita em sistema informático exibe continuamente o concreto momento da gravação.
2.2.1 Sem prejuízo das limitações que daí decorrem e no que diz respeito aos quesitos 1.º e 48.º, indagava-se nestes o seguinte:
Quesito 1.º, extraído de matéria alegada pelos autores: “Sem consentimento e conhecimento dos autores, em Janeiro de 2011, os réus deram início à execução de obras no arrendado?”
Quesito 48.º, extraído de matéria alegada pelos réus: “Ao mesmo tempo que realizavam as obras de reparação do locado, os réus deram delas conhecimento aos autores?”
Relativamente à matéria do quesito 1.º e como antes se deixou enunciado, o tribunal julgou provado que: “Sem consentimento e conhecimento prévio dos autores, em Janeiro de 2011, os réus deram início à execução de obras no arrendado”.
Quanto à matéria do quesito 48.º, o tribunal julgou provado que: “Durante a 1.ª semana que iniciaram a realização das obras de reparação do locado, os RR deram delas conhecimento aos AA”.
O recorrente pretende que o quesito 1.º devia ter sido julgado “provado”, sem quaisquer restrições ou aditamentos, e o quesito 48.º, “não provado”. Para o efeito, remete para trechos que transcreve dos depoimentos de parte dos réus e do depoimento da testemunha H…, ainda que sem precisar a sua localização.
É pacífico que os réus procederam à concretização de obras no espaço de que são locatários e onde se situa o estabelecimento de café que exploram e a que se reportam os autos.
Os réus afirmam a comunicação da realização de obras ao senhorio, reportando-se ao documento cuja cópia faz fls. 225. Este documento (carta redigida em processador de texto), assinado pelo réu F… e dirigido ao autor C…, tem aposta data nos seguintes termos: “3 de Janeiro de 2011-01-07”.
Em depoimento de parte, os réus afirmam que encarregaram o respectivo contabilista de redigir a carta dirigida ao senhorio, a comunicar a realização de obras; o réu F… confirma ter assinado a carta, não resultando dos depoimentos ou do próprio documento que a missiva em causa tenha sido efectivamente expedida em 3 de Janeiro e, em qualquer caso, antes dos réus terem iniciado as obras.
A testemunha H… relatou as circunstâncias em que ela e os autores, alertados por vizinhos, em 3 de Janeiro de 2011, de que se realizavam obras no estabelecimento de café, para aí se dirigiram cerca de três dias depois, confirmando a existência das obras. A testemunha relatou que só alguns dias depois dessa deslocação e da reunião com os inquilinos é que foi recebida a carta antes referida (cf. momento 07m:38s da gravação do respectivo depoimento) e que pelos autores nunca foi dado consentimento a essas obras (momento 08m:15s).
A ponderação destes elementos justifica as respostas dadas aos quesitos em referência, pelo Tribunal a quo, na certeza de que, como afirma o recorrente, os autores não tiveram, notoriamente, conhecimento prévio da execução das obras feitas no locado pelos réus/recorridos. A resposta restritiva dada ao quesito 1.º não prejudica essa afirmação, nem a relevância do conhecimento.
Sem prejuízo e no sentido de uma maior precisão quanto aos concretos termos da aludida comunicação, justifica-se que, na resposta ao quesito 48.º, se precisem os mesmos, com referência explícita ao documento que a materializa.
Assim, justifica-se a alteração da resposta ao quesito 48.º, nos seguintes termos: “Durante a 1.ª semana em que iniciaram a realização das obras de reparação do locado, os réus deram delas conhecimento aos autores, nos termos documentados a fls. 225”.
2.2.2 Os quesitos 2.º e 7.º.
Indagava-se nos quesitos 2.º e 7.º se os réus, no âmbito das obras que executaram no arrendado, demoliram uma parede que servia de apoio a todo o edifício, designadamente aos pisos superiores destinados a habitação (2.º) e se executaram uma nova parede divisória em “pladur”, em substituição da primitiva, mas não exactamente no mesmo local (7.º).
O tribunal julgou não provada a matéria destes dois quesitos; o recorrente pretende que se julgue provado que no âmbito das obras os réus demoliram uma parede que servia de divisória (2.º) e que executaram uma nova parede divisória, em substituição da primitiva, com espessura diferente e outros materiais e entraram na viga, deixando esta com o esqueleto à mostra (7.º).
Sustenta este entendimento nos seguintes termos:
Em audiência de discussão e julgamento, no decurso do depoimento da testemunha I…, o Sr. Juiz afirmou que, no que diz respeito à relevância da prova, só excepcionalmente é que altera o que consta no relatório pericial, nomeadamente se a perícia não respondeu ou é ambígua, podendo então a prova testemunhal servir como conclusão de esclarecimentos; no relatório pericial consta, nesta matéria: “A parede demolida era construída em alvenaria de tijolo cerâmico de 11 cm de espessura de acordo com o registo fotográfico em posse do perito do réu que se anexa. A data da vistoria os peritos verificaram no local que a parede construída tem uma espessura de 37 cm, cuja natureza construtiva poderá ser em tijolo cerâmico e/ou alvenaria de bloco de cimento revestido a reboco de gesso. A confirmação carece de ensaios destrutivos. Atendendo ao facto de ambas as situações o elemento construtivo ser por nós considerado uma parede divisória “não estrutural”, logo esta mantida a garantia de segurança”.
Os réus, em depoimento de parte, confirmaram a demolição da parede e a sua reconstrução, afirmando que foi reconstruída com os mesmos materiais cerâmicos e colocada no mesmo sítio.
A testemunha H… confirmou a demolição da parede e a sua reconstrução, afirmando que entraram na viga de sustentação do prédio.
O recorrente pretende que, apesar de resultar destes elementos que, no âmbito das obras, os réus demoliram uma parede e em substituição da demolida executaram uma outra, com espessura e materiais diferentes, o Tribunal a quo deu tais factos como não provados – o que repudia, dado que tais respostas não espelham a verdade dos factos, sendo entendimento doutrinal e jurisprudencial que as respostas à matéria de facto, para além de positivas ou negativas, podem ser também restritivas e/ou explicativas, não podendo a explicação ir além do âmbito da matéria, não ofendendo o princípio do dispositivo as respostas explicativas à matéria que incluem factos instrumentais não alegados.
Importa começar por salientar que nos quesitos em referência, perante a matéria alegada pelos autores, não estava em causa a demolição de uma parede divisória e a sua reconstrução com material diverso, mas antes a demolição de uma parede de apoio do edifício, designadamente de apoio aos pisos superiores destinados a habitação e a execução, em substituição da primitiva, de uma nova parede meramente divisória, em “pladur” e não exactamente no mesmo local.
Restringindo-nos a este enquadramento e perante os elementos enunciados pelo próprio recorrente, as respostas aos quesitos só podiam ser negativas.
Importa verificar se se justificam as respostas pretendidas pelo recorrente. É pacífico que a parede foi demolida pelos réus no âmbito das obras a que se reportam os autos e por eles reconstruída, face à oposição dos autores; os próprios réus o admitem em depoimento de parte, conforme antes se deixou assinalado (momentos 05m:15m do depoimento do réu F… e 01m:45s do depoimento do réu G…).
Não se demonstra que a parede fosse de sustentação, de apoio do edifício, mas apenas divisória; os réus refutam tal facto e o relatório pericial também o contradiz.
A parede foi reconstruída, sem que se demonstre que tenha sido alterada a sua localização e materiais usados; os réus afirmam que a nova parede foi construída no mesmo sítio da parede primitiva, não sendo este facto alterado pelo relatório pericial; quanto aos materiais utilizados, os réus afirmam a utilização de material novo, mas consubstanciando materiais cerâmicos iguais aos existentes (momentos 08m:20m do depoimento do réu F… e 05m:53s do depoimento do réu G…); também aqui o relatório pericial não contraria de forma consistente a alteração de materiais; afirmando que a parede demolida era construída em alvenaria de tijolo cerâmico, admite depois que a parede reconstruída o foi com material cuja natureza construtiva poderá ser em tijolo cerâmico e/ou alvenaria de bloco de cimento revestido a reboco de gesso, carecendo a confirmação de ensaios destrutivos – que não foram realizados.
A testemunha H…, relativamente à reconstrução da parede, afirmou que entraram na viga de sustentação do prédio (05m:40s); este facto não é confirmado por outros elementos de prova, não se evidenciando fundamento consistente para acolher tal afirmação.
Justifica-se por isso que, relativamente à matéria dos quesitos 2.º e 7.º se julguem provados os seguintes factos:
«No âmbito dessas obras, demoliram uma parede divisória» (2.º).
«Executaram uma nova parede divisória, em substituição da primitiva» (7.º).
2.2.3 Os quesitos 13.º e 16.º.
Indagava-se no quesito 13.º se os réus “alteraram as redes de abastecimento de água, gás e de drenagem de águas residuais”.
O tribunal julgou provado que “substituíram as redes de abastecimento de água, gás e de drenagem de águas residuais”.
O recorrente defende que a resposta a esta matéria deve ser “provado”, afirmando não perceber onde se alicerçou o tribunal para concluir nos termos da resposta dada, tendo em conta que, “se substituíram é porque alteraram/trocaram”.
Não se vê que haja fundamento para a pretendida alteração da resposta dada a este quesito, de onde resulta aliás uma maior precisão quanto à intervenção dos réus no que diz respeito às redes de abastecimento de água, gás e de drenagem de águas residuais, na medida em que, além dos materiais (que foram seguramente trocados por materiais novos), não se demonstra que tenha havido alteração de outros elementos relevantes, nomeadamente o traçado das referidas redes.
No quesito 16.º indagava-se se os réus “alteraram a fachada do locado e o acesso às traseiras do estabelecimento”.
O tribunal julgou provado, em relação a este quesito, que “substituíram os materiais da fachada do locado por outros novos”.
O recorrente defende que, também em relação a este quesito, a resposta deve ser “provado”, afirmando que o tribunal a quo não considerou o licenciamento que foi requerido pelos recorridos e emitido, já no decurso da audiência de discussão e julgamento, de onde resulta que a fachada foi alterada, sendo esse o motivo para o licenciamento.
O recorrente reporta-se ao documento de fls. 373, constituindo alvará de licenciamento de obras, onde se dá conta de que as obras foram aprovadas por despacho de 23 de Outubro de 2013, configurando “Alteração de Fachada” e encontrando-se concluídas.
Deste documento resulta a consideração das obras da fachada como alteração à mesma, não esclarecendo no entanto os concretos termos em que se traduz essa “alteração de fachada”.
Dos restantes elementos de prova, especificamente, dos depoimentos das testemunhas inquiridas, resulta que as alterações em causa se traduziram, essencialmente, na substituição dos materiais e do efeito daí decorrente que justifica a necessidade de licenciamento.
Como se assinala na sentença recorrida, a testemunha J… afirma que a fachada manteve-se quase na mesma; esta testemunha, admitindo que o material seja diferente, afirmou não saber precisar os concretos termos dessa diferença (cf. momento 04m:58s da respectiva gravação).
Ainda nos termos da sentença recorrida e que não são questionados pelo recorrente, a testemunha AB…, esposa do autor, afirmou, nos termos mencionados na sentença que a fachada agora está com alumínio anodizado e antes era em branco, em monobloco e agora tem janela e porta ripada em alumínio, relatando a testemunha K:.., arquitecta da Câmara Municipal, que a alteração da fachada foi apenas a nível de caixilharia, tendo sido colocados três vidros em vez dos dois que lá estavam e afirmando a testemunha L..., quanto à fachada, que mudaram os vidros.
Da ponderação destes elementos resulta que a alteração efectuada na fachada do estabelecimento de café se traduziu em substituição dos materiais e do efeito visual daí decorrente, determinando a necessidade de licenciamento, justificando-se a alteração da redacção de modo a conjugar o que resulta do documento mencionado pelo recorrente (quanto à alteração que justifica a necessidade de licenciamento) e dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
Assim, justifica-se a alteração da resposta ao quesito 16.º, nos seguintes termos: “[Os réus] alteraram a fachada do locado, o que se consubstanciou na substituição dos materiais por outros novos”.
2.2.4 No quesito 19.º indagava-se, com referência às obras realizadas pelos réus, se as mesmas foram executadas sem o competente licenciamento camarário.
O tribunal julgou nos seguintes termos: “Provado com o esclarecimento de que o licenciamento não era necessário, com excepção da fachada a qual foi concedida após a realização das obras”.
O recorrente, relativamente a este quesito, pretende que o tribunal devia ter julgado “provado”, sem qualquer restrição.
Reporta-se para o efeito ao relatório pericial que integra os autos e onde consta: “As obras executadas no estabelecimento em causa teriam de ser objecto de licenciamento na Câmara Municipal …”, referindo-se os peritos – todos engenheiros – a todas as obras executadas no locado, sem destrinça entre obras no interior do locado e na fachada do mesmo.
Menciona depois o depoimento de parte do réu F… e o depoimento da testemunha K…, pretendendo que o tribunal recorrido extrapolou na resposta a esta matéria, dado que da conjugação da prova resultante do relatório pericial, dos documentos e dos depoimentos prestados, se conclui exactamente o oposto.
É certo que as obras realizadas pelos réus foram executadas sem licenciamento camarário.
Sem prejuízo do teor do relatório pericial antes referido, importa ponderar também, além do depoimento do réu F…, dando conta de que, tendo tratado do licenciamento na Câmara Municipal, aí lhe foi comunicado por técnico camarário que o tipo de obras de conservação efectuadas no estabelecimento não necessitavam de licenciamento (16m:33s), o relato da testemunha K…, funcionária camarária que, nessa qualidade, teve alguma intervenção nos factos em discussão.
Menciona-se na sentença recorrida, relativamente a esta testemunha:
«A testemunha K…, arquitecta da Câmara Municipal, referiu que frequentava o café desde Setembro de 2007, o gabinete da Câmara realizou o projecto das obras do locado no âmbito de um programa de apoio aos comerciantes.
(…) Apenas as obras de fachada é que precisavam de licenciamento, tendo sido colocados 3 vidros em vez de dois que lá estavam.
(…) O alvará não tem nada a ver com o projecto da obra.
A alteração da fachada foi apenas a nível de caixilharia».
Evidenciando conhecer as obras efectuadas no estabelecimento, caracterizou as mesmas como obras de conservação, salientando que, perante as concretas obras realizadas, apenas as de fachada é que precisavam de licenciamento, perante as alterações de caixilharia aí efectuadas (07m:40s).
Perante os elementos enunciados não se vê que haja censura a fazer quanto à resposta dada a este quesito.
2.2.5 Relativamente aos quesitos 49.º a 51.º, o recorrente pretende que a resposta a todos eles devia ter sido “não provado”.
Nestes quesitos indagava-se se o locado já não era objecto de qualquer intervenção ao nível de obras de conservação, ou de outra natureza, desde há pelo menos 42 anos (49.º) e se, desde que os réus exploram o estabelecimento, os autores sempre lhes negaram autorização para a realização de obras de conservação do locado (50.º), não obstante conhecerem do seu estado (51.º).
O tribunal, quanto a esta matéria, julgou provado que o locado já não era objecto de qualquer intervenção ao nível de obras de conservação, ou de outra natureza, desde há cerca de 40 anos, não obstante os autores conhecerem o estado degradado do estabelecimento.
Do confronto dos parágrafos antecedentes resulta que, no essencial, não se provou quanto a esta matéria que os réus, desde que exploram o estabelecimento, tendo solicitado aos autores autorização para a realização de obras de conservação do locado, sempre a tenham visto negada.
O recorrente reporta-se aos depoimentos de J… e M… (resulta de um manifesto lapso de escrita a indicação que faz dos nomes de N… e O…), pretendendo que dos mesmos resulta que não é verdade que o locado não tenha sido objecto de qualquer intervenção, não resultando ainda da prova produzida que os senhorios tivessem conhecimento do “estado degradado do estabelecimento”, nunca tendo sido interpelados para quaisquer obras.
A primeira das testemunhas conhece o café a que se reportam os autos, desde o seu início; esclareceu que está naquela zona há cerca de quarenta anos, sendo frequentador esporádico do café, uma a duas vezes por mês (00m:56s). Numa deslocação recente, constatou a realização de obras, que o café “está bonito” (01m:25s). Questionado sobre a configuração do interior do café, afirmou que lhe pareceu que, com ligeiras alterações no espaço, estava “sensivelmente a mesma coisa”, estando um café melhor, mais novo (01m:56s a 02m:30s). Relativamente à fachada, afirmou que mantém os painéis de vidro, não sabendo no entanto se o material é o mesmo e admitindo que seja diferente; o estabelecimento não era moderno, não estando no entanto a cair; quando lá ia, via lá sempre pessoas, mas “as pessoas deixarão de ir a cafés que não têm boa aparência” (08m:12s a 08m:23s), admitindo que gostam de coisas mais modernas. Relativamente a obras, afirmou não se recordar de terem sido realizadas, admitindo, sem ter a certeza, ter havido uma “intervenção qualquer” nos quartos de banho e afirmando que as casas só resistem quarenta anos se as pessoas mantiverem as coisas minimamente aceitáveis” (11m:09s).
A segunda das testemunhas, esclarecendo trabalhar como canalizador, com formação profissional nessa actividade, relatou que foi duas vezes ao café a que se reportam os autos, efectuar reparações, sendo uma na casa de banho, onde foi substituir uma bicha no autoclismo, acabando por ter de fazer uma adaptação num passador que se encontrava completamente bloqueado (02m:58s) e outra na cozinha, onde pingava um tubo (07m:42s).
A ponderação dos depoimentos destas testemunhas não legitima a alteração pretendida das respostas dadas pelo tribunal à matéria dos quesitos 49.º a 51.º.
Não resulta dos depoimentos a existência de obras de conservação do prédio, especificamente, do respectivo rés-do-chão, onde se encontra o café. A testemunha M… dá conta de duas reparações efectuadas no café; reporta-se no entanto a trabalhos de reparação e não a trabalhos de manutenção ou de conservação do edifício. A testemunha J…, expressando bastante dúvida, menciona uma intervenção nos quartos de banho; admitindo que se verificou intervenção, nada permite afirmar que não tenha sido aquela que é mencionada pela testemunha M….
Ambas as testemunhas, ainda que sem afirmarem a existência de estado de ruína, mencionam a degradação do edifício pelo decurso de períodos que estimam em 20 e 40 anos. E se é certo que a testemunha J…, frequentador esporádico do café, confirmou que nunca viu chover no interior do mesmo (momento 08m:36s do respectivo depoimento), é igualmente seguro que a testemunha I…, afirmando que o estado do café não era propriamente degradante, relatou que evidenciava o facto de, em quarenta anos, nunca ter sido sujeito a quaisquer obras, chegando a ver uma vez a chover lá dentro (momento 02m:24s a 02m:40s do respectivo depoimento); relativamente às obras em discussão nos autos afirmou que vieram melhorar a situação (02m:47s). A referência a chuva/infiltração de água no interior do estabelecimento é compatível com o relato da testemunha M…, relativamente a uma das reparações que fez.
A existência de problemas resultantes da deterioração verificada com o decurso do tempo é afirmada por outras testemunhas, nos termos assinalados na sentença recorrida, mencionando as testemunhas P…, K…, Q…, L… e S… a existência de infiltrações de água e, algumas delas, a deterioração das canalizações e a existência de maus cheiros, cheiros a mofo ou a esgotos.
A descrição feita pelas testemunhas, nos termos que se deixam sumariamente mencionados e naqueles que se assinalam na sentença recorrida, não é contrariada ou por qualquer modo posta em causa pela afirmação feita na sentença, de que o Tribunal considera que as obras não eram urgentes.
A descrição feita evidencia uma situação de conhecimento geral, em face do que não tem sustentação a afirmação dos autores de não terem conhecimento da situação do estabelecimento.
Conclui-se por isso que não há fundamento para a alteração da resposta dada aos quesitos 49.º a 51.º.
2.2.6 Finalmente, em relação aos quesitos 3.º a 7.º, o recorrente pretende que deve ser mantido o vocábulo “destruíram”, sob pena de não se espelhar aí toda a verdade.
Nos quesitos 3.º a 6.º indagava-se se os réus destruíram todas as portas interiores (3.º), se destruíram as portas e janelas do exterior (4.º), se destruíram as casas de banho e a cozinha (5.º) e se destruíram as canalizações, a instalação da rede eléctrica e os tectos falsos (6.º); relativamente a esta matéria, o tribunal recorrido julgou provado que os réus substituíram todas as portas interiores por outras novas (3.º), substituíram as portas e janelas do exterior por outras novas (4.º), as casas de banho e a cozinha foram remodeladas com novos materiais (5.º) e substituíram as canalizações, a instalação da rede eléctrica e os tectos falsos por outros novos (6.º).
No quesito 7.º, como antes se mencionou, indagava-se se os réus executaram uma nova parede divisória em “pladur”, em substituição da primitiva, mas não exactamente no mesmo local. Este quesito não integra a matéria aqui questionada pelos recorrentes, na medida em que no texto do mesmo não está em causa a destruição (onde, aliás, não consta sequer a afirmação pretendida pelo recorrente), mas antes, quanto à construção da nova parede divisória, alegadamente a utilização de outro material e a construção em local diverso, relativamente à parede primitiva; não se vê por isso que haja fundamento para a alteração nos termos aqui pretendidos pelo recorrente.
Relativamente aos quesitos 3.º a 6.º, o recorrente afirma que recusa aceitar que se tenha procedido à alteração do vocábulo “destruíram” por “substituíram”, porque “as palavras devem ser aquilo que são”. “Destruir” significa: “aniquilar”, “arrasar”, “arruinar”, “demolir”, “desfazer”. “Substituir” significa: “mudar”, “trocar”, “pôr no lugar de”. No caso, para se poder substituir as portas, janelas, casas de banho, cozinha, canalizações, instalações eléctricas, implicou, primeira e necessariamente a destruição, a demolição das préexistentes. Sem a destruição/demolição do que existia jamais seria exequível procederse à colocação/troca por outras. Assim, deve ser mantido o vocábulo “destruíram”.
Entende ainda relevante a análise do entendimento do juiz a quo no que respeita à referida palavra, transcrevendo um trecho do depoimento de parte do réu F… (que não localiza); no trecho transcrito, situado entre 05m:20s e 06m:50s, sensivelmente, sendo-lhe perguntado se destruíram as portas interiores e as postas e janelas exteriores, o réu afirma que todas elas estavam podres e em mau estado; o senhor juiz, perante o relato do réu, questiona que “isto é verdade, só que o senhor diz que fizeram isto porque elas estavam velhas e, por isso, tiveram que ser substituídas”, ao que o réu responde: “exactamente”. A afirmação antes transcrita, de que “as palavras devem ser aquilo que são”, reproduz afirmação do próprio juiz, no decurso da inquirição do réu e após questionar o mesmo nos termos que antecedem, ao que o réu admitiu ainda (06m:59s a 07m:50s) que substituíram toda a louça sanitária das casas de banho, mantendo tudo no local onde antes existia, bem como a canalização, rede eléctrica e tectos falsos, justificando tais trabalhos pela degradação dos materiais, assinalando, relativamente às tubagens, serem materiais com 50 a 60 anos, tudo calcinado.
Esta descrição – particularmente no que diz respeito à degradação das instalações, incluindo portas e casas de banho – é confirmada pelo relato de diferentes testemunhas, mencionadas na sentença recorrida, em sede de motivação. Salienta-se na mesma que, no que concerne às obras, a sua realização foi evidente pelos depoimentos de parte dos réus, sendo igualmente evidente que o locado já não sofria obras de melhoria há cerca de 40 anos e se encontrava num estado bastante deteriorado, tendo em conta, aliás, as funções do mesmo, remetendo para os depoimentos das testemunhas arroladas pelos réus.
A palavra “destruição” tem um alcance essencialmente negativo que não espelha a totalidade do que ocorreu no café a que se reportam os autos, em resultado do comportamento dos réus que aqui se discute. Dos elementos enunciados resulta que a intervenção dos réus, sem prejuízo da apreciação da sua relevância e implicações, não se reconduz a actos de destruição do locado ou de parcelas e equipamentos do mesmo, mas antes à realização de trabalhos de remodelação, com a remoção de portas e equipamentos sanitários e a sua substituição por equipamentos novos.
Não há por isso censura a fazer ao tribunal recorrido quanto a este ponto, não se justificando a pretendida substituição das respostas aos quesitos 3.º a 7.º.
3. Factos relevantes.
Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os factos que foram julgados provados na sentença recorrida, com as alterações decorrentes do que anteriormente se deixou enunciado na apreciação da impugnação da matéria de facto. Assim:
1) Pela ap. 1 de 2008/01/29, encontra-se inscrita no registo em favor de C… (casado com T… no regime de comunhão de adquiridos), U…, D… (casada com E…), B… e V…, a aquisição, por partilha aberta por óbito de AB…, do prédio urbano situado na …, na freguesia e concelho de Sabrosa, composto de casa de sobrado de rés-do-chão, primeiro andar e quintal, a confrontar de Norte com W…, de Sul com …, de Nascente com Rua … e de Poente com …, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 290.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sabrosa sob o n.º 637/1991010. [alínea A) da especificação]
2) Por escritura pública denominada de “trespasse”, outorgada no dia 5 de Janeiro de 1980, no Cartório Notarial do concelho de Sabrosa, em que intervierem X… e esposa Y… e os aqui réus, respectivamente na qualidade de primeiros e segundos outorgantes, declararam os primeiros, na qualidade de donos e legítimos possuidores de um estabelecimento comercial de café, bebidas e análogos, instalado no prédio referido em 1), trespassar aos segundos, em comum e partes iguais, o sobredito estabelecimento, no conjunto e complexo das suas instalações, utensílios, mercadorias e todos os demais direitos que o integram, designadamente o de transmissão da posição de arrendatário. [alínea B) da especificação]
3) Desde então, na qualidade de arrendatários, os réus vêm explorando, nas instalações do prédio referido em 1), o estabelecimento comercial denominado “Z…”. [alínea C) da especificação]
4) Os réus realizaram obras no locado onde se encontra instalado o estabelecimento comercial que exploram. [alínea D) da especificação]
5) Sem consentimento e conhecimento prévio dos autores, em Janeiro de 2011, os réus deram início à execução de obras no arrendado. [resposta ao quesito 1.º]
5-A) No âmbito dessas obras, demoliram uma parede divisória. [resposta ao quesito 2.º]
6) Substituíram todas as portas interiores por outras novas. [resposta ao quesito 3.º]
7) Substituíram as portas e janelas do exterior por outras novas. [resposta ao quesito 4.º]
8) As casas de banho e a cozinha foram remodeladas com novos materiais. [respostas aos quesitos 5.º e 9.º]
9) Substituíram as canalizações, a instalação da rede eléctrica e os tectos falsos por outros novos. [respostas aos quesitos 6.º e 10.º]
9-A) Executaram uma nova parede divisória, em substituição da primitiva. [resposta ao quesito 7.º]
10) Remodelaram as casas de banho, com instalação de nova loiça sanitária. [resposta ao quesito 8.º]
11) Fizeram uma pré-instalação de sistema de som geral composto por seis colunas. [resposta ao quesito 11.º].
12) Colocaram no tecto falso um kit de iluminação permanente de emergência. [resposta ao quesito 12.º]
13) Substituíram as redes de abastecimento de água, gás e de drenagem de águas residuais. [resposta ao quesito 13.º]
14) Colocaram novas portas e instalaram ar condicionado no interior do estabelecimento. [resposta ao quesito 14.º]
15) Colocaram um sistema de exaustão cujas condutas passam pelo desvão entre o tecto falso do rés-do-chão e o sobrado do primeiro andar, sendo este desvão pertencente ao piso do rés-do-chão. [resposta ao quesito 15.º]
16) Alteraram a fachada do locado, o que se consubstanciou na substituição dos materiais por outros novos. [resposta ao quesito 16.º]
17) Substituíram as portas e janelas por outras novas no exterior do rés-do-chão. [resposta ao quesito 17.º]
18) As obras executadas pelos RR. visaram embelezar o estabelecimento e o bom funcionamento do espaço. [resposta ao quesito 18.º]
19) As obras realizadas foram executadas sem o competente licenciamento, o qual não era necessário, com excepção da fachada, a qual foi concedida após a realização das obras. [resposta ao quesito 19.º]
20) Com a conduta dos réus, os autores sentiram-se desrespeitados. [resposta ao quesito 23.º]
21) Em momento anterior à realização das obras mencionadas em 4), existia infiltração de águas pluviais no estabelecimento. [resposta ao quesito 24.º]
22) O cheiro a esgoto brotava das sanitas. [resposta ao quesito 25.º]
23) As casas de banho não dispunham de sistema de ventilação. [resposta ao quesito 26.º]
24) Como as sanitas entupiam frequentemente, a água e os dejectos delas provenientes inundavam o estabelecimento. [resposta ao quesito 27.º]
25) As casas de banho (homens e mulheres) não estavam fechadas até ao tecto, havendo aí uma abertura de 50 cm e uma única luz que servia ambas. [resposta ao quesito 28.º]
26) As loiças sanitárias estavam encardidas, partidas e rachadas, vertendo e não vedando os líquidos. [resposta ao quesito 29.º]
27) As portas do estabelecimento estavam apodrecidas, empenadas e com as fechaduras avariadas. [resposta ao quesito 30.º]
28) Mercê da sua vetustez, os azulejos da cozinha estavam partidos, encardidos e a desfazer-se devido ao salitre. [resposta ao quesito 31.º]
29) Os tubos de água pingavam e vertiam água. [resposta ao quesito 32.º]
30) A água que brotava das torneiras saía com ferrugem em razão dos canos se encontrarem oxidados. [resposta ao quesito 33.º]
31) O tubo de água principal estava arrebentado. [resposta ao quesito 34.º]
32) Os fechos da generalidade das portas do estabelecimento não funcionavam. [resposta ao quesito 35.º]
33) As paredes de arrecadação apresentavam aberturas por entre as pedras de granito que constituíam as suas paredes laterais, permitindo a entrada de água, vento e frio. [resposta ao quesito 36.º]
34) Havia deficiente extracção de fumos. [resposta ao quesito 37.º]
35) Dos tectos caía estuque. [resposta ao quesito 38.º].
36) O chão do estabelecimento estava irregular. [resposta ao quesito 39.º]
37) Inexistia energia eléctrica numa das salas do estabelecimento. [resposta ao quesito 41.º]
38) A instalação eléctrica não comportava, em simultâneo, o funcionamento de uma torradeira e de uma fritadeira, sem que houvesse quebra de energia. [resposta ao quesito 42.º]
39) As paredes do estabelecimento estavam revestidas de alcatifa. [resposta ao quesito 43.º]
40) As madeiras que cobriam parte das paredes do estabelecimento estavam apodrecidas. [resposta ao quesito 44.º]
41) O abastecimento de gás fazia-se com a colocação de botijas de gás no interior do estabelecimento. [resposta ao quesito 45.º]
42) As obras realizadas pelos réus destinaram-se à reparação das situações de 21) a 41). [resposta ao quesito 46.º]
43) Nas obras que realizaram os réus gastaram quantia não apurada mas não superior a € 9.500,00. [resposta ao quesito 47.º]
44) Durante a 1.ª semana em que iniciaram a realização das obras de reparação do locado, os réus deram delas conhecimento aos autores, nos termos documentados a fls. 225. [resposta ao quesito 48.º]
45) O locado já não era objecto de qualquer intervenção ao nível de obras de conservação, ou de outra natureza, desde há cerca de 40 anos, não obstante os AA. conhecerem o estado degradado do estabelecimento. [respostas aos quesitos 49.º, 50.º e 51.º]
4. A pretendida existência de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento e despejo imediato do locado.
4.1 Autores e réus estão vinculados por contrato de locação, especificamente, contrato de arrendamento urbano, pelo qual os autores, mediante retribuição, cederam o gozo temporário do rés-do-chão do prédio urbano de que são proprietários, para os réus aí explorarem um estabelecimento comercial de café – artigos 1022.º e 1023.º do Código Civil.
A caracterização da relação contratual que vincula autores e réus não é prejudicada pelo facto destes terem adquirido o estabelecimento comercial por trespasse, onde se integrou a transmissão aos mesmos da posição de arrendatários, sendo que, desde então e nesta qualidade, vêm explorando, no rés-do-chão do prédio pertencente aos autores, o estabelecimento comercial denominado “Z…”.
O contrato de locação vincula as partes nos termos dos artigos 1031.º e seguintes e 1038.º do Código Civil. Relevam aqui em particular as obrigações do locatário enumeradas nas alíneas d) e h) do artigo 1038.º (são obrigações do locatário não fazer da coisa locada uma utilização imprudente e avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, ou saiba que a ameaça algum perigo, desde que o facto seja ignorado pelo locador).
Especificamente em relação a obras, cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário; o arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio, exceptuando-se os casos de reparações e despesas urgentes, em que o arrendatário pode efectuar a compensação do crédito pelas despesas com a realização da obra com a obrigação de pagamento de renda, recaindo ainda sobre o arrendatário o encargo de proceder às reparações de pequenas deteriorações que tenha realizado no decurso do arrendamento para assegurar o seu conforto ou comodidade; no âmbito do arrendamento para fins não habitacionais, as regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes; se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato – artigos 1073.º, 1074.º, 1036.º e 1111.º do Código Civil.
Nos termos do artigo 1083.º do Código Civil, qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte; no caso específico da realização de obras pelo arrendatário e tendo em consideração o que antes se enunciou a tal propósito, a realização de obras pelo arrendatário que não estejam contempladas no contrato e não tenham sido autorizadas pelo senhorio constituem fundamento de resolução do contrato, pelo senhorio, desde que o incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento ou quando ocorra oposição pelo arrendatário à realização de obras ordenada por autoridade pública.
Têm a este propósito especial relevância as obras que alteram substancialmente a estrutura externa e/ou interna de um prédio, integrando o primeiro caso as obras «que implicam “a alteração da sua fisionomia, configuração, disposição ou equilíbrio arquitectónico” – a nível doutrinal, H. Mesquita, RLJ, Ano 126.º, p. 279; Aragão Seia, Arrendamento Urbano, edição de 1995, pág. 289; Pais de Sousa, Anotações ao Regime de Arrendamento Urbano, 4.ª edição, 182/183 e, a nível jurisprudencial, por exemplo, Acórdão do STJ, de 14.1.97, BMJ, 463.º-571 e Acórdão da RE, de 18.3.93, BMJ, 425.º-639.
No que concerne à alteração substancial da disposição interna das divisões do prédio, dir-se-á que tal acontecerá quando as obras impliquem que o interior do prédio apresente uma outra fisionomia ou planificação, uma diferente forma de ocupação do espaço ou uma sua desfiguração.
Alteram a disposição interna das divisões de um prédio, aquelas obras que, de modo permanente, modificam a planificação interna do prédio, ou seja, o número ou configuração do seu interior – vide, Aragão Seia, ob. cit., 290.
A formulação de um juízo seguro sobre o alcance de alterações substanciais, como refere Pais de Sousa, deve assentar num critério de razoabilidade, havendo a considerar, “por um lado, a boa-fé do inquilino e o objectivo por ele tido em vista e, por outro, a situação do senhorio que não pode sacrificar a estrutura do local às comodidades do arrendatário, sobretudo quando isso possa implicar uma diminuição do valor locativo” – in “Anotações ao RAU”, 6.ª edição, pág. 207» – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Fevereiro de 2014, proferido no processo 43/09.9TCFUN.L1.S1 e disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt/).
4.2 Reportando-nos ao caso dos autos, regista-se que na sentença recorrida se fundamentou a decisão proferida que julgou improcedente a pretensão dos recorrentes nos seguintes termos:
«Reconduzindo-nos aos presentes autos e tendo em conta os preceitos legais em causa, desde já, se pode dizer não assistir direito aos senhorios, aqui AA., para que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento.
Com efeito, podia, eventualmente, haver lugar a resolução do contrato por banda dos AA., com base no art.º 1083.º, n.º 2, caso as obras realizadas pelos RR. tivessem constituído uma alteração substancial do locado ou tivessem colocado em causa a segurança do prédio por demolição de paredes estruturais, o que não foi o caso.
Atente-se não se ter provado que os RR. tivessem uma parede que servia de apoio a todo o edifício.
Pese se ter provado a realização das várias obras pelos RR. sem o consentimento e conhecimento prévio dos AA., certo é que as obras realizadas foram necessárias para o bom funcionamento do locado.
Veja-se que o locado já não era objecto de qualquer intervenção ao nível de obras de conservação, ou de outra natureza, desde há cerca de 40 anos, não obstante os AA. conhecerem o estado degradado do estabelecimento.
Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, art.º 216.º, n.º 1, C.C.
As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias, n.º 2, do citado art.º.
São necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição, ou deterioração da coisa.
No presente caso, atenta a situação em que se encontrava o estabelecimento comercial, constante dos factos provados de 21) e seguintes, ter-se-á de considerar as obras realizadas como necessárias ao exercício do fim do arrendado.
Serve o exposto para dizer que as obras realizadas pelos RR. no locado não constituem motivo ou fundamento para resolução do contrato de arrendamento.
Quanto à questão da realização das obras pelos arrendatários sem a prévia comunicação aos senhorios, designadamente, a não observância do disposto nos art.ºs 29.º e ss do D.L. n.º 157/2006, de 08.08, alterado pelo D.L. n.º 306/2009, de 23.10, tal preterição de comunicação não consubstancia fundamento de resolução do contrato.
Com efeito, a consequência para a não observância do procedimento previsto em tais preceitos apenas será o de os arrendatários não se poderem valer da possibilidade de compensar o valor despendido com as obras com o valor da renda, conforme possibilitam os art.ºs 33.º e 34.º do citado diploma.
Assim sendo, improcede o pedido de resolução do contrato de arrendamento.»
Confrontando os fundamentos expostos com a matéria de facto que se provou, ponderando quanto a esta as alterações que resultam do que acima se deixou enunciado, ao apreciar-se a impugnação da matéria de facto pelo recorrente, não se vê que haja razão consistente para alterar a decisão proferida.
Nas obras realizadas pelos réus e no que concerne ao interior do prédio, regista-se que substituíram todas as portas interiores por outras novas, remodelaram as casas de banho e a cozinha com novos materiais, substituíram as canalizações, a instalação da rede eléctrica e os tectos falsos por outros novos, remodelaram as casas de banho, com instalação de nova loiça sanitária, fizeram uma pré-instalação de sistema de som geral composto por seis colunas, colocaram no tecto falso um kit de iluminação permanente de emergência, substituíram as redes de abastecimento de água, gás e de drenagem de águas residuais e instalaram ar condicionado no interior do estabelecimento, colocaram um sistema de exaustão cujas condutas passam pelo desvão entre o tecto falso do rés-do-chão e o sobrado do primeiro andar, sendo este desvão pertencente ao piso do rés-do-chão.
Estas obras visaram embelezar o estabelecimento e o bom funcionamento do espaço e proceder à reparação de situações decorrentes da deterioração do prédio, sem qualquer intervenção ao nível de obras de conservação, ou de outra natureza, há cerca de 40 anos, onde se incluem, nomeadamente, infiltração de águas pluviais, o cheiro a esgoto proveniente das sanitas, sem sistema de ventilação e entupimento frequente, encardidas, partidas e rachadas, a existência de portas apodrecidas, empenadas e com as fechaduras avariadas, os azulejos da cozinha partidos, encardidos e a desfazer-se devido ao salitre, mercê da sua vetustez, tubos de água evidenciando rupturas e oxidação, madeiras apodrecidas, tectos com estuque a cair, deficiente extracção de fumos.
As concretas obras realizadas não determinam uma alteração substancial da disposição interna das divisões do edifício, sendo certo que a parede entretanto demolida foi reconstruída, sem que se evidencie alteração relevante.
Por outro lado, as obras realizadas, perante as razões que as determinaram, acima assinaladas, mostram-se determinantes ao próprio fim do contrato, ao desenvolvimento pelos réus da actividade de exploração de estabelecimento de café, não resultando dos factos provados que tenham envolvido qualquer afectação da estabilidade construtiva do em causa ou um prejuízo estético ou funcional relevante, indiciando-se antes o inverso. Não se evidencia também a existência de uma utilização imprudente do locado, por parte dos réus, sendo do conhecimento comum a natural deterioração dos materiais e das edificações com o decurso do tempo. No caso, o locado não é objecto de qualquer intervenção ao nível de obras de conservação, ou de outra natureza, há cerca de 40 anos, conhecendo os autores o estado degradado do mesmo.
Relativamente ao exterior do prédio objecto de locação, provou-se que a alteração do aspecto da fachada do mesmo se consubstanciou na substituição dos materiais por outros novos, tendo sido substituídas as portas e janelas por outras novas no exterior do rés-do-chão. As obras visaram embelezar o estabelecimento e o bom funcionamento do espaço.
Ponderadas as concretas obras e as razões que as determinaram, não se pode considerar que as modificações exteriores sejam de molde a alterar substancialmente a estrutura externa do edifício.
O facto de se ter provado que estas obras foram executadas sem o competente licenciamento prévio, apenas concedido após a realização das obras não releva para a questão que aqui se aprecia, mas apenas para os procedimentos administrativos que vieram a desencadear-se e que determinaram a ulterior emissão de alvará.
Assim e pelos fundamentos que se deixaram mencionados, conclui-se que as obras realizadas pelos réus no locado não têm relevância que, pela sua gravidade ou consequências, permita sustentar a resolução do contrato de arrendamento à luz do disposto no artigo 1083.º, n.º 2, do Código Civil.
Esta conclusão determina a improcedência do recurso.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, acordam os juízes desta secção nos seguintes termos:
- Alterar a resposta aos quesitos 2.º, 7.º, 16.º e 48.º nos termos que se deixaram enunciados em sede de fundamentação e que integram os factos provados.
- Negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
*
Porto, 12 de Janeiro de 2015.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Rita Romeira