Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2069/11.3TJVNF-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: CRÉDITOS FISCAIS
PLANO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP201707122069/11.3TJVNF-E.P1
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º102, FLS.16-28)
Área Temática: .
Sumário: I - Após a introdução do nº 3 do art.º 30º da LGT, a regra fiscal da indisponibilidade do crédito tributário passou a ser, sem dúvida, aplicável também no âmbito (especial) do Plano de Insolvência, não podendo este modificar os créditos tributários sem a verificação das condições previstas nas leis tributárias e aprovação da Autoridade Tributária, atestando a sua conformidade.
II - O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio, e não fica afetado por os créditos fiscais beneficiarem de indisponibilidade por força da imperatividade das normas que os regulam e terem um tratamento diferente dos créditos dos privados em sede de Pano de Insolvência.
III - Em matéria de impostos importa acautelar a equidade tributária, de modo a que o esforço de contribuição para a satisfação do interesse coletivo reverta sobre todos, sem desigualdade intolerável ou justificação objetiva e racional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2069/11.3TJVNF-E.P1 (apelação)
Comarca do Porto - Vila Nova de Gaia – Tribunal do Comércio

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
No processo de insolvência em que é requerente a devedora B…, LDA., teve lugar a Assembleia de Credores para discussão e votação da proposta de Plano de Insolvência por ela apresentada, plano esse que foi ali aprovado nos termos que dali resultam, com votos favoráveis de 60,85% do valor dos créditos representados na assembleia pelos seus titulares.
Em 20.2.2017, foi proferida sentença homologatória do plano de insolvência, nos seguintes termos:
«No âmbito do presente processo de insolvência nº 2069/11 foi apresentado o Plano de Insolvência que atrás consta (e que dou ora por reproduzido – cfr. o aduzido a fls. 869).
Realizada a Assembleia de Credores, foi tal instrumento jurídico objecto de aprovação nos termos que aí avultam (votos a favor: 60,85% dos votantes presentes).
Foi cumprido o consignado nos arts. 213º/214º do CIRE.
Nesta conformidade, tendo a proposta de Plano de insolvência merecido a aprovação salientada no art. 212º nº 1 do CIRE, nada me parece obstaculizar à homologação da deliberação da Assembleia impendente sobre tal documento.
Perante tal quadro, não se verificando nenhuma das situações previstas nos arts. 215º/216º do CIRE – e nos termos do art. 214º do cit. diploma e com os efeitos previstos no art. 217º do CIRE - homologo pela presente sentença o sobredito Plano de Insolvência.
Custas pela massa insolvente.»

Em ato subsequente, conhecendo de um requerimento do Ministério Público, o Ex.mo Juiz decidiu retificar a referida sentença “(…) no que concerne à percentagem sedimentada em sede de aprovação do plano, a qual ora consigno como sendo a de 68.05% nos precisos termos propugnados na M.D. Promoção da qual ora se cuida”.
Mais se consignou ali que “(…) o aprovado plano é inaplicável/juridicamente ineficaz no que tange aos créditos da Fazenda Nacional (tal qual aliás, já determinado a fls 869).
O presente despacho passa a fazer parte integrante da decisão prolactada a fls. 1040, alterando-a/complementando-a em estrita conformidade.
*
Inconformada com esta decisão, dela interpôs apelação o devedora, alegando as seguintes CONCLUSÕES:
«A) A questão da indisponibilidade dos créditos da “Fazenda Pública” já há muito havia sido dirimida e de forma unânime, pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores portugueses.
B) Consiste este entendimento, iniciado, é certo, no Venerando Tribunal da Relação de Guimarães e o qual foi perfilhado por todos os demais Tribunais da Relação bem como, de forma unânime, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no facto do plano de insolvência poder, ao abrigo do artigo 196º nº 1 als. a) e c) do CIRE, perdoar ou reduzir TODOS os créditos privilegiados e comuns, inclusive os do Estado, na medida em que implica a prevalência das normas que regulam o processo de insolvência perante as normas de natureza fiscal.
C) Conforme é referido no Douto Acordão do STJ de 02-03-2010 in www.dgsi.pt, relativamente ao proc. nº 4454/08.5TBLRA-F.C.S1, “Não há violação do principio da legalidade fiscal, nem do principio da igualdade, uma vez que não existe violação de normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores, mas observância de um regime especial criado pelo próprio legislador e plasmado no CIRE, em ordem a consagrar a igualdade de tratamento para todos os credores do insolvente e em que a lei prevê a possibilidade de os créditos do Estado serem despojados de privilégios, mesmo sem a sua aquiescência, inexistindo também por isso, violação de qualquer principio constitucional, nomeadamente o estabelecido no artigo 103º nº 2 do CRP.”
D) Foi exactamente nesta ordem de ideias que foi elaborado o CIRE e, foi exactamente nesta ordem de ideias que se foi alicerçando a Jurisprudência, conforme resulta do Acordão do STJ de 04-06-2009 in www.dgsi.pt, em que é expressamente referido que “Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, seria desproporcional que o processo de insolvência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais créditos e da insolvência.”
E) E assim, “Não se põe em causa o carácter imperativo dos artigos 30º nº 2 e 36º nºs 2 e 3 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo D.L. nº 398/98 de 17.12 e do artigo 196º nº 1 e 5 do CPPT, aprovado pelo D.L. nº 433/99 de 26.10. Só que tais normativos tem o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, ou seja, no domínio das relações entre a administração tributária, agindo como tal, e os contribuintes, não encontrando apoio no contexto do processo especial, como é o processo de insolvência, onde a actuação da Fazenda Nacional se situa num plano perfeitamente distinto, pois, ao intervir nesse processo, aceita o concurso dos demais credores de determinado contribuinte num quadro em que releva a incapacidade do devedor insolvente para satisfazer as suas dívidas, inclusive as dívidas ao Estado, mesmo de natureza fiscal, devendo em consequência este intervir como credor, tendo em conta a existência dos demais credores e aquela situação de incapacidade, e em observância do tendencial principio de igualdade entre credores, despido do seu jus imperii, que o colocaria numa situação de tratamento privilegiado perante os demais.
F) Sucede porém que a Fazenda Pública, não conseguindo certamente demover quem de Direito para alterar o CIRE e os seus fundamentos, de forma até a que os intervenientes processuais ficassem a conhecer, de uma vez por todas, quais as “regras do jogo”, resolveu, com uma manobra, sem dúvida habilidosa, alterar o artigo 30º da Lei Geral Tributária através da Lei nº 55-A/2010, adicionando um número 3 que refere que a indisponibilidade do crédito tributário prevalece sobre qualquer legislação especial.
G) Este pequeno aditamento põe não só em causa os fundamentos e o próprio normativo do CIRE como põe em causa todos os processos de recuperação de empresas e assim, a própria sobrevivência da depauperada economia nacional.
H) Acresce que não resulta que seja esta a intenção inequívoca do Legislador, pois que, se o fosse, o CIRE também teria sido alterado, mormente e de forma mais evidente, os seus artigos 97º e 196º que extinguem os privilégios creditórios do Estado e da Segurança Social e permitem a redução e modificação de créditos.
I) Daí a necessidade de se ponderarem os interesses de todos os credores, pois é nessa ponderação que se atinge o bem comum, conforme ressalta aliás do Douto Acordão do S.T.J. de 04.06.2009 bem como do Douto Acordão ora recorrido, o qual considera igualmente “válida” a participação do Estado “no processo de saneamento da actividade empresarial, com as consequências positivas no normal desenvolvimento e funcionamento da vida económica”.
J) Com efeito, “Os arts. 30º nº 2 e 36º nº 3 da LGT e artigo 85º do CPPT têm o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, não encontrando apoio no contexto do processo especial como é o processo de insolvência, onde o Estado deve intervir também com o fito de contribuir para uma solução, diríamos, de olhos postos na insolvência, se essa for a vontade dos credores, numa perspectiva ampla de auto regulação de que a desjudicialização do regime consagrado no CIRE é uma das essenciais características.”v.g. Acordão do S.T.J de 13.01.2009 proc. nº 08A3763 in www.dgsi.pt.
K) Ora, tudo quanto supra se expande, acaba de ter acolhimento no Douto Acordão do S.T.J de 18.02.2014 referente ao processo 1786/12.5TBTNV.C2.S1, no qual é referido que: “O legislador pretendeu erguer uma barreira à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça quanto aos créditos tributários no processo de insolvência, acrescentando ao art. 30º da LGT, o nº3, pretendendo reforçar o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários; todavia, tal normativo não contende com nº2 que permaneceu imodificado. Não faria sentido mantê-lo, do ponto em que se a lei geral pode fixar condições para a sua redução ou extinção, por maioria de razão a legislação especial o poderá fazer.
L) Haveria desrespeito pelo princípio da legalidade e da igualdade tributárias se o CIRE, de maneira discriminatória e desproporcionada, possibilitasse aos credores atingir os créditos do Estado ou contribuições da Segurança Social, estabelecendo desigualdade não materialmente fundada entre os credores do insolvente. O CIRE, sobretudo após a introdução do processo especial de recuperação, visa a salvaguarda da empresa com os olhos postos na sua recuperação, sobretudo em relação às suas obrigações pecuniárias, nestas assumindo particular relevo as obrigações de natureza fiscal e parafiscal, em regra, de elevada expressão.
M) No Acórdão da Relação de Guimarães, de 10.4.2012 – Proc. 2261/11.0TBBRGE.G1, in www.dgsi.pt, pode ler-se:“…Apesar de o n.º 2 do artigo 30.º da LGT determinar que o crédito tributário é indisponível, é a própria norma que admite a possibilidade da sua redução ou extinção e, portanto, tal indisponibilidade não é absoluta, não resultando da citada norma que o crédito não possa, em circunstância alguma, ser objecto de redução ou extinção.
N) A indisponibilidade do crédito tributário, a que alude esta norma, bem como o artigo 36.º do mesmo diploma, significa apenas que a administração tributária não pode dispor livremente deste crédito e, portanto, ao contrário do que acontece com qualquer outro credor, não pode, em qualquer caso e por sua livre iniciativa, perdoar, reduzir ou alterar os créditos tributários. Isso não significa, contudo, que esses créditos não possam ser objecto de perdão, redução, moratória ou qualquer alteração. Significa, apenas que estes actos estão sujeitos aos princípios da igualdade e da legalidade tributária.
O) Ora, o perdão ou a redução de créditos no âmbito de um plano de insolvência validamente aprovado pelos credores, não correspondendo a qualquer violação do princípio da legalidade tributária, também não viola o princípio da igualdade, porquanto este princípio pressupõe um tratamento igual para o que é igual e um tratamento desigual para o que é desigual, sendo que o legislador consagrou um tratamento diferenciado para os insolventes, através do regime que instituiu com o CIRE, impondo, designadamente, aos credores, a sua vinculação a um plano de insolvência, ainda que os mesmos não tenham dado o seu acordo para o perdão ou redução dos respectivos créditos que conste desse plano.
P) Ao ficar vinculada a esse plano, a administração tributária apenas fica submetida ao regime especial que o legislador impôs à generalidade dos credores sempre que está em causa uma pessoa insolvente, sem que tal importe uma qualquer violação dos princípios da legalidade tributária e da igualdade.
Q) Diga-se, aliás, que, a prevalecer a interpretação dada na sentença sob recurso, ter-se-ia encontrado, por forma ínvia – através de uma disposição transitória na Lei do Orçamento de Estado – a maneira de inviabilizar todo o capítulo do CIRE dedicado ao plano de insolvência, sabendo-se, como se sabe, que, normalmente, os créditos do Estado (Segurança Social e Fazenda Nacional) têm um grande peso no universo das dívidas do insolvente e que, não podendo o Estado aprovar um plano com redução ou extinção dos seus créditos, e não podendo o mesmo ser homologado sem o seu voto favorável, conduziria, inevitavelmente, à inviabilização de qualquer plano de insolvência e, por consequência, à revogação, ainda que não formal, de todo esse capítulo.
R) Não terá sido essa, acreditamos, a vontade do legislador, nem se justificaria que o Estado se colocasse à parte, abstendo-se de contribuir para a prossecução dos fins que visou atingir com o processo de insolvência e que o próprio Estado consagrou legislativamente, normas essas – do CIRE – que, repete-se, não foram alteradas, subsistindo, portanto, a interpretação que das mesmas vinha fazendo a jurisprudência, o que relega para o campo estritamente fiscal a alteração introduzida na Lei Geral Tributária.
S) Daí que, em conclusão, se tenha que dizer que o perdão ou redução dos créditos tributários ao abrigo de um plano de insolvência validamente aprovado, não viola os princípios da igualdade e da legalidade tributária e, como tal, não é vedado pelo disposto no artigo 30º, n.º 2, da LGT, ainda que a Administração Tributária não tenha dado o seu acordo ao mesmo, sendo que o aditamento do n.º 3 a este artigo 30.º, em nada altera este raciocínio, do mesmo não resultando que o legislador tenha querido inviabilizar – pelo seu voto desfavorável – a homologação de planos de insolvência, ao contrário do que a jurisprudência vinha aceitando uniformemente”.
T) Como é notório, quer os créditos do Estado, quer os de outras entidades, como a Segurança Social, representam em grande número de casos, avultadas somas, daí que, a manterem-se intocados, todo o esforço de recuperação da insolvente ficará a cargo dos credores comuns ou preferenciais da insolvência, que terão de arcar com a modificabilidade e mesmo a supressão dos seus créditos e garantias ante o Estado que, nada cedendo, se coloca numa posição de jus imperii, num processo em que só, excepcionalmente, deveria ter tratamento diferenciado.
U) Seria transformar uma excepção, ditada por razões de ordem pública, em regra, assim, afrontando o princípio da proporcionalidade, apesar da peculiar natureza e finalidade dos tributos que o Estado arrecada.
V) Como se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º40/07, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Junho de 2001:“O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”.
W) Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com uma simples execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos seus créditos, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que, no contexto do PER, o legislador fez introduzir no CIRE.
X) O CIRE, no seu art. 97º, nº1, als. a) e b), estabeleceu a extinção, com a declaração de insolvência, dos privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência e dos privilégios creditórios especiais, que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social vencidos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.
Y) Assim, o Estado e o Instituto de Segurança Social, I. P., relativamente a tais créditos, deixaram de integrar o núcleo dos credores privilegiados e passaram a ser considerados simples credores comuns.
Z) Nesta perspectiva, não é de excluir que no plano da insolvência, ao abrigo do art. 196º, nº1, als. a) e c) do CIRE, cabe o perdão ou redução do valor dos créditos da ART.º ou da Segurança Social sobre o passivo do devedor, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, aprovado o plano que respeitou o quorum estabelecido no artigo 212°, desde que a intervenção nos créditos do Estado credor não evidencie uma redução injusta e desproporcional, tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que deles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente.
A.A.) Ora, “in casu”, o plano de insolvência da Recorrente propõe o pagamento integral dos créditos tributários, num plano prestacional que não é violador de qualquer norma aplicável à Autoridade Tributária para além de ser evidente que não traduz qualquer redução injusta e desproporcional tendo em conta os somatórios dos créditos dos restantes credores e o que estes abdicam e tendo em vista a sua recuperação.
A.B.) Acresce que a Autoridade Tributária se absteve aquando da votação do presente plano, pois não exerceu o seu voto na data da assembleia de credores a que alude o artigo 209º do CIRE nem tão pouco, por escrito, nos dez dias subsequentes, pelo que se conformou ao seu teor.
A.C.) Face ao exposto, deve o plano de insolvência apresentado pela Recorrente e aprovado pelos seus credores ser homologado na sua plenitude, sendo que o Meritíssimo Juiz “a quo” ao não o ter feito violou o disposto nos artigos 97º, 196º e 215º do CIRE.» (sic)
Visa, assim, a recorrente a homologação do plano de insolvência na sua plenitude, tal como foi aprovado pelos seus credores.

Não foram oferecidas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).
O Tribunal deve apreciar todas as questões decorrentes da lide, mas não necessariamente todos os argumentos ou raciocínios das partes, bastando o que for suficiente para resolver cada questão[1].
Atentas as conclusões das alegações da apelante devedora, somos chamados a apreciar e decidir se os créditos fiscais, por impostos e respetivos juros, de que é titular a Fazenda Nacional, são disponíveis e alteráveis, em que condições, em sede de Plano de Insolvência.
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III.
Quanto aos factos, releva o teor do relatório que antecede e ainda o que adiante se considerar por referência ao Plano de Insolvência aprovado;
Ainda:
- Propõe-se a constituição de penhor mercantil, nos termos do art.º 199º do CPPT, sobre bens móveis da empresa;
- O Estado, através do Ministério Público, manifestou voto desfavorável ao Plano de Insolvência.
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IV.
Conhecendo…
Não é nova a discussão da questão que nos é trazida pela recorrente, relativa à afetação dos créditos fiscais no Plano de Insolvência, mais concretamente, à possibilidade da sua modificação por redução do capital e juros ou ainda pela alteração das condições do seu pagamento (valor das prestações, prazos de pagamento, dilatórias, etc.).
O Plano de Insolvência constitui a forma preferencial de satisfação dos direitos dos credores, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente e, só se tal não for possível, na liquidação do património do devedor insolvente, neste caso, com repartição do produto obtido pelos credores (art.º 1º do CIRE[2]).
O art.º 192º do CIRE desenvolve este princípio geral, chamando de Plano de Recuperação àquele que se destine a aprover à recuperação do devedor, e permite que esse plano (tal como o plano de liquidação da massa) derrogue normas daquele código, estabelecendo a regra de que só poderá afetar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, na medida em que tal seja expressamente autorizado no Título IX do CIRE ou consentido pelos visados.
O processo falimentar/insolvencial tem evoluído ao longo dos tempos em função das variáveis conjunturais da economia; umas vezes marcado mais pela liquidação do património do insolvente, outras vezes mais pela sua recuperação. Nem sempre cada uma das várias reformas legislativas, num ou noutro sentido, ficou marcada por medidas exclusivamente favoráveis ao seu fito essencial ou que seguissem a via aparentemente mais curial para o atingir, assim como não se alheou o legislador dos vários interesses conflituantes, protegendo uns e outros da forma tida, em cada momento, por conveniente.
Ao Código do Processo Especial de Recuperação de Empresas e Falência[3] sucedeu o CIRE, aprovado pelo Decreto-lei 53/2004, de 18 de março, alterado pelos Decreto-lei nº º200/2004, de 18 de agosto, do Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, do Decreto-lei n.º 282/2007, de 7 de agosto, do Decreto-lei nº 116/2008, de 4 de julho, do Decreto-lei nº 185/2009, de 12 de agosto, e, mais recentemente, da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril.
Se o CIRE, na sua versão originária, ficou marcado pela primazia na liquidação do património da insolvente, relegando o plano de insolvência para segunda linha, a reforma que lhe foi introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20 de abril, fez prevalecer o interesse do Plano de Insolvência e, dentro deste, a recuperação da empresa sempre que se mostre possível e viável, seja pela via do Processo Especial de Revitalização que esse mesmo diploma instituiu sob os art.ºs 17º-A a 17º-I, seja pelo regime do Plano de Recuperação, como resulta desde logo da alteração do art.º 1º do CIRE, nessa última versão.
Estas alterações surgiram na sequência da imposição do Memorando da Troika, de onde resulta, além do mais, a manifestação do interesse na recuperação das empresas viáveis, a necessidade de, para o efeito, ser alterado o CIRE e de as autoridades haverem de tomar as medidas necessárias para autorizar a administração fiscal e a segurança social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de reestruturação baseados em critérios claramente definidos, nos casos em que outros credores também aceitem a reestruturação dos seus créditos, e para rever a lei tributária com vista à remoção de impedimentos à reestruturação voluntária de dívidas.[4]
É neste ambiente legislativo e reformista que tem sido tratada pela doutrina e pela jurisprudência a questão da modificabilidade dos créditos fiscais e das contribuições para a Segurança Social em sede de Plano de Insolvência; porém, sem que a ela se tivesse mantido alheio o legislador. Se as posições daquelas se modificaram foi também porque ocorreram alterações legislativas. Não tendo o Memorando força de leis, importa saber quais daquelas alterações relevam no tratamento da questão de que nos ocupamos.
Aqui, é fundamental apelar ao nº 3 ao art.º 30º da Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-lei nº 398/98, de 17 de dezembro), aditado pelo art.º 125º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011), com o seguinte teor: “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.
Então o nº 2 daquele preceito legal já dispunha que “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
Dispunha já então o art.º 36º da LGT, relativo à constituição e alteração da relação jurídica tributária, sob o nº 3, que “a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.
Até à referida alteração legislativa de 2011 formou-se uma corrente jurisprudencial largamente dominante nos Tribunais Superiores no sentido de que o Plano de Insolvência da empresa permitia a afetação do regime dos créditos tributários.[5] Não havia unanimidade, sendo discordante, por exemplo, o acórdão da Relação de Lisboa de 16.11.2010[6] e o acórdão da Relação do Porto de 30.6.2008[7].
Entendia-se maioritariamente que as medidas do Plano de Insolvência constituíam uma autorregulação do interesse dos credores, vinculando não apenas os credores privados, mas também os públicos privilegiados, como sejam a Fazenda Pública e a Segurança Social. Argumentava-se então com os art.ºs 97º e 196º do CIRE, enquanto previsões legais que permitiam a extinção de privilégios creditórios em sede de insolvência e o perdão e redução de créditos e alteração de condições do seu pagamento no âmbito do Plano de Insolvência, sem excecionar o credor Estado ou qualquer outra pessoa coletiva de direito público. Nessa perspetiva, as disposições da LGT aplicavam-se apenas nas relações tributárias, considerando-se que o nº 3 do respetivo art.º 36º, onde se determina que “a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”, não tinha aplicação no direito insolvencial, com normas próprias e especiais relativamente àquele, em que predominava a vontade dos credores como forma de realização do interesse na recuperação da empresa.
Com a alteração legislativa preconizada pela citada Lei nº 55-A/2010, a jurisprudência alterou-se radicalmente, com o fundamento essencial de que a lei deixou de consentir a interpretação anterior e o seu argumento essencial, de que a lei geral (LGT) não derrogara a lei especial (CIRE); ou seja, o nº 3 do art.º 60º da LGT passara a impor o nº 2 do mesmo preceito legal mesmo sobre qualquer legislação especial. Nesta perspetiva, tornara-se indiscutível e hialina a indisponibilidade dos créditos tributários, com a proibição da sua redução ou extinção quando haja oposição do Estado ou da Segurança Social.[8] Mas também existe uma minoria discordante, de que é exemplo o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.2.2014[9] que, no essencial, conclui que, atualmente “(…) não é de excluir que no plano da insolvência, ao abrigo do art. 196º, nº 1, als. a) e c) do CIRE, cabe o perdão ou redução do valor dos créditos da AT ou da Segurança Social sobre o passivo do devedor, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, aprovado o plano que respeitou o quórum estabelecido no artigo 212°, desde que a intervenção nos créditos do Estado credor não evidencie uma redução injusta e desproporcional, tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que deles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente.”.
Mas egundo a nova corrente maioritária, passou a sufragar-se, com apoio no art.º 30º, nºs 2 e 3, da Lei Geral Tributária, que o legislador só poderia querer dizer que os créditos tributários eram indisponíveis, mesmo em processos de insolvência, melhor dizendo, mesmo aquando da elaboração do plano de insolvência referido nos art.ºs 192º, 195º e 196º do CIRE.
Enfatiza-se a natureza interpretativa do artigo 125º da Lei 55-A/2010, de 31.12, e o facto de o legislador ter vindo expressamente esclarecer que não pode relevar em sede tributária um plano de insolvência em que estivesse incluído um perdão ou qualquer redução de um crédito com aquela natureza sem a verificação das condições previstas nas leis tributária e aprovação da Autoridade Tributária, atestando a sua conformidade.
O art.º 30º da LGT estabelece no seu n.º 1 os créditos do Estado integradores da relação jurídica tributária:
a) O crédito e a dívida tributários;
b) O direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição;
c) O direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto;
d) O direito a juros compensatórios;
e) O direito a juros indemnizatórios.
Consta do n.º 2 que “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, e o nº 3, como vimos, (introduzido pela Lei 55-A/2010), dispõe que tal regra “prevalece sobre qualquer legislação especial”.
Já o nº 3 do art.º 36º da LGT determina que “a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”.
Portanto, a nova posição legislativa, de 2011, levou ao afastamento da jurisprudência maioritária anterior que sustentava que o Estado devia intervir também com o fito de contribuir para uma solução de olhos postos na insolvência, se essa for a vontade dos credores, numa perspetiva ampla de autorregulação de que a desjudicialização do regime consagrado no CIRE é uma das essenciais características.
Seguindo a nova jurisprudência maioritária citada, é nossa convicção que, da conjugação dos nºs 2 e 3 do citado art.º 30º, também com o subsequente nº 3 do art.º 36º, resulta claramente que o legislador, expressa e inequivocamente, quis que a regra fiscal da indisponibilidade do crédito fosse aplicável também no âmbito (especial) do Plano de Insolvência. O princípio da indisponibilidade consagrado positivamente em matéria fiscal é imperativo, prevalecendo sobre o regime jurídico estabelecido no CIRE.
No âmbito do CPPT[10] (Decreto-lei nº 433/99, de 26.10), o art.º 85º estabelece que:
1- Os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias;
2- Nos casos em que as leis tributárias não estabeleçam prazo de pagamento, este será de 30 dias após a notificação para pagamento efectuada pelos serviços competentes
(…)”.
Os subsequentes artigos 196º a 199º contêm as regras e condições para o pagamento em prestações e estabelecimento de garantias.
O objetivo fundamental a prosseguir, com a intervenção da Troika, sempre foi a redução do défice público acumulado, e foi considerado desde logo no OGE para 2012, com várias medidas de austeridade, não surpreendendo o esforço de cobrança integral de impostos.
A introdução do nº 3 do art.º 30º pode merecer discussão relativamente à sua eficácia a médio/longo prazo, mas destinou-se a por cobro à interpretação que a jurisprudência anterior vinha fazendo, deixando claro que a regra da indisponibilidade dos créditos fiscais tinha aplicação em qualquer legislação especial, designadamente na regulação do Plano de Insolvência, fazendo prevalecer a realização imediata do interesse coletivo na cobrança de impostos sobre a vontade dos credores da insolvência em estabelecer a extinção, redução ou moratória de créditos fiscais, sempre que o plano não obtenha a aprovação do Estado credor.
A apelante invoca a inconstitucionalidade daquela interpretação, por violação do princípio da igualdade (art.ºs 13º e 266º, nº 2, da Constituição da República).
Refere-se no acórdão desta Relação do Porto, de 21.10.2013, acima citado: “o princípio da equidade fiscal, particularmente num momento de emergência nacional, pressupõe o sacrifício de todos, e tal princípio seria violado, isso sim, pela interpretação dos normativos legais em apreço que permitisse excluir do esforço colectivo apenas alguns contribuintes, pelo simples facto de se encontrarem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente”.
A diversidade de tratamento do crédito fiscal, no confronto com outros créditos privilegiados concorrentes à insolvência, obtém justificação em função do interesse público inerente aos impostos, nos termos do artigo 103º, nº 1, da Constituição.[11]
Acrescenta aquele acórdão da Relação do Porto, citando jurisprudência constitucional, que o princípio da igualdade invocado pela recorrente, como reiteradamente vem afirmando o Tribunal Constitucional, também se concretiza no tratamento de forma diferente, de realidades diferentes.
A este propósito, escreveu-se no acórdão do Tribunal Constitucional de 6.06.1990[12]: «o princípio constitucional da igualdade não pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular. O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (…) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio»[13].
In casu, não se verifica a violação deste princípio, considerando que a indisponibilidade dos créditos fiscais é oponível a todos os devedores, enquanto dever fundamental de pagar impostos legalmente constituídos, inerente à incontornável natureza de “Estado fiscal” do nosso Estado de direito democrático.[14]
Como proficientemente se aduz no referido acórdão da Relação de Coimbra de 5.12.2012[15], citando J. Gomes Canotilho e Vital Moreira[16]:
(…)
Os impostos são uma das poucas obrigações públicas dos cidadãos constitucionalmente consagradas (…). Como tal, está sujeita a algumas regras equivalentes às dos direitos fundamentais, designadamente os princípios da generalidade e da igualdade, ou seja, de que devem estar sujeitos ao seu pagamento os cidadãos em geral (artigo 12º/1), e em idêntica medida, sem qualquer discriminação indevida (artigo 13º/2). É nisto que consiste o princípio da igualdade tributária (…).
O princípio da igualdade em matéria fiscal não é relevante apenas para o caso da imposição fiscal mas também para o caso das isenções e regalias fiscais, que não podem deixar de o respeitar sob pena de privilégio constitucionalmente ilícito.
(…)”.
Acrescenta o mesmo aresto:
Esta faculdade de bloqueio conferida à entidade titular dos créditos fiscais, relativamente à homologação de um plano de insolvência, faculdade que decorre, no entendimento aqui sustentado, da conjugação interpretativa dos artigos 30º, nº 3 da LGT e 199º, nºs 1 e 2 do CPPT, diverge, pois, do “regime geral” atinente à generalidade dos créditos no processo concursal – mesmo, repete-se, daqueles que se apresentem ao concurso com um escalão de privilegiamento idêntico ao dos créditos fiscais –, no sentido em que todos os outros créditos (rectius, todos os outros credores) não usufruem da possibilidade legal intransponível de bloquear a homologação de um plano de insolvência aprovado por um quórum suficiente de credores: um quórum que corresponda a uma participação ou representação na assembleia de credores de, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito a voto, recolhendo o plano aí votado mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, descontadas as abstenções (parafraseámos o nº 1 do artigo 212º do CIRE).
É esta faculdade implícita de obstar à homologação judicial de uma deliberação da assembleia de credores convocada nos termos do artigo 209º do CIRE, faculdade que é outorgada à administração fiscal pelo artigo 199º, nºs 1 e 2 do CPPT no quadro das garantias específicas dos créditos fiscais, é esta faculdade conferida à administração fiscal, enfim, que não existe, nos termos em que se coloca para esta, relativamente aos restantes credores do insolvente.
(…) só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem uma adequada justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem[17]”.
(…) as indicadas normas nesta interpretação, dizíamos, envolvendo um (aparente) tratamento desigual, assentam, não obstante, numa diferenciação constitucionalmente legítima, em função da forte individualidade dos créditos fiscais, decorrente da referenciação destes – dos impostos – ao interesse geral correspondente à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, como refere o artigo 103º, nº 1 da Constituição.
(…)
Sairia o crédito fiscal invariavelmente a perder – estamos seguros –, caso não dispusesse a administração tributária de uma faculdade actuante de bloqueio de acordos (conluios) de outros credores em prejuízo da dívida tributária. Teríamos, invariavelmente, planos de insolvência que induziriam, directa ou indirectamente, “perdões fiscais” mais ou menos explícitos, ou sistemáticas procrastinações da efectiva realização das dívidas de impostos no quadro concursal, (…).
O Estado, com a alteração legislativa em análise, não visa prejudicar ou beneficiar quem quer que seja em particular, mas apenas tornar mais efetivo o interesse público geral, consistente na obtenção do pagamento dos créditos tributários ou prestações devidas à segurança social, com vista a ter receita suficiente para cumprir as suas obrigações constitucionais previstas em geral no art.º 2.º e em especial nos art.ºs 58.º n.º 2, 59.º n.ºs 1 als. e) e f) e 2 als. c) a f); 60.º n.º 3; 63.º a 79.º; 101.º, 103.º, 104.º e 273.º da lei fundamental.[18]
Tudo isto demanda do legislador medidas destinadas a garantir de forma eficaz o financiamento necessário ao cumprimento do objetivo assinalado, pois como salienta Reis Novais, o pleno cumprimento do programa constitucional “depende essencialmente de factores financeiros e materiais que, em grande medida o Estado não domina”.[19]
Se é certo que no nº 1 do art.º 194° do CIRE, se preceitua que o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, também refere que isso acontece sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas. Tem-se ali por objetivo afastar qualquer situação de privilégio quanto ao pagamento dos reclamados créditos, tudo, aliás, em consonância com o disposto no art.º 97° do CIRE.
A propósito, observam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[20] que o artº 194º nº 1, do CIRE procurou acolher de uma forma evidente as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzida na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo do acordo dos credores atingidos, em contrário.
A exclusão dos créditos fiscais do âmbito de aplicação, designadamente, do artº 196° nº 1 do C.I.R.E., não implica a violação do aludido princípio da igualdade de tratamento dos credores. Com efeito, com o diferente tratamento que é imposto pela lei aos créditos fiscais, dada a sua distinta natureza dos créditos comuns, o princípio da igualdade dos credores da insolvência não é violado, se a forma do seu pagamento, prevista no plano de insolvência, respeitar o regime legal de pagamento consagrado nos artºs. 196° e ss. do C.P.P.T.. Está a tratar-se desigualmente o que é desigual.
Nem se compreenderia que o princípio da indisponibilidade do imposto vinculasse a administração tributária e o próprio legislador fiscal e não vinculasse, da mesma forma, o administrador da insolvência e a assembleia de credores, em processo de insolvência. Doutro modo, estaríamos perante a faculdade concedida a uma maioria de credores num processo de insolvência, de alterar a obrigação contributiva através do perdão fiscal, fazendo letra morta do referido regime fiscal.”[21]
A indisponibilidade dos créditos fiscais e a imperatividade das normas que os regulam são, assim, oponíveis a todos os devedores, em qualquer processo de insolvência.

Entende a recorrente que a seguida interpretação do art.º 30º, nºs 2 e 3, da LGT viola o princípio constitucional da proporcionalidade (art.ºs 266º, nº 2 e 268º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa).
Tal aconteceria por os créditos fiscais serem normalmente muito avultados e travarem, na prática, a possibilidade de elaboração de um Plano de Recuperação, para além de que a indisponibilidade dos créditos fiscais os colocaria em pé de igualdade com uma simples execução fiscal e o art.º 97º, nº 1, als. a) e b), do CIRE, extinguirem, com a declaração de insolvência, privilégios creditórios gerais e especiais que sejam acessórios de créditos sobre a insolvência, de que sejam titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência. Nesta perspetiva, não seria de excluir que no plano da insolvência, ao abrigo do art.º 196º, als. a) e c), do CIRE, coubesse o perdão ou redução do valor dos créditos da Autoridade Tributária ou da Segurança Social sobre o passivo do devedor, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, aprovado o plano que respeitou o quórum estabelecido no artigo 212°.
Ora, a referida extinção de privilégios creditórios é uma concessão legal à insolvência, não aos credores em sede de Plano de Recuperação.
As considerações tecidas a propósito do princípio da igualdade valem aqui também quanto ao princípio da proporcionalidade ou da justa medida. O pontual benefício do Estado e da Segurança Social na cobrança dos seus créditos --- já com perda de alguns privilégios, como reconhece a recorrente --- encontra a medida justa da diferença na necessidade de obter meios de realização do bem comum ou coletivo, da comunidade (a redistribuição dos impostos e a manutenção do regime previdencial), assegurando-se a igualdade dos contribuintes perante a lei fiscal.
Ao se entender assim, a administração fiscal não deixa de prosseguir os fins constitucionais, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida. Ao exigir o crédito fiscal, através das medidas necessárias e adequadas para atingir esse fim, com respeito pela igualdade dos contribuintes, e prosseguir esses interesses, não está a agravar sacrifícios ou a criar perturbações para além dos que sempre resultariam da execução fiscal ou do normal andamento do processo de insolvência, enquanto execução universal, sendo justo, face ao direito constitucional fazer prevalecer o interesse coletivo na cobrança efetiva de impostos sobre os interesses deste ou daquele credor em particular no Plano de Recuperação.
Não há violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
Diz-nos ainda a recorrente que a Autoridade Tributária se absteve aquando da votação do Plano na Assembleia de Credores a que se refere o art.º 209º do CIRE. Mas basta consultar a respetiva ata para concluir que, a pedido do Credor Estado, o tribunal lhe concedeu o prazo de 10 dias para votar por escrito o Plano de Recuperação, nos termos do art.º 211º do CIRE. Esse voto foi apresentado e admitido, sendo desfavorável àquela proposta.
Na situação em apreço, não só o Digno Magistrado do Ministério Público se opôs expressamente à homologação no que concerne aos créditos fiscais --- não constando que tenha modificado a sua posição ---, como o seu silêncio, a ter existido, sempre deveria considerar-se irrelevante, em vez de declaração tácita de acordo, como defende a recorrente, já que não há qualquer norma que atribua o valor de declaração positiva ao alegado silêncio, resultando da indisponibilidade do direito a absoluta inviabilidade de tal interpretação[22].
Como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, o Plano de Insolvência --- na sua versão alterada --- prevê, em violação do disposto no art.º 36º da LGT e dos art.ºs 85º, 196º e 199º do CPPT:
- Um regime de pagamento prestacional contrário à lei, por o valor reclamando pela Fazenda Nacional não permitir o pagamento em 62 prestações, atento o valor mínimo que cada prestação terá de ter (10 UC);
- Não propõe garantias idóneas e suficientes, por o penhor mercantil não constituir meio suscetível de assegurar os créditos da Fazenda Nacional; e
- Desconsidera que se encontram em dívida várias obrigações ficais que se venceram após a sentença declaratória da insolvência e estas dívidas devem estar pagas antes da Assembleia dos credores de apreciação do relatório.
A argumentação da apelante não vai no sentido de negar esta desconformidade do Plano relativamente às citadas normas legais, mas, como observámos, na defesa de que o Plano de Insolvência as pode derrogar por vontade da maioria de credores exigida para a sua aprovação (art.º 212º do CIRE).
Ora, tendo-se a Fazenda Nacional oposto ao Plano de Recuperação, por violação do princípio da legalidade em matéria tributária, impunha-se a prolação de sentença que, aprovando o Plano, excluísse, como excluiu, a produção de efeitos quanto ao crédito do Estado por impostos e seus acessórios.
Com efeito, sentença merce confirmação.
*
SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. Após a introdução do nº 3 do art.º 30º da LGT, a regra fiscal da indisponibilidade do crédito tributário passou a ser, sem dúvida, aplicável também no âmbito (especial) do Plano de Insolvência, não podendo este modificar os créditos tributários sem a verificação das condições previstas nas leis tributárias e aprovação da Autoridade Tributária, atestando a sua conformidade.
2. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio, e não fica afetado por os créditos fiscais beneficiarem de indisponibilidade por força da imperatividade das normas que os regulam e terem um tratamento diferente dos créditos dos privados em sede de Pano de Insolvência.
3. Em matéria de impostos importa acautelar a equidade tributária, de modo a que o esforço de contribuição para a satisfação do interesse coletivo reverta sobre todos, sem desigualdade intolerável ou justificação objetiva e racional.
*
V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação do Porto em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas da apelação pela massa insolvente.
*
Porto, 12 de julho de 2017
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida (Vencido, conforme declaração de voto que se junta)
______
[1] Cf. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, pág.s 54, 103 e 113 e seg.s).
[2] Código da Insolvência e da Recuperação e Empresas.
[3] CPEREF.
[4] Cf. pontos 2.17 a 2.19 do Memorando.
[5] São disso exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.6.2009, proc. 464/07.1 TBSJM-L.S1, da Relação do Porto de 1.7.2008, proc. 0822193, de 22.1.2009, proc. 0836370, de 12.3.2009, proc. 181/08.5TBPNF.P1, de 17.3.2011, proc. 309/10.5TBSJM-E.P1, da Relação de Lisboa de 10.3.2011, proc. 28738/09.0T2SNT.L1-2, da Relação de Coimbra de 6.9.2010, proc. 4091/08.8TBAVR-C.C1, de 18.1.2011, proc. 294/10.3TBVNO-G.C1, de 5.7.2011, proc. 393/10.1TBVNO-G.C1, de 6.9.2011, proc. 400/10.8TBMGR.C1, de 27.9.2011, proc, 588/08.8TBFND-D.C1 e da Relação de Guimarães de 21.10.2010, proc. 2159/09.2TBBCL-F.G1, todos in www.dgsi.pt.
[6] Proc. 103/09.6TYLSB-E.L1-1, todos in www.dgsi.pt.
[7] Proc. 0853595, in www.dgsi.pt.
[8] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10.5.2012, proc. 368/10.0TBPVL-D.G1.S1, de 13.11.2014, proc. 3970/12.2TJVNF-A.P1.S1 (com voto de vencido do Ex.mo. Cons. Fonseca Ramos), da Relação do Porto de 4.7.2011, proc. 467/09.1TYVNG-Q.P1, de 7.7.2011, proc. 393/10.1TYVNG.P1, de 10.7.2013, proc. 257/12.4TBMCD-C.P1, de 21.10.2013, 1426/12.2TYVNG.P1, da Relação de Lisboa de 15.11.2012, proc. 86/11.1TYLSB-G.L1-6, de 12.12.2013, proc. 640/10.0 TBPDL-T.L1-1, de 11.3.2014, proc. 1783/12.0TYLSB-B.L1-1, de 30.1.2014, proc. 1390/13. 0TBTVD – B. L1-6, de 23.4.2015, proc. 12/12.1TYLSB-I.L1-2, da Relação de Coimbra de 17.1.2012, proc. 1577/10.8TBPBL-F.C1, de 5.12.2012, proc. 43/11.9T2AVR-D.C1, de 28.5.2013, proc. 249/12.3TBGRD-J.C1, de 25,3.2014, proc. 132/13.5T2AVR.C1, da Relação de Guimarães de 27.2.2012, proc. 1659/10.6TBVCT, de 23.4.2013, proc. 1473/11.1TBFLG.G1 (subscrito pelo aqui relator, na qualidade de Adjunto), de 23.4.2013, proc. 2848/12.4TBGMR.G1, (com voto favorável e mudança de posição do Ex.mo Desembargador A. Figueiredo de Almeida) de 1.10.2013, proc. 3809/12.9TBBCL.G1, de 17.1.2013, proc. 1511/11.8TBGMR-E.G1, de 15.10.2013, proc. 8604/12.2TBBRG.G1, de 13.6.2013, proc. 5590/12.2TBBRG-C.G1, de 29.10.2013, proc. 8180/12.6TBBRG.G1, de 15.12.2016, proc. 1051/16.9T8GMR.G1 e da Relação de Évora de 28.6.2012, proc. 1146/10.2TBALR.E1, de 19.9.2013, proc. 3525/12.1TBPTM.E1, de 30.1.2014, proc. 630/13.TBABT.E1, todos in www.dgsi.pt.
[9] Proc. 1786/12.5TBTNV.C2.S1, citado pela recorrente (foi relator o Ex.mo Cons. Fonseca Ramos, que, seguindo essa mesma posição, veio a votar vencido no acórdão de 13.11.2014, citado na nota 7), in www.dgsi.pt. Cf, também acórdão da Relação de Guimarães de 10.4.2012, proc. 2261/11.0TBBRG-E.G1, na mesma base de dados.
[10] Código de Procedimento e de Processo Tributário.
[11] Citado acórdão da Relação de Coimbra de 5.12.2012, Proc. n.º 43/11.9T2AVR-D.C1.
[12] Acórdão n.º 188/90, proferido no Processo: n.º 597/88, acessível no site do Tribunal Constitucional: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
[13] No mesmo sentido, vide o acórdão n.º 39/88 (Diário da República, I Série, de 3 de Março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º».
[14] Enquanto efetiva garantia dos direitos individuais e coletivos, sendo que todos estes envolvem um custo direto ou indireto e, em função disso, a necessidade de angariação de meios pelo Estado (citado acórdão da Relação de Coimbra de 5.12.2012.
[15] Para o qual se remete pela qualidade e desenvolvimento da sua exposição.
[16] CRP Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, Coimbra, 2007, p. 1093.
[17] Citando s a título de mero exemplo o acórdão Tribunal Constitucional nº 47/2010 (Maria Lúcia Amaral).
[18] Neste sentido, citado acórdão da Relação de Guimarães de 13.6.2013.
[19] Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2003, pág. 147.
[20] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado”, pg. 641.
[21] Acórdãos de 12.12.2013, proc. 640/10.0 TBPDL-T.L1-1 e acórdão Relação de Guimarães de 17.1.2013, proc. 1511/11.8TBGMR-E.G1, atrás citados.
[22] Citado acórdão da Relação do Porto de 21.10.2013, proc. 1426/12.2TYVNG.P1, in www.dgsi.pt.
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Declaração de voto:
Com todo o devido respeito pela posição que fez vencimento, a qual ostenta sólida fundamentação e encontra apoio em boa parte da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, não obstante reconhecermos o isolamento da nossa posição, continuamos a entender o que já escrevemos no Acórdão desta Relação de 12.09.2013, processo n.º 185/11.0TBVLC-E.P1, in www.dgsi.pt, e depois no Acórdão inédito de 09.10.2014, processo n.º 664/10.7TYVNG.P1 (revogado por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2015, com argumentos a que não aderimos).
Em resumo, entendemos:
O n.º 2 do artigo 30.º da Lei Geral Tributária estabelece que as condições para a redução ou extinção do crédito tributário não podem resultar do livre arbítrio dos credores, mas têm, em qualquer caso, de respeitar o princípio da igualdade e da legalidade tributária, ou seja, que independentemente de o crédito tributário ter perdido, por força da insolvência do devedor, o privilégio de pagamento de que até esse momento gozava, não perde a sua natureza de crédito tributário e a sua vinculação aos fins específicos destes créditos e à natureza legal e pública das condições em que o mesmo pode ser objecto de alterações.
O n.º 3 do mesmo preceito, em conjugação com o artigo 125.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, consignam que esse regime também vale para os processos de insolvência, logo para os planos de insolvência que aí possam querer ser aprovados.
O princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, significa que os impostos são criados por lei, a qual determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, ou seja, o crédito tributário e as respectivas vicissitudes têm de ter previsão na lei, de modo que em relação a ele só é possível aquilo que a lei define e nos termos definidos na lei.
Se o plano de insolvência aprovado enfermar de violação não negligenciável das normas legais aplicáveis ao conteúdo do programa de pagamento das dívidas à Fazenda Nacional e à Segurança Social, a nosso ver, isso deve ter como consequência a não homologação do plano e não apenas a declaração da ineficácia do plano em relação aos créditos da Fazenda Nacional e da Segurança Social.
- Em primeiro lugar porque o artigo 215.º do CIRE define exactamente ser essa a consequência de o conteúdo do plano de insolvência encerrar a violação de normas legais aplicáveis, estabelecendo até que essa consequência é de conhecimento oficioso.
- Em segundo lugar porque do ponto de vista dogmático a violação de normas legais relativas ao conteúdo do plano conduz à invalidade do negócio jurídico que o plano consubstancia, não à mera ineficácia deste.
- Em terceiro lugar, porque a alternativa que se coloca à assembleia de credores é a de aprovar um plano ou não aprovar plano nenhum e a alternativa que se coloca ao tribunal é a de homologar o plano aprovado ou não o homologar, não sendo conforme aos dados do CIRE que os credores possam ficar subordinados a um plano que não aprovaram (objecção que foi aceite no Ac. do STJ de 03.11.2015, no proc. 12/12.1TYLSB-I-L1.S1, in www.dgsi.pt, onde se adoptou aquilo que nos parece ser a solução de compromisso possível: dar aos credores de novo a voz para aprovarem um plano expurgado dos vícios e passível de homologação).
- Em quarto lugar, em desfavor do recurso às figuras da invalidade parcial e da redução do negócio jurídico, está por demonstrar que perante a circunstância de o plano violar o princípio da legalidade tributária, os credores aprovariam um plano alternativo que mantivesse intactos os créditos fiscais e fosse compatível com a satisfação integral destes créditos por efeito da sua exclusão das consequências jurídicas da homologação do plano, tal como está por demonstrar, em virtude do volume dos créditos fiscais, que o plano que acaba por ser homologado (a parte do plano objecto de homologação) seja sequer viável e possa conduzir à recuperação da empresa [os dados estatísticos conhecidos sobre o escasso número de empresas que recuperam efectivamente após a aprovação do plano de insolvência e a constatação do significativo número de empresas que depois da aprovação de um plano de insolvência deduzem processos especiais de revitalização, por vezes sucessivos (!), revelam que a realidade é o que é e não o que, juridicamente, queremos que ela seja].
- Por último, porque face à valoração dos interesses em jogo cremos que não se justifica degenerar as soluções do ordenamento jurídico em busca de soluções alternativas desejadas pelas empresas insolventes (pelos titulares do respectivo capital social), mas cujas vantagens reais e cabais para a economia estão por demonstrar, sendo certo que aos demais credores será sempre do interesse obter a maior redução possível das dívidas ao Estado e à Segurança Social na medida em que os valores não afectos à satisfação desses créditos poderão ser afectos à satisfação dos seus créditos (ou seja, substituindo o interesse público pelo interesse particular).
Entendemos ainda que a definição do regime jurídico aplicável ao vício do plano é uma questão puramente jurídica e de conhecimento oficioso pelo que não é a circunstância de por vicissitudes processuais apenas vir pedido à Relação que homologue totalmente o plano que na 1.ª instância foi homologado parcialmente (declarando a ineficácia jurídica do conteúdo relativo aos créditos fiscais) que obsta a que a Relação defina com inteira liberdade esse regime jurídico e lhe associe os correspondentes efeitos, ainda que os mesmos impliquem a não homologação pura e simples do plano aprovado.
Com essa fundamentação, julgaria improcedente a apelação, mas alteraria a decisão recorrida recusando a homologação do plano de insolvência.

Aristides Rodrigues de Almeida