Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
770/11.0TBGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: INSOLVÊNCIA
RENDIMENTO A RETER PELO INSOLVENTE
Nº do Documento: RP20190627770/11.0TBGDM.P1
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 178, FLS.2-6 VRS.)
Área Temática: .
Sumário: I - A noção de rendimentos tem uma abrangência bastante ampla, correspondendo a qualquer provento económico de uma pessoa, com carácter regular ou irregular, a título principal ou acessório.
II - O reembolso das despesas médicas ou medicamentosas ao servidor do Estado realizadas pela ADSE, corresponde à reposição directa de um gasto, que, de um modo indirecto, traduz a reconfiguração, pelo menos parcial, de um rendimento, o qual passa a estar disponível por parte do insolvente.
III - Tratando-se de um rendimento disponível do insolvente - devedor, encontra-se o mesmo afecto às finalidades do período de cessão para pagamento das custas, remuneração do administrador de insolvência e fiduciário, assim como dos credores da insolvência, encontrando-se excluído dessa cessão, entre outros, o rendimento para um sustento minimamente digno, o qual deverá ser deduzido àquele rendimento global.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 770/11.0TBGDM.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes;
Adjuntos; Filipe Caroço; Judite Pires
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
1.1 No processo n.º 770/11.0TBGDM do Juízo do Comércio de Santo Tirso, J1, da Comarca do Porto, em que são:

Recorrente/Insolventes: B…, C…

Recorridos/credores: Banco D…, S.A. e outros

foi proferida decisão em 24/jan./2019 mediante a qual foi decidido o seguinte: “Nestes termos, devem os devedores proceder a pagamento da quantia em dívida - €4.089,19, no prazo de 10 dias, sob cominação de recusa de exoneração – artigo 243.º e 244.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.
1.2 Os insolventes mediante requerimento de 05/jan./2018 formularam as seguintes pretensões:
“1. Que se releve a falha dos devedores atenta a sua particular situação pessoal.
2. Que se determine como excluídas da cessão as quantias relativas aos reembolsos efectuados pela ADSE.
3. Que se dêem como necessárias e justificadas as despesas que estiveram na origem das faltas de depósito das quantias referidas em 12. e 13., excluindo-as da cessão.
4. Que se reconheça a prestação de contas efectuada em 27/5/2016, conforme ponto 8.
5. Que se reconheça como valores entregues indevidamente os valores referidos em 15. e 16., em face da não correcção dos valores de referencia, i. e., salário mínimo nacional para os anos de 2015 e 2016, calculado em 764,44€.
6. Que se considerem apresentadas as contas referentes Maio de 2016 a Dezembro de 2017, com o valor a ceder apurado de €2.619,75, excluindo-se desta feita os reembolsos da ADSE.
7. Que se determine que seja compensado, no valor a ceder apurado de €2619,75, a quantia de €764,44, referente aos valores cedidos em excesso, fixando-se em 1.855,31€ a quantia a ceder referente ao período de Maio de 2016 a Dezembro de 2017.
8. Que se conceda o prazo de 30 dias para o depósito desse montante após decisão judicial.
9. Que seja notificado o fiduciário do presente requerimento e seus documentos, e posterior decisão para complementar o relatório apresentado.”
1.3 O fiduciário mediante requerimento de 03/jul./2018 considerou que até março de 2018 está em falta à massa insolvente o valor de €4.663,79, mediante quadro de exoneração aí apresentado.
1.4 Por requerimento de 23/jul./2018 os insolventes vieram requerer o seguinte:
“1. Que se releve a falha dos devedores atenta a sua particular situação pessoal.
2. Que se determine como excluídas da cessão as quantias relativas aos reembolsos efectuados pela ADSE.
3. Que se dêem como necessárias e justificadas as despesas que estiveram na origem das faltas de depósito das quantias referidas, excluindo-as da cessão.
4. Que se reconheça a prestação de contas efectuada em 27/5/2016, bem como as contas referentes a Maio de 2016 a Dezembro de 2017, e já consideradas pelo AI no seu último requerimento, e excluindo-se desta feita os reembolsos da ADSE.
5. Fixando-se em €1.488,67 a quantia em falta a ceder.
6. Que se conceda o prazo de 30 dias para o depósito desse montante após decisão judicial.”
1.3 Por requerimento de 23/dez./2018 o fiduciário pronunciou-se essencialmente do seguinte modo:
“O aqui Administrador não pode concordar com a dedução de despesas pagas pela ADSE, pois que são despesas em causa são pagas pela a ADSE não têm os insolventes que suportar as mesmas.
Assim, o valor em dívida indicado pelo aqui fiduciário mantém-se”.
1.4 O Ministério Público mediante promoção de 23/jan./2019 pronunciou-se nos seguintes termos:
“Assiste razão aos requerentes, na parte em que assinalam um erro de escrita (ou de cálculo) quanto ao valor global assinalado pelo Exm.º Fiduciário como estando em falta.
De facto, o somatório das diferenças entre os valores a ceder e os valores cedidos, resultante dos quadros de fls.546v. a 547v., ascende a €4.089,19 (e não €4.663,79).
Aderimos ao entendimento do Exmº Fiduciário no que concerne aos valores de reembolsos feitos pela ADSE.
Tudo considerado, nada se opõe ao requerido pelos insolventes, mas com exclusão, isto é, obrigação de cedência, dos valores de reembolsos da ADSE (alíneas a), c), e), f), g) e h) de fls.549v.-550.”
2. Os insolventes insurgiram-se contra esse despacho, interpondo recurso do mesmo em 12/fev./2019, pugnando pelo “... provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogada a decisão recorrida”, concluindo do seguinte modo:
I. Não podem os recorrentes concordar com o despacho de 24 de Janeiro de 2019, na sua segunda parte, como veremos infra, razão pela qual avançam com o recurso de apelação autónoma.
II. Entendem, desde já, os recorrentes, e salvo melhor opinião, que o recurso a final seria inútil, porquanto revogada a decisão agora impugnada, já teriam os recorrentes pago a quantia em falta para não ver negado o seu pedido de exoneração do passivo restante.
III. Requereram os recorrentes/insolventes que ao valor apurado (e devidamente corrigido) de 4.089,19€ fossem descontadas algumas quantias, de acordo com as justificações devidamente apresentadas e documentadas.
IV. Apurando-se, assim, um valor a entregar pelos insolventes de €1.488,67.
V. Colocado a parecer ao Digno Procurador da República o mesmo emite, a 23 de Janeiro de 2019, o seu entendimento no qual pugna pela ausência de razão dos recorrentes apenas quanto à questão dos reembolsos da ADSE (mormente as alíneas a), c), e), f), g) e h) de fls. 549v.-550).
VI. De onde se depreende, fazendo a leitura a contrario do parecer, que não se oporia ao requerido pelos insolvente nas restantes alíneas b) e d).
VII. No entanto, e apesar da adesão afirmada, a verdade é que o tribunal a quo não se pronunciou sobre todas as questões colocadas pelos insolventes para apreciação, o que configura uma nulidade que os recorrentes desde já suscitam.
VIII. A verdade é que o tribunal baseando-se no parecer formulado pelo Digno Procurador da República, e referindo-se na sua fundamentação apenas à questão dos reembolsos da ADSE, decide pelo pagamento integral da quantia em dívida, nada referindo sobre as questões referidas nas alíneas b) e d), sobre as quais, como vimos, o parecer não obstava.
IX. Pelo que, deverá esta nulidade ser suprida mediante o conhecimento destas questões e competente fundamentação.
X. Por seu turno, não podemos deixar de reforçar que os valores vertidos nos recibos de Julho de 2013, Janeiro de 2015, Dezembro de 2016, Janeiro, Abril e Novembro de 2017, referentes a óculos e próteses dentárias, não constituem uma retribuição/rendimento mas sim a mera devolução pela ADSE de quantias adiantadas para esse efeito pela devedora, em momento anterior.
XI. Com efeito, os benefícios concedidos pela ADSE, IP (Instituto de Proteção e Assistência na Doença) por actos médicos e afins são uma regalia social deste subsistema de saúde do Estado, para o qual o beneficiário mensalmente contribui, por desconto no seu salário, e que é paga a título de comparticipação.
XII. Para além do que, no que diz respeito às despesas com óculos e próteses dentárias não existe qualquer outro apoio para a sua aquisição, ainda que no sistema nacional de saúde, sendo que constituem sempre gastos de elevado montante.
XIII. O reembolso de tais montantes não constitui um enriquecimento do património dos recorrentes mas uma reposição do mesmo ao estado anterior da despesa efectuada.
XIV. Entendem os recorrentes/ insolventes, atenta a sua particular situação pessoal quer económica quer de saúde comprovada nos autos, que considerar os reembolsos da ADSE – diga-se de despesas médicas indispensáveis e já adiantadas com grande esforço pelos insolventes - um rendimento, atenta contra os seus constitucionais direitos de acesso à segurança social e à saúde.
3. No tribunal recorrido por despacho de 07/mar./2019 admitiu-se o recurso, não se tendo pronunciado o mesmo sobre a invocada nulidade.
4. Remetido o recurso para esta Relação foi o mesmo autuado em 06/mai./2019, procedendo-se a exame preliminar, cumprindo-se depois os vistos legais, nada obstando a que se conheça do mérito do recurso.
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O objecto deste recurso incide sobre a nulidade da decisão recorrida (a) e a qualificação dos reembolsos dos valores pela ADSE (b).
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. A decisão recorrida
“Aderimos ao entendimento do Exmo. Fiduciário e Digno Procurador da República no que concerne aos valores de reembolsos feitos pela ADSE.
De facto, no que se refere ao rendimento disponível a ceder deve ter-se em conta que o rendimento disponível do devedor objeto da cessão ao fiduciário, nos termos do artigo 239º/2 do CIRE, é integrado por todos os rendimentos que ao devedor advenham, a qualquer título. Na execução universal em que a insolvência se traduz, e no caso particular em que é requerida a exoneração do passivo restante, estabelece a lei o princípio de que todos os rendimentos que advenham ao devedor constituem rendimento disponível, a ser afeto às finalidades previstas no artigo 241º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (cumprimento das obrigações do devedor).
Assim, os reembolsos em causa configuram rendimento a ceder à fidúcia.
Nestes termos, devem os devedores proceder a pagamento da quantia em dívida - €4.089,19, no prazo de 10 dias, sob cominação de recusa de exoneração – artigo 243º e 244º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
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2. Fundamentos do recurso
a) Nulidade da decisão recorrida
O NCPC através do seu artigo 152.º, n.º 2 estabelece a noção legal de sentença, considerando como tal “... o a[c]to pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura”. E no que concerne ao regime jurídico das nulidades, o mesmo distingue as regras gerais, previstas no sua artigo 195.º, das regras das nulidades da sentença, com previsão no.
Naquele artigo 195.º, n.º 1 encontra-se estabelecido que “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. Mais à frente no artigo 196.º, regula que “Das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso”.
Por sua vez, tratando-se de nulidade da sentença, cujas causas estão enumeradas no artigo 615.º, sendo uma delas quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (n.º 1, alínea d)), o subsequente n.º 4 estabelece que “Das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso”.
No caso em apreço está em causa um despacho judicial, pelo que a existência da apontada nulidade deveria ter sido suscitada em 1.ª instância, não podendo esta Relação conhecer da mesma em sede de recurso. No entanto e interpretando a decisão recorrida, no seguimento da anterior promoção do Ministério Público e como de resto sustenta a recorrente na sua conclusão VI – “De onde se depreende, fazendo a leitura a contrario do parecer, que não se oporia ao requerido pelos insolvente nas restantes alíneas b) e d)” – até poderá deduzir-se no sentido que faz a recorrente. Mas nada melhor que o tribunal recorrido para superar eventuais dúvidas.
Nos termos expostos improcede o fundamento de recurso em apreço.
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b) Qualificação dos reembolsos dos valores pela ADSE
O Código de Insolvência e Recuperação de Empresa (Decreto – Lei n.º 53/2004, de 18/mar., DR I-A, n.º 66, sucessivamente alterado – CIRE), ao regular no artigo 239.º a cessão do rendimento disponível estabelece no seu n.º 2 que “O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte” – sendo nosso o negrito, assim como noutras situações adiante. Mais acrescenta-se no n.º 3 deste artigo 239.º que “Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) Do que seja razoavelmente necessário para: i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional; iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor”. A cessão do rendimento disponível tem em vista as finalidades indicadas pelo artigo 241.º, n.º 1, como seja o pagamento das custas em dívida (a)), reembolso das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário (b) e c)), o pagamento dos credores da insolvência, pelo remanescente (d)).
Mas o que se deve entender por rendimento? É certamente o Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares (Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/nov., sucessivamente alterado - CIRS) que melhor explicita o que se entende por rendimento. A propósito da sua base de imposto, estabelece no seu artigo 1.º que esta abrangem as categorias decorrentes dos rendimentos do trabalho dependente, dos rendimentos empresariais e profissionais, dos rendimento de capitais, dos rendimentos prediais, dos incrementos patrimoniais e as pensões. No que concerne propriamente aos rendimentos do trabalho e de acordo com o seu artigo 2.º considera que estes integram “todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de:” a) trabalho por conta de outrem ..; b) trabalho prestado ao abrigo do contrato de aquisição de serviços ...;
c) Exercício de função, serviço ou cargos públicos; d) situações de pré-reforma, pré-aposentação ou reserva, ...”. De seguida no seu n.º 2 considera que “Os rendimentos, quer em dinheiro quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos”. No adiante n.º 3 precisa que “Consideram-se ainda rendimentos do trabalho:”, entre outras, as contempladas na alínea b), ou seja, “As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente: 1) Os abonos de família e respetivas prestações complementares, excepto na parte que não excedam os limites legais estabelecidos; ii) o subsídio de refeição na parte em que exceder o limite legal estabelecido ...”.
Por sua vez, o Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12/fev.) através do seu artigo 258.º estabelece no seu n.º 1 que “Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”, enumerando no n.º 2 que “A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie”, explicitando no n.º 3 que “Presume -se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” – no n.º 4 menciona-se que “À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código”.
Como se pode constatar, o CIRS tem uma noção mais ampla de rendimento do que o Código de Trabalho, porquanto aquela abrange “todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular proveniente”, enquanto esta abrange a retribuição enquanto contraprestação laboral com carácter regular, sendo aquela que mais se aproxima das finalidades do rendimentos disponível do insolvente-devedor para o período de cessão daqueles rendimentos.
O Decreto-Lei n.º 118/83, de 25/fev., sucessivamente alterado, ao estabelecer o funcionamento e esquema de benefícios do Instituto de Proteção e Assistência na Doença, IP, vulgarmente designada por ADSE, considera que este organismo tem por objectivo a proteção social, designadamente no domínio dos cuidados de saúde (artigo 1.º, n.º 1, alínea a)). Os beneficiários da ADSE são os titulares e os familiares ou equiparados (artigo 2.º), sendo aqueles qualquer servidor do Estado ou a quem seja reconhecida essa qualidade, em virtude de uma relação profissional laboral ou de prestação de serviços de natureza pública (artigo 3.º). No que concerne à concessão de benefícios no âmbito da prestação dos cuidados de saúde, a mesma assenta essencialmente em duas modalidades, a saber: i) reembolso ao beneficiário; ii) pagamento directo à entidade prestadora de serviços (artigo 19.º, n.º 3).
Deste quadro legal decorre que a noção de rendimentos tem uma abrangência bastante ampla, correspondendo a qualquer provento económico de uma pessoa, com carácter regular ou irregular, a título principal ou acessório. Tratando-se de um rendimento decorrente de uma relação laboral ou profissional, abrange tanto as remunerações pagas ou disponibilizadas a título principal, como as complementares.
Nesta conformidade, o reembolso das despesas médicas ou medicamentosas ao servidor do Estado realizadas pela ADSE, corresponde à reposição directa de um gasto, que, de um modo indirecto, traduz a reconfiguração, pelo menos parcial, de um rendimento, o qual passa a estar disponível por parte do insolvente. Tratando-se de um rendimento disponível do insolvente - devedor, encontra-se o mesmo afecto às finalidades do período de cessão para pagamento das custas, remuneração do administrador de insolvência e fiduciário, assim como dos credores da insolvência, encontrando-se excluído dessa cessão, entre outros, o rendimento para um sustento minimamente digno, o qual deverá ser deduzido àquele rendimento global.
A decisão recorrida apenas ponderou, se bem a percebemos, que o reembolso das despesas por parte da ADSE configura um rendimento, mas nada disse quanto a esta última ponderação de preservação de um rendimento minimamente digno, pelo que deve a mesma ser alterada nesse sentido.
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No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC apresenta-se o seguinte sumário:
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As custas deste recurso ficam a cargo dos recorrentes, na proporção de 2/3, devendo o restante 1/3 ser atendido a final – 527.º NCPC.
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelos insolventes B…, C…, em consequência, altera-se a decisão recorrida nos termos anteriormente mencionados em b) dos fundamentos deste recurso.

As custas deste recurso ficam a cargo dos recorrentes, na proporção de 2/3, devendo o restante 1/3 ser atendido a final.

Notifique.

Porto, 27 de junho de 2019
Joaquim Correia Gomes
Filipe Caroço
Judite Pires