Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1975/17.6T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: EXTINÇÃO DO CASAMENTO
RESPONSABILIDADE POR DÍVIDAS
PROCESSO ESPECIAL DE INVENTÁRIO
Nº do Documento: RP201906171975/17.6T8VLG.P1
Data do Acordão: 06/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 698-A, FLS 150-165)
Área Temática: .
Sumário: I - A extinção do casamento importa a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os cônjuges, a extinção da comunhão entre eles e a sua substituição por uma situação de indivisão a que se põe fim com a liquidação do património conjugal comum e com a sua partilha.
II - Relativamente à responsabilidade por dívidas, nos termos gerais, pode dizer-se que são devidas compensações quando as dívidas comuns dos cônjuges forem pagas com bens próprios de um dos cônjuges ou quando as dívidas de um só dos cônjuges sejam pagas com bens comuns (artigo 1697.º nºs 1 e 2 do Código Civil).
III - Importa, todavia, distinguir entre as verdadeiras compensações e os créditos entre os cônjuges. As compensações verificam-se entre o património comum e o património próprio de cada um dos cônjuges e, portanto, só têm lugar, evidentemente, nos regimes de comunhão; os créditos entre cônjuges são os que existem entre os patrimónios próprios de cada um dos cônjuges, sem intervenção do património comum, admissíveis em qualquer regime de bens e exigíveis a todo o tempo.
IV - Existe, porém um princípio geral que se pode deduzir do artigo 1689.º do CCivil que obriga às compensações entre os patrimónios dos cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento do outro e por assim ser são também compensáveis as situações a que se refere o artigo 1722.º. al. c) do CCivil.
V - O processo especial de inventário em consequência do divórcio, regulado nos artigos 79.º e ss. da Lei nº 23/2013 de 05/03 é, em princípio, o meio adequado para se conhecer e decidir dos chamados “créditos de compensação “ entre os cônjuges, devendo aí ser relacionados, e já não em processo de prestação de contas.
VI - Admite-se, contudo, que não tendo tais créditos sido relacionados no âmbito do inventário não fica o respectivo credor inibido de o fazer valer nos meios comuns mormente, quando na contestação à acção interposta para esse fim, o devedor não os admite, o que sempre obrigaria a considerar no inventário tal dívida litigiosa compelindo o credor a exigir o pagamento pelos meios comuns (cfr. artigos 32º e 33.º da Lei 23/2013 de 05/03).
VI - A arguição de nulidades por omissão de pronúncia, na ampliação do âmbito do recurso nos termos consignados no artigo 636.º, nº 2 do CPCivil, só pode ser feito quando não se tenha verificado a prejudicialidade a que se refere o artigo 608.º, nº 2 do mesmo diploma legal.
VII - Prejudicialidade, porém, que obriga a Relação a conhecer dessas questões quando entenda que a apelação procede e que a isso nada obsta e sempre que disponha dos elementos necessários (cfr. artigo 665.º, nº 2 do CPCivil).
VIII - Não obstante a lei faça retroagir os efeitos do divórcio, no tocante às relações patrimoniais entre os cônjuges, à data da propositura da acção de divórcio ou à data da cessação da coabitação entre ambos (cfr. 1789.º, nºs 1 e 2 do CCivil) vindo-se a provar que um empréstimo bancário foi contraído tanto pelo Autor como pela Ré, enquanto casados, sendo, portanto, uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges [cfr. o cit. art. 1691º, nº 1, al. a), do CCivil] mas que foi apenas o Autor quem, antes da data divórcio e até determinada data, suportou o pagamento da totalidade das prestações do mesmo empréstimo do seguro hipotecário e IMI com bens próprios, tem de concluir-se ser o Autor titular, sobre a Ré, dum crédito correspondente àquilo que pagou a mais do que devia, nos termos do artigo 1697.º, nº 1 do Cód. Civil.
IX - É que, deve atender-se ao artigo 1730.º do Cód. Civil, que estabelece a regra da metade, isto é, os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo de resto nula qualquer estipulação que afaste a referida regra.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1975/17.6T8VLG.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível do Porto-J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, residente na Rua …, nº .., apartamento .., Ermesinde, veio intentar a presente acção de processo comum contra C…, residente na Rua …, nº …, fracção A, Porto, peticionando a condenação desta no pagamento àquele da quantia de € 19.167,65 (dezanove mil, cento e sessenta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos), sendo € 12.500,00 da diferença do valor das tornas pertencentes à ré referente ao imóvel objecto de partilha extrajudicial deduzido do capital próprio do autor, € 4.616,09 referente ao pagamento que caberia à ré das prestações crédito hipotecário, € 366,20 referente ao pagamento que caberia à ré de contribuição IMI, € 185.36 referente ao pagamento que caberia à ré de valores seguro e de € 1,500,00 como adiantamento de tornas que o autor realizou.
Para o efeito alega, em resumo, que:
a)- Autor e Ré foram casados, tendo a dissolução do casamento sido decretada no dia 02 de Fevereiro do corrente ano, com decisão transitada em 13 de Março;
b)- No dia, 26 de Abril de 2017, entre Autor e Ré foi outorgada escritura de partilha, relativamente à casa de morada de família, tendo o Autor pago à Ré, a título de tornas, pela partilha do imóvel que foi casa de morada de família, quantia de € 66.446,08;
c)- Contudo, não foi tido em conta o valor de capital próprio com o qual o Autor contribuiu, para a construção do imóvel;
d)- Mais refere que a Ré saiu da casa de morada de família e arrendou um imóvel em Fevereiro de 2016, antes do divórcio, e que durante esse tempo e até ao dia em que foi decretado o divórcio e decidida a atribuição da casa de morada de família, o Autor foi quem suportou a totalidade das prestações do crédito hipotecário, sendo da responsabilidade da Ré suportar metade desse valor;
e)- Os pagamentos do IMI referentes ao ano de 2015 pagos no ano de 2016, foram integralmente suportados pelo A. num total de € 732,41, sendo da responsabilidade da Ré suportar metade desse valor;
f)- O autor suportou ainda o pagamento dos valores de seguro, inerentes ao crédito hipotecário, num total anual de € 370,72, sendo da responsabilidade da Ré suportar metade desse valor;
g)- O A. entregou à ré a quantia de € 1.500,00 durante a separação, e por conta das tornas que viessem a ser apuradas, quantia que tem de ser pela mesma devolvida.
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A ré contestou invocando erro na forma do processo, por considerar que o autor deveria ter reclamado os créditos supra elencados no inventário para partilha dos bens do dissolvido casal e que corre termos no Cartório Notarial com o n.º 2725/2017. Requereu ainda a condenação do autor como litigante de má fé.
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Tendo o processo seguido os seus regulares termos foi proferido despacho saneador em que:
a)- julgou verificada a excepção dilatória inominada consubstanciada no uso indevido da acção declarativa, com forma de processo comum, e, consequentemente, absolveu a R. da instância, nos termos do n.º 2 do art.º 576º (e art.º 577º), do Código de Processo Civil;
b)- e julgou improcedente o incidente de litigância de má fé suscitado pela ré.
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Não se conformando com o assim decidido veio o Autor interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
A)- O pedido do Recorrente nos autos pode e deve ser julgado nos meios comuns e com recurso ao tribunal.
B)- O disposto no artigo 1697.º, do CC estabelece o momento “ a partir “ do qual os acertos de contas entre cônjuges pode ser feito, estabelecendo o nº1, que só na partilha dos bens do casal se façam essas contas.
C)- O nº 1 do artigo 1697.º do CC, impede que se faça o acerto de contas, antes da dissolução conjugal-(salvo se vigorar regime de separação de bens) D). No nº2 é fixada a forma como esse crédito é imputado no momento da partilha.
E)- Ou seja o artigo 1697.º do CC estabelece o momento e a forma.
F)- É consabido, que existem questões relacionadas com reconhecimento de créditos, a operar a compensação, que só com recurso aos meios comuns são resolvidas.
G)- Nos termos do artigo 941.º do CPC está consagrada a possibilidade de quem administra os bens, poder fazer por iniciativa própria, a prestação de contas. Trata-se de uma faculdade não de uma obrigatoriedade.
H) O bem (casa de morada de família) aquando do inventário intentado pela recorrida, já não era bem comum. Já tinha sido extrajudicialmente partilhado, por escritura de 26 de Abril de 2017, e nessa data a Recorrida não aceitou acertar contas e reconhecer o crédito do recorrente.
I) Impugnado e não reconhecido o crédito por parte da Recorrida, só nos meios comuns essa questão pode ser apurada e resolvida, e só através de acção declarativa pode o Recorrente ver satisfeito o seu pedido.
J) Conjugado o disposto no artigo 645.º com o artigo 576.º, nº 2 e artigo 577.º todos do CPC não existe nenhuma excepção dilatória nem incompetência em razão da matéria, nem erro na forma do processo que impeça o prosseguimento dos autos.
K) Houve manifesta e evidente errada apreciação do direito à factualidade, sendo que o processo é o próprio para julgar a pretensão do Recorrente.
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Devidamente notificado contra-alegou a Ré concluindo pelo não provimento recurso e ampliando o objecto do recurso formulou as seguintes conclusões:
A) Julgada a acção improcedente, embora por fundamento diverso do invocado pela Ré, esta não tem legitimidade para recorrer, por não ser parte vencida (art. 631º, nº 1, do C.P.C.); interposto recurso dessa decisão, pelo Autor, a Ré pode sustentar, nas contra-alegações, que a decisão deve manter-se por fundamento não considerado no tribunal recorrido.
B) Ao não apreciar especificamente a questão da incompetência em razão da matéria e do erro na forma do processo, arguida pela Ré na contestação, a sentença em recurso está ferida de nulidade (omissão de pronúncia–art. 615º, nº 1 al. d) do C.P.C.), que aqui, a título subsidiário, expressamente se suscita, ao abrigo do disposto no artigo 636º, nº 2º do C.P.C., “prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”.
C) Requerendo, pois, a Recorrida, a título subsidiário, a apreciação da questão da incompetência em razão da matéria e do erro na forma do processo.
D) Nos pontos 28º a 35º e 38º e 39º da petição e alíneas b) e d) do pedido, reclama o Autor o pagamento pela Ré de metade das quantias aí mencionadas.
E) Sucede que, no âmbito do processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, que sob o número 2973/16.2T8GDM, correu seus termos pelo Juízo de Família e Menores de Gondomar–Juiz 1, foi alcançado um acordo global, em sede de Audiência Prévia, segundo o qual, quanto à utilização daquela que foi a casa de morada de família, refere que “O uso da casa de morada de família, supra identificada (verba n.º 1), fica atribuído ao cônjuge marido até á venda ou partilha. Como contrapartida, o cônjuge marido assume o pagamento dos empréstimos concedidos pelo banco D… para aquisição do imóvel supramencionado”.
F) Tudo conforme cópia integral, da Ata de Audiência Prévia, junta como Doc. 2º da contestação.
G) O referido acordo foi homologado e transitou em julgado, conforme expressamente reconhecido pelo Autor e consta, expressamente, da escritura de partilha junta como Doc. 1º da petição inicial.
H) Assim, quanto aos pontos 28º a 35º e 38º e 39º do petitório e alíneas b) e d) do pedido, verifica-se a excepção dilatória do caso julgado, que foi expressamente suscitada pela ora Recorrida, em sede de contestação.
I) A consequência quanto a estas duas alíneas do pedido é a absolvição da instância (ut 576º, nº 2 do C.P.C.).
J) Contudo, ao não apreciar a questão do trânsito em julgado, arguida pela Ré, a Sentença em recurso está ferida de nulidade (omissão de pronúncia–art. 615º, nº 1 al. d) do C.P.C.), que aqui, a título subsidiário, expressamente se suscita, ao abrigo do disposto no artigo 636º, nº 2º do C.P.C., “prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”.
K) Requerendo, pois, a Recorrida, a título subsidiário, a apreciação da questão do trânsito em julgado.
L) Nos pontos 28º e seguintes do, aliás, mui douto petitório, o Autor reclama o pagamento de diversas quantias que terá pago desde a alegada saída da Ré em Fevereiro de 2016.
M) Atendendo ao disposto no artigo 1789º, nº 1, é a data da propositura da acção de divórcio, por parte do A., que se reporta a 04/10/2016 (cfr. doc 3º junto com a contestação).
N) Assim, todas as quantias alegadamente pagas pelo A. E reclamadas nestes autos, relativas ao período compreendido entre 2/2016 e 04/10/2016, são manifestamente inexigíveis,
O) Designadamente, amortizações do crédito hipotecário, IMI e seguro inerente ao crédito hipotecário.
P) Quanto ao alegado nos pontos 40º e 41º e alínea e) da petição.
Q) Em primeiro lugar, porque duas dessas quantias foram pagas antes da propositura da acção de divórcio e, como tal, são inexigíveis.
R) Em segundo lugar porque foram pagas a título de alimentos, uma vez que a Recorrida não tinha qualquer rendimento.
S) Em terceiro lugar, porque esses pagamentos mais não foram do que uma prestação espontânea, paga pelo aqui Apelante, em cumprimento de uma obrigação natural e que, como tal, não podem ser reclamadas (ut art. 402º e ss do C.C.).
T) Aliás, prova disso mesmo, decorre do facto de o último desses pagamentos ter sido efectuado a 12/10/2016, isto é, posteriormente à propositura do divórcio litigioso, num momento em que não havia qualquer acordo possível, na perspectiva do próprio Recorrente!
U) A consequência quanto a estes pedidos (pagamentos do Recorrente anteriores à propositura do divórcio) é a absolvição do pedido (ut 576º, nº 3 do C.P.C.).
V) Contudo, ao não apreciar estas excepções inominadas, arguidas pela Ré, a Sentença em recurso está ferida de nulidade (omissão de pronúncia–art. 615º, nº 1 al. d) do C.P.C.), que aqui, a título subsidiário, expressamente se suscita, ao abrigo do disposto no artigo 636º, nº 2º do C.P.C., “prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”.
W) Requerendo, pois, a Recorrida, a título subsidiário, a apreciação destas excepções inominadas.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão a decidir no recurso interposto pela Autora:
a)- saber se se verifica, ou não, a excepção dilatória inominada do uso indevido da acção declarativa.
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Na ampliação do âmbito do recurso é igualmente apenas uma a questão a decidir:

a)- saber se se verifica, ou não, a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.

A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a apreciação e decisão da questão suscitada no presente recurso, importa ter em consideração a dinâmica processual supra referida no relatório.
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III. O DIREITO
1- Recurso da Autora
a)- saber se se verifica, ou não, a excepção dilatória inominada do uso indevido da acção declarativa.
Como se evidencia da decisão recorrida o tribunal a quo conclui que a Autora usou indevidamente acção declarativa, existindo erro na forma de processo.
Deste entendimento dissente a Autora, alegando que não se verifica a referida excepção e que, portanto, só através do processo comum podia ver satisfeitos os pedidos formulados.
Quid iuris?
Relativamente ao valor de € 12.500,00-diferença do valor imóvel deduzido capital próprio, o tribunal recorrido considerou que tal crédito deveria ter sido relacionado como passivo do património comum no processo de inventário, invocando como fundamento legal o disposto no artigo 1697.º do CPCivil.
Será que assim era?
Analisando.
As relações patrimoniais entre os cônjuges cessam com a dissolução do casamento, designadamente através do divórcio (cfr. artigos 1788.º e 1795.º-A do C.Civil), produzindo-se, neste caso, os seus efeitos entre eles a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, retroagindo-se à data da propositura da acção (cfr. artigos 1688.º e 1789.º, nº1 do mesmo diploma).
Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal (cfr. artigo 1689.º do CCivil), e sendo esta judicial, através do processo especial de inventário regulado na Lei nº 23/2013 de 05/03.
Nela, cada cônjuge receberá os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, conferindo previamente o que dever a este património.
Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes (cfr. artigo 1689.º, nº 2 do CCivil).
Não havendo património comum suficiente para o pagamento das dívidas comunicáveis, poderão estas ser pagas pelo produto dos bens próprios de cada um dos cônjuges, consoante o regime de bens (cfr. artigo 1695.º do CCivil).
Na liquidação do passivo entram ainda as dívidas dos cônjuges entre si, as quais são pagas pela meação do cônjuge devedor no património comum, mas na ausência ou insuficiência de bens comuns respondem os bens próprios de cada um deles (cfr. artigo 1689.º, nº 3 do CCivil).
Estas dívidas são as que resultam, em regra, de terem sido pagas com bens próprios de um dos cônjuges dívidas da responsabilidade de ambos, em que o primeiro se torna credor do outro.
Por conseguinte, seguindo o esquema proposto por Pereira Coelho[1], a partilha em sentido amplo desdobra-se em três operações:
a) - A separação dos bens próprios, como operação ideal preliminar;
b) - a liquidação do património comum, destinada a apurar o valor do activo líquido, através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges;
c) - a partilha propriamente dita.
No tocante à responsabilidade por dívidas, nos termos gerais, pode dizer-se que são devidas compensações quando as dívidas comuns dos cônjuges forem pagas com bens próprios de um dos cônjuges ou quando as dívidas de um só dos cônjuges sejam pagas com bens comuns (artigo 1697.º, nºs 1 e 2 do Código Civil). Estas compensações só são exigíveis no momento da partilha dos bens do casal (artigo 1697.º, nº 1 do Código Civil)[2].
Importa, porém, distinguir as compensações e os créditos entre cônjuges como realidades distintas.
Conforme explica Cristina Araújo Dias[3] “A compensação é o meio de prestação de contas do movimento de valores entre a comunhão e o património próprio de cada cônjuge que se verifica no decurso do regime de comunhão. A compensação aparecerá, no momento da liquidação e partilha, ou como um crédito da comunhão face ao património próprio de um dos cônjuges ou como uma dívida da comunhão face a tal património, permitindo que, no fim, uma massa de bens não enriqueça em detrimento e à custa de outra. (…) Por definição, uma compensação presume um movimento de valores entre o património comum e o património próprio de um dos cônjuges. Se, durante o regime matrimonial, a transferência de valores se realizar entre os patrimónios próprios, haverá um crédito entre cônjuges, e não uma compensação. Tais créditos entre cônjuges obedecem a um regime jurídico distinto da compensação. Desde logo, salvo convenção em contrário, tais créditos são exigíveis desde o momento do seu surgimento, por estarem sujeitos ao regime geral do Direito das Obrigações, não se justificando o seu diferimento para o momento da partilha”.
E, a mesma autora continua[4]: “(…) esses créditos não integram a massa a partilhar nem constam de uma conta como as compensações. Daí a importância e necessidade da distinção entre compensações e créditos entre cônjuges. O regime jurídico é diferente, sobretudo ao nível do seu cálculo, avaliação e exigibilidade, estando as compensações sujeitas a um regime particular, ao passo que os créditos entre cônjuges submetem-se ao regime geral do Direito das Obrigações”.
Quanto ao modo como opera a compensação, é incisiva a seguinte explicação da mesma autora[5]: “É efectivamente a meação do cônjuge não credor que compensará o cônjuge que respondeu com o seu património por dívidas comuns (cf. o art. 1689.º, nº3), verificando-se, desta forma, uma compensação do património comum ao próprio de um dos cônjuges. É que, note-se, dada a ausência de personalidade jurídica da comunhão, os titulares do património comum são, efectivamente, ambos os cônjuges. No final, a compensação devida a um dos cônjuges pela comunhão será paga por um acréscimo da meação do cônjuge credor nos bens comuns, de valor igual ao da compensação devida e, necessariamente, por uma diminuição, na mesma proporção, na meação do outro cônjuges. A tal não obsta que se trate de um património de afectação especial e com autonomia (ainda que não plena) face aos cônjuges e ao património próprio de cada um deles. A não ser assim, no final, tratar-se-ia sempre de relações entre patrimónios próprios e as compensações (stricto sensu) não tinham razão de existir”.
Não é uniforme o entendimento de que os “créditos de compensação” devem ser relacionados no processo de inventário.
Lopes Cardoso[6] ao pronunciar-se sobre a relacionação do passivo, a propósito das dívidas dos cônjuges entre si, defende que não devem ser objecto de relacionação no inventário, apesar de serem consideradas no momento da partilha para serem pagas, argumentando que: “estes créditos não respeitam ao património comum mas ao património individual do cônjuge credor, constituindo, em contrapartida, elemento negativo do cônjuge devedor. Assim, não deverão ser objecto de relacionação isto mau grado deverem ser considerados no momento da partilha para serem satisfeitos na conformidade do disposto no art. 1689º-3 do Código Civil”.
Outra posição é no sentido de que os créditos devem ser discutidos em processo de inventário subsequente ao divórcio por ser o adequado para conhecer dos “créditos de compensação”.[7]
Por nossa parte aderimos também a este segundo entendimento, considerando que também os “créditos de compensação” devem ser relacionados pelo cabeça de casal, por o processo especial de inventário em consequência do divórcio ser o meio adequado para decidir deles.
Com efeito, destinando-se o inventário também à liquidação efectiva das responsabilidades entre os cônjuges e destes para com terceiros, isso implica que devam ser relacionados todos os bens do casal, comuns ou próprios de qualquer dos cônjuges, sem discriminação entre eles, por se tratar de uma questão de partilha, embora com distinção da sua origem na respectiva relação de bens.
Tal interpretação resulta, além do mais, do artigo 1689.º nº1 do CC, ao referir expressamente “recebem os bens próprios e a sua meação no património comum”.[8]
Dada a natureza e a especificidade do inventário subsequente ao divórcio, e uma vez que os “créditos de compensação” devem ser considerados no momento da partilha, para nela serem pagos, impõe-se a sua relacionação, como decorre do artigo 1697.º nº 1 do CCivil, em conjugação com a norma adjectiva dos artigos 25.º, nº 2 d 26.º, nº 3 al. a) da Lei nº 23/2013 de 05/03.
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Postos estes considerandos, e quanto ao valor de € 12.500,00, [cfr. al. c) do relatório] não cremos, salvo o devido respeito, que estejamos perante qualquer dívida compensatória nos termos que se deixaram assinalados, e, portanto, integrando a factie species do artigo 1697.º, nº 1 do CCivil como decidiu o tribunal recorrido.
Efectivamente, o que refere o recorrente na petição inicial é que o ex-casal, Autor e Ré, venderam a casa sita na Rua …, pelo preço de € 100.00,00 (20.000,00cts) e destinaram esse valor para financiar a construção da casa cuja escritura de partilha foi efectuada a 26/04/2017, sendo que desses € 100.000,00 (20.000,00cts) que foi o preço da venda da 1ª casa do casal, € 25.000,00 (5.000,00cts) eram bem próprio do Autor por lhe terem sido doados pelo seu pai (cfr. artigos 15º a 17º da petição inicial).
Portanto, o que daqui resulta é que o Autor recorrente terá contribuído com um adicional de € 25.000,00 que constituía um bem próprio dele para a construção daquela que foi a casa de morada de família, subsumível, pois, a al. c) do artigo 1722.º do CCivil.
Não obstante, cremos, que mesmo assim tal dívida será ainda compensável.
Atentemos.
Na fase da liquidação da comunhão, cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve. O cônjuge devedor deverá compensar, nesse momento, o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum. Uma vez apurada a existência de compensação a efectuar à comunhão, procede-se ao seu pagamento através da imputação do seu valor actualizado na meação do cônjuge devedor, que assim receberá menos nos bens comuns, ou na falta destes, mediante bens próprios do cônjuge devedor de forma a completar a massa comum.
É verdade que não há uma norma legal que expressamente contemple a espécie sujeita.
Deve, contudo, admitir-se um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro.[9] Caso contrário, verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custa do património de um dos cônjuges ou de um dos cônjuges à custa do património comum.
Por isso, e como refere Cristina Araújo Dias[10] “apesar de não estar expressamente previsto, admitimos também a existência de compensações nos termos do art. 1723.º, al. c)” (negrito e sublinhados nossos).
A mesma autora refere ter seguido o entendimento defendido por M.ª Rita A. G. Lobo Xavier, Limites à autonomia privada Na Disciplina Das Relações Patrimoniais Entre Os Cônjuges, pag. 395. referindo na nota 1359 o seguinte: “Sobre esta hipótese de um direito de compensação do cônjuge prejudicado com o ingresso de um bem próprio na comunhão, por não indicação da proveniência dos valores em causa, nos termos da al. c) do art. 1723.º, no momento da dissolução e partilha do património comum, v., M.ª Rita A. G. Lobo Xavier, “A sub-rogação real indirecta...”, loc. cit., pp. 185 e segs., e Limites à autonomia privada..., cit., pp. 350 e segs. Com efeito, se a compensação visa evitar o enriquecimento injusto de um património à custa de outro, comprovando-se que o ingresso de um bem na comunhão empobreceu o património próprio de um dos cônjuges, não nos choca admitir a compensação deste pelo património comum, muito embora o art. 1723.º, al. c), não o refira expressamente. As normas reguladoras das compensações “reafirmam um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles se encontre enriquecido em detrimento de outro” (M.ª Rita A. G. Lobo Xavier, Limites à autonomia privada..., cit., p. 352). Aceitando também a existência de uma compensação nessa situação, v., Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, ob. cit., p. 473.
Será de admitir a existência de compensações em qualquer situação em que, no final do regime de bens, um dos patrimónios se encontre empobrecido em detrimento do outro (…)” (negrito e sublinhados nossos).
Daqui decorre que sendo a referido dívida compensável nos termos sobreditos, também ele devia ser exigida no momento da partilha e no âmbito do respectivo inventário para partilha dos bens comuns do casal que corre termos no Cartório Notarial com o n.º 2725/2017.
Mas será que não tendo sido tal crédito relacionado no âmbito do referido inventário está o Autor recorrente impedido de o exigir nos presentes autos?
A resposta, salvo o devido respeito por diferente opinião, afigura-se-nos negativa.
Vejamos.
Importa, desde logo, assinalar que na situação dos autos comprova-se que no dia 26 de Abril de 2017, entre Autor e Ré foi outorgada escritura de partilha, relativamente à casa de morada de família embora sem contemplar este crédito e, por conseguinte, a razão de ser do diferimento da exigibilidade do crédito para o momento da partilha (perturbação do casamento) deixou aqui de verificar-se.
Por outro lado, segundo o disposto nos artigos 32.º, 37.º e segs. da Lei nº 23/2013 de 05/03, aplicável aqui ex vi artigo 79.º, nº 3 do mesmo diploma, sendo negada a dívida em processo de inventário e não aprovada por acordo, os interessados mantêm o direito de exigir o pagamento pelos meios comuns, pois que nessa caso se mantém como litigiosa.
Ora, no caso em apreço, verifica-se, pela posição da Ré no seu articulado de contestação, que a dívida em causa se apresenta como litigiosa.
Com efeito, como decorre dos artigos 35º a 47º do referido articulado a Ré nega a existência de tal crédito (dívida).
Neste contexto, tendo em conta a pretensão da Autora e a natureza do crédito, a posição assumida pelas partes, e as razões de economia processual o processo comum apresenta-se adequado.
Efectivamente, mal se compreenderia julgar-se verificado o erro na forma de processo, como decidiu o tribunal recorrido, para depois, face à posição da Ré, não ser reconhecida tal dívida no âmbito do inventário e ter o Autor recorrente que lançar do processo comum para que fosse reconhecida tal dívida e exigido o subsequente pagamento.
Ao processo repugna a prática de actos inúteis (cfr. artigo 130.º do CPCivil).
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Mas ainda que assim não se entendesse sempre seria de seguir a posição expressa no Ac. do STJ de 27/4/1999 (Processo nº 99A133-Relator Francisco Lourenço)[11], ou seja, o facto de o aqui Autor apelante não ter invocado no inventário o seu crédito sobre a Ré, não o inibe de o fazer valer agora, nos meios comuns.
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No que tange aos créditos de que o autor se arroga e que se encontram descritos supra em d) a g) do relatório, o tribunal recorrido considerou também existir erro na forma do processo por os mesmos deverem ser pedidos no processo especial de prestação de contas nos termos preceituados no artigo 941.º e ss. do CPCivil e que tendo sido instaurado, no competente cartório notarial, processo de inventário subsequente ao divórcio, são estes autos os competentes para a tramitação com vista a decidir da referida prestação.
Vejamos se assim é.
Importa, desde logo, assinalar que os créditos em causa se referem a montantes que o Autor recorrente alega ter pago com dinheiro próprio, naturalmente, antes de ter sido decretado o divórcio, ou seja, referem-se a valores das prestações do crédito hipotecário, contribuição IMI e seguros e ainda adiantamento de tornas, desde que a Ré saiu da casa de morada de família e arrendou um imóvel em Fevereiro de 2016 até ao dia em que foi decretado o divórcio e decidida a atribuição da casa de morada de família (cfr. artigos 28º e ss. da petição inicial).
Ora, não há dúvida que desde que esteja a correr o inventário notarial, a prestação voluntária de contas pelo cabeça de casal em cumprimento do dever que lhe é imposto no artigo 45.º[12] da Lei 23/2013 aplicável ex vi artigo 79.º, nº 3 do mesmo diploma legal, ocorrerá sempre no inventário notarial (questão que, aliás, já por nós foi decidida no processo 22255/17.1T8PRT.P1 publicado in www.dgsi, citado pela recorrida nas suas alegações recursivas).
Acontece que no caso concreto não se vislumbra que o Autor recorrente pretenda a conta do cabecelato, como refere a Ré recorrida na sua contestação e que o tribunal recorrido sancionou (cfr. artigo 6º do referido articulado).
O que o Autor pretende é que lhe seja paga a metade dos valores referentes às prestações do crédito hipotecário, contribuição IMI e seguros e ainda a totalidade do adiantamento de tornas.
Como assim, perante o citado pedido não se divisa onde exista o erro na forma do processo por referência ao processo de prestação de contas.
O processo é comum ou especial (artigo 546.º, nº 1 do CPC). O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum aplica-se a todos os casos a que não corresponda processo especial (nº 2 do mesmo diploma legal).
Dado que não existe um processo especial, mas uma multiplicidade de processos especiais, cada um dos quais apresenta, em relação aos outros diferença sensíveis de forma, e como cada processo especial deve ser aplicado ao caso para o qual a lei expressamente o estabeleceu, o problema da forma de processo empregar em cada caso concreto põe-se assim: ao caso corresponde, segundo a lei, algum processo especial?
A resposta é dada pelo procedimento seguinte: examina-se se, entre o quadro dos processos especiais há algum que se ajuste ao caso de que se trata, averigua-se se, para o caso vertente, a lei estabeleceu algum processo especial. Se a averiguação conduz a um resultado positivo, a lança-se mão do processo especial; se o resultado é negativo concluiu-se, de forma segura, que tem de empregar-se processo comum.
Ora, resolvendo-se a questão do erro na forma do processo em face do pedido formulado na acção[13] em confronto com o fim a que, segundo a lei, o processo especial se destina, averiguemos do objectivo do processo especial de prestação de contas.
A acção especial de prestação de contas-processualmente definida nos artigos 941.º do CPCivil ou artigo 45.º da já citada Lei nº 23/2013 de 05/03-tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
Procedendo ao aludido confronto do pedido formulado pelo Autor com o fim para que, segundo a lei, o processo especial de prestação de contas foi estabelecido, concluímos que não há correspondência entre o seu pedido e tal fim: o Autor recorrente não formula qualquer exigência de prestação de contas e de eventual condenação no pagamento do saldo; a quantia que reclama não é configurada como resultando de um qualquer acto de administração do Autor relativamente a bem comum (casa de habitação) do dissolvido casal. Isto é, em momento algum, a afirmação volitiva do efeito jurídico material pretendido pressupõe a qualidade jurídica de obrigada à prestação de contas por banda do Autor.
Como supra se referiu o que o Autor pretende é a compensação de créditos nos termos do artigo 1697.º, nº 1 do CCivil já atrás analisado, ou seja, sendo a casa de morada de família um bem comum, o pagamento dos referidos valores referentes às prestações do crédito hipotecário, contribuição IMI e seguros, era também uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges e, tendo o Autor pago a totalidade, ficou credor da Ré no montante de metade de tais valores.
E, assim sendo, valém aqui, mutatis mutandis, as mesmas considerações feita a propósito do crédito anterior, ou seja, também ele era exigível apenas no momento da partilha e no âmbito do processo de inventário.
Todavia, também aqui valem os argumentos atrás referenciados quanto ao crédito de € 12.500,00.
Efectivamente, também a Ré recorrente nega a existência do referido crédito invocando até, na contestação, a excepção de caso julgado quanto a este crédito.
Neste contexto, tendo em conta a pretensão da Autora e a natureza do crédito, a posição assumida pelas partes, e as razões de economia processual o processo comum apresenta-se adequado, sendo que, sempre seria também aqui de seguir a posição expressa no Ac. do STL de 27/04/1999 atrás citado.
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Aliás, diga-se, que quanto ao alegado crédito de € 1.500,00 nunca existiria erro na forma de processo por não se tratar de qualquer crédito compensável mas sim da transferência de valores entre os patrimónios próprios, ou seja, de um crédito entre cônjuges, e não uma compensação, razão pela, salvo convenção em contrário, tais créditos são exigíveis desde o momento do seu surgimento, por estarem sujeitos ao regime geral do Direito das Obrigações, não se justificando o seu diferimento para o momento da partilha e através do processo comum.
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Destarte, procedem as conclusões formuladas pelo Autor recorrente e, com elas, o respectivo recurso havendo assim que revogar a decisão recorrido.
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2- Ampliação do âmbito do recurso

Como supra se referiu é apenas uma a questão a decidir neste âmbito:

a)- saber se se verifica, ou não, a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.

Como se evidencia das alegações recursivas a Ré recorrente pretende que seja apreciada, a título subsidiário, a nulidade da decisão recorrido por omissão de pronúncia quanto à questões do erro na forma de processo, incompetência em razão da matéria, excepção de caso julgado e excepções peremptórias inominadas invocadas na sua contestação.
Quid iuris?
Preceitua o artigo 636.º, nº 2 do CPCivil sob a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido” que:
1 – (…)
2 - Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
3 – (…).
Portanto, dúvidas não existem de que, na sua alegação recursiva o recorrente pode arguir e título subsidiário, a nulidade da sentença.
Mas em que circunstâncias é que o pode fazer?
Analisando.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artigo 615.º do CPCivil.
Nele dispõe-se que é nula a sentença quando: al. a) (…), b) (…), al. c) e al. d) “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Nos termos do disposto neste normativo, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infracção ao disposto no artigo 608.º, nº 2.
Ou seja, a nulidade prevista na alínea d) está directamente relacionada com o nº 2 do artigo 608.º, referido, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
No caso em apreço torna-se evidente que tendo o tribunal recorrido enveredado pela verificação da excepção dilatória inominada consubstanciada no uso indevido da acção declarativa, com forma de processo comum, com a consequente absolvição da Ré da instância não analisou as restantes questões postas pela Ré recorrente por as ter considerado prejudicadas.
Como assim, não existe nulidade por omissão de pronúncia quando a (s) questão (ões) cujo conhecimento se diz ter sido omitido não devia ser resolvida, nos termos do artigo 608.º, nº 2 do CPCivil, por a solução dada à outra ter prejudicado a respectiva decisão.[14]
A Ré só podia arguir a referida nulidade se o tribunal recorrido, considerando não se verificar a referida excepção dilatória inominada, tivesse ordenado o prosseguimento dos autos sem conhecer das restantes questões colocadas pela Ré ou ter relegado o seu conhecimento para momento posterior.
Portanto, a arguição de nulidades na ampliação do âmbito do recurso nos termos consignados no artigo 636.º, nº 2 do CPCivil só pode ser feito quando não se tenha verificado a prejudicialidade a que se refere o artigo 608.º, nº 2 do mesmo diploma legal, coisa que manifestamente aqui não ocorreu.[15]
*
Não obstante o que fica dito vamos conhecer das invocadas questões desde que o processo disponha dos elementos necessários para o efeito.
Conhecimento que é imposto pelo nº 2 do artigo 665.º do CPCivil onde se preceitua que: “Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
Importa, antes porém, sublinhar que no caso não existe necessidade de exercer o contraditório a que se refere o nº 3 do citado artigo 665.º, porquanto às referidas excepções o Autor apresentou em 30/11/2017 articulado de resposta.

a)- A questão da incompetência em razão da matéria e erro na forma de processo.

Como supra se decidiu conclui-se, pelas razões aí aduzidas, que o processo comum se apresentava como adequado para conhecer dos pedidos formulados pelo Autor e, assim sendo, torna-se evidente que o tribunal recorrido tem competência para o efeito.
Vejamos.
Nos termos do artigo 211.º da Constituição da República Portuguesa, os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Gozam de competência não discriminada.
Daqui decorre que os restantes tribunais, constituindo excepção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.
A competência do tribunal em razão da matéria determina-se por referência à data da instauração da acção e afere-se em razão do pedido e da causa de pedir tal como se mostram estruturados na petição[16], pelos factos reveladores da relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor da acção na respectiva petição inicial.
A competência fixa-se no momento em que a acção é proposta, de modo a que as modificações do estado de facto ou do estado de direito posteriores são, em princípio, irrelevantes (artigo 38.º, 1 e 2, LOFTJ-Lei 62/2013 de 26 de agosto).
A competência do tribunal constitui um pressuposto processual que resulta do facto do poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por numerosos tribunais.
A competência abstracta de um tribunal designa a fracção do poder jurisdicional atribuída a esse tribunal. A competência concreta do tribunal, ou seja, o poder do tribunal julgar determinada acção, significa que a acção cabe dentro da esfera de jurisdição genérica ou abstracta do tribunal.
A competência em razão da matéria distribui-se por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas.
Neste domínio funciona o princípio da especialização, de acordo com o qual se reserva para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do direito[17].
A “insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação”, determina a incompetência do tribunal[18] - art. 40º da LOFTJ-Lei 62/2013 de 26 de Agosto e arts. 64.º, 65.º, 96.º a), 99.º CPCivil.
Ora, tendo em conta o valor da acção o pedido e a causa de pedir dúvidas não existem de que o Juízo Cível Local é o competente para a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum quando ela não seja atribuída a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada como é o caso (cfr. artigo 130.º, nº 1 da citada Lei 62/2013).
A incompetência só se verificaria se se tivesse concluído pela procedência do erro na forma de processo enquanto determinante da nulidade de todo o processo por ser insanável o que, como se decidiu não foi o caso.
*
b)- A excepção de caso julgado

Refere a este respeito a Ré que em relação ao pagamento de metade das quantias reclamadas nos artigos 28º a 35º e 38º e 39º do petitório se verifica a excepção de caso julgado uma vez que no âmbito do processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, que sob o número 2973/16.2T8GDM, correu seus termos pelo Juízo de Família e Menores de Gondomar-J1, foi alcançado um acordo global, em sede de Audiência Prévia, segundo o qual, quanto à utilização daquela que foi a casa de morada de família, refere que “O uso da casa de morada de família, supra identificada (verba n.º 1), fica atribuído ao cônjuge marido até á venda ou partilha. Como contrapartida, o cônjuge marido assume o pagamento dos empréstimos concedidos pelo banco D… para aquisição do imóvel”, acordo esse que foi devidamente homologado por sentença já devidamente transitada em julgado.
Como se evidencia dos autos assim foi, efectivamente.
Todavia esse pagamento além de abranger apenas (e já não IMI e seguros) o valor da prestação referente ao mútuo, só estava a cargo do Autor a partir desse momento, ou seja, como contrapartida do uso da casa de morada de família até à venda ou partilha, obrigava-se o Autor a pagar a prestação devida pelo mútuo ao respectivo Banco.
Ora, o Autor não vem peticionar o valor dessas prestações mas apenas as referentes ao período de Fevereiro de 2016 até 2 de Fevereiro de 2017, isto é, até à data do referido acordo.
A ser assim, como nos parece ser, não existe qualquer excepção de caso julgado, tal só ocorreria se o Autor viesse peticionar as referidas prestações entre aquela data 02/02/2017 e a data da partilha do referido bem imóvel.
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c)- As excepções peremptórios inominadas.

Refere em primeiro lugar a Ré que as quantias que o Autor reclama e referidas nos artigos 28º e ss. da petição entre as datas 02/2016 e 04/10/ 2016 são inexigíveis atendo o disposto no artigo 1789.º, nº 1 do CCivil.
Não se pode, salvo o devido respeito, sufragar tal entendimento.
Não restam dúvidas que os efeitos do divórcio produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da sentença (artigo 1789.º, n.º 1 1.ª parte do Cód. Civil). Contudo, este princípio, comporta excepções. Nos termos do artigo 1789.º, n.º 1, 2.ª parte do Cód. Civil, os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da propositura da acção, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.
Com o divórcio cessam as relações patrimoniais entre os cônjuges (artigo 1688.º do Cód. Civil) e cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, pode-se proceder à partilha dos bens comuns, por acordo, ou em processo de inventário. Quanto à partilha e quanto às dívidas comuns a terceiros ou dos cônjuges entre si, há que ter em conta o que se dispõe no artigo 1689.º do Cód. Civil. As dívidas dos cônjuges um ao outro apenas podem ser pagas no momento da partilha (artigo 1697.º, n.º 1 do Cód. Civil).
Do exposto, resulta que a lei faz retroagir os efeitos do divórcio, no tocante às relações patrimoniais entre os cônjuges, à data da propositura da acção de divórcio ou à data da cessação da coabitação entre ambos, embora neste último caso, a requerimento e desde que alegada e provada a data da cessação da coabitação (artigo 1789.º, n.º 1 e 2 do Cód. Civil), ou seja, a composição da comunhão deve considerar-se fixada no dia da propositura da acção e não no dia do trânsito em julgado da decisão, sendo feita a partilha subsequente como se a comunhão tivesse sido dissolvida no dia da entrada em juízo da acção ou na data em que cessou a coabitação.
Por outro lado cada um dos cônjuges tem uma posição jurídica em face do património comum, no qual participam por metade, posição que a lei tutela (artigo 1730.º do Cód. Civil), ou seja, cada um dos cônjuges tem um direito à meação, um verdadeiro direito de quota que exprime a medida de divisão e que virá a realizar-se no momento em que esta deva ter lugar, recebendo cada cônjuge na partilha os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo ao património comum tudo o que lhe deve (art.º 1689º, n.º 1, do Cód. Civil).
Ora, a extinção do casamento importa a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os cônjuges, a extinção da comunhão entre eles e a sua substituição por uma situação de indivisão a que se põe fim com a liquidação do património conjugal comum e com a sua partilha.
Na partilha, após a separação dos bens próprios, segue-se outra operação que se traduz na liquidação do património comum, destinada a apurar o valor do activo líquido, através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges.
Relativamente às compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal, o artigo 1697.º do Cod. Civil, como já acima se referiu no conhecimento do objecto de recurso, prevê o caso de um dos cônjuges se tornar credor do outro quando por dívidas da responsabilidade comum tenham respondido bens de um só deles ou quando as dívidas de um só deles foram pagas com bens comuns.
Tratam-se dos chamados créditos de compensação a favor do cônjuge que pagou a mais que a sua parte sobre o outro, mas cuja exigibilidade a lei adia para a partilha.
Postos estes breves considerando dúvidas não existem de que a contracção de um empréstimo bancário por ambos os cônjuges, no decurso do casamento, determina a existência de uma dívida comum [art.º 1691.º, n.º 1, al. a), do Cód. Civil], daí que a obrigação de reembolso de tal empréstimo à instituição bancária mutuante responsabilize ambos os cônjuges, como ambos são responsáveis quer pelo pagamento do IMI do referido imóvel quer com o seguro hipotecário.
Relativamente aos pagamentos efectuados por um dos cônjuges, após a cessação das relações patrimoniais que decorrem do casamento, de dívidas que foram contraídas no decurso do mesmo, que vinculavam ambos os cônjuges, ou que resultaram de despesas relativas a bens que integram o património conjugal a partilhar, mas pagas depois do termo de tais relações, é pacífico que o mesmo tem direito a ser reembolsado de metade do montante global de tais pagamentos e despesas (cfr. 1730.º e 1697.º, nº 1 do Cód. Civil).
Mas também é pacífico que alegando o Autor que pagou quer as prestações do crédito hipotecário, quer o respectivo seguro, quer o IMI do imóvel com dinheiro próprio, quando tais dívidas eram da responsabilidade de ambos os cônjuges, também ele terá direito, se vier a fazer a prova pertinente dos respectivos factos, a ser reembolsado de metade do que assim tiver pago.
Efectivamente, também aqui se deve atender ao artigo 1730.º pois que, como refere Cristina Araújo Dias[19]: “O facto de os arts. 1689º, nº 3 [norma que, enquanto disposição geral reguladora da partilha, abarcando todos os regimes de bens, deverá regular quer as relações do património comum com os patrimónios próprios dos cônjuges, quer as relações entre patrimónios próprios], e 1697º, nº 1, se reportarem a compensações entre o património comum e o próprio de um dos cônjuges, nos regimes de comunhão, e exigíveis apenas no momento da partilha, não obsta, nem afasta a que atendamos, nesses regimes, ao art. 1730º, ou seja, qualquer estipulação que afaste a regra da metade é nula” e “por isso, se um cônjuge pagou dívidas comuns com bens próprios, o outro, que necessariamente participa em metade do passivo da comunhão, terá de ter a mesma participação daquele”.
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Daqui resulta que fazendo o Autor a prova dos factos que alegou, os referidos créditos são exigíveis ao contrário do que defende a Ré.
*
E as mesmas considerações valem em relação aos créditos referidos nos artigos 41º e 42º da petição, quando a Ré diz que duas dessas quantias são inexigíveis por terem sido pagas antes da propositura da acção de divórcio.
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Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pela Ré e, com elas, a ampliação do âmbito do recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, por provada e, consequentemente, revogam a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que dê a subsequente tramitação processual aos autos.
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Da mesma forma que julgam improcedente, por não provada, a ampliação do âmbito do recurso requerida pela Ré recorrida.
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Custas da apelação e da ampliação do âmbito do recurso pela Ré apelada (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 17 de Junho de 2019.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] In Curso de Direito da Família, pág. 429.
[2] São duas as razões que explicam que as compensações apenas sejam exigíveis no momento da partilha dos bens do casal. Ponderou-se, por um lado, ser de toda a vantagem adiar para esse momento a exigibilidade das dívidas entre cônjuges, por poder ser fonte de dissensões ou desentendimentos conjugais quando admitida antes disso; observou-se, por outro, que a atribuição imediata de exigibilidade a essas dívidas entre os cônjuges equivaleria a atribuir-lhes uma exigibilidade a todo o tempo, já que entre os cônjuges não pode correr prescrição [artigo 318.º a) do Código Civil] e dessa maneira colocar-se-ia nas mãos do cônjuge credor um meio fácil de tutelar economicamente a actividade do cônjuge devedor- Cfr. Braga da Cruz, BMJ nº 69, pág. 413.
[3] In Do Regime da Responsabilidade dos Dívidas dos Cônjuges, 2009, pp. 784-785.
[4] Obra citada pags. 786- 787
[5] Obra citada pag. 780/781.
[6] In Partilhas Judiciais, vol. III, 4ª ed, pag. 408 e 409.
[7] Cfr., entre outros, Ac. RL de 21/2/2002 -CJ ano XXVII, I, pág.111, Ac. RG de 17/1/2013 (proc. nº 456/06), Ac. RC de 12/3/2013 disponíveis em www dgsi.pt.
[8] Neste sentido, cf. Ac do STJ de 5/7/90, BMJ 399, pág.512.
[9] Cfr. neste sentido também, Cristina Araújo Dias, Processo de inventário, administração e disposição de bens (conta bancária) e compensações no momento da partilha dos bens do casal, Comentário ao Ac. RE de 21.1.02, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 1, nº 2, 2004, pág. 121 e Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, Problemas, Críticas e Sugestões, Coimbra, 2009, págs. 769 a 792; sobre o problema da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa relativamente a atribuições patrimoniais realizadas na constância do casamento após o divórcio entre os cônjuges, cfr. Luís Manuel Teles de Menezes de Leitão, O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, CEF, 1996, págs. 513 a 516.
[10] Obra citada pag. 792.
[11] In www.dgsi. pt cujo sumário reza assim: “Não vigorando o regime de separação de bens: I - a) O cônjuge que satisfaça, com bens próprios, dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia; b) Este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal; c) Se o crédito não for exigido no inventário requerido na sequência do divórcio, para ser atendido na partilha, fica permitido o direito de ser feito valer depois”.
[12] Cuja redacção é a seguinte: “Apresentação da conta”:
“1- O cabeça de casal deve apresentar a conta do cabecelato, até ao 15.º dia que antecede a conferência preparatória, devidamente documentada, podendo qualquer interessado proceder, no prazo de cinco dias, à sua impugnação.
2- Compete ao notário decidir sobre a impugnação prevista no número anterior”.
[13] No mesmo sentido pronunciou-se Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 288, afirmando que “Quando a lei define o campo de aplicação do processo especial respectivo pela simples indicação do fim a que o processo se destina, a solução do problema da determinação dos casos a que o processo é aplicável, está à vista: o processo aplicar-se-á correctamente quando se use dele para o fim designado pela lei. E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial. Vê-se, por um lado, para que fim criou a lei o processo especial; verifica-se, por outro, para que fim o utilizou o autor. Há coincidência entre os dois fins? O processo especial está bem empregado. Há discordância entre os dois fins? Houve erro na aplicação do processo especial” (negrito e sublinhados nossos)
[14] Cfr. neste sentido Ac. do STJ de 18/04/1972 in BMJ, 216- 148.
[15] Aliás, não se percebe a alegação a Ré de falta de apreciação do erro na forma de processo, quando o tribunal recorrido apreciou tal questão sendo com base nela que proferiu a decisão recorrida.
[16] Cfr. Manuel a. Domingues de Andrade Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 91. Na jurisprudência, entre outros, podem consultar-se: Ac. Rel. Porto 31.03.2011 – Proc. 147/09.8TBVPA.P1 endereço electrónico: www.dgsi.pt; Ac. STJ, CJ/STJ, 1997, I, 125; Ac. Rel Porto 07/11/2000, CJ, Tomo V/2000, pág. 184.
[17] Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Actualizada de acordo com o DL 242/85, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 195. João de Castro Mendes Direito Processual Civil, vol. I, Lisboa, AAFDL, 1980, 646.
[18] Miguel Teixeira de Sousa Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, 128.
[19] Obra citada pag. 782.