Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
624/18.0PWPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
JULGAMENTO
AUSÊNCIA DO ARGUIDO
SENTENÇA ORAL
NULIDADES
IRREGULARIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Nº do Documento: RP20181128624/18.0PWPRT.P1
Data do Acordão: 11/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 52/2018, FLS 199-202)
Área Temática: .
Sumário: I – Decorre expressamente do artigo 382º, nº 6 do CPP que o arguido que não se encontre sujeito a prisão preventiva é notificado para comparecer em audiência com a advertência de que será julgado na ausência se não comparecer.
II – A sua ausência, bem como a aplicação de uma pena de prisão com execução suspensa, não tendo esta natureza de pena privativa da liberdade, conforme acórdão de fixação de jurisprudência do STJ nº 13/2016, não implicam que a sentença não possa ser proferida oralmente, como é a regra neste tipo de processos.
III – A omissão da entrega de cópia da gravação da sentença ao arguido é cominada na lei com uma mera irregularidade que, porque não arguida atempadamente, já se mostra sanada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 624/18.0PWPRT.P1

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
1.1. B..., arguido devidamente identificado nos autos acima referenciados, foi julgado em processo sumário e condenado como autor material de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal para o efeito, previsto e punido pelo art. 3º, n.ºs 1 e 2 do Dec. Lei 2/98, de 3/1, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.
1.2. Inconformado com a condenação, recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, terminando a motivação concluindo (transcrição):
1 – Devia o Tribunal optar pela aplicação de pena de multa, já que perante um tipo legal que admite, em alternativa, a aplicação das penas principais de prisão ou de multa, deve ter em conta o disposto no art. 70º do Código Penal que consagra o princípio da preferência pela pena não privativa de liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
2 – A nulidade insanável, por ausência do arguido nos actos em que a sua presença é obrigatória nos termos do art. 119º, al. d) do CPP;
3 – A nulidade da sentença por violação do art. 389-A, n.º 1 e 5, aplicável ex vi do art. 391º-F, todos do CPP, em virtude de não redução a escrito da mesma, ou, a nulidade da sentença por falta de fundamentação, em conformidade com as disposições conjugadas dos arts. 374º, n.º 2 e 379º,n.º 1, al. a) ambos do CPP.
1.3. Respondeu o MP junto do tribunal “a quo”, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo por seu turno:
I – A pena em que o arguido foi condenado afigura-se-nos que a mesma não merece qualquer reparo;
II – No caso dos autos, o Tribunal a quo, partindo da culpa em concreto do arguido e dos demais fins de prevenção geral e especial, atendendo ainda aos factores exemplificativamente enumerados no n.º 2 do art. 71º do CP entendeu como adequada a pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução;
III – Ora, considerando que o arguido sofreu três condenações anteriores pela prática deste crime, uma das quais de prisão substituída por multa, nunca poderia o mesmo ser condenado em pena de multa, como pretende;
IV – O arguido foi notificado da data da realização da audiência de julgamento, tendo sido advertido que a mesma se realizaria, mesmo sem a sua presença;
V – Estando o arguido notificado nesses termos, nada impedia o julgamento na sua ausência, não ocorrendo qualquer nulidade insanável, por ausência do arguido, nos termos do art. 119º, al. d) do CPP;
VI – A sentença contém a indicação sumária dos factos provados e não provados, a exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada e o dispositivo;
VII – E o Tribunal cumpriu o dever de fundamentação da decisão, indicando e examinando criticamente as provas, tendo a decisão uma exposição, dos motivos de facto e a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, não sendo a sentença nula por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379º, n.º 1, al. a) e 374º, n.º 1 do CPP.
VIII – Dispõe o art. 389º-A do CPP que a sentença é oral, apenas sendo reduzida a escrito se for aplicada pena privativa de liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário; ´
IX – Não se verificando no caso nenhuma destas circunstâncias, foi a sentença proferida oralmente, constando o dispositivo, que é ditado para a acta;
X – Tendo o arguido sido notificado da acta, onde consta dispositivo encontra-se o mesmo regularmente notificado da sentença.
XI – Acresce que nunca seria caso de nulidade mas de irregularidade, sanda por não ter sido arguida atempadamente como decorre do art. 123º do CPP.
1.3. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1.4. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2, do CPP.
1.5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
Os factos provados são os que constam da acusação que está deduzida no processo sendo que o arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
-foi condenado por sentença transitada em julgado em 22 de Abril de 2013 pela prática em 23 de Fevereiro de 2012 de 1 (um) crime de tráfico para consumo de estupefacientes numa pena de 10 (dez) meses de prisão suspensa por 1 ano com regime de prova tendo posteriormente sido revogada a suspensão e tendo a pena sido declarada extinta pelo cumprimento em Maio de 2015;
-foi condenado, por sentença transitada em julgado em 13 de Maio de 2015 pela prática, em 2 de Novembro de 2013, de 1 crime idêntico ao destes autos numa pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00, pena esta já declarada extinta pelo cumprimento em 11 de Fevereiro de 2016:
-foi condenado, por sentença transitada em julgado em 22 de Janeiro de 2016 pela prática, em 3 de Novembro de 2013, de um crime de tráfico para consumo de estupefacientes, de uma pena de 16 (dezasseis) meses de prisão, suspensa por 16 meses, com regime de prova, e já declarada extinta em 23 de Maio de 2017, pelo decurso do período de suspensão;
-foi ainda condenado por sentença transitada em julgado em 2 de Dezembro de 2013, pela prática em 4 de Outubro de 2013 de um crime idêntico ao destes autos, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pena esta posteriormente convertida em prisão subsidiária, que o arguido cumpriu, e que está declarada extinta desde 4 de Julho de 2014;
-foi condenado por sentença transitada em julgado em 30 de Setembro de 2014, pela prática em 22 de Maio de 2014, de um crime idêntico ao destes autos, na pena de 4 (quatro) meses de prisão substituída por 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 5,00, pena esta já declarada extinta pelo cumprimento em 3 de Novembro de 2015.
Factos não provados, com relevância para a decisão da causa, não os há.
2.2. Matéria de direito
O arguido insurge-se contra a decisão que o condenou como autor material de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal para o efeito, p. e p. pelo art. 3º, n.ºs 1 e 2 do DL 2/98, de 3/1, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, por entender que (i) a escolha da pena de prisão em detrimento da pena de multa, não se justificava; (ii) a sentença é nula, por ter sido realizada sem a sua presença; (iii) a mesma deveria ter sido reduzida a escrito, dada a circunstância de ter sido julgado na sua ausência; (iv) a sentença não fundamentou a sua decisão, relativamente à prova de que os factos foram praticados de modo deliberado, livre e consciente.
Vejamos as questões colocadas, começando pelas nulidades imputadas à decisão recorrida.
Quanto à primeira nulidade - realização do julgamento na ausência do arguido – deve dizer-se que a mesma só ocorre, nos termos do art. 119º, al. c) do CPP, “(…) nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”.
No presente caso, o arguido foi notificado para comparecer no dia 23 de Julho de 2018, pelas 10H00 horas, no TPIC, sito na Rua ..., ..., Porto, para ser submetido a “audiência de julgamento em processo sumário, com a advertência de que esta se realizará, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor, à data e hora acima designada”.
No dia e hora indicados realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo-se ditado para a acta (fls. 34) o seguinte despacho: “O arguido está regularmente notificado, conforme resulta de fls. 6, e advertido de que a audiência de julgamento se realizará mesmo na sua ausência, determinando-se, por isso, a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido”.
De acordo com o disposto no n.º 6 do art. 382º do CPP, “o arguido que não se encontre sujeito a prisão preventiva é notificado com a advertência de que o julgamento se realizará mesmo que não compareça, sendo representeado por defensor para todos os efeitos legais.”.
Nestes termos, decorrendo expressa e literalmente da lei que o julgamento em processo sumário se realiza, mesmo que o arguido não compareça, não existe (como é evidente) qualquer nulidade decorrente dessa realização. A improcedência do recurso é portanto, nesta parte, óbvia.
Quanto à segunda nulidade - falta de redução a escrito da sentença – também se não verifica a arguida nulidade, na medida em que o art. 389º - A, 1 do CPP (relativo à sentença proferida em processo sumário) refere expressamente que “A sentença é logo proferida oralmente e contém…”. Esta é a regra geral. Existe, é certo, uma regra especial no n.º 6 do mesmo preceito legal, dispondo o seguinte: “Se for aplicada pena privativa de liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura”.
Ao arguido foi aplicada a pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.
No entanto, a suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma (pena de substituição) e, portanto, não tem a natureza de pena privativa de liberdade – cfr. neste sentido, embora para outros efeitos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016, publicado no Diário da República n.º 193/2016, Série I de 2016-10-07:
A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro” e, para situação idêntica, o Acórdão da Relação de Coimbra, proferido em 07-03-2012, no processo 162/11.1PTLRA.C1: “As alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, quanto à forma escrita da sentença, nos processos sumário e abreviado, visaram tão só a aplicação de penas privativas da liberdade (ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário) - n.º 5, do art.º 389º-A e art.º 391º-F, do C. Proc. Penal - e não as penas aplicadas em sua substituição (não detentivas), como é o caso da suspensão da execução da pena de prisão.
Sustenta ainda o arguido que a sua ausência ao julgamento é uma circunstância excepcional que devia ter determinado a redução a escrito da sentença.
Não tem qualquer razão. Com efeito, a referida circunstância não é, no processo sumário, excepcional.
A tramitação do processo sumário prevê expressamente (como acima vimos) a possibilidade de o arguido ser julgado na sua ausência – art. 382º, 6 do CPP. Tratando-se de uma situação normal prevista pelo legislador neste tipo de processos, não pode dizer-se que a mesma constitui uma situação excepcional, para os fins do disposto no art. 389º-A, 5 do CPP. Por outro lado, deve dizer-se que a falta de redução a escrito da sentença não prejudica o arguido ausente, na medida em que, nos termos do art. 389º-A, 4, do CPP, “é sempre entregue cópia da gravação ao arguido (…) no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega (…) ”. Deste modo, ao arguido julgado na ausência é sempre entregue cópia da gravação da sentença oral (salvo se prescindir dessa entrega), pelo que o mesmo em nada vê prejudicado ou agravado o seu direito de defesa.
É certo que não consta dos autos que tenha sido entregue ao arguido cópia da gravação da sentença. No entanto, a omissão dessa formalidade não é cominada na lei com nulidade, pelo que configura uma mera irregularidade que, no caso, não foi atempadamente arguida e, portanto, se mostra sanada – neste sentido, cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 10-04-2018, proferido no processo237/08.4GTCSC.L1-5:
Segundo o n.º 4 do artigo 389.º-A CPP, em processo abreviado, quando a audiência, a requerimento do arguido, tiver decorrido na sua ausência, caso em que sentença obedece aos requisitos do art. 389.º-A, por força do disposto no art. 391.º-F, ambos do CPP, sendo a mesma proferida oralmente e sendo o respectivo dispositivo ditado para a acta, deve ser sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao MP no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega. O não cumprimento deste normativo não traduz nulidade, mas apenas irregularidade, a invocar pelos interessados, nos termos do art. 123.º, do CPP, não tendo esta sido invocada, no presente caso”.
Nestes termos, também não ocorreu a invocada nulidade da sentença.
Quanto à terceira nulidade – falta de fundamentação da prova relativa ao elemento subjectivo do tipo – a mesma também não se verifica, de forma evidente. Os elementos objectivos do tipo de ilícito em questão não foram postos em causa. Está portanto assente nos autos que o arguido conduzia um determinado veículo motorizado na via pública e não tinha título de habilitação legal para o efeito. Perante estes factos empíricos, inferiu o julgador que o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente. Ora, esta inferência impõe-se logicamente por si só e pelas regras da experiência comum. Na verdade, não é possível que alguém conduza um veículo sem carta, sem saber que o está fazer…. Do mesmo modo que, já depois de o arguido ter sido condenado várias vezes pela prática do mesmo facto, se impunha a conclusão de que o mesmo sabia que tal conduta era punível. Não tem pois qualquer razão de ser a exigência de fundamentação reclamada pelo arguido.
Finalmente, quanto ao mérito, pugna o arguido pela aplicação de uma pena de multa, invocando para tanto o regime previsto no art 70º do C.P (critério de escolha da pena).
Quanto ao regime jurídico invocado, é verdade que, nos tipos de crime puníveis em alternativa com pena privativa e pena não privativa da liberdade, o legislador manda dar preferência à pena não detentiva. Todavia, essa preferência é concedida “… sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
No presente caso, o julgador justificou a escolha de uma pena detentiva (sete meses de prisão) que depois suspendeu, atendendo aos antecedentes criminais do arguido, sublinhando a condenação por dois crimes idênticos ao presente, cometidos em 2013 e 2014, sempre em penas de multa. Tendo o Tribunal optado, nas duas condenações anteriores, por penas de multa e sendo esta já a terceira condenação pelo mesmo tipo de crime, é particularmente evidente que essa opção não satisfez uma das principais finalidades da punição, ou seja, a reintegração social do agente. Impunha-se, pro isso, a condenação em pena detentiva. No entanto, deve notar-se que o Tribunal, apesar de ter optado pela pena de prisão (7 meses), suspendeu a respectiva execução, ou seja, entendeu ainda aplicar uma pena de substituição, a qual permitirá ao arguido o seu cumprimento em liberdade.
Daí que, também neste segmento, o recurso deva ser julgado improcedente.
3.Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido, fixando a taxa de justiça em 4 UC.

Porto, 28/11/2018
Élia São Pedro
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