Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
109/19.7T8PRD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CAUSA PREJUDICIAL
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
Nº do Documento: RP20201026109/19.7T8PRD-A.P1
Data do Acordão: 10/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I- Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a razão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. Sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta.
II- Proposta uma acção especial de divisão de coisa comum e estando pendente uma outra acção comum em que à procedência dos pedidos aí formulados está subjacente uma alegada divisão do imóvel objecto da acção especial e consequente aquisição por usucapião da divisão assim operada, julgada definitivamente a referida acção, o efeito útil daquela acção especial de divisão de coisa comum desaparece, já que não haverá prédio em comum que exija a sua divisão entre comproprietários.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 109/19.7T8PRD.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este-Juízo Local Cível de Paredes-J2
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Na presente Acção Especial de Divisão de Coisa Comum, que a requerente B… residente na Rua…, nº …, …, Paredes move contra C…, e mulher, D…, NIF ………, residentes na Rua…, nº .., Penafiel pede a divisão do prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e andar, com quintal, sito na Avenida…, da freguesia…, concelho de Paredes, sob o nº. 701-… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5726, que corresponde ao artigo 278 da matriz predial urbana da extinta freguesia de …, que por ilícita e inconveniente em substância, deverá fazer-se por adjudicação ou venda.
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Na contestação, os requeridos alegam a falta de fundamento sério para a presente acção porque se pretende dividir o que, de facto, já se encontra dividido desde 10/01/1990, embora, formalmente se mantenha a compropriedade, havendo um claro aproveitamento da requerente.
Mais invocam os requeridos que o prédio é perfeitamente divisível nos termos alegados no ponto 3 e, por isso, alegam que os requeridos pretendem, como resulta da acção declarativa comum intentada no Juízo Central de Penafiel que corre termos com o nº. 590/19.4T8PNF-J4, que seja reconhecido que os requeridos são os proprietários da parte edificada do prédio e a requerente é apenas proprietária de uma parcela de terreno destacada do prédio original e objecto desta acção, nos termos e pelos fundamentos melhor expostos nos pontos 8 a 9. E, por isso, concluem que se deve evitar o prosseguimento da presente acção, alegando dificuldade de deduzir reconvenção, e por, manifesta economia processual, decorrente da evidente conexão entre os processos, em concreto, na subordinação da acção especial em relação àquela acção comum, dado o alcance do pedido formulado, muito mais amplo, desde já se requer, por existência da causa prejudicial, a suspensão do processo, nos termos do disposto no artigo 272º., nº.1 do CPC, procedendo à junção da petição inicial deduzida no âmbito daquela acção cujo teor se dá aqui por reproduzido.
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Por requerimento (referência 34261291), a requerente pede o normal prosseguimento dos presentes autos uma vez que a acção comum pendente no Juízo Central esteve suspensa por 90 dias.
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Em resposta, os requeridos reafirmam que subsistem os necessários pressupostos processuais que determinaram a formulação do pedido de suspensão da instância.
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Na decorrência dos entendimentos antagónicos das partes, o Tribunal previamente a decidir da questão proposta determinou que fosse oficiado à acção comum para se aferir do actual estado da mesma, tendo-se obtido a resposta que melhor consta de fls. 96 dos autos.
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Conclusos os autos foi proferida decisão que indeferiu a requerida suspensão da instância.
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Não se conformando com o assim decidido vieram os requeridos interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
1º.- Na presente acção de divisão de coisa comum, os requeridos na sua contestação suscitaram a questão da suspensão da instância, nos termos do artigo nº272º, nº 1 do C.P.C., em virtude de terem dado entrada em juízo-processo nº 590/19.4 T8 PNF J4, Juízo Central de Penafiel, deste Tribunal-de uma acção através da qual pretendem ver declarado que o prédio cuja divisão, como coisa comum, se pretende fazer, se encontra, pelo menos desde 1990, já dividido, em dois prédios distintos, um com a parte edificada pertencente aos aqui recorrentes, e outro, parcela de terreno para construção urbana, pertencente à requerente neste processo.
2º- Os dois prédios, assim definidos, encontram-se perfeitamente divididos e fisicamente separados, situando-se a parcela de terreno até a uma quota de nível diferente, dividida da parte edificada por um muro de suporte sem qualquer ligação entre ambas as partes.
3º- Tem entradas independentes, tem áreas, configuração e confrontações rigorosamente definidas.
4º- A divisão, assim efectuada é legalmente admissível, que o destaque administrativo de parcela de terreno a separar de uma parte edificada não viola quaisquer regulamentos administrativos, nem constitui qualquer emparcelamento ilegítimo.
5º- Com a referência 82352182, o Mmº Juiz a quo proferiu o seguinte despacho “:…decidindo indeferir a requerida suspensão da instância, nos termos do previsto no artigo 272º, nº1 do CPC, por não estar verificada a invocada prejudicialidade, determinando-se o prosseguimento dos autos”.
6º- Entendeu o Mmº Juiz a quo, que “analisada a petição inicial do processo pendente no Juízo Central Cível de Penafiel com esta acção, com segurança e certeza absoluta, se pode afirmar existir a factualidade que sustente a pretendida suspensão da instância”. Porquanto “no âmbito do processo nº 590/19.4T8PNF se discute o reconhecimento da propriedade, nomeadamente da área, configuração e confrontação do prédio alegadamente propriedade dos autores naquela ora requeridos que corresponde ao prédio indiviso em apreço neste autos”.
7º- Os requeridos, aqui recorrentes, não afirmam em lado algum que são donos do prédio indiviso melhor identificado na presente acção de divisão de coisa comum.
8º- Alegaram que este prédio, tal como identificado na petição inicial, se encontra já dividido, e pelo decurso do tempo foi usado de forma autónoma pelos requeridos, na sua parte edificada e pela requerente na parcela para construção.
9º- Na fase declarativa da acção de divisão de coisa comum, aprecia-se, para além da possibilidade de o prédio ser dividido, definindo-se então a área, configuração e confrontações, a identificação dos comproprietários e a determinação da sua quota parte, ou seja a determinação dos seus quinhões, que são depois preenchidos na fase executiva.
10º- Na presente acção de divisão de coisa comum não se vai apreciar a questão de fundo de saber se o prédio já está dividido, de forma estável, perfeitamente demarcado, há quantos anos e, muito menos, se sobre cada um dos prédios, assim divididos, foram exercidos actos que pudessem levar à aquisição da propriedade por cada um dos invocados “comproprietários”.
11º- O registo predial constitui apenas uma mera presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, podendo ser feita prova contrária.
12º- Mantendo-se o entendimento do Mmº Juiz a quo, pode chegar-se ao ponto de o prédio vir a ser vendido, dividido ou não, sem que os requeridos pudessem ver analisada, discutida e decidida a questão de fundo, ou seja, que o prédio já se encontra dividido, e sobre essas partes divididas foram exercidos actos de posse há muito mais anos que os necessários para a sua aquisição por usucapião e neste caso, por parte dos requeridos sobre a parte edificada e pela requerente sobre a parcela para construção.
13º- E, nem se diga que a arrematação pode vir a ser feita com reserva, que depois se pode anular tudo, voltando-se à primeira forma, não se vislumbrando como nesta hipótese se pode invocar que existam razões e evidentes motivos de economia processual, bem pelo contrário, a economia processual impõe a suspensão dos presentes autos.
14º- O nexo de prejudicialidade é assim inequívoco, a decisão a proferir no processo pendente no Juízo Central Cível de Penafiel pode prejudicar a decisão desta, isto é, a procedência daquela acção tira a razão de ser à existência deste processo, pois já não haverá prédio em comum que exija a sua divisão entre comproprietários.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se existe, ou não, fundamento para a suspensão da instância por existência de causa prejudicial.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O quadro factual a ter em conta para decidir a questão colocada é que consta do relatório supra e que aqui se dá por reproduzida e ainda o seguinte:
a)- Na acção com o nº 590/19.4 T8 PNF J4 que corre termos pelo Juízo Central de Penafiel-J2 foi proferido despacho a ordenar a suspensão da instância até que fosse decidida definitivamente a presente acção e do qual não houve recurso.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se existe, ou não, fundamento para a suspensão da instância por existência de causa prejudicial.
Como se evidencia da decisão recorrida aí se propendeu para o entendimento de que entre a presente acção especial de divisão de coisa comum e a acção comum nº 590/19.4 T8 PNF J4 que corrente termos pelo Juízo Central de Penafiel não existe qualquer relação de prejudicialidade e, por assim ser, indeferiu a pretensão dos requeridos.
É contra esta decisão que se insurgem os apelantes, para quem a acção comum, se julgada nos termos que constam do pedido aí formulado, tirará fundamento e razão de ser à presente acção especial de divisão de coisa comum.
Quid iuris?
Como sabemos a instância suspende-se, nomeadamente, quando o tribunal o ordenar ou houver acordo das partes–269.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
As causas que legitimam a suspensão da instância por determinação do juiz constam no artigo 272.º do mesmo diploma legal.
Nos termos desta norma, o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado (n.º 1); no entanto, não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens (n.º 2).
Em termos genéricos, uma causa é prejudicial em relação a outra quando a procedência da primeira tira a razão de ser da segunda.
No ensinamento ainda actual do Prof. Alberto dos Reis[1], “no caso do artigo 97.º (norma equivalente ao actual artigo 92.º) o juiz sente a necessidade de suscitar a questão prejudicial, porque se certifica de que não pode conhecer do mérito da causa sem primeiro se resolver a questão criminal ou administrativa para a qual se acha incompetente; no caso do artigo 284.º o juiz não sentiu ou não sente essa necessidade e unicamente é posto perante o facto de se achar pendente uma causa prejudicial em relação àquela que lhe está afecta.
(…) Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda (…). Apontámos alguns exemplos: acção de anulação de casamento, prejudicial em relação a acção de divórcio, acção de anulação de arrendamento, prejudicial da acção de despejo.
Outros exemplos: a acção de anulação de testamento, prejudicial da acção de entrega de legado ou da acção de petição da herança fundadas no mesmo testamento, acção de anulação de contrato, prejudicial da acção destinada a exigir o cumprimento dele.
Segundo o Prof. Andrade (reporta-se ao Prof. Manuel de Andrade, “Lições de Processo Civil”, páginas 491 e 492), verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é a reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal”.
Esta leitura da lei mantém-se actual, em diferentes autores, nomeadamente José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, volume 1, página 173.
O risco de casos julgados contraditórios integra o conceito de “outro motivo justificado”, que legitima a suspensão da instância prevista no n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil.
Em qualquer das situações previstas nesta norma, a suspensão da instância apenas é decretada quando o tribunal o entenda conveniente. No entanto, daqui não resulta que o poder conferido ao tribunal para decretar a suspensão da instância seja um poder discricionário, consubstanciando-se antes como um poder legal limitado que não deve ser recusado injustificadamente nem indevidamente utilizado, que só se justifica se a decisão que vier a ser proferida na causa prejudicial traduzir uma real influência na causa suspensa.
Assim, para os efeitos desta norma (artigo 272.º), uma causa está dependente do julgamento de outra, anteriormente proposta, quando a decisão desta outra acção (já proposta) possa condicionar e prejudicar o julgamento da nova acção, retirando-lhe o(s) fundamento(s) em que se baseia ou mesmo a sua razão de ser, na certeza de que, verificando-se esse efeito entre as acções, deverá suspender-se a instância na causa dependente.
A suspensão cessa, neste caso, quando estiver definitivamente julgada a causa prejudicial ou quando tiver decorrido o prazo fixado e então, se a decisão da causa prejudicial fizer desaparecer o fundamento ou a razão de ser da causa que estiver suspensa, é esta julgada improcedente–artigo 276.º do Código de Processo Civil.
Postos estes breves considerandos não podemos, salvo o devido respeito, sufragar o entendimento vertido na decisão recorrida quando conclui pela não prejudicialidade da acção comum nº 590/19.4 T8 PNF J4 que corrente termos pelo Juízo Central de Penafiel em relação à presente.
Na verdade, a situação sub judice e trazida à nossa análise, nada tem que ver com a relatada no Ac. da Relação de Guimarães de 15/11/2018[2] e que o tribunal recorrido cita na sua decisão.
Efectivamente na acção comum que foi intentada posteriormente à presente acção e que corre termos com o nº 590/19.4 T8PNFJ4 pelo Juízo Central de Penafiel e que os recorrentes entendem ser prejudicial, não se discute a configuração, limites, áreas e confrontações do prédio objecto de divisão nos presentes autos, como sucedia na situação relatada no acórdão da Relação de Guimarães.
Analisando.
Na presente acção a requerente (Ré na acção comum nº 590/19.4 T8PNFJ4) pretende a divisão do seguinte imóvel:
Casa de rés-do-chão e andar, com quintal, sito na Avenida…, da freguesia…, concelho de Paredes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes, sob o nº 701-… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5726, que corresponde ao artigo 278 da matriz predial urbana da extinta freguesia de …”.
Na referida acção comum que corre termos com o nº 590/19.4 T8PNFJ4 pelo Juízo Central de Penafiel os Autores (aqui requeridos) alegam, além do mais, o seguinte:
a)- Por sentença de 12/11/1985, transitada em julgado, proferida na acção de divisão de coisa comum, que correu seus regulares termos na 1ªsecção do 2º Juízo do então Tribunal da Comarca de Paredes, onde foi registada com o nº 18-A/77 foi adjudicado à ré, em comum e partes iguais com seus outros irmãos, E… e F…, o seguinte prédio:
“Uma casa térrea, sobradada e telhada, com quintal, sita na Avenida…, freguesia de …, deste concelho, a confinar do norte com G… e outros, do nascente com a Avenida…, do sul com a Rua… (Rua…) e do poente com o Dr. H…, descrita na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº 7543, a fls 47 do Livro B-20 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 278”;
b)- Em 10/01/1990, a ré, seu irmão E… e a sua irmã F…, elas acompanhada de seus maridos para efeito de consentimento, outorgaram um contrato, a que chamaram de promessa de divisão de coisa comum, no qual se obrigaram a “Não querendo, porém, permanecer na indivisão do aludido prédio, acordam e comprometem-se para todos os efeitos de direito em proceder à sua divisão por este contrato constituindo-se para o efeito três prédios distintos a saber:
Número Um - Uma casa térrea, sobradada e telhada, com quintal, com a área total de 504 m2, sita à Avenida…, a confinar do nascente com esta Avenida, do poente com o lote nº- dois, do norte com G… e do sul com a Rua I… (antiga Rua…).
Número dois – Um terreno com a área de 480 m2, sito à Rua… (Rua…), a confinar do nascente com o lote nº- um, do poente com o lote nº- três, do sul com a Rua… e do norte com G….
Número três – Um terreno com a área de 350 m2, sito à Rua… (Rua…), a confinar do nascente com o lote dois, poente com 12/8/52 89 o Dr. H…, norte com … e sul com a Rua… (Rua…).
c)- Mais declararam que o lote número um ficava para o irmão da Ré, E…, que o lote número dois para a Ré e que o lote número três para a irmã da Ré, F…, sem prejuízo de haver lugar a pagamento de tornas pela diferença do valor dos lotes, que foram pagas, mas que aqui não relevam por não estar em causa o seu pagamento, mas apenas o efeito decorrente desse pagamento.
(…)”.
No final dessa acção formularam os seguintes pedidos:
“Nestes termos, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, a ré ser condenada a reconhecer que:
1º- Os autores são donos exclusivos do prédio identificado em 2, número um desta peça, número um desta peça, a que corresponde a descrição 701 da Conservatória do Registo Predial de Paredes e o artigo matricial 278, com a área global corrigida para 540 m2, assim como
2º- A ré é apenas dona exclusiva do prédio identificado em 2, número dois, igualmente desta peça, a inscrever na matriz como uma parcela destinada a construção urbana, com a área de 480 m2 a destacar do registado na Conservatória do Registo Predial sob aquela ficha 701.
(…)”.
Daqui resulta sem margem apara qualquer dúvida que a divisão do imóvel identificado no artigo 1º da presente acção já terá, segundo a alegação dos recorrentes, sido objecto de divisão nos termos que vêm descritos na petição inicial da acção nº 590/19.4 T8PNFJ4 e atrás descritos.
Nessa acção não se discute, ao contrário do que ser afirma na decisão recorrida, o reconhecimento da propriedade, nomeadamente, da área, configuração e confrontação do imóvel alegadamente propriedade dos autores e que corresponde ao prédio indiviso em apreço nestes autos.
O que aí se alega é que este prédio, como identificado no artigo 1º da petição inicial, se encontra já dividido, e pelo decurso do tempo foi usado de forma autónoma pelos requeridos, na sua parte edificada e pela requerente na parcela para construção, como seus verdadeiros proprietários, não havendo nada para dividir, mais se referindo que não existe qualquer dúvida, relativamente a áreas, configuração ou confrontações, já que a questão da divisibilidade do prédio, tal como identificado na petição inicial, apenas permitiria, no limite, dizer que são dois prédios, mas mantendo-se a compropriedade na mesma proporção entre ambos.
Ora, julgada que seja a referida acção com nº 590/19.4 T8PNFJ4 no sentido da procedência dos pedidos formulados pelos ali Autores (aqui requeridos) dúvidas não existem de que o feito útil da presente acção de divisão de coisa comum desaparece, dado que à procedência daqueles pedidos está subjacente a divisão do imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial da presente acção e supra transcrito, ou seja, já não haverá prédio em comum que exija a sua divisão entre comproprietários.
Verifica-se, assim, uma situação de prejudicialidade entre a presente acção e aquela outra que corre termos com o nº 590/19.4 T8PNFJ4 pelo Juízo Central de Penafiel.
É certo que na referida acção nº 590/19.4 T8PNFJ4 se suspendeu a instância até ser julgada em definitivo a presente acção, assente no pressuposto de que ela havia prosseguido e por ocorrer motivo justificado (existência de causa prejudicial)
Todavia, salvo o devido respeito, torna-se evidente, que não é acção de divisão de coisa comum que é causa prejudicial em relação aquela outra.
Com efeito, a acção de divisão de coisa comum assenta na existência da propriedade comum ou compropriedade e, por assim ser, é que ela se destina ao exercício do direito potestativo conferido aos comproprietários de porem termo à comunhão.
Como assim, não existindo a situação de propriedade comum não existe fundamento para a sua instauração.
Ora, se naquela acção que corre termos nº 590/19.4 T8PNFJ4 pelo Juízo Central de Penafiel se afirma que não existe uma situação de compropriedade por os imóveis já estarem divididos e se pede o reconhecimento da respectiva propriedade, é por demais evidente que esta acção é que é prejudicial em relação à presente acção de divisão e que lhe pode retirar, se julgada procedente, a sua completa utilidade.
É claro que, a nosso ver, o despacho de suspensão da instância na referida acção não é irreversível, pois que, decidida aqui a suspensão nos moldes supra referidos, deve ser dirigido requerimento ao mencionado processo a solicitar o seu prosseguimento.
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Procedem, assim, as conclusões formuladas pelos recorrentes e, com elas, a respectivo recurso.
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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, por provada e, consequentemente, revogam a decisão confirmar que deverá ser substituída por outra que ordene a suspensão da instância até estar definitivamente julgada a acção que corre termos com o nº 590/19.4 T8PNFJ4 pelo Juízo Central de Penafiel.
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Custas pela parte vencida a final e na proporção em que o for (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 26 de Outubro de 2020.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)
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[1] In “Comentário ao Código de Processo Civil”, volume 3.º, 1946, páginas 268 e 269, em anotação ao artigo 284.º, com norma equivalente à do actual artigo 272.º.
[2] In www.dgsi.pt.