Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3746/16.8T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARVALHO
Descritores: HIPOTECA
INDIVISIBILIDADE DA HIPOTECA
DISTRATE
FRACÇÕES PRÓPRIAS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP201810233746/16.8T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 10/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º853, FLS.153-158)
Área Temática: .
Sumário: O credor que beneficia de hipoteca sobre um imóvel no qual é construído um edifício em propriedade horizontal e que à medida que a construção deste avança vai distratando a hipoteca sobre as respectivas fracções, prescinde da indivisibilidade da hipoteca e, por isso, apenas pode exigir a satisfação do seu crédito ao adquirente de uma das fracções na proporção da permilagem desta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3746/16.8T8LOU-A.P1
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
B…, residente na Rua …, n.º …, Amarante, executado nos autos principais deduziu a presente oposição à execução, contra a exequente C…, S.A., com sede na Av. …, n.º …, CP …. - … Lisboa.
Alegou, em síntese, que o credor aceitou a divisibilidade da hipoteca ao emitir as declarações para distrate da quase totalidade das fracções. Sendo um abuso de direito impor que o executado pague o remanescente do crédito hipotecário e respectivos juros.
Concluía pela procedência da oposição, com a absolvição do pedido exequendo.
Notificado, o exequente apresentou a sua contestação, impugnando motivadamente a matéria deduzida, realçando que decorrente do princípio da indivisibilidade da hipoteca a oposição terá de ser julgada improcedente.
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No saneador foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“ Nestes termos, decide-se julgar a presente oposição à execução, deduzido pelo embargante B… contra a embargada C…, S.A. parcialmente procedente, devendo a responsabilidade do executado/embargante limitar-se à quota-parte respeitante à sua fracção atenta a permilagem da mesma e os valores de capital e juros do crédito da exequente.”
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O exequente interpôs recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida que julgou os presentes embargos de executado parcialmente procedentes, decidindo que a responsabilidade do executado se deve limitar “à quota-parte respeitante à sua fracção atenta a permilagem da mesma e os valores de capital e juros do crédito da exequente” não fez adequada aplicação do Direito aos factos, pelo que deve ser revogada.
2. O Tribunal a quo errou na subsunção do direito aos factos provados, na medida em que as normas dos artigos 217º e 696º, ambas do Código Civil, não foram devidamente interpretadas e aplicadas ao caso sub iudice, tendo conduzido a uma decisão de mérito errada.
3. Com efeito, as fracções autónomas “C” e “M” que são propriedade do Executado, aqui Recorrido, e sobre as quais incide a hipoteca constituída a favor do Banco, referenciada nos factos 23 e 24 da matéria provada, garantem o pagamento da totalidade da quantia exequenda, no valor de €157.737,64, com referência a 01 de Julho de 2016.
4. É inequívoco que a hipoteca que incidia sobre o terreno passou a recair sobre todas e cada uma das fracções autónomas do prédio construído, designadamente sobre as fracções “C” e “M”, cuja propriedade foi transmitida ao Executado, aqui Recorrido, em 3 de Fevereiro de 2011.
5. Esta posição, que é seguida por praticamente toda a jurisprudência, assenta não só no disposto nos arts. 204º nº 1 d) e e), 691º nº 1 a) e 696º do CC, mas também - e em correlação com tais normativos - no pressuposto de que as modificações operadas pelo devedor na coisa onerada não devem levar à sua subtracção da garantia hipotecária, sob pena de defraudar os interesses do credor, além de forçar uma divisibilidade da garantia que, não tendo sido convencionada pelas partes, é inadmissível.
6. Cumpre salientar, com pertinência para o presente caso, que a indivisibilidade mantém-se ainda que haja cumprimento parcial do crédito garantido
7. Nos termos do artigo 696º, do CC (princípio da indivisibilidade), cada fracção continua a responder pela totalidade da dívida garantida por hipoteca.
8. O princípio da indivisibilidade da hipoteca, enunciado no artigo 696º, do CC, significa, outrossim, que se o prédio onerado com a hipoteca vier a ser dividido em dois ou mais prédios distintos, o encargo da dívida assegurada pela mesma hipoteca recai, por inteiro, sobre cada uma das partes do imóvel dividido ou fraccionado
9. É, por isso, evidente que o Executado, ora Recorrido, não poderia expurgar a hipoteca que recai sobre as suas fracções, pagando, somente, a quota-parte respeitante às suas fracções, atenta a permilagem da s mesmas e os valores de capital e juros de crédito do Banco, como entendeu, quanto a nós erradamente, a douta sentença recorrida
10. Concluindo, a hipoteca constituída a favor do Banco Recorrente e que incide sobre as fracções autónomas que são propriedade do Recorrido garante o pagamento da totalidade da quantia exequenda, no valor de €157.737,64, com referência a 01 de Julho de 2016.
11. Por outro lado, no caso em concreto, o Banco Exequente, ao emitir os documentos de distrate para libertar outras fracções hipotecas à medida que ia recebendo parte do seu crédito, não renunciou, nem expressa nem tacitamente, à característica da indivisibilidade da hipoteca.
12. Na verdade, como vimos supra, a hipoteca mantém-se indivisível, não obstante o pagamento parcial do crédito garantido e o distrate da hipoteca sobre algumas frações, uma vez que o direito de garantia não se confunde com o pagamento e a afetação do pagamento pelos distintos bens.
13. O distrate emitido pelo Banco significa, pura e simplesmente, uma redução da hipoteca, quer no que concerne aos bens, quer no que respeita à quantia designada como montante do crédito garantido, segundo o disposto no artigo 719º, CC.
14. A convenção em contrário à indivisibilidade, a que alude o disposto no artigo 696º, do CC, não diz respeito nem se confunde com os distrates para libertar fracções hipotecas, à medida do recebimento pelo credor.
15. Aplicada ao presente caso, a convenção em contrário prevista no citado artigo 696º do CC, significaria que na escritura de hipoteca as partes afastavam o principio da indivisibilidade estipulando que a hipoteca tinha por objecto apenas o terreno para construção e, consequentemente, não abrangia as fracções autónomas que nele viessem a ser construídas.
16. Oram no caso em apreço, na escritura que titula a hipoteca não consta essa convenção em contrário à indivisibilidade, mas precisamente o contrário, como resulta do facto provado n.º24.
17. A circunstância de o Banco Exequente ter aceitado o pagamento parcial do crédito por alguns obrigados emitindo em contrapartida documentos de distrate dessas fracções, não significa uma renúncia à indivisibilidade da hipoteca, mas, antes, uma redução da hipoteca, nos termos do artigo 719º, do CC
18. Deste modo se conclui que o Banco Exequente não aceitou a divisibilidade da hipoteca em apreço, antes foi reduzindo voluntariamente a hipoteca em relação a determinadas fracções, à medida que foi recebendo parcialmente o seu crédito.
19. Na verdade, a sufragar o entendimento da sentença recorrida, estaríamos, sem qualquer convenção nesse sentido, a operar a divisibilidade da hipoteca, violando o disposto no art.º 696º do CC.
20. Assim, enquanto subsistir dívida garantida e enquanto se mantiver válida e subsistente a hipoteca - o que se verifica nestes autos - assiste ao Banco o direito de exigir o pagamento do crédito ainda em dívida, coberto pela garantia, pelo produto da venda das fracções adquiridas pelo Executado.
21. Face ao exposto, o montante total em dívida de Eur.157.737,64 (cento e cinquenta e sete mil, setecentos e trinta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos), amplamente provado na matéria dada como assente pelo Tribunal a quo, encontra-se garantido por hipoteca constituída sobre as fracções autónomas designadas pelas letras C e M, integradas no prédio sito na Rua …, na freguesia de … (…), concelho de Amarante, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o n.º 1370 e inscrito na matriz com o n.º 21 (anterior 2084).
22. Assim, o Tribunal “a quo”, ao ter julgado parcialmente procedentes os embargos de executado, por ter entendido que o Banco Exequente aceitou tacitamente a divisibilidade da hipoteca constituída a seu favor ao emitir declarações de distrate para vinte fracções e, por isso, renunciou ao direito de ser ressarcido pela totalidade do remanescente do crédito apenas contra um dos restantes devedores, mormente o ora Executado, violou, entre outros, os artigos 204º, 217º, 686º, 691º, 696º, 719º, todos do Código Civil.
23. Em consequência, a decisão recorrida dever ser revogada da ordem jurídica e substituída por outra que, por entender que o montante total em dívida de Eur.157.737,64 se encontra garantido por hipoteca constituída sobre as fracções autónomas designadas pelas letras C e M, julgue totalmente improcedentes os presentes embargos de executado.
Todavia e sem prescindir,
24. Ainda que se considerasse, ao contrário do acima exposto, que os distrates emitidos pelo Banco significaram uma renúncia à indivisibilidade de garantia hipotecária, o que não se concede e somente se admite por mera lógica de raciocínio, a verdade é que sempre a responsabilidade do Executado, enquanto adquirente das fracções hipotecadas, ficaria limitada à quantia correspondente a 60/1000 (ie, a quota-parte das fracções atenta a sua permilagem) do montante máximo assegurado pela hipoteca, no valor de €907.970,00, e não do crédito exequendo.
25. De um lado, os argumentos expendidos pela douta sentença levam a crer que o Tribunal quis dizer que as fracções do Executado hipotecadas a favor do Banco Exequente respondem – não pela totalidade do crédito exequendo – mas pelo montante máximo assegurado pela hipoteca calculado em proporção à sua permilagem.
26. Ou seja, da quantia inicialmente garantida pela hipoteca, manter-se-á apenas a garantia correspondente à quota parte respeitante à fracção do executado/embargante atenta a permilagem da mesma.
27. Além disso, veja-se que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12- 02-2004, no qual se baseou a douta sentença, entendeu que as fracções por distratar garantem o montante máximo assegurado pela hipoteca correspondente à quota parte respeitante à fracção.
28. Isto significa, portanto, que se tivesse existido uma renúncia do Banco Exequente à indivisibilidade da hipoteca, sempre a responsabilidade do Executado ficaria limitada à quantia correspondente a 60/1000 (ie, a quota-parte das fracções atenta a sua permilagem) do montante máximo assegurado pela hipoteca, no valor de €907.970,00, e não do crédito exequendo.
29. Deste modo, a douta sentença errou ao considerar que perante a suposta renúncia do credor hipotecário a responsabilidade do executado se deve limitar “à quota-parte respeitante à sua fracção atenta a permilagem da mesma e os valores de capital e juros do crédito da exequente”.
30. Na verdade, a douta sentença ora em apreço violou o disposto nos artigos 686º, 691º, 696º, todos do CC, na medida em que, se existisse renúncia à indivisibilidade pelo credor, o montante garantido pela hipoteca seria reduzido ao montante correspondente à quota-parte das frações - atenta a sua permilagem – em relação ao montante máximo assegurado pela hipoteca inscrito no registo.
31. Conclui-se, pois, nesta sede subsidiária, que, ainda que se considerasse que o Banco havia renunciado à indivisibilidade da hipoteca, sempre a responsabilidade do Executado, enquanto adquirente das fracções hipotecadas, ficaria limitada à quantia correspondente a 60/1000 (ie, a quota-parte das fracções atenta a sua permilagem) do montante máximo assegurado pela hipoteca, no valor de €907.970,00, e não do crédito exequendo.
32. Assim e também pelos motivos supra expostos, a douta sentença ora em crise deve ser revogada, uma vez que, ainda que se entenda que o credor aceitou a divisibilidade da hipoteca, o montante garantido nunca corresponderia à quota-parte da fração em relação ao crédito do Exequente, mas, ao invés, em relação ao montante máximo assegurado pela hipoteca inscrito no registo, o que, só por si, implica necessariamente decisão diversa da proferida.
Nestes termos e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento à presente apelação e, em consequência, revogando a douta sentença recorrida, com o que se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!
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O embargante contra alegou, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
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Os factos
Na decisão recorrida foram enunciados os seguintes factos:
1. Em 29 de Janeiro de 1999, no exercício da sua actividade bancária, o Embargado/Exequente concedeu à sociedade D…, LDA, posteriormente designada E…, LDA, entretanto declarada Insolvente, um financiamento, no valor de Esc.15.000.000,00, actualmente Eur.74.819,68 (setenta e quatro mil, oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos).
2. Este financiamento seria reembolsado ao Banco Embargado no prazo de 6 meses contados desde a sua entrada em vigor.
3. Em 08 de Outubro de 2008, as partes acordaram a reestruturação do crédito acima referido, tendo ficado estipulado que, naquela data, o crédito do Banco ascendia a Eur.74.820,00 (setenta e quatro mil, oitocentos e vinte euros).
4. Este aditamento ao contrato foi celebrado pelo prazo de 90 dias contados a partir da sua assinatura pelas partes.
5. O valor definido aquando das reestruturação – Eur.74.820,00 – seria reembolsado ao Exequente em 75 (setenta e cinco) transferências mensais, sendo 74 (setenta e quatro) transferências mensais e sucessivas de Eur.1.000,00 (mil euros) e uma última no valor de Eur.820,00 (oitocentos e vinte euros).
6. Desde 31 de Julho de 2009 que a E…, LDA., entretanto declarada Insolvente, não procede ao pagamento das prestações a que se encontra adstrita, por força do contrato anteriormente referido.
7. De referir que no âmbito do processo de insolvência da sociedade, o Banco não logrou recuperar até à presente data o montante em dívida.
8. Por conseguinte, com referência à data de 01 de Julho de 2016,encontra-se me dívida ao Exequente a quantia de Eur.100.603,34 (cem mil, seiscentos e três euros e trinta e quatro cêntimos), sendo, Eur.62.048,50 (sessenta e dois mil, quarenta e oito euros e cinquenta cêntimos) de capital, Eur.37.071,96 (trinta e sete mil, setenta e um euros e noventa e seis cêntimos) de juros calculados à taxa contratual de 8,419% e Eur.1.204,39 (mil duzentos e quatro euros e trinta e nove cêntimos) de imposto de selo calculado sobre os juros vencidos.
9. Em 21 de Junho de 1999, no exercício da sua actividade bancária, o Embargado/Exequente concedeu a D…, LDA, posteriormente designada E…, LDA, entretanto declarada Insolvente, um financiamento, no valor de Esc.25.000.000,00, actualmente Eur.124.699,47 (cento e vinte e quatro mil, seiscentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos)
10. Este financiamento seria reembolsado ao Banco no prazo de 6 (seis) meses contados desde a sua entrada em vigor.
11. Desde 05 de Agosto de 2009 que a E…, LDA., entretanto declarada Insolvente, não proceda ao pagamento das prestações a que se encontra adstrita, por força do contrato anteriormente referido.
12. De referir que no âmbito do processo de insolvência o Banco não logrou recuperar qualquer quantia em dívida.
13. Por conseguinte, com referência à data de 01 de Julho de 2016,encontra-se em dívida ao Banco Embargado/Exequente a quantia de Eur.9.834,64 (nove mil, oitocentos e trinta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), sendo, Eur.9.456,39 (nove mil, quatrocentos e cinquenta e seis euros e trinta e nove cêntimos) de juros calculados à taxa contratual de 6,132% e Eur.378,26 (trezentos e setenta e oito euros e vinte e seis cêntimos) de imposto de selo calculado sobre os juros vencidos.
14. Em 03 de Março de 2004, por escritura de mútuo com hipoteca, outorgada no Cartório Notarial de Amarante, a fls. 11 e 12 do livro de notas para escrituras diversas n.º 362-F, o Banco Embargado/Exequente concedeu à Insolvente D…, LDA, posteriormente designada E…, LDA, entretanto declarada Insolvente, um financiamento no valor de Eur.700.000,00 (setecentos mil euros).
15. O contrato de mútuo foi celebrado por um prazo inicial de 4 (quatro anos) e 1 (um) mês, eventualmente prorrogável, por uma ou mais vezes.
16. Desde 03 de Junho de 2010 que a E…, LDA., entretanto declarada Insolvente, não proceda ao pagamento das prestações a que se encontra adstrita, por força do contrato anteriormente referido.
17. No âmbito do referido processo de insolvência, o Banco não logrou recuperar qualquer quantia.
18. Por conseguinte, com referência à data de 01 de Julho de 2016,encontra-se em dívida ao Banco Exequente a quantia de Eur.30.031,90 (trinta mil, trinta e um euros e noventa cêntimos), sendo, Eur.16.601,21 (dezasseis mil, seiscentos e um euros e vinte e um cêntimos) de capital, Eur.12.914,12 (doze mil, novecentos e catorze euros e doze cêntimos) de juros calculados à taxa contratual de 12,732% e Eur.516,57 (quinhentos e dezasseis euros e cinquenta e sete cêntimos) de imposto de selo calculado sobre os juros vencidos
19. Em 07 de Maio de 2007, o Embargado/Exequente celebrou com a sociedade D…, LDA, posteriormente designada E…, LDA, entretanto declarada Insolvente, um contrato sob a forma de Termos de Confirmação, com a referência IRS….. - CAP …., no valor nominal de Eur.750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros).
20. Desde 11 de Maio de 2011 que a E…, LDA., entretanto declarada Insolvente, não proceda ao pagamento das prestações a que se encontra adstrita, por força do contrato anteriormente referido.
21. Por conseguinte, com referência à data de 01 de Julho de 2016, encontra-se em dívida ao Banco Embargado/Exequente a quantia de Eur.17.267,76 (dezassete mil, duzentos e sessenta e sete euros e setenta e seis cêntimos), sendo, Eur.6.710,24 (seis mil, setecentos e dez euros e vinte e quatro cêntimos) de capital, Eur.10.557,52 (dez mil quinhentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos) de juros calculados à taxa contratual de 29,000% acrescidos de imposto de selo calculado sobre os juros vencidos.
22. Assim, com referência à data de 01 de Julho de 2016, o Banco permanece credor da quantia de Eur.157.737,65 (cento e cinquenta e sete mil, setecentos e trinta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos).
23. Foi constituída hipoteca pela sociedade D…, Ld.ª a favor da embargada/exequente sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o n.º 1370.
24. A referida hipoteca foi efectuada, conforme exarado, com a máxima amplitude legal e subsistirá enquanto o exequente não estiver integralmente pago, abrangendo tudo quanto estiver implantado no referido imóvel, bem como todas as construções, benfeitorias e acessões presentes e futuras e as indemnizações devidas por sinistro, expropriação ou quaisquer outras.
25. Na parcela de terreno foi construído um imóvel, sujeito ao regime de propriedade horizontal, pela Ap.2 de 2004/12/09, que deu origem às fracções A, B, C, D, E, F, G, H,I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R,S, T, U, V, X, Y, Z.
26. Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 3 de Fevereiro de 2011, a E…, Ld.ª vendeu as fracções designadas pelas letras C e M ao ora executado, B….
27. As fracções foram vendidas sem que tivesse sido expurgada a hipoteca a favor do Banco exequente.
28. A exequente foi emitindo documentos de distrate para libertar as fracções da hipoteca à medida que a devedora ia vendendo as fracções e solicitava tais documentos à instituição bancária.
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O direito
Questão a decidir: Se o credor aceitou a divisibilidade da hipoteca.
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Para garantia das obrigações da sociedade “D…, Lda.” para com o Banco ora exequente/embargado, foi constituída hipoteca sobre uma parcela de terreno. Sobre essa parcela foi construído um imóvel sujeito ao regime de propriedade horizontal, que deu origem a 25 fracções autónomas. O ora executado/embargante adquiriu, por escritura pública de 03.02.2011, as fracções designadas pelas letras “C” e “M”. Estas fracções foram adquiridas sem que tivessem sido expurgada a hipoteca a favor do Banco exequente.
O artigo 696º do C. Civil proclama a indivisibilidade da hipoteca, nos seguintes termos: “Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.” No caso dos autos e por força deste princípio, a hipoteca que incidia sobre o terreno estendeu-se ao edifício nele posteriormente implantado e às fracções autónomas que se vieram a constituir por sujeição ao regime de propriedade horizontal.
Das vinte e cinco fracções, foram distratadas 20. A indivisibilidade da hipoteca pode ser afastada por convenção das partes, como ressalta do teor do segmento inicial do artigo 696º - “salvo convenção em contrário”. Essa convenção, integrando uma declaração negocial, pode ser tácita (art. 217º, nº 1, do C. Civil).
Desse distrate concluiu a sentença recorrida, que “a exequente anuiu de modo tácito à divisibilidade da hipoteca, pois ao ver satisfeito o seu crédito, distratando as hipotecas, mesmo que seja a apenas a um ou alguns dos seus titulares, acabou por renunciar ao direito de ser ressarcido pela totalidade do remanescente do crédito apenas contra um dos restantes devedores, mormente o ora executado.”
A sentença estribou-se no acórdão do STJ, de 12-02-2004 (Proc. 03B2831), onde a questão apreciada apresentava similitude com a dos presentes autos, no qual se decidiu:
“O que importa é que o banco, que por força do mencionado princípio da indivisibilidade tinha o direito de garantir a totalidade do seu crédito também através da fracção ou fracções que distratou, abriu mão da garantia nessa parte, através de um acordo entre ele e o titular ou titulares da fracção ou fracções distratadas (ou/e o seu devedor), acordo que, obviamente, só a eles mesmos e na medida dos seus direitos, pode vincular.
Não é concebível que o banco pudesse, depois, fazer recair sobre o titular ou titulares das restantes fracções um tal acordo, cobrando deste ou destes, ou de cada um destes, a totalidade do seu crédito. Também porque, a ser possível uma tal solução, o titular ou titulares das fracções distratadas veriam posto em causa o acordo celebrado pelo banco, porque qualquer dos não distratados, pagando a totalidade da dívida, poderia exercer o seu direito de regresso contra aqueles outros, pedindo-lhes a parte proporcional do que tivessem pago.”
Concluía que esse distrate, integrando uma convenção ou acordo, expressamente permitida pelo artº 696º, afecta apenas e só o banco e, no que aqui importa, os titulares das fracções distratadas; que extingue a hipoteca na medida exacta da permilagem destas, qualquer que tenha sido o montante pago pelos respectivos titulares ou pelo devedor para obter o distrate por parte do banco; que a hipoteca permanece para garantia do montante correspondente à permilagem das fracções não distratadas, e apenas deste, não podendo o banco pedir de todos ou de cada um dos restantes titulares mais do que esse quantitativo restante.
Igual entendimento foi seguido no acórdão da Relação de Coimbra, de 22-01-2013, proc. 2210/09.6TBLRA.C.C1, também num caso com semelhanças com o dos presentes autos.
Os distrates operados quanto a cada uma daquelas 20 fracções do edifício construído sobre o terreno hipotecado a favor do ora exequente constituem factos concludentes que revelam, com toda a probabilidade, a manifestação de uma declaração negocial no sentido de concordar com a divisibilidade da hipoteca.
Tendo distratado a hipoteca relativamente a vinte fracções autónomas, deve entender-se que cada uma das cinco restantes fracções não garante a totalidade da dívida que a hipoteca garantia; mas apenas a dívida na proporção da permilagem da fracção.
Sustenta o apelante que a considerar-se a responsabilidade do executado na proporção da permilagem das fracções autónomas de que é titular (60/1000) essas fracções respondem não pela totalidade do crédito exequendo mas pelo montante máximo assegurado pela hipoteca – €907.970,00 (conclusões 24ª a 31ª). Segundo consta do registo (fls. 185, vº), era de facto aquele o montante máximo assegurado pela hipoteca.
No requerimento executivo, após aludir às importâncias em dívida em 01 de Julho de 2016, emergentes dos diversos contratos celebrados entre o exequente e a sociedade “D…, Lda.” – antecessora da sociedade “E…, Lda.” – o exequente escreveu que naquela data se encontrava em dívida o montante global de €157.737,64, sendo €85.359,95 de capital e €72.377,70 de juros e respectivo imposto de selo. Sendo este o montante em dívida (a que acrescem juros contados desde 01-07-2016 até efectivo pagamento), é este o montante garantido pela hipoteca; não o “montante máximo assegurado”. Sendo o crédito da exequente o indicado no requerimento executivo, a responsabilidade do executado calcula-se em função deste crédito e da permilagem das fracções de que é titular.
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Decisão
Pelos fundamentos expostos, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante

Porto, 23.10.2018
José Carvalho
Rodrigues Pires
Márcia Portela