Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
563/14.3TTPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: LOCAL DE TRABALHO
MOBILIDADE GEOGRÁFICA
DETERMINABILIDADE
BOA-FÉ
ORDEM PÚBLICA
Nº do Documento: RP20171120563/14.3TTPNF.P1
Data do Acordão: 11/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 264, FLS 179-199)
Área Temática: .
Sumário: I – A cláusula que defina o local ou que consagre a mobilidade geográfica de um trabalhador deve ser determinada ou determinável, seja através do seu teor, seja considerando o comportamento das partes na sua celebração e/ou execução, designadamente a própria natureza da actividade que aquele se obrigou a prestar.
II – Este mínimo de predeterminação radica nas exigências de boa-fé e de salvaguarda de ordem pública que deve pautar a celebração e execução dos contratos de trabalho.
III – Respeita os princípios referidos em II a cláusula que consagra a possibilidade de a trabalhadora se deslocar ao estrangeiro se aquando da sua celebração as partes (i) gizaram a sua inserção em deslocações à Índia; (ii) a alteração da categoria profissional – área do controlo de qualidade – e estatuto remuneratório daquela, designadamente que no exercício das novas funções se enquadravam deslocações à Índia, como sucedia com os anteriores controladores de qualidade da empregadora e (iii) consignaram a essencialidade de tais deslocações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 563/14.3TTPNF.P1
Origem: Comarca do Porto Este-Penafiel-Juízo Trabalho-J4
Relator - Domingos Morais - registo 671
Adjuntos - Paula Leal Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

IRelatório
1. – B... intentou acção comum emergente de contrato individual de trabalho, na Comarca de Porto Este-Penafiel-Juízo Trabalho-J4, contra
C..., Lda, ambos nos autos identificados, alegando, em resumo, que:
“A A. celebrou contrato de trabalho com a C1..., KG, com sede na Alemanha, em 29/09/1994, para iniciar a exercer a sua atividade a partir de 01/04/1995 (doc. n.º 1 ao diante junto).
Nos termos do referido contrato, foi a A. admitida para exercer a sua actividade profissional nas instalações C..., Lda., aqui R., em Lousada.
E em 01/03/1995 foi celebrado contrato de trabalho verbal entre a A. e a R.,
De acordo com o qual a A. ficou a trabalhar também para a C..., Lda., com a categoria profissional de Técnica de Calçado.
As relações de trabalho da A., com a C1..., KG e com a C..., Lda foram estabelecidas para funcionar em simultâneo, ficando a A. a ser trabalhadora da C1... alemã e da C... portuguesa.
Em abril de 2012 o valor da retribuição auferida pela A. decorrente do contrato de trabalho alemão ascendia a cerca de €3.700,00 (doc. n.º 2 ao diante junto).
Em abril de 2012 o valor da retribuição auferida pela A. ao abrigo do contrato de trabalho português ascendia a €1.091,00, valor acrescido dos supra-referidos componentes (doc. n.º 4 ao diante junto).
A A. auferia, assim, uma retribuição no valor de cerca de €4.800,00, a que acrescia a utilização de veículo automóvel e os complementos supra-referidos, nomeadamente o subsídio de renda.
Em 27/06/2012 a A. assinou um Acordo de Rescisão do contrato de trabalho que tinha celebrado com a C1... alemã, destinado a produzir efeitos a partir do dia 30/06/2012 (doc. n.º 5 ao diante junto).
Esse Acordo de Rescisão foi assinado por iniciativa da empresa, como resulta do próprio texto do acordo, como expressamente consta do §1 com o título “Rescisão”, por seu único e exclusivo interesse (doc. n.º 5 ao diante junto).
Ficou então expressamente acordado que a A. manteria a sua relação laboral com a C... portuguesa, como consta do próprio Preâmbulo do acordo de rescisão: “Futuramente subsistirá apenas uma única relação laboral, que será para com o empregador português.” - art. 101º, 4 CT (doc. n.º 5 ao diante junto).
Logo no dia seguinte foi assinado um aditamento ao contrato de trabalho português (doc. n.º 6 ao diante junto), em que se previa que a A. passaria a ter a categoria profissional de Técnica da área da Qualidade (cláusula primeira), auferindo a retribuição mensal ilíquida de €3.400,00 como vencimento base, acrescida de subsídio de alimentação (cláusula segunda).
A A. auferia uma retribuição cujo valor base ascendia a cerca de €4.800,00 mensais, a que acrescia a disponibilização de um veículo automóvel, um subsídio de renda e demais benefícios supra-discriminados.
Ora, Com a cessação do contrato alemão, o empregador português – a aqui R. – tinha obrigação de assumir a posição em que a A. se encontrava anteriormente!
Só que, ao invés de o fazer, a R. preparou um Aditamento ao contrato de trabalho português da A. (doc. n.º 6 ao diante junto), prevendo que esta ficaria a integrar a categoria profissional de Técnica da área da Qualidade (cláusula primeira), auferindo a retribuição mensal ilíquida de €3.400,00 como vencimento base, acrescida de subsídio de alimentação (cláusula segunda).
Em lugar de respeitar a posição da A. na empresa, a R. tirou partido na alteração contratual fragilizando a situação da A. e diminuindo os seus direitos!
Reduziu o valor base auferido pela A. de €4.800,00 mensais para €3.400,00, incluindo os subsídios de Natal e de férias (docs. n.os 6 e 7 ao diante juntos);
E retirou o valor auferido pela A. a título de subsídio de renda, bem como o direito a utilizar dois voos anuais para a Alemanha, mantendo apenas a disponibilização de veículo automóvel (situação logo acautelada com o próprio Acordo de Rescisão do contrato alemão – doc. n.º 5 ao diante junto) e o subsídio de alimentação (doc. n.º 7 ao diante junto).”.
Terminou, pedindo: “deve a presente ação ser julgada provada e procedente, e em consequência ser a R. condenada a:
a) pagar, à A., a quantia relativa à diminuição de retribuição, no valor de €1.400,00 mensais relativamente aos meses decorridos desde junho de 2012, o que, à presente data, perfaz a quantia de €30.800,00 (trinta mil e oitocentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal; e
b) declarar a nulidade do n.º 1 da cláusula terceira do aditamento a contrato de trabalho assinado pela A. em 1 de julho de 2012 ou, subsidiariamente declarar abusiva a aplicação que a R. faz da referida cláusula, reconhecendo excessiva e infundada a imposição, à A., da realização de deslocações ao estrangeiro que ultrapassem a duração de 10 dias consecutivos e a frequência de duas viagens anuais; e
c) reconhecer que a A. tem direito à atribuição, pela R., de um veículo automóvel para seu uso pessoal e profissional, constituindo elemento da sua retribuição, que pode ser usado irrestritamente, para além do horário normal de trabalho, designadamente em fins de semana, feriados e férias, dias úteis, fora do horário de trabalho e períodos de doença.”.
2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, por excepção (prescrição) e por impugnação, e reconveio, concluindo:
“Termos em que, Requer a V. Exa. se Digne admitir a presente contestação e, em consequência, considera-la procedente por provada, em qualquer caso absolvendo a Ré dos pedidos formulados e, em consequência considerar totalmente improcedente, por não provada, a acção e absolver a Ré dos pedidos formulados independentemente do fundamento.
Requer a V. Exa. se Digne, considerar procedente e admitir o pedido de incidente de intervenção acessória provocada sendo citada, para os termos da presente acção, a C1....
Requer ainda a V. Exa. se Digne considerar procedente por provado o pedido reconvencional e, caso seja considerada nula a clausula 3.ª ou ferida de vício ou reduzida pro qualquer forma, seja ele qual for, conforme alínea b) do pedido da Autora, que importe a não deslocação ou a deslocação em termos distintos dos previstos no documento aceite pelas partes ao estrangeiro, considerar todo o contrato nulo, repristinando os efeitos ao contrato em vigor, entre Autora e Ré, a 1 de Julho de 2012, com a mesma categoria, funções, salário e restantes condições, desde esta data, devolvendo a Autora o valor da diferença entre o que recebia antes do aditamento e o que passou a receber resultante deste acordo, desde 1 de Julho de 2012 até transito em julgado de decisão que considere válida tal nulidade, com efeitos retroativos ou, caso não se entenda pela existência de efeitos retroactivos, desde transito em julgado de decisão que considere válida tal nulidade.
Para além disso, declarar abusiva a utilização da viatura da Ré, por ter sido ordenada a sua entrega e até ter entrega dos documentos do veículo a 12 de Maio de 2014 e condenar a Autora a pagar, pelo menos o valor que a Ré tenha que lhe pagar a título de subsídio de transporte para além de, em qualquer caso, condenar a Autora a pagar o valor da despesa com o acidente a que deu causa, da sua responsabilidade seja qual for o direito que alegue ter à utilização do automóvel.
Em qualquer caso, condenar a Autora em custas e procuradoria.”.
3. – Por despacho de 15 de janeiro de 2015, foi decidido:
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, admito o incidente deduzido pela ré de intervenção acessória provocada de C1... KG, deferindo o chamamento desta última.
4. – Citada, C1... contestou, por excepção – ineptidão da petição inicial e prescrição – e por impugnação, concluindo:
“Termos em que, Requer a V. Exa. se Digne admitir a presente contestação e, em consequência, considera-la procedente por provada, em qualquer caso absolvendo a Chamada dos pedidos.”.
5. – A autora respondeu pela improcedência das excepções, concluindo: “Termos em que se conclui como no petitório, dando-se desde logo como não provada a invocação de má- fé por parte da A.”.
6. – No despacho saneador, fixado o valor da acção em €35.800,01, foram julgadas improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e da prescrição e “não admitido o pedido reconvencional deduzido pela ré de condenação da autora no pagamento do valor da despesa com o acidente a que deu causa da sua responsabilidade, absolvendo-se a autora dessa parte da instância reconvencional, admitindo-se os demais pedidos formulados”.
7. - Realizada a audiência de discussão e julgamento, a Mma Juiz proferiu decisão:
“Pelos fundamentos expostos, julga-se a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a ré, “C..., Lda.”, dos pedidos formulados pela autora, B....
Decide-se, ainda, não apreciar o primeiro pedido reconvencional deduzido pela ré uma vez que, atendendo à improcedência do pedido formulado pela autora, a sua apreciação ficou prejudicada.
Decide-se, por último, julgar improcedente o segundo pedido reconvencional formulado pela ré e, em consequência, absolver a autora do pedido de condenação a pagar à ré o valor do subsídio de transporte referente ao período de 30 de Janeiro de 2014 a 12 de Maio de 2014.
Custas da ação pela autora e da instância reconvencional pela ré.”.
8. - A autora, inconformada, apresentou recurso de apelação, concluindo:
“A) O Meritíssimo Tribunal a quo julgou improcedente o primeiro pedido formulado pela A., ora Recorrente, de condenação da A. a pagar-lhe a quantia relativa à diminuição de retribuição, no valor de €1.400,00 mensais, a partir da data da rescisão do contrato de trabalho com a interveniente.
B) Cumpre em primeiro lugar impugnar o facto descrito sob o n.° 27 da fundamentação da sentença.
C) Desde logo, não resultou provado que a R., ora Recorrida, tivesse fundamento para proceder à extinção do posto de trabalho da A., Recorrente, tendo antes sido transmitida, pela testemunha D..., pessoa que pessoalmente interveio ativamente na reestruturação, a ideia de continuidade, relativamente às funções que a mesma anteriormente desempenhava.
Para além disso,
D) Resulta desde logo da conjugação dos factos provados constantes da fundamentação da sentença sob os n.°s 6 e 7 com o texto do aditamento reproduzido sob n.° 25 da fundamentação de facto, que houve uma diminuição de €1.400,00 no valor mensalmente auferido pela trabalhadora.
Acresce que
E) Também não corresponde à verdade material que a trabalhadora, Recorrente, tenha assumido uma posição mais qualificada na empresa, sendo que, como conclui a douta sentença proferida no proc. n.° 30/16.OT8PNF, que correu termos no J3 da mesma secção de trabalho, que concluiu pela ilicitude do despedimento da trabalhadora, não se verificou qualquer melhoria material da posição da trabalhadora.
F) A este respeito, deveria o Tribunal a quo ter valorizado o depoimento de D..., testemunha arrotada pela A., ora Recorrida, que foi gerente local da A., sem qualquer interesse atual na lide, em detrimento do depoimento da testemunha E..., que se mostrou visivelmente interessada na lide, depondo sobre factos sobre os quais nem tinha efetivamente conhecimento.
G) Cumpre, pois, fazer refletir as circunstâncias supra-referidas na fundamentação da sentença, alterando desde logo o conteúdo do supra-citado facto n.° 27, nos seguintes termos: “A ré propôs à trabalhadora manter-se em laboração, passando a auferir retribuição no valor de €3.400,00.”.
H) Justifica a Ilustre Magistrada a sua decisão, entre outros motivos, invocando que, a autora não alegou e provou factos para podermos concluir pela existência dessa subordinação jurídica a mais do que um empregador.”, designadamente porquanto não alegou nem provou que funções desempenhava para a interveniente, nem se trabalhava sob as ordens e direção da A. e da interveniente, fundamento do qual a Recorrente discorda profundamente.
De facto,
I) Se dúvidas subsistissem a esse respeito, resulta desde logo claro do Acordo de Rescisão do contrato de trabalho celebrado com a interveniente, junto à p.i. como doc. n.° 5, que “o trabalhador possui um vínculo laboral com a Sociedade ...”, e mais adiante: “Futuramente subsistirá apenas uma única relação laboral, que será para com o empregador português.”.
Aliás,
J) Foram expressamente alegadas, designadamente na resposta à contestação, as funções desempenhadas pela A., ora Recorrente, para a interveniente, facto que não mereceu impugnação, pelo que deve ser dado como assente, sendo que essas funções eram, como resulta evidente, as mesmas que exercia para a R., já que a trabalhadora nunca exerceu dois tipos diferentes de funções!
K) Daí que deva ser retirado dos factos provados descritos na fundamentação de facto o n.° 5.
L) Maís se nota que foram desde logo fixados, no contrato com a interveniente (doc. n.° 1 junto à p.i.), não só o valor da retribuição que a trabalhadora auferiria a partir da Alemanha, como também a que auferiria através da empresa portuguesa.
M) Dúvidas não deixa, uma interpretação eficaz dos factos trazidos e provados, que de uma única relação laboral se tratava.
N) Mais resulta do contrato celebrado com a interveniente (doc. n.° 1 junto à p.i.), a efetiva subordinação jurídica da trabalhadora à interveniente.
O) Improcedendo assim este argumento que serviu de fundamento para dar como não provado o primeiro pedido formulado pela A., ora Recorrente.
P) Prossegue a fundamentação jurídica da sentença proferida pelo Tribunal a quo concluindo que não assiste razão à A., ora Recorrente, porquanto a mesma, devidamente aconselhada por advogado, decidiu cessar o contrato de trabalho que mantinha com a interveniente, recebendo uma indemnização.
Q) A este respeito requer-se a eliminação dos factos descritas sob os n.s 24 e 30 da fundamentação.
Efetivamente,
R) A trabalhadora não foi assessorada e aconselhada por advogado, nem na rescisão, nem no aditamento, não tendo sido produzida prova, nem havendo sequer indícios nos autos, que permitissem concluir nesse sentido.
De facto,
S) Não se afigurava à A., ora Recorrente, necessário qualquer conselho, dado que a decisão em causa, a seu ver, era puramente económica, correspondendo meramente à decisão (pessoal e familiar) sobre se aceitaria, ou não, continuar a trabalhar na empresa com o novo salário que era significativamente inferior ao até então auferido.
T) Nesse sentido apontou também o depoimento do Sr. D..., reproduzido nas alegações supra, que claramente transmitiu, em sede de Audiência de Julgamento, nada de novo ou especial conter o aditamento que justificasse uma explicação particular à trabalhadora.
U) E se a trabalhadora recebeu uma indemnização, essa foi, como resulta claro do próprio documento de Rescisão, de diminuto valor, tendo em conta a retribuição que a trabalhadora auferia e a sua antiguidade de 21 anos na empresa, sendo notório que a trabalhadora recebeu o valor em causa como compensação pela redução de salário que, daí em diante, passaria a sofrer
V) Impõe-se, pois, a alteração do teor do facto provado descrito sob o n.° 27 e a eliminação dos factos descritos sob os n.° 5, 24 e 30.
W) Afigura-se à Recorrente ser nula a cláusula de mobilidade geográfica inserta no aditamento ao contrato de trabalho, por não ser admissível a atitude com que a mesma se encontra redigida, capaz de comprometer a expetativa de estabilidade de qualquer trabalhador.
X) Discorda a Recorrente da inclusão dos factos dados como provados sob os n.°s 34 a 38 na fundamentação da sentença.
Então vejamos,
Y) Como já supra referido, a A. não foi devidamente aconselhada relativamente à assinatura do aditamento.
Para além disso,
Z) O Sr. D... revelou ainda de forma segura e credível que, em termos de deslocações ao estrangeiro, nada de novo e diferente estava previsto passar a acontecer à trabalhadora e que a ora Recorrente já as efectuava anteriormente e com entusiasmo, não havendo, a esse nível, qualquer alteração!
AA) No que toca aos factos incluídos na fundamentação sob os n.s 34 e 37, devem os mesmos ser retirados do elenco, porquanto o seu conteúdo é de todo irrelevante para a decisão da causa, já que o facto de a Recorrida ter contratado dois técnicos para a Índia, e ainda que a Recorrente eventualmente conhecesse (o que não foi provado) os contratos dos referidos trabalhadores, isso em nada relevaria para a situação pessoal da Recorrente, que não foi contratada para essa função!!
AB) Quanto aos factos descritos sob os n.os 35, 36 e 38, devem ser retirados da fundamentação, por serem profundamente falsos e o seu conteúdo não resultar da prova produzida!
AO) Resulta, aliás, do depoimento da testemunha D... que o tema das deslocações nem sequer foi abordado com a trabalhadora, assim como que a remuneração que passou a auferir não foi acordada na perspectiva das deslocações!!, tanto que resulta evidente ter ocorrido uma diminuição efetiva da retribuição que a trabalhadora anteriormente auferia.
AD) Deve, pois, ser declarada a nulidade da cláusula de mobilidade geográfica inserida no aditamento ao contrato.
E, para além disso,
AE) Devem os factos n.s 34 e 37 ser retirados da fundamentação, porquanto o seu conteúdo é de iodo irrelevante para a decisão da causa, e os factos descritos sob os n.os 35, 36 e 38 ser retirados da fundamentação, por serem profundamente falsos e o seu conteúdo não resultar da prova produzida.
AF) Assim se concluirá que o aditamento não foi celebrado tendo em vista alterar de alguma forma os moldes em que a trabalhadora se deslocava para a Índia,
AS) Nem o seu ajuste de retribuição se prendeu com esse facto, mas antes com uma atualização da retribuição adequada às suas funções perante a cessação de pagamento do salário através da interveniente,
AH) Nem ela se apercebeu de que ocorresse qualquer alteração a esse nível, não tendo sido nem minimamente alertada para o assunto,
AI) O que sempre importaria a inaplicabilidade da cláusula nos termos pretendidos pela R..
AJ) Não se conforma ainda a Recorrente com os factos dados como provados pelo Tribunal a quo sob os n.°s 49 e 53.
AK) Afigura-se também que deveria ter sido incluído nos factos provados o n.° 10.
AL) Ao que consta na sentença proferida, ter-se-á o Tribunal baseado, relativamente ao facto n.° 53, exclusivamente no relato da testemunha E..., que se afigura parcial, sendo que quanto à motivação do facto 49 nem sequer a sentença é explícita, como se impunha, nulidade que expressamente se invoca.
AM) Resulta desde logo da prova documental, designadamente do contrato de trabalho alemão (doc. n.° 5 junto à p.i), ter sido reconhecido à trabalhadora, desde o início da sua relação de trabalho, o direito à utilização de um veículo automóvel, o qual lhe veio a ser disponibilizado pela R., como resulta da prova testemunhal e ainda da análise dos recibos juntos aos autos (doc. n.° 3 e doc. n.° 15 do requerimento de 04106/2014).
AN) A Recorrente dispunha pois, já desde o início dos seus contratos de trabalho e até novembro de 1999, de um veículo automóvel, que lhe veio a ser facultado depois novamente desde dezembro de 2008, utilização que foi mantida, após a assinatura do aditamento, exatamente nos mesmos termos em que existia anteriormente!
AO) A este respeito foi provado que a empresa suportava todas as despesas relacionadas com o veículo, designadamente no que se refere a custos de manutenção, combustível e seguros, como resulta do facto provado n.° 50, sendo que isto já sucedia desde o início do contrato de trabalho, outra coisa não resultando minimamente da prova produzida, e que, nos períodos que não lhe era atribuído veículo automóvel, a trabalhadora auferia um determinado valor mensal fixo. Que não dependia da realização de trabalho efetivo!
AP) Tal resulta desde logo evidente da análise da prova documental, não impugnada pela Recorrida e que foi descurada pela Meritíssima Juíza a quo, designadamente o doc. n.° 3 junto à p.i., do qual constam todos os recibos de vencimento emitidos pela A. durante o ano de 2007, último ano completo em que a Recorrente auferiu o referido valor.
AQ) Consta ainda do referido doc. n.° 3 e doc. n.° 15 juntos pela A., ora Recorrente, que o valor mais recentemente por si auferido ascendia a €456.00 (hoje em dia corresponderá pelo menos a €500,00), no mês de novembro de 2008, último mês em que a trabalhadora auferiu valor mensal em substituição da utilização de veículo automóvel, já que no mês de dezembro teve novamente à sua disposição veículo automóvel.
AR) Esclarecidas as condições em que era feita a referida utilização, como direito próprio da trabalhadora, cumpre salientar que não resulta de qualquer meio de prova que tenha sido comunicada à ora Recorrente a alteração de qualquer uma das condições em que lhe tinha sido atribuído o veículo, antes pelo contrário!
AS) Nem sequer logrou a A., Recorrida, provar, embora esse facto nem fosse relevante, que os trabalhadores que utilizavam veículo nas condições invocadas pela testemunha tivessem a mesma posição na empresa que a A., Recorrente!
AT) Deve, pois, ser ponderada a prova produzida, e alterados os factos dados como provados sob os n.°s 49 e 53, passando os mesmos a ter a seguinte redação: 49. Com o aditamento ao contrato referido em 25 a ré manteve o reconhecimento à autora do direito a ter um veículo. 53. A ré reconhecia à autora o direito de usufruir do referido veículo restritamente, também para uso pessoal em períodos pós-laborais, férias e fins-de-semana.”.
AU) Deve ainda ser alterado o conteúdo do facto dado como provado sob o n.° 10, passando o mesmo a ter a seguinte redação: Nos períodos em que não dispôs da utilização de veículo automóvel, a autora auferiu mensalmente valor fixo, que em 2008 ascendia a €456,00.”. Isto posto,
AV) Considerada a prova produzida a respeito da utilização do veículo automóvel, resulta notório que o mesmo foi atribuído à trabalhadora antes da assinatura do aditamento ao contrato de trabalho.
AW) Mais resulta que o mesmo foi entregue à trabalhadora para seu uso total, e não meramente profissional,
AX) Sendo que nos meses em que não dispunha da utilização de veículo auferia um valor estabelecido, sendo o mais recente, já em 2008, de €456,00,
AY) Valor cujo recebimento era fixo e mensal, independente da prestação de trabalho efetivo.
AZ) E ainda que, nem na altura da assinatura do referido aditamento, nem posteriormente, lhe foi comunicada qualquer alteração, relativamente às condições da atribuição do veículo automóvel.
BA) In casu, resulta da prova produzida, incluindo da que não logrou ser valorada pela Meritíssima Magistrada, que a atribuição foi feita com caráter obrigatório, e não correspondendo a uma mera tolerância da entidade empregadora.
BB) Correspondendo, pois, a uma prestação retributiva, que não poderia ser diminuída por decisão unilateral da R..
BC) Em causa estava, pois, um verdadeiro direito da trabalhadora, previsto, reconhecido e respeitado desde 1995, constituindo, pois, um direito adquirido pela trabalhadora, que em nada foi alterado com a assinatura do aditamento, pelo que deve ser reconhecido como retribuição.
Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de Vossas Excelências, deve a prova ser reapreciada e ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, e substituindo-se a mesma por outra, que condene a ora Recorrida nos pedidos formulados pela A., ora Recorrente, na p.i., com a concretização requerida em 23/04/2014.
Como é de JUSTIÇA!”.
9. - As rés não contra-alegaram.
10. - O M. Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se pela improcedência do recurso de apelação.
11. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
“A) Instruída e discutida a causa, com relevo para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1. A autora e a ré outorgaram, em 23 de Janeiro de 1989, um contrato de trabalho cuja cópia se encontra junta a fls. 187 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido através do qual a autora foi admitida para exercer a função de Monitora de costura.
2. A autora cessou esse contrato de trabalho por sua iniciativa.
3. A autora, em 29/09/1994, celebrou um contrato de trabalho com a C1..., KG, com sede na Alemanha, para iniciar a exercer a sua atividade a partir de 01/04/1995, cuja cópia se encontra junta a fls.22/26 e cuja tradução se encontra junta a fls. 93/97 do qual consta, designadamente, que
“Artigo 1.º O contrato de trabalho que se rege pelo disposto nas seguintes cláusulas tem início em 1 de Abril de 1995, se possível antes, e terá duração de 5 anos.
Artigo 2.º A Senhora B... é mestre da unidade de pespontos da fábrica C..., Lda., sendo responsável pela parte superior do calçado em couro (…)
Artigo 3.º A Senhora B... controla ainda os trabalhadores domiciliários afetos à divisão da parte superior do calçado em Lousada. É ainda responsável pela qualidade da mercadoria e pela execução sem entraves dos trabalhos (…)
Artigo 6.º Durante o exercício da sua atividade no estrangeiro, a Senhora B... receberá a partir da Alemanha um vencimento mensal ilíquido de 4.500,00 marcos alemães. Além dessa remuneração, a Senhora K... receberá durante a sua atividade em Lousada/Portugal um vencimento mensal ilíquido de 125.000,00 escudos”
Artigo 10.º Durante o exercício da sua atividade pra a C..., a Senhora B... terá direito anualmente a dois voos para a Alemanha (…) os quais serão pagos em caso de não utilização.
A C... disponibiliza uma habitação à Senhora B... (…)
Além disso, a Senhora B... terá à sua disposição um veículo de serviço. Será celebrado um contrato em separado relativo à utilização desse veículo (…)”.
4. Em 1/3/1995 foi celebrado um contrato verbal entre a autora e a ré de acordo com o qual a autora ficou a trabalhar para a ré com a categoria profissional de Técnica de Calçado na seção de corte da ré.
5. Nessa data a autora já mantinha uma relação contratual com a interveniente para quem exercia funções distintas.
6. Em Abril de 2012 o valor da retribuição auferida pela autora decorrente do contrato de trabalho alemão ascendia a cerca de €3.700,00.
7. E o valor da retribuição mensal auferida pela autora ao abrigo do contrato de trabalho português ascendia a €1.091,00.
8. A interveniente foi sócia da ré (doc. fls. 449/452)
9. Em 2011 a C..., Lda. deixou de ser detida pela C1... e passou a ser detida a 100% pela C2..., sendo que esta é detida pela C3....
10. A C3... foi constituída por transformação da C4....
11. A C3... é detentora da C1...
12. No ano de 2010 a ré alterou a relação que mantinha com a interveniente por se encontrar totalmente caduco o processo produtivo face à realidade e novas exigências do mercado.
13. A ré revogou contratos de trabalho a mais de 50 dos seus trabalhadores com fundamento em extinção do posto de trabalho.
14. Em 1/7/2011 foi contratado o Sr. D... como diretor Geral da ré para iniciar o processo de reestruturação industrial e implementar o novo modelo de negócio na ré no prazo estimado de 2 anos.
15. A ré, em Março de 2012, conseguiu autonomizar-se da interveniente que fazia controlo de qualidade e assumia o risco de negócio.
16. Através dessa restruturação foi alterado o Layout da produção da ré, incluindo os processos e métodos de fabrico, novos sistemas informáticos com novo software e hardware de gestão, o ERP Primavera, desenvolvimento de programas específicos para a o controlo produtivo e outros, criação de novos departamentos e extinção de outros, modelação e desenvolvimento de modelos de calçado, compras, planeamento, novas funções e redistribuição de outras.
17. Entre Julho de 2011 a Março de 2012 foram iniciadas mudanças estruturais na organização ao nível do layout, processos produtivos e reorganização de postos de trabalho, assim como os novos departamentos de compras, planeamento e custeio.
18. Em Janeiro de 2012 a ré iniciou o processo de implementação do ERP a par com a formação.
19. E, em Abril/Maio de 2012, a Ré passou a vender sapatos à interveniente com autonomia estando preparada a criação de um centro de competências próprio tendo ficado criado um sistema produtivo que se mantém na empresa da Ré.
20. Nessa altura, a Chamada deixou de controlar os processos, métodos e qualidade do produto uma vez que essas áreas passaram a ser da inteira responsabilidade da ré, deixando de ter qualquer necessidade de manter os seus técnicos em Portugal, incluindo a autora.
21. Na ré, nessa altura, foi extinta a secção de costura onde a autora trabalhava, o que era do conhecimento da autora.
22. Os postos de trabalho da autora, quer na ré, quer na chamada, extinguiram-se depois de concluída a referida reestruturação.
23. Em 27/6/2012 a autora e a interveniente outorgaram um acordo de rescisão do contrato de trabalho destinado a produzir efeitos a partir do dia 30/6/2012 cuja cópia se encontra junta a fls. 44/46 e cuja tradução se encontra junta a fls. 109/111 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual consta que “O trabalhador possui um vínculo laboral com a Sociedade (…)
Para além da presente relação contratual, existe ainda uma relação laboral com o responsável da unidade fabril em Lousada. A presente relação contratual deverá agora ser terminada. Futuramente subsistirá apenas uma relação laboral que será para com o empregador português. As partes convencionam rescindir a relação contratual por mútuo acordo. Nestes termos, as partes acordam o seguinte:
Artigo 1 – Rescisão
As partes estão de acordo que a relação laboral do trabalhador com a Sociedade será terminada por iniciativa da sociedade à data de 30.06.2012 (…)
Artigo 2 Apuramento de contas
As partes estão de acordo que a remuneração do trabalhador, à exceção da relativa ao mês de Junho, foi corretamente processada, tendo sido devidamente pagos ao trabalhador os montantes líquidos daí resultantes. A sociedade irá proceder ao devido processamento do salário de Junho do trabalhador até à data de rescisão, efectuando o pagamento do montante líquido daí resultante (…)
Artigo 3 Indemnização
A título de compensação pelas prestações sociais, o trabalhador recebe uma indemnização no montante de €10.000,00 (…) ilíquidos (…).
Artigo 6 devolução de bens.
(1) (...).
(2) À data da rescisão, o trabalhador devolverá a Sociedade o automóvel de serviço com todos os equipamentos em perfeito estado. O trabalhador é livre de continuar a utilizar um eventual automóvel de serviço através do seu empregador em Portugal.”. (a parte sublinhada foi aditada, nos termos infra consignados).
24. Na assinatura dessa rescisão foi a autora assessorada e aconselhada por advogado (acordo de fls. 1484)
25. No dia 1 de Julho de 2012 de foi assinado um aditamento ao contrato de trabalho português cuja cópia se encontra junta a fls. 47/49 cujo teor se dá por integralmente reproduzido no qual ficou a constar que “As aqui outorgantes são contraentes em contrato de trabalho que se mantém desde 1 de Março de 1995 sendo o presente documento aditamento a esse contrato, verbal, mantendo-se na íntegra as condições que existem entre os Outorgantes (…)
A aqui segunda outorgante reconhece expressamente que as alterações que aqui se acordam constituem sua vontade expressa e apresentam melhores condições que a situação contratual anterior, concordando expressamente na alteração da categoria profissional e responsabilidades inerentes para as quais, declara, ter as devidas competências (…).
Cláusula primeira
1. Pelo presente, o segundo outorgante passa a ter a categoria profissional de Técnica da área da qualidade para exercer (…) as funções de controlo do produto, controlo de Entrada de Materiais, direção Técnica do processo de Produção (…)
2. O cargo para o qual o segundo outorgante é contratado é de elevada responsabilidade e pressupõe elevado grau de confiança.
Cláusula segunda
1 A retribuição mensal ilíquida a auferir pelo Segundo Outorgante como contrapartida do trabalho prestado (…) é de:
a) €3.400,00 (…) de vencimento base;
b) À retribuição referida no número anterior acrescerá, a título de subsídio de alimentação, a quantia de €2,20 (…) por cada dia de prestação efetiva de trabalho.
Cláusula Terceira
1. O segundo Outorgante exercerá as suas funções na sede da Primeira Outorgante e em qualquer local de Portugal ou no estrangeiro, indicado pela Primeira Outorgante, o que o Segundo Outorgante aceita, e que é essencial para a formação de vontade do 1.º outorgante, sem que isso importe o pagamento de qualquer outra contra-partida (…)”
26. O aditamento ao contrato referido em 25 foi realizado porque a seção onde a autora trabalhava para a ré havia sido extinta.
27. A ré, apesar de ter fundamento para extinguir o posto de trabalho da autora, propôs-lhe, em alternativa, manter-se em laboração com novo cargo, mais qualificado, com nova e aumentada remuneração e com as respetivas obrigações, que a Autora aceitou.
28. Antes de subscrever o aditamento referido à autora foi entregue, dois dias antes, uma cópia do mesmo, tendo a autora tido tempo para refletir sobre o seu conteúdo.
29. Aquando da cessação do contrato com a interveniente a autora auferiu da respectiva compensação no valor de €10.000,00, que recebeu e não impugnou ou reclamou.
30. A Autora negociou com a Ré, devidamente aconselhada, a outorga do aditamento referido e a desvinculação com a Chamada sendo que, quanto a esta, a Ré não teve intervenção.
31. A autora tinha perfeita consciência que com a assinatura do acordo de rescisão mencionado em 23 terminava o contrato com a interveniente e que renegociou o contrato com a ré.
32. A Ré sempre teve produção de materiais no estrangeiro, mormente na Índia, havendo deslocações àquele país que eram feitos por determinação da Chamada que, antes da restruturação, controlava qualidade.
33. Após a referida restruturação e alteração do modelo, a Ré manteve produção na Índia.
34. Quando subscreveu o aditamento ao contrato referido em 25, a autora sabia que, no passado, a ré chegou a contratar dois técnicos para controladores de qualidade nos seus fornecedores de gáspeas na Índia, que ali passavam períodos de 3 semanas na Índia e uma semana em Portugal.
35. A autora sabia que o que determinou a celebração do aditamento ao contrato por parte da ré foi a necessidade desta contratar um responsável pela qualidade que pudesse, quando necessário, deslocar-se aos fornecedores na Índia a fim de localmente controlar a qualidade do que ali se produzia.
36. A autora aceitou essas funções, estando consciente que a qualquer altura poderia ser-lhe solicitado que se deslocasse para a Índia para exercer essa função.
37. E sabia que os anteriores controladores de qualidade contratados pela ré faziam as deslocações referidas em 34.
38. A autora sabia que poderia ter que realizar deslocações à Índia para controle de qualidade, tendo a remuneração acordada no aditamento referido em 25 sido fixada na perspectiva dessas eventuais deslocações.
39. A autora realizou viagens à Índia durante os seguintes períodos temporais: entre 16/9/2010 e 24/9/2010, 9/12/2010 e 17/12/2010, 23/11/2011 e 27/11/2011, 9/5/2012 e 14/5/2012, 6/8/2012 e 11/8/2012.
40. Em 2013 a autora não se deslocou nenhuma vez à Índia porque a situação de controlo de qualidade se foi resolvendo.
41. Em 24 de Janeiro de 2014 a ré remeteu à autora a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 51 cujo teor se dá por integralmente reproduzido através da qual lhe comunica que
“Atendendo às suas funções que passou a exercer e para cabal cumprimento das mesmas, verifica-se indispensável que efetue deslocações à Índia uma vez que, nesta altura, se verifica uma séria situação de não cumprimento das regras de qualidade e atrasos sucessivos nas entregas como sabe, atendendo às funções que exerce.
Face ao exposto, e nos termos do aditamento ao contrato de trabalho para o qual passou a auferir quantia remuneratória superior e se obrigou a deslocar-se ao estrangeiro, ao qual se encontra adstrita face às funções exercidas e se obrigou, fica advertida que durante os próximos 12 meses terá que efectuar deslocações à Índia no qual, a cada deslocação passará um período de 3 semanas procedendo esta empresa a uma liquidação adicional de ajudas de custo no valor de €49,00/dia e suportará os custos da viagem e alojamento.
Fica advertida que a primeira deslocação se efectuará no próximo mês de Fevereiro pelo que se agradece que no prazo máximo de 5 dias proceda à entrega do passaporte para ser diligenciada a obtenção do respectivo visto, bilhete de avião e outros procedimentos burocráticos”.
42. A autora respondeu à carta referida em 7 através do envio de uma outra carta, datada de 4 de Fevereiro de 2014, cuja cópia se encontra junta a fls. 56/57 cujo teor se dá por integralmente reproduzido através da qual lhe comunica que “informo que não aceito os termos em que me estão a ser impostas as deslocações à Índia, por violarem a lei.
Assinei, de facto, em 1 de Julho de 2012, um “aditamento a contrato de trabalho” no qual é feita referência a deslocações ao estrangeiro.
Tais deslocações já existiam anteriormente só que num regime completamente diferente daquele que agora me estão a querer impor.
Efetuava apenas uma ou duas viagens por ano, passando meses sem que tivesse necessidade de me deslocar ao estrangeiro e as viagens que efetuava nunca ultrapassavam o período de 10 dias.
A situação continuou igual mesmo depois da assinatura do mencionado “aditamento a contrato de trabalho”. Depois de Julho de 2012 efetuei uma única viagem à Índia, entre 6 de Agosto e 11 de Agosto de 2012, não tendo efetuado qualquer viagem em 2013.
Aquilo que agora me pretendem exigir significa que teria que passar a residir na Índia, com deslocações de uma semana por mês a Portugal.
Tal não é aceitável pois, como V.as Ex.as têm conhecimento, tenho a minha vida toda estabelecida em Portugal, em termos profissionais e pessoais, e tenho inclusivamente um filho menor para cuidar.
Atendendo aos motivos invocados, considero legalmente inexigíveis as deslocações nos termos em que me estão a ser impostas, que não posso aceitar. Mantenho, naturalmente, toda a abertura para continuar a efetuar deslocações ocasionais ao estrangeiro como sempre foram efetuadas, por períodos não superiores a 10 dias”
43. A ré remeteu à autora a carta referida em 39 porque necessitava que a autora se deslocasse à Índia porquanto as gáspeas que estavam a receber desse país vinham com atraso e com defeitos que não eram suscetíveis de correção, o que determinou sucessivos atrasos na produção e devolução de artigos.
44. A autora tinha conhecimento do referido em 43.
45. Os defeitos referidos em 43 são suscetíveis de ser identificados e corrigidos na Índia.
46. Foi a necessidade de deslocações, atendendo às novas funções atribuídas à autora, que levou à elaboração do aditamento e à aceitação, pela autora, do conteúdo do mesmo.
47. As deslocações à Índia e os hiatos temporais mencionados na carta referida em 39 são as que a ré previu serem necessários para que sejam implementadas medidas de controlo de qualidade na Índia, funções essas que são da responsabilidade da autora.
48. Caso a autora conseguisse implementar essas medidas mais rapidamente e solucionar o problema dos defeitos existentes, o número de deslocações reduzir-se-ia e o hiato temporal também.
49. Com o aditamento ao contrato referido em 25 a ré autorizou a autora a ter um veículo para uso profissional.
50. A autora abastecia esse veículo no posto de abastecimento da ré, sendo esta a responsável pelo custo de manutenção do veículo, combustível e seguros.
51. A ré fazia controlo de quilómetros desse veículo, controlando a quilometragem por cálculo médio de km entre a residência da autora e a sede da ré.
52. A ré paga a outros técnicos a quem não atribui veículo e/ou a quem retirou o veículo um subsídio de transporte no valor de €200,00.
53. A ré tolerava que a autora usufruísse do referido veículo nos períodos pós-laborais, férias e fins-de-semana.
54. A autora entrou em baixa médica em 30/1/2014.
55. No dia 30 de Janeiro de 2014 a ré, através do mail cuja cópia se encontra junta a fls. 54 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, solicitou à autora a entrega do referido veículo uma vez que a autora se encontrava com incapacidade temporária para o trabalho.
56. A autora, nesse mesmo dia, respondeu a dizer que não entregava a viatura.
57. No dia seguinte, a ré volta a solicitar essa entrega alegando que “a utilização da viatura tem índole profissional para deslocações em trabalho. Não tem qualquer autorização – e se o faz é abusiva – para utilização pessoal”.
58. A autora volta a recusar essa entrega alegando que a viatura lhe havia sido entregue para uso total, profissional e pessoal e que constitui uma parcela da retribuição.
59. Durante o período de baixa médica a autora foi vítima de um acidente de viação com o referido veículo.
60. O veículo foi entregue pela autora para reparação numa oficina por ordem da ré.
61. Por carta datada de 5/3/2014 foi a autora informada pela ré que assim que cessasse a baixa médica e retomasse o trabalho lhe seria concedido um subsídio de deslocação.
* * * * *
Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos e, designadamente, não se provou que:
1. O aditamento ao contrato de trabalho português referido em 25 dos factos provados foi assinado visando unicamente satisfazer os interesses e necessidades da ré.
2. A autora não beneficiou em nada das alterações efetuadas, nem era intenção da empresa beneficiá-la em qualquer sentido.
3. O único objetivo pretendido com a rescisão de um contrato e o aditamento ao outro era facilitar a vida da empresa, mantendo a autora a situação que tinha anteriormente.
4. O facto de o contrato de trabalho ter passado a ser assumido pela ré correspondeu unicamente a uma decisão económica e do grupo, não tendo os trabalhadores sido tidos por havidos nem achados.
5. A alteração contratual foi imposta à autora não estando minimamente dependente da sua vontade.
6. A autora foi forçada a assinar o aditamento referido no ponto 25 dos factos provados na manhã em que o mesmo lhe foi apresentado, tendo-lhe sido vedada a possibilidade de enviar a minuta a quem quer que fosse para solicitar aconselhamento.
7. A autora, após o aditamento ao contrato de trabalho mencionado em 25 dos factos provados, continuou a desempenhar, para a ré, as funções que até então já desempenhava.
8. A autora limitou-se a assinar o documento que lhe foi apresentado por tal lhe ter sido imposto, não tendo obtido qualquer aconselhamento jurídico
9. O veículo que a ré disponibilizou à autora destinava-se ao uso total da autora, tanto a nível pessoal e profissional.
10. Entre Novembro de 1999 e Dezembro de 2008 a utilização de veículo automóvel foi substituída pelo pagamento da quantia mensal de €456,00.
11. A autora tinha o direito de usar o veículo durante os fins-de-semana, férias e os períodos de baixa médica.
12. A autora entregou à ré, conforme lhe foi solicitado, o seu passaporte.
13. O facto de o contrato de trabalho da autora passar a ser assumido pela ré correspondeu unicamente a uma decisão económica da empresa e do grupo, não tendo a autora sido tida nem achada.
14. À autora foi imposto o fim do contrato celebrado com a chamada para satisfazer interesses exclusivamente económicos do grupo, tendo havido uma renegociação toda relação contratual no seu conjunto, da qual resultou uma concentração de contratos.
15. Quando remeteu a carta mencionada em 39 a ré não tinha qualquer necessidade de impor deslocações da autora à Índia.”.

III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto dos recursos estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes, supra transcritas.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

2. - Objecto do recurso:
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
- A diminuição da retribuição da autora.
- A atribuição de veículo automóvel.
- A nulidade da cláusula de mobilidade geográfica.

3.A modificabilidade da decisão de facto
3.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
3.2. – Nas suas alegações de recurso, a recorrente considera incorrectamente julgada a matéria de facto constante dos pontos 27. – alteração na sua redacção -, 5., 24., 30., 34. a 38., 49. e 50. – sua eliminação - dos factos provados, e que se dê como provado o ponto 10, dos factos não provados, indicando como meios de prova, para a respectiva alteração e eliminação, o depoimento da testemunha D....
A proposta de alteração do ponto 27. é a seguinte: “A ré propôs à trabalhadora manter-se em laboração, passando a auferir retribuição no valor de €3.400,00.”.
Assim, nada obsta ao conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3.3. – Apreciados os meios de prova indicados pela recorrente, incluindo a audição dos depoimentos das testemunhas que serviram de suporte à motivação da decisão sobre a matéria de facto, ora impugnada, mormente, da testemunha H..., adiantamos, desde já, que a decisão de facto recorrida não nos merece qualquer censura.
Na verdade, conjugando a prova documental, junta aos autos, e a prova testemunhal prestada em audiência de julgamento, e respeitando os princípios da imediação, da oralidade e da apreciação livre da prova - cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC -, a Mma Juiz, formou a sua convicção acerca dos factos inseridos nos pontos ora impugnados, nos seguintes termos:
“Quanto à factualidade ínsita na parte final do ponto 5 e nos pontos 12 a 22, 26 a 38 e 46 valoraram-se os depoimentos das testemunhas E..., D... e F..., bem como o depoimento de parte do legal representante da ré.
A referida E... apresentou um depoimento bastante claro e isento, tendo a mesma explicitado, de uma forma bastante espontânea, que quando a autora começou a trabalhar para a ré já tinha uma ligação contratual à chamada, para quem desempenhava funções distintas, embora essa relação contratual nada tivesse a ver com a ré.
Explicou, ainda, que tipo de relação é que a ré mantinha com a interveniente, concretizando que a ré era prestadora de serviços da interveniente, demonstrando ter inteiro conhecimento sobre as relações mantidas entre as duas empresas. Explicou, também, de uma forma bastante clara qual foi a reestruturação que a ré levou a cabo, quando é que a mesma aconteceu e as razões que motivaram essa reestruturação, assim como as implicações, quer ao nível de pessoal, quer ao nível organizacional, na ré, explicando que a ré deixou de ser dependente da interveniente em 2011/2012.
A mesma demonstrou ter conhecimento sobre os termos da reestruturação que foi levada a cabo no sector da produção, explicando que, na ré, em 2009 e 2010, houve processos de despedimento coletivo que levaram à saída de vários trabalhadores.
Essa testemunha referiu, claramente, que tem conhecimento que a autora reuniu com o legal representante da interveniente – que era F... – e que reuniu, igualmente, com o Sr. D... que foi a pessoa que foi contratada para fazer a reestruturação da ré.
Explicou, de uma forma muito esclarecida que foi pedido que redigisse o aditamento ao contrato português, o que a testemunha fez, sabendo a mesma que uma cópia desse aditamento foi entregue à autora dois dias antes da sua assinatura, resultando evidente do seu depoimento que a autora não assinou o aditamento no dia em que lhe foi dada a cópia do mesmo. Acrescentou, ainda, que a autora leu o aditamento antes de o assinar.
Esse depoimento foi totalmente corroborado pelo depoimento da testemunha D... (ex-diretor operacional da ré) que explicou que saiu em fevereiro de 2013 da ré e que foi a pessoa contratada pela ré para fazer a reestruturação da empresa visto que a ré, antes dessa restruturação, era dependente da interveniente. O mesmo explicou os termos dessa restruturação, corroborando o que a testemunha E... havia referido, sendo certo que, quanto à posição contratual da autora com a ré, o mesmo foi bastante claro ao referir que, quando foi feita essa restruturação, foi proposta à autora uma alteração ao contrato português, alteração essa que o mesmo qualificou como sendo muito vantajosa para a autora.
Salientamos que essa testemunha foi bastante perentória ao referir que o valor da “nova” remuneração que foi proposto à autora foi fixado em €3.400,00 em função do facto de a autora poder ter que se ausentar para a Índia. Foi, também, perentório ao referir que foi ele próprio quem falou com a autora sobre a celebração desse aditamento ao contrato de trabalho, explicando que a autora quis algum tempo para tomar a decisão, pelo que levou uma cópia do aditamento para refletir, tendo-o assinado dias depois. Negou veementemente que a autora tivesse assinado esse aditamento por ter sido pressionada por qualquer forma a fazê-lo, explicando até que houve um outro colega da autora – Sr. G... – que não assinou qualquer aditamento.
Embora essa testemunha tivesse começado por dizer que a autora não mudou de funções a verdade é que acabou por referir que a mesma, por força do aditamento, passou a ter maior responsabilidade, maior autonomia e maior capacidade de decisão.
Por último, o mesmo, à semelhança do que referiu a testemunha E..., foi bastante claro ao explicar que a ré não tinha qualquer conhecimento sobre os termos do contrato que a autora mantinha com a interveniente, sendo certo que os termos do aditamento ao contrato celebrado com a ré foram negociados com a ré e apenas em função da nova categoria e novas funções que a autora passaria a exercer na ré. (…).
A testemunha F... (ex-gerente da ré) começou por referir que foi gerente da ré, tendo sido lá que conheceu a autora.
Explicou, de uma forma bastante clara, qual a relação que era mantida entre a ré e a interveniente e qual foi a restruturação que a ré sofreu, em que moldes, quando é que a mesma aconteceu e que implicações é que essa restruturação teve, tendo o seu depoimento sido coincidente com aquele que havia prestado a testemunha E....
Explicou, também, corroborando o depoimento desta última, que funções é que a autora exercia antes da restruturação e o que aconteceu ao sector de costura em que a autora trabalhava por força dessa mesma restruturação, tendo referido que, em virtude dessas alterações ao nível da própria organização da ré, foi proposto à autora uma alteração do contrato em que ela assumiria as funções de controlo de qualidade.
A testemunha F..., num depoimento prestado de uma forma bastante calma e séria, explicou, sem qualquer rebuço, ter sido ela a pessoa que negociou os termos do aditamento ao contrato com a autora, sabendo que a mesma tirou tempo para refletir sobre o assunto, negando, também, veementemente, que a autora tenha sido, de alguma forma pressionada, para assinar esse aditamento e que não tenha tido consciência do que estava a assinar. Aliás, salientamos que o facto de a autora não ter nacionalidade portuguesa não levou este tribunal a acreditar que não tivesse compreendido o teor dos termos desse aditamento até porque essa testemunha fala alemão e referiu não ter qualquer dúvida que a autora compreendeu os termos desse aditamento e os motivos que justificaram a sua outorga.
Essa testemunha revelou-se, ainda, absolutamente essencial para ficarmos convictos que a autora ficou consciente que o que determinou a celebração desse aditamento ao contrato foi a necessidade de contratar uma pessoa responsável pela qualidade que pudesse, quando necessário, deslocar-se à Índia a fim de localmente controlar a qualidade do que ali se produzia. Na verdade, o mesmo foi perentório e bastante claro ao afirmar que essa necessidade de deslocação à Índia foi falada entre ele e a autora, não tendo qualquer dúvida ao dizer que a autora ficou consciente que poderia ter que se deslocar com frequência a esse país, tendo, inclusivamente, a duração das viagens sido abordada. Aliás, segundo o mesmo a autora sabia que já antes tinham havido técnicos que se deslocavam à índia por períodos de 2 a 3 semanas, que depois regressavam por uma semana e voltavam à Índia mais duas ou três semanas, sabendo a autora que esse sistema acontecia e tendo ficado consciente, quando negociaram o aditamento, que estava a ser contratada para desempenhar essas funções.
Tal como havia explicado a testemunha D..., a testemunha F... referiu que o “novo” vencimento acordado com a autora no aditamento foi fixado tendo em conta essas novas funções de controlo de qualidade e a nova categoria profissional.
Por último, essa testemunha explicou também que teve intervenção na cessação do contrato que a autora mantinha com a interveniente, sabendo que a autora acordou nessa cessação e recebeu uma compensação monetária por isso.
Há que sublinhar que a autora não pôs em causa a factualidade ínsita no ponto 29, aceitando ter recebido essa compensação da interveniente aquando da cessação do contrato que a ligava à C1... alemã.
Da conjugação desses depoimentos ficou, pois, para nós claro qual o tipo de restruturação que foi levada a cabo pela ré e quais as implicações que essa restruturação teve ao nível do sector onde a autora trabalhava.
Resultou, também, à saciedade bastante claro que a ré propôs à autora a outorga de um aditamento ao seu contrato de trabalho, sendo certo que, por força desse aditamento, a autora assumiria novas funções, via a sua retribuição substancialmente aumentada, sendo certo que essencial para a ré e que era do conhecimento da autora é que esta pudesse ter que se deslocar à índia para controlar localmente a qualidade do que ali era produzido para a ré.
Ficamos, pois, convictos que a autora não foi de forma alguma pressionada a outorgar esse aditamento, que a mesma refletiu sobre o mesmo, estava consciente que poderia ter que se deslocar à Índia nos mesmos termos em que já anteriormente outros técnicos que tinham ali deslocado, sabendo que o que era essencial para a ré era essa necessidade de ter que contratar um técnico que pudesse fazer essas deslocações.
Ficamos, também, convictos que a autora sabia que a qualquer altura poderia ter que efetuar essas deslocações e que o aumento da remuneração que foi acordado o foi pelo facto de a autora aceitar esses termos contratuais.
Aliás, o próprio conteúdo do aditamento vai nesse sentido porquanto na cláusula terceira do mesmo ficou claramente a constar que essencial para a formação da vontade da ré foi o facto de a autora aceitar que poderia exercer funções na sede da ré e em qualquer lugar no estrangeiro. É certo que o conteúdo do contrato poderia ser mais explícito e não tão vago mas acaba por corroborar os depoimentos das aludidas testemunhas. (…).
A factualidade ínsita no ponto 24 foi considerada provada atendendo à confissão da própria autora que, a fls. 1484, no artigo 66.º da resposta, admite expressamente ter sido assessorada e aconselhada por advogado. (…).
Quanto aos termos da utilização por parte da autora de um veículo automóvel, da própria posição assumida pela ré nos articulados resulta que esta aceita que com o aditamento ao contrato autorizou a autora a ter um veículo automóvel, razão pela qual essa factualidade foi considerada provada (parte do ponto 49).
Do depoimento da testemunha E... resultou, pois, evidente que o veículo automóvel fora entregue à autora para uso profissional, sendo certo que a ré tolerava que a autora se mantivesse na posse do mesmo após o horário laboral e em períodos de férias e fins-de-semana.
Assim, ficamos convencidos que a ré entregou esse veículo à autora para uso profissional, sendo certo que, por mera tolerância, permitia que a autora se mantivesse na posse do mesmo fora dos períodos laborais, tendo considerado assente a factualidade ínsita no ponto 53 dos factos assentes e como não provada a factualidade ínsita nos pontos 9 e 11 dos factos não provados. (…).
A factualidade ínsita no ponto 10 foi considerada como não provada por ausência de prova. Com efeito, analisado o documento junto a fls. 28 verificamos que nele consta a referência a um pagamento efetuado pela ré à autora no valor de €456,00 respeitante a “transportes”. A verdade é que a ré refere que esse pagamento diz respeito a pagamento de despesas de deslocações à Alemanha e não deslocações no país. Ora, não foi feita qualquer prova sobre qual a origem desse pagamento, desconhecendo-se, por isso, se essa quantia foi paga a título de subsídio em substituição de um veículo automóvel ou se para pagamento de deslocações à Alemanha, sendo certo que era à autora que incumbia o ónus da prova dessa factualidade.”.
Assim, sendo certo que as passagens da gravação do depoimento pessoal, referenciadas pela autora nas suas alegações de recurso, são uma parte da prova testemunhal prestada em audiência de julgamento, não podem, contudo, ser valoradas de per si, sendo necessário formular um juízo global que abarque todos os elementos em presença, nomeadamente, os depoimentos integrais prestados sobre a factualidade impugnada, conjugados com a correspectiva prova documental, junta aos autos.
Ora, tendo nós formulado esse juízo global, outra solução não resta do que manter a decisão de facto recorrida.
Na verdade, no que se refere ao ponto 5., basta ler o teor dos pontos 3. e 4. para se verificar a distinção de categoria profissonal, e respectivas funções, exercidas no âmbito dos contrato de trabalho celebrado em 29 de Setembro de 1994 e 1 de Março de 1995, espectivamente.
No que respeita à questão da “extinção do posto de trabalho da autora”, para além do ponto 27., está, expressamente, consignada nos pontos 21., 22. e 26. dos factos provados, não impugnados pela recorrente, que:
21. Na ré, nessa altura, foi extinta a secção de costura onde a autora trabalhava, o que era do conhecimento da autora.
22. Os postos de trabalho da autora, quer na ré, quer na chamada, extinguiram-se depois de concluída a referida reestruturação.
26. O aditamento ao contrato referido em 25 foi realizado porque a seção onde a autora trabalhava para a ré havia sido extinta. ”.
Quanto à matéria dos pontos 24. e 30., basta transcrever o alegado pela autora no artigo 66.ª da sua resposta à contestação - “Na assinatura da referida Rescisão foi a A., efetivamente, devidamente assessorada e aconselhada por advogado, como a Chamada refere – para ficarmos esclarecidos quanto à falta de fundamento para a deduzida impugnação dos referidos pontos da matéria de facto provada.
No que reporta à matéria dos pontos 34 a 38, a recorrente não indicou prova consistente para a sua eliminação, limitando-se a alegar: (i)“No que toca aos factos incluídos na fundamentação sob os n.s 34 e 37, devem os mesmos ser retirados do elenco, porquanto o seu conteúdo é de todo irrelevante para a decisão da causa” e (ii) “Quanto aos factos descritos sob os n.os 35, 36 e 38, devem ser retirados da fundamentação, por serem profundamente falsos e o seu conteúdo não resultar da prova produzida!”.
Basta atentar, por exemplo, no depoimento da testemunha F..., Director da ré, que negociou com a autora os termos do aditamento ao contrato, para percebermos que a autora sabia que o que determinou a celebração do aditamento ao contrato de trabalho português, referido no ponto 25. da matéria de facto, foi a necessidade de a ré contratar uma pessoa responsável pelo controle da qualidade do produto, que pudesse, quando necessário, deslocar-se à Índia a fim de, in loco, controlar a qualidade do produto aí produzido.
Por último, importa anotar o seguinte:
Na alínea AL) das conclusões de recurso é alegado:
Ao que consta na sentença proferida, ter-se-á o Tribunal baseado, relativamente ao facto n.° 53, exclusivamente no relato da testemunha E..., que se afigura parcial, sendo que quanto à motivação do facto 49 nem sequer a sentença é explícita, como se impunha, nulidade que expressamente se invoca.”.
Ora, apesar da recorrente ter qualificado o alegado, como “nulidade da sentença”, o que na verdade invocou foi a impugnação do ponto 53.º e a falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, relativa ao ponto 49.º, enquadrável no artigo 662.º, n.º 2, alínea d), do CPC.
O artigo 662.º, n.º 2, alínea d), dispõe:
A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.”.
Ora, decorre do despacho de motivação da decisão sobre a matéria de facto, parcialmente supra transcrito, que toda a factualidade dada como provada e não provada se encontra devidamente fundamentada.
Por outro lado, a recorrente não indicou prova consistente para a alteração dos pontos 49. e 53., dos factos dados como provados e do ponto 10. dos factos não provados, já que, quanto a este último ponto, a recorrente não fez prova sobre a natureza do serviço a que reporta à quantia de € 456,00 paga à autora: essa quantia foi paga a título de subsídio em substituição de um veículo automóvel ou para pagamento de deslocações à Alemanha? Não se sabe.
Em conclusão: atento o exposto, improcede a impugnação da decisão de facto pretendida pela recorrente.

3.4.Matéria aditada.
Atendendo a que tem interesse para a apreciação da questão da “atribuição de veículo automóvel”, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), adita-se à transcrição constante do ponto 23. dos factos provados, o artigo 6.º do acordo de rescisão:
“Artigo 6 devolução de bens.
(1) (...).
(2) À data da rescisão, o trabalhador devolverá a Sociedade o automóvel de serviço com todos os equipamentos em perfeito estado. O trabalhador é livre de continuar a utilizar um eventual automóvel de serviço através do seu empregador em Portugal.”.

4. - A diminuição da retribuição da autora.
A recorrente alega, nas suas conclusões de recurso, que “D) Resulta desde logo da conjugação dos factos provados constantes da fundamentação da sentença sob os n.°s 6 e 7 com o texto do aditamento reproduzido sob o n.° 25 da fundamentação de facto, que houve uma diminuição de €1.400,00 no valor mensalmente auferido pela trabalhadora”, pelo que lhe é devido tal valor.
Ora, está provado naqueles pontos da matéria de facto:
6. Em Abril de 2012 o valor da retribuição auferida pela autora decorrente do contrato de trabalho alemão ascendia a cerca de €3.700,00.
7. E o valor da retribuição mensal auferida pela autora ao abrigo do contrato de trabalho português ascendia a €1.091,00.
25. No dia 1 de Julho de 2012 de foi assinado um aditamento ao contrato de trabalho português cuja cópia se encontra junta a fls. 47/49 cujo teor se dá por integralmente reproduzido no qual ficou a constar que “As aqui outorgantes são contraentes em contrato de trabalho que se mantém desde 1 de Março de 1995 sendo o presente documento aditamento a esse contrato, verbal, mantendo-se na íntegra as condições que existem entre os Outorgantes (…)
A aqui segunda outorgante reconhece expressamente que as alterações que aqui se acordam constituem sua vontade expressa e apresentam melhores condições que a situação contratual anterior, concordando expressamente na alteração da categoria profissional e responsabilidades inerentes para as quais, declara, ter as devidas competências (…).
Cláusula primeira
1. Pelo presente, o segundo outorgante passa a ter a categoria profissional de Técnica da área da qualidade para exercer (…) as funções de controlo do produto, controlo de Entrada de Materiais, direção Técnica do processo de Produção (…)
2. O cargo para o qual o segundo outorgante é contratado é de elevada responsabilidade e pressupõe elevado grau de confiança.
Cláusula segunda
1 A retribuição mensal ilíquida a auferir pelo Segundo Outorgante como contrapartida do trabalho prestado (…) é de:
a) €3.400,00 (…) de vencimento base;
b) À retribuição referida no número anterior acrescerá, a título de subsídio de alimentação, a quantia de €2,20 (…) por cada dia de prestação efetiva de trabalho.
Cláusula Terceira
1. O segundo Outorgante exercerá as suas funções na sede da Primeira Outorgante e em qualquer local de Portugal ou no estrangeiro, indicado pela Primeira Outorgante, o que o Segundo Outorgante aceita, e que é essencial para a formação de vontade do 1.º outorgante, sem que isso importe o pagamento de qualquer outra contra-partida (…)”.
Para além desta factualidade, está ainda provado:
“23. Em 27/6/2012 a autora e a interveniente outorgaram um acordo de rescisão do contrato de trabalho destinado a produzir efeitos a partir do dia 30/6/2012 cuja cópia se encontra junta a fls. 44/46 e cuja tradução se encontra junta a fls. 109/111 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual consta que “O trabalhador possui um vínculo laboral com a Sociedade (…)
Para além da presente relação contratual, existe ainda uma relação laboral com o responsável da unidade fabril em Lousada. A presente relação contratual deverá agora ser terminada. Futuramente subsistirá apenas uma relação laboral que será para com o empregador português. As partes convencionam rescindir a relação contratual por mútuo acordo. Nestes termos, as partes acordam o seguinte:
Artigo 1 – Rescisão
As partes estão de acordo que a relação laboral do trabalhador com a Sociedade será terminada por iniciativa da sociedade à data de 30.06.2012 (…)
Artigo 2 Apuramento de contas
As partes estão de acordo que a remuneração do trabalhador, à exceção da relativa ao mês de Junho, foi corretamente processada, tendo sido devidamente pagos ao trabalhador os montantes líquidos daí resultantes. A sociedade irá proceder ao devido processamento do salário de Junho do trabalhador até à data de rescisão, efectuando o pagamento do montante líquido daí resultante (…)
Artigo 3 Indemnização
A título de compensação pelas prestações sociais, o trabalhador recebe uma indemnização no montante de €10.000,00 (…) ilíquidos (…).”.
Assim, resulta da matéria de facto provada que autora/recorrente celebrou dois contratos de trabalho: (i)um, em 01 de Março de 1995, com a ré – empresa portuguesa - e (ii)outro, em 29 de setembro de 1994, com a interveniente – empresa alemã -.
Este último contrato foi objecto de rescisão, por mútuo acordo, em 27 de Junho de 2012, conforme consta do ponto 23. da matéria de facto provada.
E não tendo a recorrente suscitado qualquer vício quanto à mencionada rescisão, a mesma é válida, tanto mais que está provado que “29. Aquando da cessação do contrato com a interveniente a autora auferiu da respectiva compensação no valor de €10.000,00, que recebeu e não impugnou ou reclamou.”.
Assim, sendo válida a rescisão, cessou, por mútuo acordo, o contrato de trabalho celebrado em 29 de setembro de 1994 com a interveniente alemã, com todos os efeitos jurídicos inerentes à revogação de contrato de trabalho, uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho, prevista no artigo 340.º, alínea b) do Código do Trabalho (CT).
De imediato, em 1 de Julho de 2012, a autora outorgou com a ré um aditamento ao contrato de trabalho, celebrado em 01 de Março de 1995, no qual ficou acordado na cláusula segunda, além do mais, que a retribuição mensal ilíquida “é de € 3.400,00 (…) de vencimento base”.
Tal significa que a retribuição mensal auferida pela recorrente, ao serviço da ré, passou de € 1.091,00 para € 3.400,00.
Deste modo, não tendo a recorrente invocado qualquer vício que inquine a validade da cláusula segunda do “aditamento”, as partes estão obrigadas a cumprir os deveres inerentes ao contrato de trabalho celebrado em 01 de Março de 1995 e respectivo aditamento.
Os deveres da recorrente são os previstos no artigo 128.º do CT, de entre os quais, realizar o trabalho com zelo e diligência.
Por sua vez, os deveres da recorrida são os previstos no artigo 127.º do mesmo diploma, de entre os quais, pagar pontualmente a retribuição.
Nos termos do artigo 258.º - Princípios gerais sobre a retribuição - do CT, “1 – Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.”.
Ora, no referido aditamento consta ainda:
“A aqui segunda outorgante reconhece expressamente que as alterações que aqui se acordam constituem sua vontade expressa e apresentam melhores condições que a situação contratual anterior, concordando expressamente na alteração da categoria profissional e responsabilidades inerentes para as quais, declara, ter as devidas competências (…).
Cláusula primeira
1. Pelo presente, o segundo outorgante passa a ter a categoria profissional de Técnica da área da qualidade para exercer (…) as funções de controlo do produto, controlo de Entrada de Materiais, direção Técnica do processo de Produção (…)
2. O cargo para o qual o segundo outorgante é contratado é de elevada responsabilidade e pressupõe elevado grau de confiança.”.
Ou seja, as partes não só acordaram na alteração da categoria profissional da recorrente, e respectivas funções, como actualizaram a retribuição em conformidade.
Assim, tendo cessado, por acordo mútuo, o contrato de trabalho celebrado em 29 de setembro de 1994 com a interveniente alemã, com as legais consequências, como seja a cessação das obrigações e dos direitos inerentes a esse contrato, e tendo as partes acordado os termos do aditamento ao contrato de trabalho celebrado em 01 de Março de 1995, é este que passa a vigorar, obrigando as partes a cumprir os seus termos.
E não pode a recorrente alegar qualquer “desconhecimento” sobre os termos da dita rescisão ou do referido aditamento, dado estar provado que não só foi “assessorada e aconselhada por advogado” – ponto 24. dos factos provados -, como “antes de subscrever o aditamento lhe foi entregue, dois dias antes, uma cópia do mesmo, tendo a autora tido tempo para refletir sobre o seu conteúdo.” – ponto 28 dos factos provados.
Deste modo, ainda que por fundamentação não totalmente coincidente, neste particular, improcede a pretensão da recorrente.
5.A atribuição de veículo automóvel
Sobre esta questão, consta da sentença recorrida:
“Por último, na petição inicial pediu a autora que lhe fosse reconhecido que tinha direito à atribuição, pela Ré, de um veículo automóvel para seu uso pessoal e profissional, constituindo elemento da sua retribuição, que poderia ser usado irrestritamente, para além do horário normal de trabalho, designadamente em fins de semana, feriados e férias, dias úteis, fora do horário de trabalho e períodos de doença.
Posteriormente, a autora veio aos autos dizer que foi vítima de um acidente de viação, tendo entregue, em 31/3/2014, o veículo numa oficina para reparação, sendo que após essa reparação, a viatura foi entregue à ré. Assim, em concretização do pedido formulado na petição inicial e tendo em conta que entretanto foi privada do uso do veículo, veio pedir a condenação da ré a pagar-lhe um valor pecuniário mensal correspondente ao valor da adjudicação do veículo, valor que se estima ascender a €500,00 mensais.
Do exposto, resulta, pois, que a autora modificou o seu pedido, estando nós perante uma alteração que é admissível porquanto o novo pedido é desenvolvimento do pedido primitivo (art. 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), pelo que apreciaremos, então, o pedido de condenação da ré a pagar à autora um valor pecuniário mensal correspondente ao valor da adjudicação do veículo, valor que se estima ascender a €500,00 mensais. (…)”. (negrito nosso)
Resulta deste último parágrafo que a sentença recorrida apenas se pronunciou sobre “o pedido de condenação da ré a pagar à autora um valor pecuniário mensal correspondente ao valor da adjudicação do veículo” e não também sobre o pedido inicial: reconhecer que a A. tem direito à atribuição, pela R., de um veículo automóvel para seu uso pessoal e profissional, constituindo elemento da sua retribuição, que pode ser usado irrestritamente, para além do horário normal de trabalho, designadamente em fins de semana, feriados e férias, dias úteis, fora do horário de trabalho e períodos de doença”.
No que a esta questão se refere, consta das alegações de recurso:
“AV) Considerada a prova produzida a respeito da utilização do veículo automóvel, resulta notório que o mesmo foi atribuído à trabalhadora antes da assinatura do aditamento ao contrato de trabalho.
AW) Mais resulta que o mesmo foi entregue à trabalhadora para seu uso total, e não meramente profissional,
AX) Sendo que nos meses em que não dispunha da utilização de veículo auferia um valor estabelecido, sendo o mais recente, já em 2008, de €456,00,
AY) Valor cujo recebimento era fixo e mensal, independente da prestação de trabalho efetivo.
AZ) E ainda que, nem na altura da assinatura do referido aditamento, nem posteriormente, lhe foi comunicada qualquer alteração, relativamente às condições da atribuição do veículo automóvel.”.
Resulta daqui, que o que a autora pretende é que lhe seja reconhecido o direito à atribuição, em espécie, de um veículo automóvel para uso pessoal e profissional.
Ora, a atribuição de veículo automóvel, em espécie, - cf. alínea c) do pedido inicial -, não tendo sido apreciada na 1.ª instância, por modificação ulterior desse pedido, por parte da autora, constitui questão nova, pelo que não pode ser conhecida por este Tribunal de recurso.

6. - A nulidade da cláusula de mobilidade geográfica.
6.1. - A autora, além do mais, pediu:
b) declarar a nulidade do n.º 1 da cláusula terceira do aditamento a contrato de trabalho assinado pela A. em 1 de julho de 2012 ou, subsidiariamente declarar abusiva a aplicação que a R. faz da referida cláusula, reconhecendo excessiva e infundada a imposição, à A., da realização de deslocações ao estrangeiro que ultrapassem a duração de 10 dias consecutivos e a frequência de duas viagens anuais”.
Do aditamento ao contrato de trabalho português, referenciado no ponto 25. dos factos provados, consta a Cláusula Terceira, com o seguinte teor:
“1. O segundo Outorgante exercerá as suas funções na sede da Primeira Outorgante e em qualquer local de Portugal ou no estrangeiro, indicado pela Primeira Outorgante, o que o Segundo Outorgante aceita, e que é essencial para a formação de vontade do 1.º outorgante, sem que isso importe o pagamento de qualquer outra contra-partida.”.
A sentença recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
“Neste quadro, a questão que se coloca é a de saber se deve ter-se por legítimo o exercício do direito que assistia à Ré, por força da referida cláusula do contrato de trabalho, ao determinar à autora que realizasse deslocações à Índia por um período de 3 semanas nos próximos 12 meses.
Como acima dissemos, a autora bem sabia que essas necessidades de deslocação à Índia por esses períodos de tempo é que motivaram a subscrição do aditamento ao contrato. Foi pelo facto de a autora assumir essa obrigação de se deslocar à Índia para controlar a qualidade que a ré decidiu “dar-lhe uma nova oportunidade” e subscrever o aditamento ao contrato, alterando-lhe a categoria e aumentando-lhe consideravelmente a sua remuneração, em vez de, pura e simplesmente, lhe extinguir o contrato.
Assim, a aplicação que a ré pretende fazer da referida cláusula não é, de todo, abusiva, excessiva ou infundada. A aludida cláusula foi inserida no aditamento exatamente para permitir que a ré pudesse solicitar à autora a realização de viagens à Índia nos termos em que o solicitou através da carta referida no ponto 41 dos factos provados.
E, como dissemos, foi o facto de a autora ter aceite a realização dessas viagens que determinou a ré a subscrever esse aditamento, tendo isso sido essencial para a formação de vontade da ré. A autora sabia disso e tinha consciência que, a qualquer altura, poderia ser chamada a cumprir essa obrigação.
É certo que entre 1/7/2012 (data do aditamento) e Janeiro de 2014 (data em que a ré remeteu a carta mencionada em 41), ou seja, durante cerca de 1 ano e meio, a ré não solicitou à autora a realização de viagens à Índia por tão grandes períodos de tempo e com tanta periodicidade.
Certamente que, por essa razão, a autora se acomodou.
Mas a verdade é que a ré apenas lhe solicitou essas viagens porque tal se está a revelar necessário visto que, à distância, o controle de qualidade do que é produzido na Índia não está a revelar-se eficaz e que ré, por essa razão, está a ter prejuízos. A ré, enquanto percebeu que a autora estava a conseguir, à distância, manter os padrões de qualidade exigíveis, não lhe impôs, desnecessariamente, a realização dessas viagens. Mas, considerando que começou a receber gáspeas com defeitos e com atrasos, teve necessidade de solicitar à autora a realização dessas viagens nos termos acordados. É, pois, manifesto que a ré apenas lançou mão dessa mobilidade geográfica porque tal se revelou necessário.
Conclui-se, assim, que, pela aposição de tal cláusula, quiseram efetivamente as partes incluir o compromisso da autora em realizar esse tipo de viagens, ou seja, viagens à Índia com essa periodicidade e hiatos temporais.
É, por isso, manifestamente abusivo que venha a autora invocar essa nulidade
Por outro lado, embora a autora faça referência a um prejuízo sério derivado desse tipo de deslocações, a verdade é que não concretiza que prejuízos são esses.”.

6.2.Quid iuris?
O artigo 193.º - Noção de local de trabalho – do CT, dispõe: “1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
2 - O trabalhador encontra-se adstrito a deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional.
Por sua vez, o artigo 194.º - Transferência de local de trabalho – estipula:
“1 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, nas seguintes situações:
a) Em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço;
b) Quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador.
2 - As partes podem alargar ou restringir o disposto no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado.
3 - A transferência temporária não pode exceder seis meses, salvo por exigências imperiosas do funcionamento da empresa.
4 - O empregador deve custear as despesas do trabalhador, decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de alojamento.
5 - No caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação prevista no artigo 366.º
6 - O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
7 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 1 ou 4, no caso de transferência definitiva, e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 3.”.
Este é, pois, o normativo que enquadra, actualmente, as cláusulas de transferência de local de trabalho ou mobilidade geográfica, que, no caso dos autos, é a citada cláusula 3.ª do aditamento ao contrato de trabalho subscrito pelas partes.
Assim, dúvidas não há de que o actual regime jurídico laboral permite que a transferência de local de trabalho ou a mobilidade geográfica possa ser assegurada através de um âmbito geográfico mais amplo no contexto das cláusulas do contrato de trabalho.
Na fixação do local de trabalho dever-se-á levar em consideração o “comportamento complexivo das partes após a conclusão do contrato e na sua execução” já que “as partes podem definir o local de trabalho com relativa amplitude: apenas a título de exemplo, o local de trabalho pode ser definido como qualquer estabelecimento da empresa situado num raio de 50 quilómetros à volta de uma cidade, um concelho ou área metropolitana ou até em todo o território de Portugal ou no espaço comunitário” [Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, 2007, pág. 638;].
Acontece, porém, que atentas as regras gerais do direito civil, a liberdade das partes está sujeita a restrições no que concerne à conformação do conteúdo dos contratos, atento o disposto no artigo 280.º, n.º 1, do C. Civil – “É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”.
Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 258, “Apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objecto indeterminável, mas não os de objecto indeterminado.”.
Daqui pode-se concluir que uma das condições de validade do negócio jurídico é a determinabilidade do objecto negocial. No momento da conclusão do negócio jurídico, o objecto tem de estar determinado (presente) ou ser determinável, o que vale por dizer, neste ultimo caso, que tem de ser susceptível de poder vir a ser individualizado no futuro.
No dizer de Joana Nunes Vicente, Cláusulas de definição do local de trabalho, Questões Laborais, Número especial dos 20 anos, págs. 217 e segs., “De acordo com os ensinamentos da doutrina civilista, a exigência de determinabilidade do art. 280.°/l encontra-se preenchida se a determinação da prestação puder vir a ser feita, eficazmente, por um de dois modos: ou por um critério fixado pela lei ou por um critério fixado pelas partes, podendo neste último caso, as partes optar por confiar a determinação a uma delas ou a um terceiro. (…). Antunes Varela (Das obrigações em geral, vol. 1, l0.ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, pág, 805) frisa que “Não se exige, nem do artigo 280.° (que trata do objecto do negócio jurídico em geral), nem do artigo 400.° (que trata da prestação debitória), que ela seja determinada, no momento em que obrigação se constitui. Mas não se prescinde de que seja nessa altura determinável, que possa ser concretizada, de harmonia com os critérios estipulados pelas partes ou fixados na lei”.
Que critérios podem ser fixados pela lei e pelas partes? Quer a lei quer as próprias partes podem confiar a determinação do objecto da prestação a uma das partes ou a terceiro. (…).
Se perscrutarmos a razão de ser desta exigência de determinabilidade, podemos comprovar que ela se explica basicamente por uma questão de inteligibilidade, compreensibilidade do próprio vínculo obrigacional. Surge como uma decorrência inevitável, pois de outro modo, o vínculo obrigacional e a respectiva tutela cairiam por terra. Quer dizer, a exigência de determinabilidade explica-se por uma questão de poder tomar viável o cumprimento da obrigação que se constitui. A determinabilidade impõe-se, sob pena de se tornar impossível saber a que é que o devedor se encontra obrigado. Se o objecto da prestação não está completamente determinado ou não há modo de o poder fazer, em bom rigor, não pode saber a que é que o devedor estará obrigado ou a que é que o credor tem direito.
Munidos destes ensinamentos, cabe agora transpô-los para o contexto do contrato de trabalho e das cláusulas acima descritas. Ora, dir-se-á que uma definição do local como aquela que consta dos exemplos atrás colhidos supera/ultrapassa com sucesso o teste da determinabilidade com o sentido previsto no art. 280.°/l do Código Civil. Se, no limite, a exigência de determinabilidade se cumpre desde que as partes através do contrato forneçam um critério para a individualização da prestação, designadamente, desde que atribuam a uma delas essa faculdade de individualização, daí resulta que, em bom rigor, também nas cláusulas em análise essa exigência se encontra cumprida. Mais, a exigência civilista de determinabilidade que, como vimos, se cumpre desde que as partes através do contrato forneçam um critério para a individualização da prestação, tem, aliás, no caso do contrato de trabalho a tarefa facilitada porquanto o contrato de trabalho é o único em que o processo de individualização da prestação se opera através de um poder do credor que nenhum outro credor goza, o poder de direcção, cujo fundamento advém e está implícito na própria conclusão do contrato de trabalho. O poder de direcção constitui, por assim dizer, o elemento que geneticamente confia a uma das partes a faculdade de individualizar a prestação e que permite que ao longo da vida da relação laboral o trabalhador-devedor cumpra o seu débito. Estamos em crer, de resto, que é justamente com base neste raciocínio que o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, de modo praticamente unânime, que as cláusulas de fixação do local de trabalho em termos amplos são perfeitamente lícitas à luz da exigência de determinabilidade prevista no art. 280.º/1 do Código Civil”.
Com interesse para a questão em apreço, está provado que:
“25. No dia 1 de Julho de 2012 de foi assinado um aditamento ao contrato de trabalho português cuja cópia se encontra junta a fls. 47/49 cujo teor se dá por integralmente reproduzido no qual ficou a constar que “As aqui outorgantes são contraentes em contrato de trabalho que se mantém desde 1 de Março de 1995 sendo o presente documento aditamento a esse contrato, verbal, mantendo-se na íntegra as condições que existem entre os Outorgantes (…)
A aqui segunda outorgante reconhece expressamente que as alterações que aqui se acordam constituem sua vontade expressa e apresentam melhores condições que a situação contratual anterior, concordando expressamente na alteração da categoria profissional e responsabilidades inerentes para as quais, declara, ter as devidas competências (…).
Cláusula primeira
1. Pelo presente, o segundo outorgante passa a ter a categoria profissional de Técnica da área da qualidade para exercer (…) as funções de controlo do produto, controlo de Entrada de Materiais, direção Técnica do processo de Produção (…)
2. O cargo para o qual o segundo outorgante é contratado é de elevada responsabilidade e pressupõe elevado grau de confiança.
Cláusula segunda
1 A retribuição mensal ilíquida a auferir pelo Segundo Outorgante como contrapartida do trabalho prestado (…) é de:
a) €3.400,00 (…) de vencimento base;
b) À retribuição referida no número anterior acrescerá, a título de subsídio de alimentação, a quantia de €2,20 (…) por cada dia de prestação efetiva de trabalho.
Cláusula Terceira
1. O segundo Outorgante exercerá as suas funções na sede da Primeira Outorgante e em qualquer local de Portugal ou no estrangeiro, indicado pela Primeira Outorgante, o que o Segundo Outorgante aceita, e que é essencial para a formação de vontade do 1.º outorgante, sem que isso importe o pagamento de qualquer outra contra-partida (…)” (negrito nosso).
27. A ré, apesar de ter fundamento para extinguir o posto de trabalho da autora, propôs-lhe, em alternativa, manter-se em laboração com novo cargo, mais qualificado, com nova e aumentada remuneração e com as respetivas obrigações, que a Autora aceitou.
28. Antes de subscrever o aditamento referido à autora foi entregue, dois dias antes, uma cópia do mesmo, tendo a autora tido tempo para refletir sobre o seu conteúdo.
31. A autora tinha perfeita consciência que com a assinatura do acordo de rescisão mencionado em 23 terminava o contrato com a interveniente e que renegociou o contrato com a ré.
32. A Ré sempre teve produção de materiais no estrangeiro, mormente na Índia, havendo deslocações àquele país que eram feitos por determinação da Chamada que, antes da restruturação, controlava qualidade.
33. Após a referida restruturação e alteração do modelo, a Ré manteve produção na Índia.
34. Quando subscreveu o aditamento ao contrato referido em 25, a autora sabia que, no passado, a ré chegou a contratar dois técnicos para controladores de qualidade nos seus fornecedores de gáspeas na Índia, que ali passavam períodos de 3 semanas na Índia e uma semana em Portugal.
35. A autora sabia que o que determinou a celebração do aditamento ao contrato por parte da ré foi a necessidade desta contratar um responsável pela qualidade que pudesse, quando necessário, deslocar-se aos fornecedores na Índia a fim de localmente controlar a qualidade do que ali se produzia.
36. A autora aceitou essas funções, estando consciente que a qualquer altura poderia ser-lhe solicitado que se deslocasse para a Índia para exercer essa função.
37. E sabia que os anteriores controladores de qualidade contratados pela ré faziam as deslocações referidas em 34.
38. A autora sabia que poderia ter que realizar deslocações à Índia para controle de qualidade, tendo a remuneração acordada no aditamento referido em 25 sido fixada na perspectiva dessas eventuais deslocações.”.
Na verdade, do teor da Cláusula Terceira do aditamento ao contrato de trabalho, referenciado no ponto 25 dos factos provados, não constam quais os concretos lugares para os quais a autora poderia ser deslocalizada. Apenas se diz que a autora prestará funções na sede da ré e em qualquer lugar de Portugal ou no estrangeiro.
Assim, do teor dessa cláusula não resulta determinado o seu conteúdo, parecendo que dá à ré a possibilidade de mobilidade absoluta e total da autora.
Acontece, porém, que os contornos dessa cláusula foram pré-negociados pelas partes, a avaliar pelos factos descritos nos pontos 27 a 38 dos factos provados, com relevo para a circunstância da remuneração acordada no aditamento referido em 25 - € 3.400,00 (…) de vencimento base – ter sido fixada na perspectiva das eventuais deslocações à Índia para controlo da qualidade do que ali se produzia para a ré, deslocações que a autora sabia terem sido feitas por dois anteriores técnicos ao serviço da ré, por períodos de 3 semanas na Índia e uma semana em Portugal.
Além disso, após a rescisão do contrato de trabalho com a interveniente alemã, a autora aceitou manter-se ao serviço da ré, com novo cargo, mais qualificado [“a categoria profissional de Técnica da área da qualidade para exercer (…), as funções de controlo do produto, controlo de Entrada de Materiais, direção Técnica do processo de Produção (…). 2. O cargo para o qual o segundo outorgante é contratado é de elevada responsabilidade e pressupõe elevado grau de confiança.”], com nova e aumentada remuneração e com as respectivas obrigações, condição “essencial para a formação de vontade da ré”, como consta da referida cláusula terceira do aditamento.
Retomando o pensamento de Joana Nunes Vicente, obra citada, “hipóteses existem em que não se impõe ao empregador pela natureza das coisas um esforço de predeterminação do local de trabalho. A questão já foi abordada nestes termos na doutrina italiana.
Nesse contexto, Pietro Ichino observou que a regra que impõe a predeterminação do local dc trabalho como elemento essencial do contrato conhece desvios naquelas situações em que a natureza da própria prestação impõe que a mesma seja realizada cm cada momento em locais distintos distantes uns dos outros, dando como exemplos o caso do diplomata, do trabalhador da construção civil, do marinheiro, etc. Nessas hipóteses o trabalhador como que consentiria na variabilidade constante do local da prestação em razão do exercício da própria profissão, a qual pressuporia uma peculiar mobilidade do trabalhador segundo as exigências discricionariamente individualizadas pelo empregador.
Ora, quer-nos parecer que a exigência de predeterminação cuja existência acabámos de fundamentar não se deve confundir com o critério que deve pautar ou presidir a essa predeterminação. Julgamos, pois, que terá de haver sempre uma qualquer predeterminação — leia-se a delimitação dc uma baliza geográfica onde é expectável que o trabalhador possa ser incumbido de realizar a prestação de trabalho: o que não significa que a exigência se tenha de cumprir conduzindo sempre a um mesmo tipo de resultado. A predeterminação deverá ser a predeterminação possível, a mais concreto possível, tendo em conta as circunstâncias dc cada caso. O importante não é que as partes satisfaçam apenas um mínimo de predeterminação, mas que o façam da forma mais precisa que lhes esteja ao seu alcance.
Se tivermos em mente esta ideia de possibilidade, imediatamente nos damos conta que o cumprimento da exigência de predeterminação que se impõe às partes (ao empregador) não tem de significar sempre o mesmo tipo de resultado. Esse resultado pode ser diferente. Hipóteses há em que a predeterminação possível significará a indicação de uma rua; noutras, a indicação de uma cidade; noutras ainda a indicação de um distrito, de uma região, do pais ou até mesmo de um continente. Quer isto dizer, antes do mais, que a apreciação/avaliação do cumprimento da exigência da prede terminação consubstancia um juízo eminentemente casuístico que apenas estará ao alcance do intérprete/juiz, tendo em conta a consideração das circunstâncias do caso concreto.
Que circunstâncias, que factores devem intervir na formulação desse juízo de concretização possível?
Afigura-se-nos importante atender, desde logo, à própria natureza da actividade que irá ser prestada pelo trabalhador. A natureza ou o perfil de actividade em causa podem fazer com que a concretização possível exigível às partes, máxime ao empregador, não signifique sempre o mesmo tipo de predeterminação.
Actividades há em que o tipo de bem ou serviço produzido, por sua própria natureza, não está pensado para ser sempre fornecido num certo ponto geográfico, mas antes em simultâneo numa zona mais ou menos extensa (dilatada). (…). Parece-nos plausível que se conte, particularmente, com o “grau de fungibilidade” da actividade desempenhada pelo trabalhador em questão. Uma empresa compreende na sua estrutura organizacional trabalhadores com as mais diversas posições funcionais, atendendo à complexidade técnica das funções, ao grau de responsabilidade e de autonomia, às qualificações técnicas exigidas. Quanto mais elevado for o grau dc responsabilidade e de autonomia dos trabalhadores em causa ou a complexidade das funções exercidas ou as qualificações técnicas exigidas, menor tenderá a ser, por assim dizer, a sua representação em termos numéricos, na empresa. Este aspecto não poderá deixar de influenciar e/ou condicionar o modo como o empregador deve poder afetar os recursos humanos da sua empresa do ponto de vista geográfico. Se estiver em causa a ocupação de um posto de trabalho a que corresponde uma posição funcional na empresa mais diferenciada e por isso mais escassa, em termos quantitativos, compreende-se que a representação dos limites geográficos dentro dos quais a prestação possa ser realizada se faça em termos mais amplos, mais abrangentes do que sucederá se estiver em jogo um posto de trabalho cujo conteúdo funcional e o grau de responsabilidade a ele associado seja mais comum e menos diferenciado e também quantitativamente mais representativo. E que, no primeiro caso, a fixação do local de trabalho em termos amplos pode revelar-se o meio necessário e indispensável à prossecução dos objectivos estratégicos da empresa, enquanto, na segunda hipótese, a predeterminação feita nesses mesmos termos, se sujeita a um juízo de indispensabilidade/necessidade, não logrará o mesmo resultado.
De realçar, ainda, que um tipo de posição funcional mais complexo ou de maior responsabilidade — mais escassa, portanto, e por isso menos fungível — estará também as mais das vezes associado um nível de retribuição também ele mais elevado.”.

Ora, salvo melhor entendimento, considerando a factualidade supra referenciada – pontos 25., 27., 28., 31. a 38. – e a doutrina exposta, a autora, à data da celebração do contrato tinha conhecimento da fungibilidade do local em que teria de prestar a sua actividade profissional e de que, na definição da sua extensão (determinabilidade) se enquadravam as deslocações à Índia, como aliás sucedia com os anteriores controladores de qualidade (área na qual se desenvolvia a nova categoria que a autora – juntamente com o novo estatuto remuneratório – passou a deter, i.e., na área de qualidade para o controlo de produto).
Bem como da essencialidade de tal referenciação geográfica na alteração da sua relação contratual à data da celebração do contrato em que se insere a cláusula que ora pretende ver impugnada.
Salvaguardando-se os deveres de probidade e lisura que no contrato de trabalho – tal como nos restantes – se impõem às partes, e que integram o conceito de boa-fé decorrentes dos artigos 762.º do CC [“No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”] e 126.º, n.º 1, do CT/09 [“O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações”].
E ainda, em conclusão, a salvaguarda de ordem pública que subjaz à ideia de pré-determinação contemplada no artigo 280.º do CC, nos termos da doutrina que temos por acertada e supra exposta (e em idêntico sentido, vide Jorge Leite, Direito do Trabalho, Serviços da Acção Social da UC, Coimbra 2004, pág. 53).
Concluímos assim pela validade da cláusula terceira do aditamento, referenciada no ponto 25. dos factos provados.

Deste modo, mais não resta do que julgar improcedente o recurso apresentado pela autora.

IV.A decisão
Atento o exposto, julga-se a apelação improcedente, e em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
As custas do recurso de apelação são a cargo da autora.

Porto, 2017.11.20
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
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Sumário (da responsabilidade do relator)
Descritores: Local de trabalho; Mobilidade geográfica; Determinabilidade; Boa-fé; Ordem Pública.
I – A cláusula que defina o local ou que consagre a mobilidade geográfica de um trabalhador deve ser determinada ou determinável, seja através do seu teor, seja considerando o comportamento das partes na sua celebração e/ou execução, designadamente a própria natureza da actividade que aquele se obrigou a prestar.
II – Este mínimo de predeterminação radica nas exigências de boa-fé e de salvaguarda de ordem pública que deve pautar a celebração e execução dos contratos de trabalho.
III – Respeita os princípios referidos em II a cláusula que consagra a possibilidade de a trabalhadora se deslocar ao estrangeiro se aquando da sua celebração as partes (i) gizaram a sua inserção em deslocações à Índia; (ii) a alteração da categoria profissional – área do controlo de qualidade – e estatuto remuneratório daquela, designadamente que no exercício das novas funções se enquadravam deslocações à Índia, como sucedia com os anteriores controladores de qualidade da empregadora e (iii) consignaram a essencialidade de tais deslocações.

Domingos Morais