Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
339/17.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DIA DE DESCANSO SEMANAL
DIA DE SEMANA COMPLETO
24 HORAS SEGUIDAS
Nº do Documento: RP20180910339/17.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 09/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL(2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO A UM E PROVIDO OUTRO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º281, FLS.140-168)
Área Temática: .
Sumário: O art. 232º, nº 1, do CT/2009, ao referir “um dia de descanso por semana”, pretende reportar-se a um dia de semana completo, entre as 00,00 horas e as 24,00 horas do mesmo, e não a vinte e quatro horas seguidas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 339/17.6T8VNG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1082)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B… intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a Ré, C…, S.A., pedindo a condenação desta a:
“a) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor nas retribuições de férias e subsídio de férias vencidas ao longo do contrato de trabalho o acréscimo retributivo com que em período de trabalho efectivo remunerava o trabalho prestado pelo Autor, com as designações de "Rem. Trab. nocturno" e "PVS", no montante de 3.388,00€ calculado até às Férias e subsídio de férias vencidas em 1/1/2017, pelas proveniências alegadas na presente, acrescido das quantias que entretanto se vençam pela mesma proveniência;
b) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor o acréscimo retributivo de 25% sobre o trabalho prestado pelo Autor no período entre as 20 horas e as 22 horas a partir de Fevereiro de 2013, pelas proveniências alegadas na presente, no montante de 1.752,96€, acrescido das quantias que entretanto se vençam pela mesma proveniência;
c) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a título de trabalho suplementar pelo trabalho prestado por este ao domingo até 7/05/2016, e pelas proveniências alegadas na presente, no montante de 3.761,72€;
d) Ser a Ré condenada a permitir ao Autor o gozo de 647 dias de descanso compensatório devido pelo trabalho prestado pelo Autor aos domingos, dia de descanso semanal obrigatório, nos termos e pelas proveniências alegadas na presente;
e) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor juros de mora sobre as quantias reclamadas na presente desde a data dos seus vencimentos e até integral e efectivo pagamento;”

A Ré contestou alegando em síntese que os acréscimos reclamados pelo A. nas retribuições e subsídios de férias não derivam da prestação de trabalho nocturno, sendo uma espécie de prémio; que o trabalho deixou, desde o Código do Trabalho de 2009, de poder ser considerado nocturno antes das 22 horas; que o A. goza o seu dia de descanso entre domingo e segunda (mais de 24 horas), não sendo suplementares as 2 horas e 45 minutos trabalhados aos domingos, nem tendo por isso direito ao respectivo pagamento nem descanso compensatório.

O A. respondeu à contestação.

Admitida a resposta à contestação, proferido despacho saneador tabelar, fixada à acção o valor de €8.902,68, dispensada a selecção da matéria de facto e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
“decide-se julgar parcialmente procedente por provada a presente ação que o Autor B… intentou contra a Ré C…, S.A., condenando-se esta a pagar-lhe a média mensal das verbas anualmente processadas a título de “Rem. Trab. Nocturno” e, após junho de 2013, a título de “PVS” também nas retribuições de férias e subsidio de férias, liquidando-se as quantias dividas até à propositura da ação num total de 3 224,08 euros.
No mais, vai a Ré absolvida do que vinha peticionado pelo Autor.
Custas pela R. e pelo A., na proporção do decaimento e sem prejuízo da isenção do segundo.”

Inconformado, o A. veio recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. Resultou dos factos provados nos autos que, de 2002 a 7/05/2016, ressalvando períodos de férias e de doença, o Autor prestou trabalho à Ré ao longo dos sete dias da semana, ou seja, à segunda-feira, à terça-feira, à quarta-feira, à quinta-feira, à sexta-feira, ao sábado e ao domingo, de forma consecutiva, não havendo um único dia da semana em que o Autor não prestasse trabalho à Ré.
2. Resultou também provado que, o tempo de trabalho prestado pelo Autor aos domingos, (2h45m) não foi remunerado com qualquer acréscimo por trabalho suplementar e ainda que, a Ré nunca concedeu ao Autor qualquer descanso compensatório pelo tempo de trabalho nos domingos.
3. Por imperativo constitucional, a alínea d), do n.º1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa, o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, no n,º 1 do seu art. 205º, e o actual Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, no n.º 1 do seu art. 232º, consagram que, «O trabalhador tem direito a, pelo menos um dia de descanso por semana.
4. A norma supra referida deve ser interpretada no sentido de que, o dia de descanso semanal obrigatório deve coincidir com um dia de calendário, ou seja deve compreender o período temporal que tem início às 0:00 horas de um dia, e termina às 23:59 desse mesmo dia. Só assim se permite ao trabalhador o efetivo descanso.
5. Esta é a interpretação que respeita o princípio basilar de que a interpretação de qualquer norma deve ser feita tendo em conta que o Direito é um sistema hierarquizado, coerente e racional e no topo estão as normas constitucionais e as normas para constitucionais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo art. 24º estabelece que “Toda a pessoa tem direito a repouso e lazer”.
6. Pelo que, deveria o tempo de trabalho prestado pelo Autor à Ré aos Domingos até 6/05/2016, de 2h45m em cada domingo num total de 647 domingos ser considerado trabalho em dia de descanso semanal obrigatório e, como tal, conferir ao Autor o direito ao correspondente acréscimo por trabalho suplementar e ao descanso compensatório, nos termos dos arts. 202º, n.º 3 e 258º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003, e 268º, n.º 1, al.b) e 229º, n.º4 do Código do Trabalho de 2009.
7. Ao não considerar o tempo de trabalho prestado pelo Autor à Ré aos Domingos até 6/05/2016 como trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, a sentença violou as normas da alínea d), do n.º1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa, e o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, no n,º 1 do seu art. 205º, e o actual Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, no n.º 1 do seu art. 232º.
8. Além de que, a sentença ao não conferir ao Autor o direito ao correspondente acréscimo por trabalho suplementar e ao descanso compensatório, pelo trabalho prestado aos domingos entendidos como dia de descanso semanal obrigatório, violou as normas dos arts. 202º, n.º 3 e 258º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003, e 268º, n.º 1, al.b) e 229º, n.º4 do Código do Trabalho de 2009.
9. Deve por isso a sentença ser revogada e substituída por decisão que considera o trabalho prestado pelo Autor ao domingo como trabalho em dia de descanso semanal obrigatório e consequentemente que, condene a Ré a pagar ao Autor o trabalho prestado ao domingo como trabalho em dia de descanso semanal obrigatório e, como tal, conferir ao Autor o direito ao correspondente acréscimo por trabalho suplementar e ao descanso compensatório,
(…)”.

Inconformada, a Ré também recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I – Quanto à matéria de facto dada por provada, cuja alteração se requer:
Face ao testemunho prestado por Sr. D…, Sr. E…, Sr. F…, Sr. G…, Sr. H…, e Sra. I…, dela resultou que que as atribuições patrimoniais que a R. atribuía ao A. a titulo de “rem.trab.nocturno” e depois “pvs” tinham como escopo não remunerar a maior penosidade do trabalho nocturno, não sendo uma contrapartida por trabalho assim prestado pelo A. mas coadjuva-lo no acréscimo de despesas que este suportava por não se encontrar no seu domicílio à noite, numa lógica de responsabilidade social, tudo por a R. pressupor que o A. tem que suportar maiores despesas com alimentação, transportes, creches, infantários, ATL (por prolongamento de horário) ao não estar disponível junto do seu agregado familiar em horas que este necessita de maior apoio, ou seja noturnas.
Repare-se que da matéria de facto dada por provada consta que no mês de Junho de 2013, a R. emitiu uma norma interna, documentada a fls. 209 e 210, sobre o então denominado “Prémio de Valorização Social”, com o teor dado por reproduzido, sobre a qual o A. teve pleno conhecimento, não tendo o A. manifestado qualquer desagrado ou oposição.
Acresce que tal conclusão não colide com o afirmado pelas testemunhas D…, E… e F…, por as partes estarem de acordo que o valor pago a titulo de “rem.trab.nocturno” e depois “pvs” estava e sempre esteve indexado ao número de horas noturnas efectivamente prestadas, pago com um acréscimo de 25% sobre a remuneração base, daí que efetivamente recebiam tal valor face ao número de horas noturnas efectivamente cumpridas.
Repare-se que diferente entendimento não seria, salvo o devido respeito, credível, posto que face à matéria de facto dada por provada nos números 32 a 36 constata-se que ao A. nem sequer era devido o pagamento da especial remuneração pelo trabalho nocturno face ao disposto nos 266º, nº 3, alíneas a) e c), do CT, pelo que assim sendo, obviamente a R., não estando obrigada a pagar ao A. por tal trabalho com aquela conformação temporal, não iria, de acordo com as regras da experiência, pagar de forma unilateral e voluntária bem sabendo que a tanto não era obrigada, tratando-se isso sim, numa mera liberalidade de caráter assistencial da R.
Acresce que diferente entendimento revelaria uma clara injustiça aplicável ao caso concreto, posto que face aos normativos do CT acima citados, a R. não tendo a obrigação de pagar ao A. pelo trabalho noturno por si prestado, ao longo dos doze meses do ano, não deverá ser condenada a pagar a respetivo média nas férias e subsídio de férias, quando nos 12 meses normais de trabalho não tem essa obrigação legal.
Assim deverá ser alterado os factos dados por provados para a seguinte redação:
“9. A R. atribuía ao A. um prémio denominado “rem.trab.nocturno” e depois “pvs”, para coadjuvá-lo, no acréscimo de despesas que se presumia suportar, por alimentação, transportes, por trabalhar no período noturno.”
“10. Promovendo-se com a atribuição de tal benefício pecuniário, a sua maior inclusão no seio familiar e social, de forma mais integrada, e aprimorando a satisfação e a motivação no trabalho.”
“12. Sendo que tal valor esteve desde sempre esteve indexado ao número de horas noturnas efetivamente prestadas, pago com um acréscimo de 25% sobre a remuneração base.”
II - Saber se média dos acréscimos retributivos que a R. vem pagando ao A. sob a designação de “Rem. Trab. Noturno” e, após julho de 2013, de “PVS” deve ser incluída nas remunerações de férias e subsídios das férias:
Como sabe são características da retribuição a regularidade, a periodicidade e o ser devida como contrapartida do trabalho prestado.
Ora como vimos por as rubricas patrimoniais que a R. pagava ao A., sob a designação de “Rem. Trab. Noturno” e, após julho de 2013, de “PVS” não visarem o pagamento de trabalho noturno, estas não revelam ser contrapartida pelo trabalho prestado ao A., logo não detêm a característica necessária para serem qualificadas como remuneração, apesar de serem regulares e periodicamente pagas.
Assim desde logo por este argumento não deveria a R. ser condenada a pagar ao A. as respetivas médias nas férias e no subsídio de férias, por aí ser apenas devido o que respeita a rubricas de natureza retributiva.
Mas acresce ainda o facto de, mesmo que se defendesse revestirem tais prestações pecuniárias a natureza de retribuição, o que se concede como mera hipótese de raciocínio jurídico, a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido pelo art.º 249 CT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado «da retribuição». O ciclo vital de cada elemento da retribuição depende do seu próprio regime jurídico, cuja interpretação há-de pautar-se pela específica razão de ser ou função desse elemento na fisiologia da relação de trabalho.
Haverá, pois, que verificar, em face dos factos que se provaram no presente acção quanto aos diversos pagamentos efectuados pela R. ao A. ao longo dos anos, se as parcelas remuneratórias que estão em causa no recurso, integram, ou não, o conceito de retribuição ou remuneração a atender para o cálculo do valor devido a título de retribuição de férias e de subsídios de férias, tal como estas prestações se encontram previstas na lei.
A disciplina da retribuição do período de férias e do respectivo subsídio de férias consta do artigo 264 do CT de 2009.
Segundo tal normativo e quanto à retribuição de férias, o legislador consagrou o chamado “princípio da não penalização retributiva”.
Já quanto ao subsídio de férias o legislador abandonou a tradição da equiparação do seu valor ao valor da retribuição de férias e utilizou uma formulação que determina que a referida equiparação se não verifique (pense-se por exemplo na retribuição composta, também, por comissões nas vendas, que não constituem contrapartida do modo específico da execução do trabalho).
Assim ela comporta uma opção, de entre os diferentes nexos de correspectividade que caracterizam as várias componentes da retribuição, por aqueles que se referem à própria prestação do trabalho, isto é, às específicas contingências que o rodeiam, ou, dizendo de outro modo, ao seu condicionalismo externo (penosidade, isolamento, trabalho nocturno, turnos rotativos), em detrimento daqueles que pressuponham a efectiva prestação da actividade, quer respeitem ao próprio trabalhador e ao seu desempenho (prémios, gratificações, comissões), quer consistam na assunção pelo empregador de despesas em que incorreria o trabalhador por causa da prestação do trabalho (subsídios de refeição e de transporte).
Donde, e revertendo ao caso em apreço, por se tratar da assunção pela R. de despesas em que o A. incorre por causa da prestação do trabalho (alimentação e transporte, caso se entenda se tratar de retribuição o que se não concede), e que recebeu a título de “Rem. Trab. Noturno” e, após julho de 2013, de “PVS”, não podem, em nossa opinião, considerar-se prestações que constituem contrapartida do modo específico da execução do trabalho, mas sim prestações que dizem respeito às condições intrínsecas da prestação de trabalho, que pressupõem a efectiva prestação de trabalho e como tal não podem ser levadas em consideração no cálculo do subsídio de férias desses anos.
Para esse efeito veja-se que as partes estão de acordo que tais rubricas estavam indexadas ao número de horas noturnas efetivamente prestadas, pago com um acréscimo de 25% sobre a remuneração base.
Donde o Tribunal ad quo ao assim não ter entendido, violou o disposto no art.º 264 do CT, devendo ser substituída por douto Acórdão que determine a improcedência total do pedido do A.”.

A Ré contra-alegou e requereu, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I - Saber se o trabalho prestado pelos A das 00:00horas às 2:40 de domingo até 6/05/2016 é de considerar trabalho suplementar, a remunerar como tal pela Ré:
Corresponde à verdade que qualquer trabalhador tem direito a 24 horas de descanso por semana (o mesmo não é dizer um dia de calendário), conforme previsto no artº 232º, nº1 do Código de Trabalho, porém o nº2 do mesmo preceito admite que tal descanso possa deixar de ser ao domingo em empresas ou actividades que, como sucede com a Ré, não têm de encerrar ou suspender o funcionamento um dia completo por semana, antes até sendo laboração contínua - vide as alíneas a), b), c) e d) do nº 2 do artº 232º
Assim sendo, a Ré não tinha efetivamente de conceder ao A o seu dia de descanso aos domingos.
Contudo convencionalmente as partes acordaram que o seu dia de descanso se iniciaria aos domingos e terminaria às segundas-feiras da parte da tarde, quando o A reiniciasse a sua jornada diária de trabalho nesse dia, como supra se viu.
Por outro lado, da matéria de facto dada por assente verifica-se que o período de normal diário e semanal do A não excedia as 40 horas semanais nem as 8 horas diárias, pelo que a R. cumpria ainda o disposto no art.º 203/1 do CT.
Ora constatando-se que o A cumpria um regime de trabalho por turnos fixos nocturnos, é aplicável ao caso em apreço o disposto no art.º 221/5 do CT no qual não se faz referência a um dia de calendário obrigatório ao contrário do que poderá alguma doutrina defender, caso seja aplicável o disposto no art.º 232/2 do CT, o que como vimos no caso nos autos não o é.
Aplicando-se o disposto no art.º 221/5 do CT e tratando-se como o é de uma actividade de recolha de lixo prevista na subalínea iv) da alínea e) do n.º 2 do art.º 207 do CT para que remete o n.º 5 do art.º 221 do CT, o A, nos termos da atrás citada norma, tem direito “um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito”.
Deixa assim de, no caso em apreço, ser aplicável, no que respeita à periodicidade do descanso semanal, a regra obrigatória do repouso dominical, como vimos não obstante o já afirmado quanto ao acordo estabelecido entre as partes.
Resta saber se tem direito, ainda assim, a um dia completo de descanso de calendário, ou se pelo contrário a Lei permite a interpretação que têm direito a 24 horas que pode ser gozado em dois dias de calendário consecutivos.
Ora nada na lei, em termos de interpretação literal, nos afirma que o dia de descanso semanal corresponda a um dia de calendário, ao contrário do que alguma doutrina retira da norma do art.º 232/2 do CT que como se viu não se aplica.
Acresce que não se verificando qualquer mudança de turno no que respeita aos presentes autos, não se aplica igualmente o n.º 4 do art.º 221 do CT.
Ora, como decorre acórdão proferido pelo TJUE de 9 de novembro de 2017 proferido no âmbito do proc n.º C306/16, a referida Directiva apenas impõe que os EstadosMembros tomem as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam 11 horas de descanso diário previstas no artigo 3. ° desta diretiva.
Ou seja, na Directiva apenas consagra a regra das 24 horas e não a interpretação restrita a um dia de calendário.
Por outro lado, temos que o artigo 5. ° da Diretiva 2003/88, não contêm nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros e que, em consequência, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, devem ter uma interpretação autónoma e uniforme em toda a União.
Ademais o caso em apreço tem a particularidade que, face ao permitido pelo art.º 200/2 do CT, cada dia de trabalho do A correspondia a dois dias de calendário consecutivo e trabalhando ele 6 dias, assim configurados, implicava necessariamente que também o seu dia de descanso fosse gozado em dois dias de calendário consecutivo.
Ora aprece-nos a nós que tal não implica qualquer perturbação no ciclo biológico do A posto que como se disse o gozo do seu dia de descanso vem na linha dos dias de trabalho (compreendido entre dois dias de calendário) sendo certo que o A estava sujeito a turnos e dias de descanso fixos.
Donde entende-se que o artigo 221/5 e art.º 232/1 do CT deve ser interpretado em conformidade com o disposto no art.º 5.° da Diretiva 2003/88, e face ao primado do direito comunitário, no sentido de que não impõem que o período de descanso semanal obrigatório seja gozado obrigatoriamente num dia completo de calendário, podendo ser gozado em dois dias de calendário consecutivos, tal como o CT o permite de forma clara para um dia de trabalho normal, art.º 200/5 do CT.
De facto se o CT admite que um dia de trabalho pode ocorrer em 2 dias de calendário consecutivos, naturalmente terá que admitir que um dia de descanso possa também ocorrer em 2 dias de calendário consecutivos, sobretudo no caso como o do A em que não se verifica qualquer mudança de turno.
Por outro lado, não se deverá olvidar, na interpretação que se faz destas normas o disposto no art.º 296 do CC que nos diz que "As regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade." Sendo que nos art.º 279/d) do CC determina que" sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas;" sublinhado nosso.
Por ultimo a deferir-se o pretendido pelo A tal conduziria a uma redução do período normal semanal de trabalho e horário de trabalho sem qualquer contrapartida na redução da retribuição, e sem acordo das partes, provocando um desequilibro económico e contratual que o CT não tutela afrontando claramente o sentido de Justiça no caso concreto.
De facto, o eventual deferimento da pretensão do A implicaria por cada semana uma redução da sua carga horária para 37 horas semanais sem qualquer redução na retribuição ajustada pelas partes para uma carga horária de 40 horas.
Repare-se que o A no concreto horário de trabalho que cumpria, numa semana de trabalho, tradicionalmente iniciada aos domingos e terminada aos sábados, não faziam mais de 6 dias de trabalho consecutivo, cada dia não ultrapassava 8 horas de trabalho, num total de 40 horas semanais (2.45m) + 7.30m ás segundas + 26 h (6.30 x 4 dias) + 3.30m do sábado dá um total de 40 horas) e com um gozo consecutivo de 39h e 30m de descanso semanal.
Finalmente face à conformação legal do pedido do A. ao peticionar créditos configurando-os como trabalho suplementar prestado, considerando a matéria de facto dada por provada verifica-se que nenhum trabalho prestado pelo A foi feito fora do seu horário de trabalho convencionado, pelo que não se pode aplicar ao caso em apreço o art.º 226/1 do CT e por consequência o art.º 268 do CT.
Donde deverá manter-se a douta sentença recorrida por conforme com o direito Comunitário e Nacional, determinando-se assim a improcedência total do recurso.
V - Quanto à ampliação do objeto do recurso, a titulo subsidiário e sem prejuízo do disposto no art.º 665/2 do CPC:
I - Abuso do direito por parte do A:
Outrossim, transigindo sem jamais consentir no que fez alusão ás suas contra-alegações, sempre se dirá que se dúvidas ainda subsistissem, entende a recorrida que se verifica no caso em apreço abuso do direito por parte do A ao peticionar o que pede neste recurso, posto que não podemos deixar de considerar claramente anómalo que, durante todo o tempo em que se verificou o cumprimento por parte do A deste concreto horário de trabalho, mais de 14 anos consecutivos, onde gozava o dia de descanso semanal em dois dias de calendário (entre domingo e segunda) nunca tivesse desencadeado o procedimento indispensável, verbal ou por escrito, para que fosse alterado o mesmo, sendo certo que só o fizeram após a alteração do seu horário de trabalho verificada em 7 de Maio de 2016.
Nestas circunstâncias, a falta do exercício do direito, durante tão largo período de tempo, torna, a nosso ver, o exercício do direito relativamente a todo aquele período e apenas naquele momento, efectivamente contrário aos limites impostos pela boa-fé e pelo fim económico e social do direito.
A omissão desse pedido durante largos anos, por um lado, é apta a criar no devedor/R. a convicção de que o A considerava que o seu dia de descanso era regularmente e legalmente cumprido pela R com aquela concreta conformação em dois dias de calendário consecutivo, sendo esta reclamação do A, ao interpor a presente acção em Janeiro de 2017, efetuada tardiamente e relativamente a um período de tempo vasto, configura de algum modo, um venire contra factum proprium (em que a omissão prolongada de reclamação constitui o factum proprium), integrando, pois, a figura do abuso de direito (art.º 334.º, do CC).
Assim o seu exercício naquelas concretas circunstâncias contraria materialmente o sentido de Justiça. A tutela da confiança, apoiada no princípio da boa-fé impõe, pois, solução diferente daquela que o direito aparente conferiria.
Poder-se-á outrossim considerar tratar-se de um caso de supressio, posto que o exercício acumulado do direito em causa relativamente a tão longo período, constitui uma demora desleal, contrária à boa-fé, na medida em que cria um desequilíbrio inadmissível entre as partes, devido ao elevado valor global que acaba por atingir, e, além do mais, ter lugar precisamente num momento em que a R. atravessa sérias dificuldades financeiras, provocadas pela redução paulatina da prestação de serviços operada junto de várias Câmaras Municipais.
Entende-se, pois, que será de qualificar como de má-fé e abuso de direito, caso se entenda que assiste ao A o pedido deduzido nesta acção, nos termos do disposto no art.º 334 do CC, devendo por isso, caso se conheça do mérito do recurso interposto pelo A., determinar-se que existe abuso do direito por parte do A ao peticionar o pagamento de trabalho suplementar e descanso compensatório e assim ser declarado totalmente improcedente o seu pedido, devendo-se por isso, caso proceda o recurso interposto pelo A., o que se admite por mera hipótese de raciocínio hipotético, manter-se a sentença proferida ainda que por fundamento em abuso do direito por parte do recorrente, como supra se afirmou.
II - Reenvio prejudicial para o TJUE:
Todavia, caso se entenda que ainda restam dúvidas quanto a tal compatibilidade, pede-se ao digno Tribunal da Relação do Porto o obrigatório reenvio ao TJUE, com pedido de tramitação acelerada, que coloque a seguinte questão prejudicial ao TJUE, questionando-se será compatível com o art. 5.º da Diretiva uma interpretação jurisdicional restritiva que apenas permita o conceito de “dia de descanso semanal” com o que corresponda a um dia completo de calendário não podendo ser contabilizado no correspondente 24 horas, após seis dias de trabalho consecutivos, onde cada dia de trabalho é prestado em dois dias de calendário consecutivo?
A diretiva comunitária é clara a definir o descanso semanal em 24 horas e não em um dia completo de calendário, o que permite que o direito do descanso semanal possa ter um sentido lato sensu do que o Tribunal não lhe atribuiu, antes pelo contrário restringiu, violando assim, na interpretação que fez, o primado da Diretiva face às normas internas infra constitucionais.
Ora, os Tribunais, estando vinculados a assegurar o cumprimento das Directivas Comunitárias transpostas pelo Estado Português, devem, no mínimo, interpretar o direito interno à luz das mesmas, o que significa que não podem manter a interpretação realizada pelo Tribunal a quo, no entender da recorrente.
Por outro lado, sobre a concreta questão que está em apreço, têm sido sustentadas na doutrina soluções divergentes, pois que a par de autores e estudos que apontam no sentido preconizado pelo A, outros preconizam a interpretação sustentada pela R.
E, estando em causa nestes autos, a interpretação de disposições do Direito Comunitário derivado, concretamente dos arts. 5º da Directiva 93/104/CE do Conselho de 23 de Novembro de 1993, e da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4/11/2003, a fim de que, assente essa interpretação, se possa subsequente interpretar em conformidade com a mesma determinadas normas jurídicas nacionais, concretamente as normas do CT/2009 e que regem em matéria de descanso semanal obrigatório.
Resta dizer que o TJUE pode fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação resultantes do direito comunitário e que permitam a esse órgão decidir da compatibilidade dessas normas com a norma comunitária invocada.
Neste enquadramento, requer-se, que se suscite nestes autos e ao abrigo do art. 267º do Tratado da União Europeia, a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia, no sentido de se apurar se à luz das supra citadas directivas comunitárias e no caso de trabalhadores de estabelecimentos que laboram todos os dias da semana, as mesmas impõem ou não que o dia de descanso obrigatório corresponda a um dia completo de calendário ou se por contrário pode ser gozado em dois dias de calendário consecutivo, com duração mínima de 24 horas subsequente a seis dias de trabalho consecutivos, onde cada dia de trabalho também é executado em dois dias de calendário consecutivo.
Até decisão do TJUE, decidir-se pela suspensão desta instância (art. 272º/1 do NCPC).”

O A. contra-alegou no recurso interposto pela Ré, concluindo no sentido da sua improcedência.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento dos recursos, ao qual apenas respondeu a Ré, discordando do mesmo no que toca ao recurso por si interposto.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“2.1 – Os Factos
Instruída e discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1 - A Ré dedica-se à actividade de prestação de serviços de limpeza, recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos em vários concelhos sendo um deles o Concelho de J….
2 - No exercício dessa actividade a Ré admitiu o Autor ao seu serviço em 16 de abril de 2002, conforme, Doc. n.º 1 junto a fls. 23 e que aqui se dá por inteiramente reproduzido e integrado.
3 - O qual, desde a referida data e sob as ordens, disciplina e fiscalização da Ré, vem exercendo a respectiva actividade profissional,
4 - no Centro de Serviços de J… da Ré, no horário de trabalho das 20 horas às 3horas e 45 minutos à segunda-feira e das 20 horas às 2horas e 45 minutos de terça -feira a sábado, com intervalo de quinze minutos, até 06/05/2016,
5 - e a partir de 07/05/2016, ainda afecto ao Centro de Serviços de J… da Ré, no horário de trabalho das 20 horas às 3 horas e 45 minutos à segunda-feira e das 20 horas às 2 horas e 45 minutos de terça-feira a sexta-feira, e ao sábado das 17horas e 15 minutos às 24horas, com intervalo de quinze minutos, e descanso ao domingo, conforme Doc. junto a fls. 24 e que aqui se dá por inteiramente reproduzido e integrado.
6 - Desempenhando as funções inerentes à categoria profissional de Motorista de pesados com a qual se encontra categorizado pela Ré.
7 - Pela prestação das quais vem auferindo da Ré uma retribuição mensal que se foi actualizando até se fixar a última (desde 1/04/2007) em 575,00€ de retribuição base mensal; acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 6,00€; acrescida de uma verba designada de “remuneração de trabalho nocturno” e posteriormente de "PVS", verba esta de valor variável consoante o número de horas nocturnas mensais consideradas como tais pela Ré e prestadas pelo Autor e correspondente a 25% do valor dessas mesmas horas; e ainda acrescida de um prémio denominado de desempenho e zelo, de valor também de valor variável; tudo como melhor resulta dos recibos de salário do Autor juntos a fls. 25 e segs. e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8 - Conforme resulta do(s) horário(s) supra referido(s), ao longo do seu contrato de trabalho com a Ré o Autor vem efectuando diariamente trabalho em horário compreendido na totalidade no período entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte até 06/05/2016, e depois dessa data compreendido em parte,
9 - trabalho esse que a Ré remunerou e remunera com um acréscimo de 25% sobre o valor individual da hora de trabalho, efectuando o pagamento desse acréscimo ao Autor através de uma rubrica nos recibos de salário com a designação de "Rem. Trab. Nocturno” e, a partir de 1/07/2013, com a designação de "PVS", conforme recibos de vencimento juntos aos autos.
10 - Sendo que, a partir de Fevereiro de 2013, e apesar de o Autor manter o horário supra referido e por isso o desempenho das suas funções à Ré em horário compreendido no período entre 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, a Ré apenas remunerou com o acréscimo de 25% as horas de trabalho prestadas entre as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, efectuando o pagamento desse acréscimo através da rubrica individual nos recibos de salário do Autor com a designação "Rem. Trab. Nocturno" e, a partir de de 1/07/2013, com a designação "PVS”.
11 - Ao longo do contrato de trabalho com a Ré, e quando o Autor gozou férias, a Ré remunerou o período de férias do Autor e respectivo subsidio de férias apenas com o valor referente à retribuição base à data auferida pelo Autor, conforme resulta dos recibos de vencimento juntos aos autos.
12 - Ou seja na retribuição de férias e respectivo subsídio de férias que pagou ao Autor a Ré não lhe pagou qualquer quantia referente ao acréscimo retributivo com que remunerava o trabalho prestado pelo Autor quando este estava em serviço efectivo e cuja remuneração a Ré designava como "Rem. Trab. Nocturno" até 30/06/2013 e depois dessa data designava como "PVS".
13 - No ano de 2002 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 500,00€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual (pelos 8 meses de trabalho) de 977,91€.
14 - No ano de 2003 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 500€ até março e de 515€ a partir de abril, e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.422,44€.
15 - No ano de 2004 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 515€ até março e de 530€ a partir de abril, e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.472,86€.
16 - No ano de 2005 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 530€ até março e de 545€ a partir de abril, e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.430,00€.
17 - No ano de 2006 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 545€ até março e de 560€ a partir de abril, e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.385,17€.
18 - No ano de 2007 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 560€ até março e de 575€ a partir de abril, auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.441,93€.
19 - No ano de 2008 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.566,20€.
20 - No ano de 2009 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.554,56€.
21 - No ano de 2010 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1466,70€.
22 - No ano de 2011 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.488,26€.
23 - No ano de 2012 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.497,78€.
24 - No ano de 2013 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" / "PVS", a quantia anual de 1030,03€.
25 - No ano de 2014 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "PVS", a quantia anual de 1007,64€.
26 - No ano de 2015 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "PVS", a quantia anual de 982,35€.
27 - No ano de 2016 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e até à contabilização do recibo de dezembro de 2016 (último mês antes da propositura da ação) auferiu ao serviço da Ré a título de "PVS" a quantia de 989,48€.
28 - De acordo com o horário que cumpriu até 06/05/2016, o Autor prestava 7 horas e 45 minutos à segunda-feira, 6 horas e 45 minutos à terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira e sábado, sendo destas últimas 2 horas e 45 minutos ao domingo.
29 - Tal ocorreu em 46 domingos em cada um dos anos de 2002, 2003, 2004, 2008, 2009, 2013 e 2014; 45 domingos nos anos de 2005, 2010 e 2011; 47 nos anos de 2006, 2007 e 2015; 44 em 2012, dos quais 26 até 1/08/2012 e os restantes 18 depois dessa data; e 15 em 2016 (até 7/05/2016).
30 - A R. nunca remunerou o tempo de trabalho aos domingos (2h 45m.) com qualquer acréscimo por trabalho suplementar.
31 - Nem nunca concedeu ao A. qualquer descanso compensatório pelo tempo de trabalho nos domingos (num total de 647 domingos).
32 - A actividade exercida pela R. seu empregador, é exclusiva ou predominantemente no período nocturno.
33 - A R. dedica-se à actividade de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos, limpeza urbana não estando obrigada em encerrar ou suspender um dia completo por semana.
34 - Tal se deve por imposição camarária, em concreto do Município J…, vertida no Regulamento Municipal de Resíduos Sólidos Urbanos e Limpeza Pública J… a que se pode aceder via site www.cmJ.... pt/portais/, vide art.º 16 e 18 desse Regulamento.
35 - Isso com intuitos de evitar ao máximo perturbar a população, não interferindo nem penalizando o trânsito intenso de veículos e viabilizando que os resíduos sólidos urbanos não fiquem à vista das pessoas durante o dia.
36 - Os locais de aterro sanitário, destino final dos resíduos, cuja propriedade e exploração é da pertença de empresas externas à R., apenas se encontram em funcionamento em horário nocturno, o que impõe igualmente à R. o exercício da referida actividade em regime predominantemente nocturno.
37 - No mês de Junho de 2013, a R. emitiu uma norma interna, documentada a fls. 209 e 210, sobre o então denominado “Prémio de Valorização Social”, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
38 - Tal norma foi divulgada na empresa e tornou-se cognoscível para os trabalhadores, entre os quais o A., não tendo este manifestado qualquer desagrado ou oposição.
39 - Por motivos de baixa médica ou outros, o A. não prestou trabalho nos seguintes sábados: 28-09-2013; 05-10-2013; 26-12-2015; 23-04-2016; 04-08-2007; 11-08-2007; 12-01-2008; 19-01-2008; 19-07-2008; 26-07-2008; 25-10-2008.
40 - O período normal semanal de trabalho do A. era de 40 horas, distribuído pelos dias da semana nos termos dos horários supra referidos, jamais tendo excedido as 8 horas por dia ou as 40 horas por semana.
41 - Assim e quanto ao dia de descanso semanal, a R. dava-o a gozar ao A. proporcionando-lhe um período de mais de 24 horas sem trabalhar, após 6 dias de trabalho, sendo aquele gozado, de forma consecutiva, em dois dias de calendário.
42 - Sempre assim aconteceu ao longo de mais 14 anos (de abril de 2002 a maio de 2016), nunca tendo o A. manifestado, junto dos seus superiores hierárquicos ou dos legais representantes da R., qualquer desagrado ou oposição pela situação criada com a concreta conformação do seu gozo de descanso semanal usufruído de forma consecutiva em dois dias consecutivos de calendário, com uma duração que, no total, ascendia a 41h e 15m.
43 - Durante vários anos e até pelo menos junho de 2014, a R. declarava à Segurança Social como “Trabalho Nocturno” as verbas que pagava ao A. sob as rubricas “Trab. Nocturno”, “Rem. Trab. Nocturno” e depois “pvs” – vd. extracto de fls. 226 a 238.
Os demais factos alegados não obtiveram adesão da prova produzida ou eram meramente instrumentais ou conclusivos.”
***
III. Fundamentação
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi da Lei e 1º, nº 2, al. a), do CPT/2009).
Assim, são as seguintes as questões a apreciar, pela ordem em que o serão:
- Impugnação da decisão da matéria de facto [recurso da Ré];
- Se a média do acréscimo pago sob a designação de “Rem. Trab. Noturno” e “PVS” não deve integrar as remunerações de férias e os subsídios de férias [recurso da Ré];
- Do trabalho suplementar [se o trabalho prestado ao domingo deve ser considerado como trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório] e correspondentes descansos compensatórios [recurso do A.];
- Do abuso de direito [ampliação do âmbito do recurso do A. requerida pela Ré/Recorrida];
- Do reenvio prejudicial para o TJUE [ampliação do âmbito do recurso do A. requerida pela Ré/Recorrida].
2. Da impugnação da decisão da matéria de facto [recurso da Ré]
Impugna a Ré/Recorrente os nºs 9, 10 e 12 dos factos provados, pretendendo que sejam alterados para a seguinte redacção:
“9. A R. atribuía ao A. um prémio denominado “rem.trab.nocturno” e depois “pvs”, para coadjuvá-lo, no acréscimo de despesas que se presumia suportar, por alimentação, transportes, por trabalhar no período noturno.”
“10. Promovendo-se com a atribuição de tal benefício pecuniário, a sua maior inclusão no seio familiar e social, de forma mais integrada, e aprimorando a satisfação e a motivação no trabalho.”
“12. Sendo que tal valor esteve desde sempre esteve indexado ao número de horas noturnas efetivamente prestadas, pago com um acréscimo de 25% sobre a remuneração base.”
Sustentou a alteração, em síntese, nos depoimentos das testemunhas D…, E…, F…, G…, G… e I…, bem como no documento de fls. 209/210 e nas regras da experiência comum conjugado com o disposto no art. 266º, nº 3, als. a) e c) do CT donde resultaria que, não sendo obrigada ao pagamento de trabalho nocturno, não se compreenderia que o pagamento se destinasse a tal fim.
É o seguinte o teor dos nºs 9, 10 e 12 dos factos provados
“9 - trabalho esse que a Ré remunerou e remunera com um acréscimo de 25% sobre o valor individual da hora de trabalho, efectuando o pagamento desse acréscimo ao Autor através de uma rubrica nos recibos de salário com a designação de "Rem. Trab. Nocturno” e, a partir de 1/07/2013, com a designação de "PVS", conforme recibos de vencimento juntos aos autos. [nº este que vem no seguimento do nº 8 dos factos provados com o seguinte teor: “8 - Conforme resulta do(s) horário(s) supra referido(s), ao longo do seu contrato de trabalho com a Ré o Autor vem efectuando diariamente trabalho em horário compreendido na totalidade no período entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte até 06/05/2016, e depois dessa data compreendido em parte,”.
10 - Sendo que, a partir de Fevereiro de 2013, e apesar de o Autor manter o horário supra referido e por isso o desempenho das suas funções à Ré em horário compreendido no período entre 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, a Ré apenas remunerou com o acréscimo de 25% as horas de trabalho prestadas entre as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, efectuando o pagamento desse acréscimo através da rubrica individual nos recibos de salário do Autor com a designação "Rem. Trab. Nocturno" e, a partir de de 1/07/2013, com a designação "PVS”.
12 - Ou seja na retribuição de férias e respectivo subsídio de férias que pagou ao Autor a Ré não lhe pagou qualquer quantia referente ao acréscimo retributivo com que remunerava o trabalho prestado pelo Autor quando este estava em serviço efectivo e cuja remuneração a Ré designava como "Rem. Trab. Nocturno" até 30/06/2013 e depois dessa data designava como "PVS".
Na fundamentação da decisão da matéria de facto, o Mmº Juiz referiu o seguinte:
“A motivação do Tribunal para dar os factos que deu como provados adveio, antes de mais, do acordo das partes ou falta de impugnação especificada (art. 574º, nº 2, do CPC) relativamente a factos como a admissão e funções do A., componentes e valores retributivos, horários praticados e sábados não trabalhados.
Para além disso e a nível documental, atendeu o Tribunal ao contrato de trabalho de fls. 23, à comunicação de novo horário de fls. 24, aos recibos de vencimento de fls. 25 a 138, norma interna sobre PVS de fls. 209 e 210; certificados de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 211 a 212; e extracto da segurança social de fls. 225 a 238.
A nível testemunhal, foram considerados os depoimentos das seguintes pessoas:
- D…, E… e F…, respetivamente motorista e cantoneiros que foram e são colegas do A.. Não assistiram à contratação deste, mas revelaram conhecer o horário nocturno praticado por todos na empresa, com descanso entre as 2,45 h. de domingo e as 20 h. de segunda; que era paga uma verba por trabalharem de noite e cuja designação mudou para PVS; e que a R. divulga as normas internas num quadro que podem consultar, ainda que nem todos o façam.
- K…, G…, H… e L…, todos encarregados na R. que foram chefes do A. em períodos distintos. Falaram das horas em que se processa o horário nocturno na empresa, o que explicam aos trabalhadores nas entrevistas de admissão (incluindo o horário e descanso que vão ter), como são divulgadas as normas internas (num quadro em local de passagem), que entendem envolver o trabalho nocturno maiores custos que a empresa compensa com o ora denominado pvs e que o descanso semanal vinha sendo gozado entre domingo e segunda há anos, sem oposição dos trabalhadores. Foram coerentes, mas pouco credíveis quanto à justificação do pagamento a título de “trabalho nocturno” e “pvs”, já que o configuraram como uma espécie de ajuda de custo para despesas não concretizadas e que nem a R. assumiu como tal na norma interna de 2013.
- I…, administrativa na R. que tem funções várias, revelando conhecer os horários praticados, a alteração da denominação do trabalho noturno para pvs (por alegadas, mas não explicadas, questões informáticas) e como são divulgadas as normas internas (tendo confirmado que também o foi a relativa ao pvs, sem que tenha conhecimento de discordâncias).”

2.1. Antes de mais, importa referir o seguinte:
Estando em discussão nos autos, por ser controvertido, apurar se o pagamento do acréscimo de 25% decorrente da prestação de trabalho em período nocturno tem, ou não, natureza retributiva, consubstancia conclusão jurídica a utilização, em sede de matéria de facto, das seguintes expressões: “remunerou e remunera”, no nº 9; “remunerou”, no nº 10; e “retributivo com que remunerava” e “remuneração”, no nº 12.
Como decorre do disposto no art. 607º, nº 4, do CPC/2013, em sede de decisão da matéria de facto o juiz apenas se deverá pronunciar sobre factos e não sobre conceitos de direito e/ou de natureza conclusiva. Assim, no caso, a qualificação dos pagamentos feitos como constituindo, ou não, retribuição deverá ter lugar em sede de apreciação e enquadramento jurídico, pelo que tais expressões serão eliminadas, sem prejuízo de, em sede de impugnação da matéria de facto, se apreciar da razão dos pagamentos em causa, designadamente se consubstanciam, ou não, contrapartida do trabalho prestado em período noturno.

2.2. Quanto aos nº 9 e 10 dos factos provados:
É o seguinte o teor do nº 9: “9 - trabalho esse que a Ré remunerou e remunera com um acréscimo de 25% sobre o valor individual da hora de trabalho, efectuando o pagamento desse acréscimo ao Autor através de uma rubrica nos recibos de salário com a designação de "Rem. Trab. Nocturno” e, a partir de 1/07/2013, com a designação de "PVS", conforme recibos de vencimento juntos aos autos”, pretendendo a Ré/Recorrente que o mesmo seja alterado para a seguinte redacção: “9. A R. atribuía ao A. um prémio denominado “rem.trab.nocturno” e depois “pvs”, para coadjuvá-lo, no acréscimo de despesas que se presumia suportar, por alimentação, transportes, por trabalhar no período noturno.”:
É o seguinte o teor do nº 10: “10 - Sendo que, a partir de Fevereiro de 2013, e apesar de o Autor manter o horário supra referido e por isso o desempenho das suas funções à Ré em horário compreendido no período entre 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, a Ré apenas remunerou com o acréscimo de 25% as horas de trabalho prestadas entre as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, efectuando o pagamento desse acréscimo através da rubrica individual nos recibos de salário do Autor com a designação "Rem. Trab. Nocturno" e, a partir de de 1/07/2013, com a designação "PVS”, pretendendo a Ré que o mesmo seja alterado para a seguinte redacção: “10. Promovendo-se com a atribuição de tal benefício pecuniário, a sua maior inclusão no seio familiar e social, de forma mais integrada, e aprimorando a satisfação e a motivação no trabalho”:
Pelas razões acima referidas, a utilização, no nº 9, da expressão “prémio” pretendida pela Ré/Recorrente comporta também um conceito conclusivo ou juízo valorativo, pelo que também não poderia ser adotado em sede de matéria de facto devendo ter-se como não escrito caso constasse da decisão da matéria de facto.
Quanto ao mais que consta desse ponto 9, na redacção pretendida pela Ré/Recorrente, corresponde a matéria que não foi alegada, mormente na contestação, sendo que não pode esta Relação atender a factualidade não alegada pelas partes, não sendo o disposto no art. 72º do CPT aplicável à Relação, mas sim à 1ª instância, preceito esse que, como dele decorre, tem como limite temporal o encerramento da audiência de julgamento em 1ª instância.
De todo o modo, e uma vez que a 1ª instância, ainda que em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, se pronunciou, para afastar, quanto à questão das despesas que esse pagamento visaria compensar, sempre se dirá que a redacção pretendida tem natureza vaga e conclusiva, não se referindo qual o concreto acréscimo de despesas com alimentação e transportes que o A. teria; aliás, no ponto em questão remete-se para uma “presunção” de despesas, o que é insuficiente, para além de que a referência a despesas presumidas não consubstancia qualquer facto concreto.
Por outro lado, procedeu-se à audição integral dos depoimentos invocados pela Recorrente, quais sejam os prestados pelas testemunhas D…, E… e D…, arrolados pelo A., e G…, H… e I…, arroladas pela Ré.
Desde logo, cumpre referir que todas as mencionadas testemunhas, mormente as arroladas pela Ré e que depuseram no sentido de que era explicado aos trabalhadores a razão de ser da atribuição da prestação ora em causa, não entrevistaram o A. aquando da sua contratação, não sabendo o que, em concreto, lhe terá sido, ou não, transmitido ou explicado.
De todo o modo:
D…, trabalhador da Ré desde 2007, motorista, exercendo funções em horário semelhante ao do A., referiu que, em relação a si, aquando da sua admissão, lhe foi dito apenas qual o ordenado que iria receber, nada lhe tendo sido dito quanto ao recebimento de 25%, que nada lhe foi explicado, mas que contava, a testemunha, com esse pagamento por saber que ia trabalhar à noite e tal pagamento, segundo disse, “decorrer da lei”.
E…, trabalhador da Ré desde 2007, cantoneiro, exercendo funções também em período noturno, referiu que, aquando da sua admissão, lhe disseram o ordenado que iria receber e que receberia o subsídio nocturno por trabalhar à noite.
F…, trabalhador da Ré desde 2001, cantoneiro, exercendo funções também em período noturno referiu que, aquando da sua admissão, não lhe disseram que iria receber o subsídio de trabalho nocturno.
G…, trabalhador da Ré desde data posterior à admissão do A., encarregado e superior hierárquico do A. no período de 2014 a início de 2016, referiu que era habitual nas entrevistas falar-se do ordenado e que era explicado que a prestação em causa é uma ajuda de custo, por exemplo para transportes, por despesas que os trabalhadores de dia não têm e que a alteração verificada, para “PVS”, foi apenas de nome.
H…, trabalhador da Ré desde novembro de 2001, encarregado e superior hierárquico do A. no período de 2002 a 2004, referiu que nas entrevistas aos candidatos é explicado, para além do mais, o “ordenado” e que a empresa atribui um valor para compensar o horário nocturno, para ajuda do trabalhador nas despesas, por exemplo de transportes e alimentação que os trabalhadores diurnos não têm, sendo aquelas mais caras à noite.
Não obstante, confrontado pelo Mmº juiz com o facto de no documento de fls. 209/210 nada se referir quanto a compensação de despesas e, por isso, perguntado de onde lhe adveio tal informação, afirmou que se estava a basear no horário, que “o horário de noite é mais difícil para tudo, à saída não há transportes públicos”. Ou seja, concluímos nós, a razão de ciência da testemunha mais não passa de uma suposição sua. Mais disse a testemunha que o “prémio de valorização social” (“PVS”) foi apenas uma alteração de designação.
A testemunha I…, trabalhadora da Ré desde 2001, administrativa, referiu que o “PVS” é um reajuste para algumas despesas relativamente às quais a Ré entende auxiliar face à diferença que existe nas condições dos trabalhadores de dia que os da noite não têm, que tal é explicado aos trabalhadores e que a alteração para “VPS” foi apenas uma alteração da designação. Mais disse que a atribuição da prestação em causa tem a ver com o trabalho à noite, uma vez que os trabalhadores de dia têm condições mais favoráveis e que a alteração do pagamento das 20h00 para as 22h00 “foi por causa da lei” e, quando confrontada pelo Mmº Juiz com a conexão entre essa atribuição e o próprio regime legal do trabalho nocturno referiu que “a empresa se serviu disso como ponto de partida para fazer os cálculos”.
Quanto ao documento de fls. 209/210, consiste ele numa ordem de serviço que tem, como nele se diz, por “objectivo” “Definir as regras para atribuição do prémio de Valorização Social”, no qual se refere, designadamente, o seguinte:
“(…)
A verificação do sistema da gestão da qualidade, bem como as sucessivas inovações que vamos introduzindo, permitem identificar onde podemos implementar um sistema que procure eliminar os riscos sociais existentes na cadeia de valor do nosso negócio.
Por isso, tem-se, agora, como objectivo valorizar os trabalhadores que devido à sua actividade se encontram provados de usufruírem, em plenitude, de uma vida social e familiar dentro dos parâmetros normais, pelo que se implementou um sistema de incentivo, designado por Prémio de Valorização Social”, que consiste na atribuição de um determinado valor, a título de prémio.
A atribuição desse prémio baseia-se no facto de estes trabalhadores exercerem uma actividade predominantemente durante o período nocturno, o que os impede de terem uma vida mais partilhada com a sua família e o meio social onde vivem, promovendo-se a sua cidadania, de forma mais participativa.
Assim, todos os trabalhadores que exerçam as funções na actividade de recolha de resíduos sólidos urbanos, a qual é exercida de forma predominantemente em período nocturno, terão um acréscimo de 25% por referência às horas que efectuarem em período nocturno.
(…)”.
Desde logo, tal documento consubstancia uma decisão unilateral da Ré, sendo da sua autoria e não fazendo prova com força vinculativa relativamente à razão ou natureza da prestação em causa nos autos. E, por outro lado, dele até ressalta que, em lado algum, nele se diz que o pagamento de tal prestação consubstancie uma “ajuda de custo” que vise compensar qualquer concreta despesa do trabalhador que preste trabalho em período nocturno. O que dele até resulta, apesar do “cuidado” e “jogo de palavras” que lhe parece estar subjacente, é que esse complemento visa precisamente compensar o trabalhador pela prestação de trabalho em horário nocturno, sendo que o trabalho “compensado” é, precisamente, aquele que é prestado no próprio período que a lei considera como trabalho nocturno, sendo que o acréscimo é pago tendo como referência o período como tal considerado pela lei e em função das horas efectivamente prestadas.
Aliás, a própria testemunha I… referiu que a alteração legal do tempo de trabalho considerado nocturno das 20h00 para as 22h00 determinou também a alteração, pela Ré, da contabilização das horas prestadas para efeitos do pagamento do acréscimo em causa.
Por outro lado, realça-se que, como já referido, o conhecimento da testemunha H… do propósito do pagamento desse acréscimo assentou, afinal, numa mera suposição sua. E o depoimento de G…, pouco ou nenhum valor tem pois que praticamente se limitou a dizer que é “uma ajuda de custo”, por exemplo para transportes. Acresce que tais depoimentos, totalmente vagos, são manifestamente insuficientes no sentido de que a alimentação envolveria despesa superior em relação aos trabalhadores de dia, para além de que, se fosse esse o desiderato, então a conclusão lógica teria sido a atribuição de um complemento ao subsídio de refeição e não de um complemento designado de “remuneração de trabalho nocturno”. E, quanto aos transportes, a conclusão lógica teria sido a atribuição de um subsídio de transporte e não um designado de “remuneração de trabalho nocturno”.
Concorda-se, pois, com a fundamentação da decisão da matéria de facto aduzida pela 1ª instância quando, em relação a tais depoimentos, diz que são “pouco credíveis quanto à justificação do pagamento a título de “trabalho nocturno” e “pvs”, já que o configuraram como uma espécie de ajuda de custo para despesas não concretizadas e que nem a R. assumiu como tal na norma interna de 2013.”, depoimentos esses que se nos afiguram comprometidos com a defesa da tese da Ré, parciais e nada convincentes.
Não se nos fica dúvida alguma de que a prestação em causa foi atribuída por causa e em função da prestação de trabalho em regime então (à data da contratação do A. e até ao CT/2009) considerado legalmente como consubstanciando trabalho nocturno, e visando compensar o trabalhador por esse trabalho, o que decorre não apenas da razão da sua atribuição, que está conexionada e é calculada em função do número de horas prestadas nesse regime, como da própria designação adoptada pela Ré para esse pagamento ao longo de vários anos e até 2013, ano em que foi alterada a sua designação para “prémio de valorização social”, e que como tal era entendido pelos trabalhadores. E a alteração da designação é irrelevante pois que, como decorre dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré, acima mencionadas, tal mais não consubstanciou do que uma mera alteração de designação e nada mais, sendo irrelevante que a Ré, quiçá por pretender “afastar-se” da ligação ou conexão entre o trabalho nocturno e o seu pagamento, entendeu ser de alterar a designação.
Quanto ao nº 10, o segmento em que se reporta à promoção da sua “maior inclusão no seio familiar e social, de forma mais integrada”, é vago, genérico e conclusivo, não se percebendo por que razão, como ou com base em que factos é que essa “maior inclusão” ou mais “integrada inclusão” se verificaria. De todo o modo, remete-se para o que se disse a propósito do nº 9 dos factos provados, donde resulta a improcedência da alteração pretendida.
No que se reporta à melhoria “da satisfação e motivação no trabalho”, afigura-se-nos que decorre das regras e do senso comuns – quanto mais auferir o trabalhador mais satisfeito e motivado ficará-, muito embora não se descortine em que medida é que isso seja incompatível com a natureza retributiva da prestação e/ou que lhe retire tal natureza.
Assim, altera-se o nº 9 dos factos provados que passará a ter a seguinte redacção:
9 - trabalho esse por causa do qual e visando compensar o A. pela sua prestação nesse período a Ré pagou ao A. um acréscimo de 25% sobre o valor individual da hora de trabalho, efectuando-lhe o pagamento desse acréscimo através de uma rubrica nos recibos de salário com a designação de "Rem. Trab. Nocturno” e, a partir de 1/07/2013, com a designação de "PVS", conforme recibos de vencimento juntos aos autos.
E, por forma a dar como não escrito, no nº 10, a expressão “remunerou” dada a sua natureza conclusiva, altera-se tal ponto que passará a ter a seguinte redacção:
10 - Sendo que, a partir de Fevereiro de 2013, e apesar de o Autor manter o horário supra referido e por isso o desempenho das suas funções à Ré em horário compreendido no período entre 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, a Ré apenas pagou o acréscimo de 25% as horas de trabalho prestadas entre as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, efectuando o pagamento desse acréscimo através da rubrica individual nos recibos de salário do Autor com a designação "Rem. Trab. Nocturno" e, a partir de de 1/07/2013, com a designação "PVS”,
E adita-se à matéria de facto provada o nº 44 com a seguinte redacção:
44 – O pagamento da prestação referida no nº 9 dos factos provados melhora a satisfação e motivação no trabalho.

2.3. Quanto ao nº 12 dos factos provados é o seguinte o seu teor: “12 - Ou seja na retribuição de férias e respectivo subsídio de férias que pagou ao Autor a Ré não lhe pagou qualquer quantia referente ao acréscimo retributivo com que remunerava o trabalho prestado pelo Autor quando este estava em serviço efectivo e cuja remuneração a Ré designava como "Rem. Trab. Nocturno" até 30/06/2013 e depois dessa data designava como "PVS".”, pretendendo a Ré/Recorrente que seja dado como provado: [“12. Sendo que tal valor esteve desde sempre esteve indexado ao número de horas noturnas efetivamente prestadas, pago com um acréscimo de 25% sobre a remuneração base.”]:
Não se compreende a pretensão da Ré, a qual já decorre do nº 7 dos factos provados, onde se refere que a verba designada de “remuneração de trabalho nocturno” e posteriormente “PVS”, era de “valor variável consoante o número de horas nocturnas consideradas como tais pela Ré e prestadas pelo Autor e correspondente a 25% do valor dessas mesmas horas”.
Quanto ao mais que consta do nº 12 dos factos provados, à exceção das expressões “acréscimo retributivo com que remunerava” que, como já referido, se tem como não escrito, encontra-se manifestamente assente por acordo das partes, sendo que a tese da Ré é precisamente a de que não teria que pagar as prestações em causa na retribuição de férias e nos subsídios de férias.
Assim, altera-se o nº 12 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redacção:
12 - Ou seja, na retribuição de férias e respectivo subsídio de férias que pagou ao Autor a Ré não lhe pagou qualquer quantia referente ao acréscimo que lhe pagava pelo trabalho por este prestado quando este estava em serviço efectivo e cujo pagamento a Ré designava como "Rem. Trab. Nocturno" até 30/06/2013 e depois dessa data designava como "PVS".
2.4. Em conclusão, são as seguintes as alterações introduzidas à decisão da matéria de facto:
- Alteram-se os nºs 9, 10 e 12 dos factos provados que passarão a ter a seguinte redacção:
9 - trabalho esse por causa do qual e visando compensar o A. pela sua prestação nesse período a Ré pagou ao A. um acréscimo de 25% sobre o valor individual da hora de trabalho, efectuando-lhe o pagamento desse acréscimo através de uma rubrica nos recibos de salário com a designação de "Rem. Trab. Nocturno” e, a partir de 1/07/2013, com a designação de "PVS", conforme recibos de vencimento juntos aos autos.
10 - Sendo que, a partir de Fevereiro de 2013, e apesar de o Autor manter o horário supra referido e por isso o desempenho das suas funções à Ré em horário compreendido no período entre 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, a Ré apenas pagou o acréscimo de 25% as horas de trabalho prestadas entre as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, efectuando o pagamento desse acréscimo através da rubrica individual nos recibos de salário do Autor com a designação "Rem. Trab. Nocturno" e, a partir de 1/07/2013, com a designação "PVS”,
12 - Ou seja, na retribuição de férias e respectivo subsídio de férias que pagou ao Autor a Ré não lhe pagou qualquer quantia referente ao acréscimo que lhe pagava pelo trabalho por este prestado quando este estava em serviço efectivo e cujo pagamento a Ré designava como "Rem. Trab. Nocturno" até 30/06/2013 e depois dessa data designava como "PVS".
- E adita-se à matéria de facto provada o nº 44 com a seguinte redacção:
44 – O pagamento da prestação referida no nº 9 dos factos provados melhora a satisfação e motivação no trabalho.
3. Se a média do acréscimo pago sob a designação de “Rem. Trab. Noturno” e “PVS” não deve integrar as remunerações de férias e os subsídios de férias [recurso da Ré]
A tal questão a sentença recorrida entendeu no sentido da inclusão da média de tal prestação na remuneração de férias e nos subsídios de férias[1], do que discorda a Ré/Recorrente por entender, pelas razões que invoca, que a prestação complementar em causa nos autos não tem natureza retributiva, não devendo integrar a retribuição de férias, nem os subsídios de férias.
Importa esclarecer que, sobre uma segunda questão que se suscitava na sentença, qual seja a de saber se o trabalho prestado pelo A. entre as 20 e as 22horas deveria continuar a ser remunerado com o acréscimo de 25% previsto para o trabalho nocturno depois de fevereiro de 2013, a sentença recorrida respondeu negativamente, segmento decisório este que não foi impugnado no recurso e que, assim, transitou em julgado.

3.1. Tendo o A. sido admitido ao serviço da Ré aos 16.04.2002, haverá que se atender:
- Até Novembro de 2003: à LCT, aprovada pelo DL 49.408, de 24.11.69 e ao DL 874/76, de 28.12 (quanto a férias e respetivo subsídio);
- A partir de 01.12.2003, ao Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27.08 (CT/2003);
- A partir de 17.02.2009, ao Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02 (CT/2009).
Estabelecia o artigo 82º, do DL n.º 49 408, de 24/11/1969 (LCT), que:
1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador
Como escreve MONTEIRO FERNANDES[2], a noção legal de retribuição “será a seguinte: o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida)”.
A regularidade (no sentido de constância) e periodicidade (no sentido de ser satisfeita em períodos aproximadamente certos) do pagamento não significa, necessariamente, que as prestações hajam de ser pagas mensalmente ou com periodicidade certa; constituem, no entanto e por contraposição à sua ocasionalidade, característica da natureza retributiva da prestação.
Com efeito, tais características têm como pressuposto que a atividade se protela no tempo e que é efetuada de forma contínua, o que se compreende considerando que a retribuição constitui a fonte de rendimento do trabalhador e, daí, a exigência habitualmente apontada de que o seu pagamento seja suscetível de criar no trabalhador a expectativa do seu recebimento [3].
Ainda segundo Monteiro Fernandes[4] “A repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa – uma expectativa que é justamente protegida).”
Do conceito legal de retribuição excluir-se-ão “as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, por instrumento de regulamentação colectiva, por contrato individual ou pelos usos da profissão e da empresa e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade deste para essa prestação, prestações que tenham, pois, uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho[5].”
Poderá assim ocorrer que, embora verificando-se a regularidade e periodicidade no pagamento, a prestação não constitua retribuição, o que acontecerá se ela tiver uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho, como será o caso, v.g., das ajudas de custo, despesas de transporte, abonos de viagem ou outra forma de compensação de despesas ou gastos tidos pelo trabalhador ao serviço do empregador, salvo se essas importâncias, na parte em que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato, se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador (situação prevista nos arts. 87º da LCT e 260º do CT/2003 e CT/2009).
Importa também referir que os arts. 82º, nº 3, da LCT, 249º, nº 3, do CT/2003 e 258º, nº 3, do CT/2009 consagram a presunção legal de que, até prova em contrário, toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador constitui retribuição, presunção essa em consequência da qual, provando o trabalhador o pagamento de determinada prestação, competirá ao empregador a alegação e prova de que a mesma não tem natureza retributiva.
No que se reporta ao trabalho noturno referiu-se no Acórdão de 21.03.2013, proferido no Processo nº 405/11.1TTVLG.P1 (in www.dgsi.pt), o seguinte:
“No que concerne à retribuição por trabalho nocturno, mostrava-se a mesma prevista nos artigos 29.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/09 (esta última norma objecto de interpretação pelo Decreto-Lei n.º 348/73, de 11/07), 7.º da Lei n.º 73/98, de 10/11 e, depois, na vigência do Código do Trabalho de 2003, nos artigos 192.º a 194.º e 257.º do Código. No Código do Trabalho de 2009, mostra-se previsto nos artigos 223.º a 225.º e 266.º.
Nos termos do art. 47.º, n.º 2, da LCT, “a remuneração será mais elevada se o trabalho extraordinário for prestado durante a noite, salvo quando a lei ou a regulamentação do trabalho, atendendo à natureza da actividade, determine de outro modo”. A LDT (Decreto-Lei n.º 409/71) estabeleceu, no seu art. 30.º, que a retribuição do trabalho nocturno “será superior em 25 por cento à retribuição à que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia”, solução que foi mantida no Código do Trabalho de 2003 (art. 257.º, n.º 1) e no Código do Trabalho de 2009 (art. 266.º, n.º 1).
Da disciplina enunciada extrai-se que o trabalho nocturno pode ser normal ou excepcional e que o acréscimo de 25% deve ser calculado sobre a retribuição da hora normal ou sobre a remuneração, já acrescida, do trabalho excepcional. À semelhança do que ocorre com a remuneração por trabalho suplementar, trata-se de uma remuneração que constitui contrapartida da específica actividade objecto do contrato e corresponde a uma compensação pela maior penosidade que envolve a prestação do trabalho durante a noite.
Pelo que, desde que prestado com regularidade e periodicidade, nos termos acima referidos, a respectiva remuneração deve considerar-se retribuição, em face do disposto no artigo 82.º, da LCT, dos artigos 249.º, do Código do Trabalho de 2003 e do 258.º do Código do Trabalho de 2009.
(…)
(…), constituindo também entendimento uniforme da jurisprudência, o de que as prestações recebidas pelo trabalhador a título de trabalho nocturno devem integrar o conceito de retribuição, se percebidas de forma regular e periódica ao longo da execução do contrato (na sequência do desempenho habitual de trabalho nocturno) gerando a legítima expectativa do seu recebimento[6].”.
No caso, e dado o horário de trabalho praticado pelo A. e como decorre da matéria de facto provada, a Ré vinha-lhe pagando, mensalmente, uma prestação complementar, correspondente a 25% da retribuição hora, por cada hora prestada pelo A. entre as 20h00 e as 7h00 do dia seguinte e, posteriormente, entre as 22h00 e as 7h00 do dia seguinte, prestação essa que, desde logo, nos termos dos arts. 82º da LCT, 249º, nº 3, do CT/2003 e 258º, nº 3, do CT/2009 se presume constituir retribuição, sendo que a Ré não ilidiu tal presunção, assim se concordando com a sentença recorrida quando diz que:
“Alegava a R., em sentido diverso, que os pagamentos que fez ao A. a titulo de “rem. trab. nocturno” e, posteriormente, sob a designação de “pvs” (“prémio de valorização social”) não eram, na verdade, pagamentos de retribuição acrescida pelo trabalho nocturno, antes um “benefício pecuniário para o compensar da menor inclusão na família e no meio social”. Pretendia assim a R. evidenciar que não se tratariam de prestações retributivas (na aceção do art. 258º do CT), antes uma espécie de prémios ou gratificações (excluídos da noção de retribuição, nos termos do art. 260º do CT) e, como tal, algo que não teria de ser pago na retribuição e subsídio de férias.
Tal versão dos factos, porém, não era já de si credível, nem obteve qualquer adesão da prova produzida em julgamento.”, assim como improcedeu a tese da Ré, só agora alegada em sede de recurso, de que tais pagamentos visavam o pagamento de despesas de alimentação e transportes e que, por esse motivo, teriam a natureza de ajudas de custo.
Por outro lado, decorre da matéria de facto provada que a prestação complementar de 25% ora em causa nos autos era paga por causa da prestação de trabalho em tal período e que a Ré entendeu ser de compensar, compensação esta que consubstancia contrapartida dessa prestação, sendo irrelevantes, para tal qualificação, as alterações introduzidas à matéria de facto provada, assim como irrelevante é que o A. haja sido admitido para prestação de actividade que, de acordo com o seu horário normal de trabalho e face à actividade da Ré, é prestada em período nocturno, pese embora o disposto nos arts. 257º, nº 3, do CT/2003 e 266º, nº 3, do CT/2009, concordando-se também nesta parte com a sentença recorrida quando refere que:
“É certo que a actividade exercida pela R. é exclusiva ou predominantemente nocturna, que por natureza e imposição legal deve funcionar nesse período e que quando foi contratado o A. já sabia ser a retribuição proposta para trabalho em período nocturno; tudo circunstâncias que legitimariam o não pagamento do acréscimo legal de 25%, de acordo com as ressalvas do art. 266º, nº 3, al. a), b) e c), do CT.
Mas a verdade é que a R., estando ou não legalmente obrigada a isso, optou por pagar o acréscimo legal quanto às horas prestadas em período nocturno, tendo-o feito desde o início da relação laboral, todos os meses, portanto, de forma regular e periódica, como é inerente a uma prestação retributiva – cfr. o nº 2 do art. 258º do CT.
Estamos pois e efectivamente perante uma prestação que, não só não poderia ser retirada ao trabalhor (art. 129º, nº 1, al. d), do CT), como teria de ser paga também em férias, na respectiva retribuição e subsidio (art. 264º, nºs 1 e 2, do CT).”.
No que se reporta à retribuição de férias a mesma, seja no âmbito do DL 874/76 (art. 6º, nº 1), seja no âmbito do CT/2003 (art. 255º, nº 1) e do CCT/2009 (art. 264º, nº 1), deve ser igual à retribuição que o trabalhador auferiria se estivesse em serviço efetivo.
No que se reporta ao subsídio de férias, o mesmo, nos termos do então DL 874/76, deveria ser igual à retribuição de férias (art. 6º, nº 2) e, no âmbito do CT/2003 (art. 255º, nº 1) e do CT/2009 (art. 264º, nº 2), o seu montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho. Ora, no caso, a prestação complementar em causa nos autos consubstancia contrapartida do modo específico da prestação de trabalho do A., sendo certo que era paga por virtude e para compensar a prestação de trabalho entre as 20h00 e as 7h00, primeiro, e entre as 22h00 e as 7h00, posteriormente.
Ora, assim sendo e dada a regularidade desse pagamento, que era mensal, desde logo face ao horário de trabalho do A., deve a mesma integrar a retribuição de férias e os subsídios de férias, assim improcedendo as conclusões do recurso da Ré.
4. Do trabalho suplementar e correspondentes descansos compensatórios [recurso do A.]
Tem esta questão por objecto saber se o trabalho prestado ao domingo deve ser considerado como trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório e, em caso afirmativo, da correspondente prestação de trabalho suplementar, sendo que a sentença recorrida respondeu negativamente a tal questão, referindo que:
“Passemos agora à 3ª e última das questões a resolver e que tem a ver com o facto de até 7/05/2016 o A. ter atribuídas 2h e 45 minutos de trabalho ao domingo (após as 24 horas de sábado), tendo de voltar a trabalhar às 20 horas de segunda-feira, continuando a trabalhar nos restantes dias da semana e não tendo, por isso, um dia completo de calendário por semana para descansar. Entende o A. que, por este facto, aquele tempo de trabalho aos domingos deverá ser considerado como trabalho em dia de descanso obrigatório, devendo ser remunerado com o acréscimo legal para o trabalho suplementar prestado em dias de descanso (arts. 258º, nº 2, do CT/03, e 268º, nº 1, al. b), do CT/09) e devendo ser-lhe concedido descanso compensatório pelo nº de dias de descanso obrigatório em que trabalhou (arts. 202º, nº 3, do CT/03 e 229º, nº 4, do CT/09).
Será assim? Julgamos que não.
Conforme resulta do contrato de trabalho (aditamento) do A. junto como doc n.º 1 com a PI e da matéria de facto apurada, o período normal semanal do A. era de 40 horas..
Por outro lado e de acordo com o que próprio alega, o A. reconhece/confessa que jamais, no período de Abril de 2002 a Maio de 2016, o seu período normal de trabalho excedeu, quer as 40 horas por semana, quer as 8 horas por dia.
Foram assim e inequivocamente respeitados os limites diário e semanal de trabalho fixados no contrato de trabalho e na Lei (art. 203º do CT).
Mais: o A. sempre gozou mais de 24 horas de descanso entre domingo e segunda, ou seja, mais do que o tempo equivalente a um dia. E, não só o art. 232º do CT não define “um dia” de descanso como sendo necessariamente um dia de calendário (entre as 0 e as 24 horas do mesmo dia), como as directivas comunitárias a este propósito admitem a contabilização do descanso semanal em horas – cfr. as Directivas 93/104/CE (alterada pela Directiva 2000/34/CE) e 2003/88/CE (que lhe sucedeu).
Aliás, a suposta violação do art.º 232º, nº 1, do CT pela R., ao não conceder um dia completo de calendário para o A. descansar, nunca implicaria, a nosso ver e no caso concreto, a qualificação do tempo de trabalho prestados aos domingos (2h. 45m) como trabalho suplementar, tal como definido no art.º 226º, nº 1 do CT.
Ainda que essa suposta violação pudesse ter consequências no âmbito do direito contra-ordenacional (cfr. o nº 5 do art. 232º CT), a verdade é que a caracterização de um tempo de trabalho como suplementar pressupõe, nos termos daquele preceito legal (art.º 226º, nº 1 do CT), sempre um desempenho fora do horário acordado ou estabelecido.
Ora, no caso, as 2h e 45 minutos trabalhados ao domingo faziam parte do horário normal de trabalho do A. desde a sua admissão; e isso independentemente da distribuição dos tempos de trabalho ao longo da semana ter tido o acordo expresso ou tácito do A., na sua totalidade ou em parte (sendo que do contrato junto aos autos apenas se alcança um acordo expresso quanto ao tempo de trabalho semanal – 40 horas – e ao nº de dias de trabalho – até 6).
Se a lei entendesse que o trabalho prestado em situações factuais em que o gozo do dia de descanso obrigatório é cumprido em dois dias consecutivos, merecia ser remunerado como trabalho suplementar, não teria deixado de o afirmar, o que não fez.
Como ensina Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 4.ª Edição, Dezembro de 2012, a pág. 496, “O conceito operatório de referência para a delimitação do trabalho suplementar é, pois, o conceito de horário de trabalho e não o conceito de período normal de trabalho – assim, presta trabalho suplementar o trabalhador que, tendo terminado o seu horário de trabalho às 17 horas, fica a trabalhar mais uma hora (…).
Porém, “já não presta trabalho suplementar o trabalhador que trabalha ao Domingo, desde que esteja dentro do seu horário de trabalho”.
A deferir-se a pretensão do A. – no sentido de o tempo de trabalho ao domingo dever ser pago como suplementar e compensado com descanso compensatório – disso resultaria uma redução do período normal semanal de trabalho e horário de trabalho sem qualquer contrapartida na redução da retribuição e sem acordo das partes, provocando um desequilibro económico e contratual que o CT não tutela.
Não terá sido essa a intenção do legislador quando atribuiu o direito a um dia de descanso obrigatório, nem quando previu uma remuneração acrescida para trabalho suplementar, nem ainda quando conferiu o direito ao descanso compensatório, sendo que a interpretação da lei não pode deixar de atender ao espírito do legislador, ao elemento teleológico que, entre outro, o art. 9º do Cód. Civil erige em elemento interpretativo.
Também pois os pedidos do A. de pagamento de trabalho suplementar e concessão de descanso compensatório pelo trabalho que prestava aos domingos até maio de 2016 têm de ser julgados improcedentes.”.

4.1. Esta Relação, em acórdão[7] de 13.06.2018, proferido no Processo 675/14.3T8PNF.P1, em que era Ré a ora demandada, pronunciou-se sobre questão similar[8], nos seguintes termos que se passam a transcrever:
«« Sobre a questão de o dia de descanso obrigatório a que o trabalhador tem direito dever ser necessariamente concedido em cada período de sete dias, ou seja, pelo menos no sétimo dia subsequente a seis dias de trabalho consecutivo, pronunciou-se recentemente o TJUE em acórdão de 9 de Novembro de 2017 (portanto posterior à prolação da sentença sob recurso), no âmbito do processo C 306/16 (António Fernando Maio Marques da Rosa contra Varzim Sol –Turismo, Jogo e Animação, S.A.), em decisão provocada por reenvio prejudicial deste Tribunal da Relação, mediante acórdão de 23 de Maio de 2016, processo 1282/15.9T8MTS.P1, ali se decidindo que: “O artigo 5º da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, conforme alterada pela Diretiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 2000, bem como o artigo 5º, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, no dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias.”
Assim, não obsta à procedência da pretensão da recorrente a circunstância de os trabalhadores recorridos prestarem o trabalho da “madrugada” de Domingo para lá do sexto dia de trabalho consecutivo.
Conforme se refere na sentença, a questão suscitada pela recorrente e que aqui importa resolver compreende saber se o trabalho prestado após as 00,00 horas de Domingo é considerado trabalho suplementar, por ser prestado no dia de descanso semanal, ou se esse descanso semanal se mostra cumprido, não devendo o trabalho em causa se considerado como trabalho suplementar, uma vez que entre o termo do período de trabalho prestado no Domingo e o início do trabalho na Segunda Feira medeia mais de trinta e cinco horas.
Ou seja, o que está em causa é a interpretação do art. 232º, nº 1, do Código do Trabalho (de 2009), e do art. 205º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003, ambos com a mesma redacção: “O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana.”
Conforme refere a própria recorrente a maioria da doutrina vem entendendo que o preceito em questão, ao referir “um dia de descanso por semana”, pretende reportar-se a um dia de semana completo, entre as 00,00 horas e as 24,00 horas do mesmo, e não a vinte e quatro horas seguidas.
Neste sentido escreve Francisco Liberal Fernandes, em “O Trabalho e o Tempo – Comentário ao Código do Trabalho”, 2018, Faculdade de Direito, Universidade do Porto, na anotação IV ao artigo 232º, na pág. 333: “1. O descanso semanal (art. 59º, n.º 1, alínea d), da CRP) constitui um direito social de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, razão pela qual goza de eficácia directa nas relações entre privados (arts. 17º e 18º da CRP). Visa satisfazer não só necessidades do trabalhador, mas também interesses do próprio empregador: por um lado, permite que aquele recupere física e psiquicamente do esforço despendido ao longo da semana de trabalho e readquira um período de maior auto - disponibilidade; por outro lado, é justificado por razões de segurança e de produtividade da empresa, na medida em que reduz os riscos de acidente e contribui para a obtenção do rendimento esperado dos trabalhadores. 2. O descanso semanal obrigatório deve ser gozado em dias de calendário (‘no domingo’) e não em períodos de vinte e quatro horas (art. 232º, n.ºs 1 e 2) – o que significa que o tempo que medeia entre o fim da jornada de trabalho e as 24 horas do mesmo dia não pode ser considerado descanso semanal, mas sim descanso diário. O seu conteúdo mínimo legal é de um dia completo (das 00 h às 24 h), podendo a sua duração ser ampliada. 3. Como decorre do art. 233º, n.º 1, ao dia de descanso semanal deve adicionar-se o período mínimo de onze horas correspondente ao descanso diário (art. 214º, n.º 1), de modo a que o descanso semanal tenha uma duração de, pelo menos, 35 horas consecutivas.” (sublinhado nosso)
Também Monteiro Fernandes, em “Direito do Trabalho”, 1998, pág. 346, refere que: “Esse período de repouso deverá cobrir um dia de calendário, isto é, um segmento temporal iniciado às 0 horas e terminado às 24; não hão-de, pois, ser computadas no descanso semanal obrigatório as horas que, normalmente, medeiam entre o termo de uma jornada de trabalho e as 24 horas, assim como as que vão das 0 horas até ao início do correspondente dia de actividade. Esta exigência coloca alguns condicionamentos à organização de horários de turnos rotativos, no regime de laboração contínua, mas não se vê que, com referência a “um dia”, a lei queira outra coisa, tendo nomeadamente em vista que o descanso semanal só preenche plenamente a sua finalidade se corresponder na íntegra ao ciclo biológico do dia normal.”
Embora com respeito pela opinião contrária, esta é a interpretação que melhor se coaduna com a redacção do preceito em causa. Conforme se refere para situação semelhante no acórdão do STJ de 9 de Novembro de 1994, processo 004027, acessível em www.dgsi.pt, “as palavras integrantes do enunciado linguístico da norma são tão explícitas e categóricas que não podem exprimir, nem sequer de modo imperfeito ou constrangido, mais do que um só pensamento, ou seja, o de que, no caso previsto, a folga semanal tem necessariamente de abranger, além do domingo, o dia completo do sábado anterior. Em tal situação, o intérprete deve aceitar o sentido verbal da norma (cfr. Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 1963, página 28).”
Na jurisprudência desconhecem-se decisões no sentido aventado pela recorrente, tendo-se decidido no mesmo sentido da sentença no acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 1997, processo 02199/98, acessível em www.dgsi.pt, no qual se refere: “O dia de descanso semanal obrigatório nas empresas de laboração contínua, (que implica uma organização do trabalho por turnos) deverá cobrir um dia de calendário, ou seja, um período de tempo iniciado às 0 horas e terminado às 24. Na verdade, o descanso semanal só preenche plenamente a sua finalidade (que visa não só a regeneração da capacidade laboral do trabalhador mas também a recuperação da sua própria disponibilidade, sem cair em faltas) se corresponder na íntegra ao ciclo biológico do dia normal.”
Veja-se ainda os acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Sul de 8 de Julho de 1999, processo 02199/98, ainda acessível em www.dgsi.pt, e o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 2 de Abril de 2009, processo 01319/04.7BEBRG, acessível em https://blook.pt/caselaw/pt/tcan, a propósito de norma com a mesma redacção (o nº 1 do art. 10º do Dec. Lei nº 259/98, de 18 de Agosto), referindo-se neste: “Como se deixa assinalada na sentença recorrida, a jurisprudência do STA vem entendendo que o dia de descanso semanal abrange o período compreendido entre as 0 e as 24 horas – Cfr. Ac. do STA (Pleno) de 18.JUN.02, in Rec. nº 047258. Com efeito refere-se neste aresto jurisprudencial, a dado passo o seguinte: “(…) o texto da lei (quando refere um dia de descanso semanal) e os elementos antes convocados não deixam de inculcar a ideia de que o legislador pretendeu consagrar como dia de descanso semanal um dia de calendário, isto é, um segmento temporal iniciado às 0 horas e terminado às 24, consagração essa de que não estão ausentes também algumas ressonâncias bíblicas.”
Mais alega a recorrente:
“Por último a deferir-se o pretendido pelos AA tal conduziria a uma redução do período normal semanal de trabalho e horário de trabalho sem qualquer contrapartida na redução da retribuição, e sem acordo das partes, provocando um desequilibro económico e contratual que o CT não tutela afrontando claramente o sentido de Justiça no caso concreto.
“De facto, o eventual deferimento da pretensão dos AA implicaria por cada semana uma redução da sua carga horária para 37 horas semanais sem qualquer redução na retribuição ajustada pelas partes para uma carga horária de 40 horas.”
Não assiste razão à recorrente.
O que está em causa não é o número de horas de trabalho, nem se reduz o horário dos recorridos. O que se pretende com a presente acção é simplesmente que os recorridos sejam remunerados pelas horas de trabalho prestadas em dia de descanso semanal de acordo com o disposto na legislação nacional, bem como gozem o período de descanso compensatório inerente a tal prestação.
Assim se entende improceder neste aspecto a apelação.»» [fim de transcrição]
Sendo o caso em tudo similar ao que estava subjacente a tal aresto e concordando-se com o entendimento e considerações transcritas, não se vendo razão para o alterar, há que concluir no sentido de que assiste razão ao Recorrente.
Resta acrescentar que não procede o argumento de que o trabalho prestado ao domingo não poderia ser considerado como consubstanciando trabalho suplementa por estar contido no horário de trabalho do A. Ainda que o esteja, o horário de trabalho não deveria ter sido organizado de forma a que o período normal de trabalho fosse distribuído por essas horas do domingo, as quais deveriam corresponder a período de descanso semanal; ora, tendo o A., por virtude do horário de trabalho em vigor na Ré, prestado trabalho em período que deveria ser de descanso semanal obrigatório, não poderá o mesmo deixar de ser considerado como consubstanciando trabalho suplementar.
5. Do abuso de direito [ampliação do âmbito do recurso do A. requerida pela Ré/Recorrida]
Na ampliação do âmbito do recurso, invoca a Ré/Recorrida, pelas razões que refere, o abuso de direito, designadamente nas modalidades de venire contra factum proprium e/ou da supressio.
Idêntica invocação já havia tido lugar no mencionado processo 675/14.3T8PNF.P1, havendo o já citado acórdão desta Relação de 13.06.2018 apreciado também desta questão nos seguintes termos:
«« Segue-se aqui o que se consignou no acórdão deste mesmo Colectivo de 5 de Março de 2018, processo 1683/11.1TTPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, que se transcreve:
Sobre o abuso de direto considerou-se no recente acórdão deste Tribunal de Relação do Porto (mesmo colectivo do presente) de 5 de Fevereiro de 2018, processo 29756/15.4T8PRT.P1:
“O princípio do abuso de direito constitui um expediente técnico, ditado por razões de justiça e equidade, para obstar que a aplicação de um preceito legal, certo e justo em circunstância normais, venha a revelar-se injusto numa situação concreta, em razão das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram. Ocorrerá a figura de abuso “quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em temos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social” (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Atlândida Editora, Coimbra, 1968, págs. 26-27).
“O Código Civil consagra este princípio no art. 334º, estabelecendo que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
“Acolhe-se a concepção objetiva do abuso de direito defendida por parte da doutrina, por contraposição à corrente subjetiva defendida por outra parte. O que interessa averiguar não é a intenção do agente titular, isto é, se ele agiu com o único propósito de prejudicar o lesado, mas antes os dados de facto, o alcance objetivo da sua conduta, de acordo com o critério da consciência pública. Como igualmente elucida Almeida Costa, “Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário (op. cit., pág. 29).
“Porém, como notam Pires de Lima e Antunes Varela, “isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso do direito consagrado no art. 334º sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito” (no Código Civil Anotado, Vol. I, 1982, pág. 296). Contudo, exige-se um abuso nítido, isto é o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício. Por isso mesmo, “os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimaram, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações (op. cit. págs. 299-300; no mesmo sentido, também Almeida e Costa, op. cit., pág. 29).
“Na elaboração dogmática à volta do instituto do abuso do direito, o venire contra factum proprium assume, como é consabido, uma das manifestações mais características do abuso do direito, cuja estrutura pressupõe duas condutas, sucessivas mas distintas, temporalmente distanciadas e de sinal contrário, protagonizadas pelo mesmo agente: o factum proprium, seguido, em contradição, do venire.”
Para questão semelhante à dos presentes autos consignou-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Fevereiro de 2009, processo 1806/07.5TTLSB-4, acessível em www.dgsi.pt:
“Nas palavras de Antunes Varela “para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar. É preciso, como acentuava M. Andrade que o direito seja exercido «em termos clamorosamente ofensivos da justiça»” (Das Obrigações em Geral, vol I, 4ª ed, pág. 466).
“É, pois, necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exercer o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito. E não é sequer necessária a consciência, por parte do agente, de se excederem com o exercício do direito os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social desse direito; basta que objectivamente se excedam tais limites.
“A boa fé como princípio significa essencialmente que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros.
“Uma das hipóteses da concretização desta cláusula geral é a da proibição de “venire contra factum proprium”, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; aquilo... com que se veta o exercício de um direito subjectivo ou duma pretensão, quando o seu titular, por os não ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos (revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável) “ (Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, Almedina, pág 59/60).
“O abuso do direito tem as consequências de um acto ilegítimo podendo dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade, à legitimidade de posição; ao alongamento do prazo de prescrição ou de caducidade” (vide acórdão do STJ de 28-11-96, CJ, Acórdãos do STJ, Ano III, pág 118).
Nas palavras de A. Varela (obra citada, pág 467) “os efeitos do exercício irregular do direito serão os correspondentes à forma de actuação do titular”.
“Retornando ao caso concreto afigura-se que também neste particular não assiste razão ao recorrente.
“Não se vislumbra que ao peticionar os direitos em questão a recorrida tenha excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dos direitos em questão.
“Cabe, desde logo, salientar a tão ténue destrinça existente entre os tipos contratuais em questão, a qual, por vezes, tanta dificuldade gera aos próprios Tribunais na respectiva qualificação. Ora o que se dirá para as próprias partes…!
“Por outro lado, cabe recordar que, no caso apreço, só após a prolação da sentença recorrida ficou determinado o tipo de relação existente entre os litigantes.
“Daí que não se vislumbre qualquer dos supra citados excessos nem que se possa considerar que a recorrida litiga em manifesto "venire contra factum proprium", por não ter tentado exercer os seus direitos anteriormente.
“Não deve olvidar-se que, tal como refere António Monteiro Fernandes, enquanto o salário para a entidade patronal é um factor produtivo para o trabalhador é “ algo como um crédito alimentar” (Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, pág. 434).
“Aliás, a proceder a tese do recorrente estaria encontrada a fórmula (embora seja incontornável que cada caso é um caso ….) para todas as entidades que mantêm trabalhadores ao seu serviço sob a capa de contratos de prestações de serviços, nomeadamente de “avenças”, se eximirem ao pagamento de valores devidos (e não reconhecidos nem pagos) aos seus trabalhadores na vigência da relação.
“Finalmente afigura-se que neste ponto funcionam as razões que levaram o legislador a estatuir no sentido constante no artigo 381º do CT (que, aliás, mantém a orientação que já constava do anterior artigo 38º da LCT).
“Recorrendo novamente às palavras de António Monteiro Fernandes (embora em relação ao prazo prescricional cuja contagem se faz de acordo com o seu fundamento que é o de) “ durante a vigência do contrato a situação de dependência do trabalhador não lhe permite , presumivelmente, exercer em pleno os seus direitos” (Obra supra citada , pág 481).
“Daí que naquele particular se apele ao momento da ruptura da relação.”
Partilhamos este entendimento. Efectivamente, numa situação de dependência do trabalhador face ao empregador, nomeadamente económica, não lhe é exigível uma tomada de posição de contestação da postura deste, que lhe poderá custar a subsistência da relação.
Daí que o facto de não terem os recorridos reagido antes não possa ter a consequência pretendida pela recorrente.
Conforme se refere no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 26 de Junho de 2015, processo 682/13.3TTOAZ.P1, acessível em www.dgsi.pt:
“(...) na vigência da relação do trabalho o trabalhador mantém-se na dependência do empregador, pelo que se compreende que nesse período ele não reclame créditos que entende assistirem-lhe e que a lei lhe conceda a faculdade de reclamar os mesmos durante o ano seguinte ao termo do contrato (n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho).
“Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2011 (Proc. n.º 2/08.9TTLMG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), numa situação com paralelismo com a presente, «[o] facto de o trabalhador vir a exigir do empregador prestações salariais que há longos anos lhe eram devidas, prestações que na altura podia ter exigido, mas que não exigiu, qualquer que tenha sido o motivo — imperfeito conhecimento dos seus direitos, receio de perda do emprego, expectativa de reparação do incumprimento do empregador, etc. — não integra, por princípio, uma actuação com abuso do direito, mas antes um exercício incensurável do mesmo direito.
“É que a não reclamação na altura própria de direitos que assistam ao trabalhador não comporta o significado, atenta a natureza e posição das partes no contrato, que o mesmo deles tivesse pretendido abdicar, tanto mais tratando-se de direitos indisponíveis, para mais tarde assumir uma conduta antagónica e surpreender o empregador com um pedido inesperado.
“A relação laboral está concebida na lei em termos de ambas as partes poderem reclamar uma da outra créditos que lhes assistam, quer durante a vigência do contrato quer durante o ano seguinte ao seu termo, enquanto tais créditos se não mostrem prescritos. E, assim sendo, cada uma delas, tem de estar consciente e prevenida para a eventualidade de uma petição reclamadora de direitos, tanto mais nas situações em que não possam ignorar a falta de cumprimento da sua parte, por longínqua que ela já se mostre».
“(...) ainda que assim não seja, da falta de reclamação contra o pagamento de uma retribuição inferior à devida não se pode concluir pela aceitação por parte do trabalhador do salário que lhe foi sendo pago, pois esta situação envolveria uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, que só podia ser reduzida nas circunstâncias supra analisadas e descritas, que, no caso, não se verificavam.” »» [fim de transcrição]

Concorda-se com o entendimento e considerações transcritas, pelo que improcede, nesta parte, a ampliação do âmbito do recurso.
6. Do reenvio prejudicial para o TJUE [ampliação do âmbito do recurso do A. requerida pela Ré/Recorrida]
Conforme ampliação do âmbito do recurso, pretende a Ré/Recorrida, pelas razões que invoca, que “se suscite nestes autos e ao abrigo do art. 267º do Tratado da União Europeia, a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia, no sentido de se apurar se à luz das supra citadas directivas comunitárias e no caso de trabalhadores de estabelecimentos que laboram todos os dias da semana, as mesmas impõem ou não que o dia de descanso obrigatório corresponda a um dia completo de calendário ou se por contrário pode ser gozado em dois dias de calendário consecutivo, com duração mínima de 24 horas subsequente a seis dias de trabalho consecutivos, onde cada dia de trabalho também é executado em dois dias de calendário consecutivo.”.
Questão similar foi também suscitada pela Ré no âmbito do mencionado processo 675/14.3T8PNF.P1 e apreciada no já citado Acórdão desta Relação nos seguintes termos:
««Não se ignora que consta da al. e) do art. 2º da Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto , que: “Com a aprovação do Código do Trabalho é efectuada a transposição, parcial ou total, das seguintes directivas comunitárias: (...) Directiva nº 93/104/CE, do Conselho, de 23 de Novembro, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, alterada pela Directiva nº 2000/34/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho.”
Do mesmo modo se dispõe no art. 2º, al. n), da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que: “O Código do Trabalho transpõe para a ordem jurídica interna, total ou parcialmente, as seguintes directivas comunitárias: (…) Directiva nº 2003/88/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho.”
É o seguinte o teor do art. 5º da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Novembro de 2003, “relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho”: “Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário previstas no artigo 3º.”
Porém, a redacção das normas em causas, art. 205º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003 e art. 232º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009, é diferente da que resultaria da transposição da directiva, pelo que se entende que, neste particular, não se limitou o legislador a transpor a mesma.
De facto, nos termos do art. 23º da Directiva, “Sem prejuízo do direito de os Estados-Membros criarem, face à evolução da situação, disposiço Þes legislativas, regulamentares e contratuais diferentes no domínio do tempo de trabalho, desde que sejam respeitados os requisitos mínimos previstos na presente directiva, a aplicação da presente directiva não pode constituir justificação válida para fazer regredir o nível geral de protecção dos trabalhadores.”
Ou seja, fica ressalvada a existência de normas da legislação nacional que prevejam período de dascanso semanal mais favorável ao trabalhador, como ocorria no caso português com a norma do art. 51º, nº 1, da LCT, e do art. 205º, nº 1, do Código do Trabalho, face à redacção da norma do art. 5º, da Directiva nº 93/104/CE, do Conselho, de 23 de Novembro, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, alterada pela Directiva nº 2000/34/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho.
Não está, portanto, em causa a interpretação de norma do art. 5º da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Novembro de 2003, ou de norma resultante da transposição da mesma, uma vez que a norma nacional pré-existente à mesma (e pré-existente à Directiva anterior, nº 93/104/CE, do Conselho, de 23 de Novembro, alterada pela Directiva nº 2000/34/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho) tem natureza diversa e, interpretada como se entende dever interpretar-se, é mais favorável para o trabalhador.
Não se afigura, portanto, necessário, ou sequer útil, o recurso ao reenvio prejudicial pretendido, que se indefere, assim improcedendo mais este ponto da apelação. »» [fim de transcrição]
Concordando-se, como se concorda, com o entendimento transcrito, sufragado no referido aresto, impõe-se concluir no sentido da improcedência da pretensão da Recorrida formulada na ampliação do âmbito do recurso.
7. Da liquidação dos créditos devidos por trabalho suplementar
Em consequência do decidido no ponto III.4.1. do presente acórdão, há que apurar das quantias em dívida ao A. correspondentes ao trabalho suplementar prestado pelo A. no dia de descanso semanal obrigatório (2h45m em cada domingo).

Tendo em conta o período em causa – de 16.04.2002 a 06.05.2016 – há que ter em conta: até 30.11.2003, o regime do DL 421/83, de 2.12; de 01.12.2003 até 16.02.2009, o CT/2003 [que entrou em vigor aos 01.12.2003]; desde 17.02.2009, o CT/2009 [que entrou em vigor aos 17.02.2009], na redacção original e, com efeitos a partir de 01.08.2012, o regime do citado Código mas com as alterações introduzidas pelo pela Lei nº 23/2012, de 25 de Junho.
Assim, e no que se reporta ao trabalho suplementar, dispõem os mencionados diplomas:
- Art. 7º, nº 2, do DL 421/83: “2. O trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado será remunerado com o acréscimo mínimo de 100% da retribuição normal.”
- Art. 258º, nºs 2 e 3, do CT 2003: “2. O trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado confere ao trabalhador o direito a um acréscimo de 100% da retribuição, por cada hora de trabalho efectuado. 3. A compensação horária que serve de base ao cálculo do trabalho suplementar é apurada segundo a fórmula do artigo 264º, considerando-se, nas situações de determinação do período normal de trabalho semanal em termos médios, que n significa o número médio de horas do período normal de trabalho semanal efectivamente praticado na empresa.”
- Art. 268º, nº 1, do CT/2009 (redacção original):”1. O trabalho suplementar é pago pelo valor da retribuição horária com os seguintes acréscimos: a) 50 % pela primeira hora ou fracção desta e 75 % por hora ou fracção subsequente, em dia útil; b) 100 % por cada hora ou fracção, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado.”
- Art. 268º, nº 1, do CT/2009, na redacção introduzida pela Lei 23/2012, com efeitos a partir de 01.08.2012: “1. O trabalho suplementar é pago pelo valor da retribuição horária com os seguintes acréscimos: a) 25 % pela primeira hora ou fração desta e 37,5 % por hora ou fração subsequente, em dia útil; b) 50 % por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado.”.

No caso, relativamente ao trabalho suplementar, com relevância provou-se que:
“13 - No ano de 2002 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 500,00€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual (pelos 8 meses de trabalho) de 977,91€.
14 - No ano de 2003 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 500€ até março e de 515€ a partir de abril, e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.422,44€.
15 - No ano de 2004 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 515€ até março e de 530€ a partir de abril, e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.472,86€.
16 - No ano de 2005 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 530€ até março e de 545€ a partir de abril, e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.430,00€.
17 - No ano de 2006 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 545€ até março e de 560€ a partir de abril, e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.385,17€.
18 - No ano de 2007 o Autor auferiu ao serviço da Ré uma retribuição base mensal de 560€ até março e de 575€ a partir de abril, auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.441,93€.
19 - No ano de 2008 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.566,20€.
20 - No ano de 2009 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.554,56€.
21 - No ano de 2010 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1466,70€.
22 - No ano de 2011 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.488,26€.
23 - No ano de 2012 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" a quantia anual de 1.497,78€.
24 - No ano de 2013 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "Rem. Trab. nocturno" / "PVS", a quantia anual de 1030,03€.
25 - No ano de 2014 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "PVS", a quantia anual de 1007,64€.
26 - No ano de 2015 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e auferiu nesse ano ao serviço da Ré a título de "PVS", a quantia anual de 982,35€.
27 - No ano de 2016 o Autor auferiu uma retribuição base mensal de 575€ e até à contabilização do recibo de dezembro de 2016 (último mês antes da propositura da ação) auferiu ao serviço da Ré a título de "PVS" a quantia de 989,48€.
28 - De acordo com o horário que cumpriu até 06/05/2016, o Autor prestava 7 horas e 45 minutos à segunda-feira, 6 horas e 45 minutos à terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira e sábado, sendo destas últimas 2 horas e 45 minutos ao domingo.
29 - Tal ocorreu em 46 domingos em cada um dos anos de 2002, 2003, 2004, 2008, 2009, 2013 e 2014; 45 domingos nos anos de 2005, 2010 e 2011; 47 nos anos de 2006, 2007 e 2015; 44 em 2012, dos quais 26 até 1/08/2012 e os restantes 18 depois dessa data; e 15 em 2016 (até 7/05/2016).
30 - A R. nunca remunerou o tempo de trabalho aos domingos (2h 45m.) com qualquer acréscimo por trabalho suplementar.

Quanto aos anos de 2003 a 2007, a retribuição base do A. sofreu, em cada um deles, alterações, pelo que, não decorrendo da matéria de facto provada em que concretos domingos o trabalho suplementar (2h45) foi prestado [apenas consta o número total de domingos trabalhados nesses anos: de 46 domingos em cada um dos anos de 2003 e 2004; 45 domingos em 2005; e 47 domingos em cada um dos anos de 2006 e 2007], não é possível o cálculo das quantias em dívida, cuja liquidação deverá, assim, ser relegada para o respectivo incidente de liquidação (arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, ambos do CPC)..
Quanto ao ano de 2002 e aos anos de 2008 a 2016 (até 06.05.2016) o A. tem direito às quantias que peticionou, no montante global de €3.048,53, discriminadas na petição inicial:
- Em 2002, à de €364,32 [2,88 x 2,75[9] x 46];
- Em 2008, à de €419,98 [3,32 x 2,75 x 46];
- Em 2009, à de €419,98 [3,32 x 2,75 x 46];
- Em 2010, à de €410,85 [3,32 x 2,75 x 45];
- Em 2011, à de €410,85 [3,32 x 2,75 x 45];
- Em 2012, à de 319,55 [3,32x2,75x26]+ [3,32 x 50% x 2,75 x 18];
- Em 2013, à de 209,99 [3,32 x 50% x 2,75 x 46];
- Em 2014, à de 209,99 [3,32 x 50% x 2,75 x 46];
- Em 2015, à de 214,55 [3,32 x 50% x 2,75 x 47];
-Em 2016, até 07.05.2016, à de 68,47 [3,32 x 50% x 2,75 x 15].

Sobre as quantias em dívida, já liquidadas e a liquidar em incidente de liquidação, tem ainda o A. direito aos juros de mora peticionados, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das retribuições em dívida até integral pagamento, nos termos dos art. 804º, 805º, nº 2, al. a), 806º e 559º, todos do Cód. Civil. Esclarece-se que se trata de obrigação com prazo certo de pagamento, sendo que à dívida de juros não obsta a liquidação em posterior incidente. Com efeito, e nesta parte, a falta de liquidez é meramente aparente, pois que a Ré sabe, ou tem a obrigação de saber, as quantias em dívida ao A.
8. Do descanso compensatório [recurso do Autor]
O A. pediu a condenação da Ré a permitir-lhe o gozo do descanso compensatório não gozado, correspondente a igual número de domingos em que trabalhou, no total de 647 dias de descanso compensatório.

No que se reporta ao descanso compensatório, há que ter também em atenção o regime constante dos diplomas acima mencionados:
- Art. 9º, nºs 3 e 4, do DL 421/83: “3. Nos casos de prestação de trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, o trabalhador terá direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos 3 dias úteis seguintes. 4. Na falta de acordo, o dia do descanso compensatório será fixado pela entidade empregadora.”
- Art. 202º, nº 3, do CT/2003: “3. Nos casos de prestação de trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, o trabalhador tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes”
- Art. 229º, nº 4, do CT/2009, número que se manteve com a redacção introduzida pela Lei 23/2012: “4. O trabalhador que presta trabalho em dia de descanso semanal obrigatório tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes.”.
No caso, decorre do nº 31 dos factos provados que a Ré nunca concedeu ao A. qualquer descanso compensatório pelo tempo de trabalho prestado aos domingos, pelo que tem o A. direito ao gozo de um dia de descanso compensatório por cada um dos domingos (dia de descanso obrigatório) em que prestou trabalho, sendo de esclarecer que a lei não faz depender o direito ao gozo de tal descanso compensatório de um número mínimo de horas de trabalho em cada dia de descanso semanal obrigatório, nem o mesmo é conferido em quantidade proporcional ao número de horas de trabalho prestado. Assim sendo, por cada 2h45 minutos trabalhados ao domingo tem o A. direito a um dia de descanso compensatório.
Deste modo, e tendo em conta os dias em que, nos anos de 2002 a 06.05.2016, o A. trabalhou ao domingo, tem o mesmo direito ao gozo dos 647 dias de descanso compensatório peticionados.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em:
A. Julgar improcedente o recurso interposto pela Ré, C…, S.A., confirmando-se, na parte neste impugnada, a sentença recorrida.
B. Julgar procedente o recurso interposto pelo A., B…, em consequência do que se revoga, na parte neste impugnada, a sentença recorrida, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide:
b.1. Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global de €3.048,53, a título de retribuição por trabalho suplementar por este prestado aos domingos nos anos de 2002 e de 2008 a 06.05.2016;
b.2. Condenar a Ré a pagar ao Autor a remuneração por trabalho suplementar prestado em 46 domingos de cada um dos anos de 2003 e 2004, 45 domingos em 2005 e 47 domingos em cada um dos anos de 2006 e 2007, a liquidar em incidente de liquidação nos termos dos arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, do CPC/2013;
b.3. Condenar a Ré a pagar ao Autor, sobre as quantias referidas em b.1) e b.2), juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das retribuições em dívida até integral pagamento;
b.4. Condenar a Ré a conceder ao Autor o gozo de 647 dias de descanso compensatório pelo trabalho prestado aos domingos nos anos de 2002 a 06.05.2016.
C. Julgar improcedente o peticionado pela Ré/Recorrida na ampliação do âmbito do recurso.
Custas do recurso da Ré, por esta.
Custas do recurso do A., pela Ré.
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Porto, 10.09.2018
Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1080)
Rui Penha
Jerónimo Freitas
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[1] Esclarece-se que, sobre uma segunda questão que se suscitava na sentença, qual seja a de saber se o trabalho prestado pelo A. entre as 20 e as 22horas deveria continuar a ser remunerado com o acréscimo de 25% previsto para o trabalho nocturno depois de fevereiro de 2013, a sentença recorrida respondeu negativamente, segmento decisório este que não foi impugnado no recurso e que, assim, transitou em julgado.
[2] In Direito do Trabalho, 13º Edição, Almedina, pág. 456
[3] Cfr. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª Edição, Almedina, pág. 561.
[4] In ob. cit., pág. 458.
[5] Vide Monteiro Fernandes, in ob. citada, p. 458.
[6] Vide, p. ex. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.03.14, Revista n.º 3825/05, de 2009.04.22, Revista n.º 2595/08, e de 2010.09.15, Processo n.º 469/09.4, todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[7] Em que intervieram como relator e primeiro-adjunto, os ora 1ª e 2ª adjuntos, respectivamente.
[8] Em tal processo, a sentença da 1ª instância havia sido no sentido de considerar como suplementar o trabalho em questão, tendo o recurso sido interposto pela Ré, ora demandada.
[9] Correspondente a 2horas e 45 minutos.