Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4065/14.0T9PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: ACTOS DA SECRETARIA
PRÁTICA DOS ACTOS
PRAZO
Nº do Documento: RP201611234065/14.0T9PRT-A.P1
Data do Acordão: 11/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 698 DE FLS.88-90)
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com o artº 157º nº6 do CPC, os erros dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.
II – Tal princípio é aplicável ao processo penal (artº 4º CPP).
III – Um sujeito processual ou até interveniente pode valer-se dos prazos erroneamente declarados nas comunicações escritas efetuadas pelos funcionários de justiça no âmbito do cumprimento de ordens da autoridade judiciária que excedam os prazos legais de caducidade para a prática de actos processuais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: processo nº4065/14.0T9PRT.P1

Acórdão, deliberado em conferência, da 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
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I. B…, assistente, veio interpor recurso da decisão proferida no processo comum singular nº4065/14.0T9PRT pela da instância local, secção criminal-J2, Porto, Tribunal da Comarca do Porto, que não admitiu o seu pedido de indemnização civil por extemporaneidade
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I.1. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente).
B…, assistente nestes autos, manifestou logo na queixa apresentada o seu propósito de deduzir pedido de indemnização civil.
Estabelece o art. 77° do C.P.P., para o que agora nos interessa, que: "1. Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou no prazo em que esta deve ser formulada."
Resulta pois das disposições conjugadas dos arts. 77°, n.º 1 e 285°, n.º 1, ambos do C.P.P, que o prazo em causa é de 10 dias.
Como resulta de fls. 195 o assistente tem-se por notificado da acusação deduzida na pessoa do seu Ilustre Mandatário a 16.05.2016 (14 e 15.05: fim-de-semana), pelo que o prazo para deduzir pedido de indemnização terminava a 27.05.2016 (26.05: feriado).
Ora, tendo o pedido em causa dado entrada a 08.06.2016, como resulta de fls. 204, é manifesta a sua extemporaneidade, pelo que não o admito.
Custas a cargo do demandante.
I.2. Recurso do assistente (conclusões que se transcrevem).
A. A Douta Decisão em crise, com o devido respeito, equivoca-se decisivamente ao decidir pela não admissão do pedido de indemnização civil apresentado pelo Recorrente em 06.06.2016, por extemporaneidade, e viola, por isso, o disposto nos artigos 157° n.° 1 e n.° 6 e 191° n.° 3 e 4, ambos do C.P.C., aplicável ex vi art. 4° do C.P.P., e bem assim, o disposto nos artigos 2° e 20° ambos da CRP;
B. O Recorrente e o seu mandatário foram notificados em 11/05/2016 — sendo que o mandatário do Recorrente se considera notificado em 16/05/2016 (3° dia útil posterior ao do envio da notificação) - pelo DIAP do Porto, 4° Secção, “para, querendo, deduzir pedido de indemnização civil em requerimento articulado, no prazo de 20 DIAS. (art. 77º, n.° 2, do C.P.P).;
C. Em conformidade e em cumprimento da notificação recebida, o Recorrente praticou o acto para o qual foi notificado (envio em requerimento articulado de pedido de indemnização civil nos termos do art. 77° nY 2 do C.P.P) dentro do prazo indicado pela secretaria (em 20 DIAS) - o pedido de indeminização civil foi enviado pelo Recorrente para o DIAP do Porto, via CTT, no dia 06 de Junho de 2016 (data do registo postal), ou seja, no último dia do prazo fixado pela secretaria para o efeito (uma vez que o dia 05 de Junho de 2016 foi um domingo, o último dia do prazo passou para o dia útil seguinte, ou seja, dia 06 de Junho de 2016);
D. A confirmar-se que efectivamente o prazo para apresentação de pedido de indemnização Civil é de 10 dias (conforme vai decido pelo Tribunal a quo) e não de 20 dias (conforme notificação recebida), então indiscutível é que foi o Recorrente expressamente induzido em erro quanto ao prazo para apresentação do pedido de indemnização civil;
E. O disposto no artigo 157° n° 1 e n.° 6 aliado ao artigo 191° n.° 3 e 4 ambos do CPC, aqui aplicáveis ex vi art. 40 do CPP - uma vez que se trata de um caso omisso no CPP - justificam e impedem que o pedido de indemnização civil apresentado pelo Recorrente seja recusado por ter sido praticado nos termos e nos prazos indicados pela secretaria, mesmo a confirmar-se que em contrariedade com o legalmente previsto e mesmo existindo nos presentes autos advogado constituído — não pode defender-se que, in casu, o facto de haver advogado constituído afasta a aplicação dos citados normativos ou sequer que à notificação recebida pelo mandatário não se aplica o princípio da tutela da confiança ínsito no Estado de Direito Democrático (art 2° CPR);
F. Em consonância com a uniforme Doutrina e Jurisprudência Portuguesa, o prazo fixado pelas secretarias judiciais, nas suas citações/notificações, se superior ao legalmente previsto, por erro da secretaria judicial não corrigido atempadamente, aproveita ao visado, devendo, em consequência, ser-lhe permitido apresentar o acto processual dentro do prazo que lhe foi transmitido e em consonância com o seu teor;
G. Destarte, tendo sido o Recorrente notificado para apresentar o seu pedido de indemnização civil, querendo, no prazo de 20 dias, e tendo cumprido tal prazo, não pode agora ser prejudicado, como o foi na Decisão recorrida e nos termos do artigo 157° n.°1 e n° 6 aliado ao artigo 191º, n° 3 e 4 ambos do CPC, se a fixação do prazo de 20 dias se ficou a dever a um erro da secretaria judicial do DIAP do Porto, 4° Secção. Tal prazo de 20 dias, ao invés, aproveita ao Recorrente;
H. Tal entendimento encontra acolhimento, desde logo, na garantia constitucional do acesso aos Tribunais nas suas dimensões de direito a uma tutela efectiva e eficaz e de proibição de indefesa, consagrado no artigo 20º da CRP, e no princípio da tutela da confiança ínsito no principio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2° da CRP; A concessão do prazo mais favorável ao Recorrente (e indevidamente indicado) é a única que
garante a imprescindível tutela da confiança, como elemento de um processo equitativo;
J. O Recorrente (na figura do seu mandatário), de boa fé, acreditou e confiou no disposto na notificação recebida, que não deixou quaisquer dúvidas, e, por essa razão, aceitou os termos e o prazo para o qual foi notificado, não os questionando e agindo em conformidade;
K. A Decisão recorrida, ao decidir não admitir o pedido o pedido de indemnização apresentado pelo Recorrente no prazo constante da notificação, violou, assim, a garantia constitucional do acesso aos Tribunais nas suas dimensões de direito a uma tutela efectiva e eficaz e de proibição de indefesa, consagrada no ad. 200 da Constituição da República Portuguesa e o principio da tutela da confiança ínsito no princípio do Estado de direito Democrático, que consagra que se deve confiar nos actos dos funcionários judicias praticados no processo, enquanto agentes dos Tribunais, e enquanto estes actos não forem revogados ou modificados, nos termos do art. 2° da Constituição da República Portuguesa, sendo, por conseguinte, inconstitucional, o que expressamente se argui;
L. A Decisão recorrida é juridicamente censurável devendo, porque em violação do disposto nos artigos 157° n.° 1 e n.° 6 e 191° n.° 3 e 4 ambos do C.P.C., aplicável ex vi ad. 4° do C.P.P., e dos artigos 2° e 20º da CRP, revogar-se da ordem jurídica e alterada por outra que admita o pedido de indemnização civil apresentado pelo ora Recorrente.
Não respondeu o arguido e o MºPº nesta relação apôs o seu visto.
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II. Do mérito do recurso.
O objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente.
O recorrente não questiona o entendimento legal efectuado na decisão recorrida relativo ao prazo de dez dias contado da notificação da acusação pública para o assistente deduzir pedido de indemnização civil, com fundamento no artigo 77º, nº1, e 284º, nº1, do Código de Processo Penal (certamente, por lapso, uma vez que a acusação pública versou sobre um crime público e não foi investigado qualquer facto tendente a imputar um crime particular ao arguido, o julgador referiu o artigo 285º, nº1, do CPP).
II.1.Factos documentalmente provados com interesse para a apreciação do recurso.
O recorrente, assistente, e seu mandatário, foram notificados por carta de 11/05/2016, do despacho de acusação e para, querendo, deduzir o pedido de indemnização civil em requerimento articulado no prazo de 20 dias.
O recorrente deduziu o referido pedido no dia 08 de Junho de 2016.
II.2. Questão a apreciar: pode um sujeito processual (assistente e arguido) ou até interveniente (ofendido, lesado e queixoso) valer-se dos prazos erroneamente declarados nas comunicações escritas efectuadas pelos funcionários de justiça no âmbito do cumprimento de ordens da autoridade judiciária que excedam os prazos legais de caducidade para a prática de actos processuais?
A nossa resposta é claramente afirmativa, em sintonia com a nossa prática e sentimento constitucionais que o legislador processual penal também exteriorizou nos termos que se passarão a expor.
No Código de Processo Penal não existiu qualquer preocupação pormenorizada de consagração expressa dos princípios estruturantes do Estado de Direito transversalmente abrangentes da relação entre o cidadão e os tribunais, pautadas constitucionalmente pela confiança que o Estado tem de potenciar naquele que o compõe – o cidadão (artigo 2º da Constituição da República Portuguesa).
Neste sentido, o legislador processual penal não teve qualquer necessidade de transportar para o seu domínio (salvo os casos em que a especificidade da matéria em causa o justificava - p.ex. os impedimentos e suspeições do juiz, bastará confrontar as regras dos artigos 39º a 45º do Código de Processo Penal e dos artigos 115º a 123º do Código de Processo Civil, apesar de estabelecidos em matéria de garantia de imparcialidade), o regime da prática de actos processuais em sede de actos da secretaria (cfr. artigos 130º e ss do Código de Processo Civil).
O regime do CPC, pensado para os funcionários da justiça nomeados em lugares dos
quadros de pessoal de secretarias de tribunais e em função dos poderes e deveres restritos ao exercício da jurisdição cível (que não os de serviços do Ministério Público) terá, necessariamente, que ser equacionado para a totalidade dos funcionários de justiça face à especial responsabilidade que o MºPº exerce na área da justiça penal e por ter sido manifestação expressa legislativa a indiferenciação do local de exercício das funções dos referidos funcionários (cfr. artigo 85º , nº1, do Código de Processo Penal). Com efeito, muitas das comunicações dos prazos de caducidade para o exercício de direitos relacionados com a acção penal e conexos (pedido cível) estão atribuídos legalmente aos serviços do MºPº.
Não tendo (e cremos que bem) o legislador penal processual consagrado regras autónomas em relação à comunicação (notificação) no processo penal dos direitos que os sujeitos processuais ou meros intervenientes podem exercer, com a cominação do prazo de caducidade dos mesmos, entendemos que se justifica a aplicação das normas do processo civil, como estabelece o artigo 4º do Código de Processo Penal.
Harmoniza-se com o processo penal (e com qualquer outro) a regra, básica (pela natureza da confiança legítima do cidadão no Estado) estabelecida no artigo 157º, nº6, do Código de Processo Civil:
Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.
O recorrente tem absoluta razão nos seus fundamentos (porque deduziu a sua pretensão no prazo indicado na comunicação que lhe foi efectuada) e a decisão será objecto de reparação substitutiva (que não cassatória).
Em conclusão:
1. De acordo com o artigo 157º, nº6, do Código de Processo Civil, os erros do actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes
2. Tal princípio é aplicável ao processo penal (artigo 4º do Código de Processo Penal):
3. Um sujeito processual (assistente e arguido) ou até interveniente (ofendido, lesado e queixoso) pode valer-se dos prazos erroneamente declarados nas comunicações escritas efectuadas pelos funcionários de justiça no âmbito do cumprimento de ordens da autoridade judiciária que excedam os prazos legais de caducidade para a prática de actos processuais
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III. Nos termos expostos, revoga-se a decisão recorrida e, em sua substituição, admite-se o pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente.
Sem custas.
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Porto, 23 de Novembro de 2016
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro