Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5442/13.9TBMAI-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO ADICIONAL
Nº do Documento: RP201606025442/13.9TBMAI-B.P1
Data do Acordão: 06/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 63, FLS.221-234)
Área Temática: .
Sumário: I - O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, o que se verifica sempre que na sequência das diligências do agente de execução se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou que seja firmado um acordo de pagamento.
II - A remuneração adicional do agente de execução prevista na Portaria n.º 282/2013, de 29.08, é sempre devida desde que haja produto recuperado ou garantido, excepto, nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado, se este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução.
III - O artigo 50.º, n.º 5, em conjugação com a tabela VIII, da Portaria n.º 282/2013, interpretado no sentido de permitir que o agente de execução possa pedir de remuneração variável mais de €73.000,00 quando apenas procedeu à penhora de quatro imóveis indicados pelo exequente e hipotecados para garantia do crédito exequendo e, por sua iniciativa, à penhora de um crédito, após o que a execução se extinguiu por acordo de pagamento entre exequente e executado, é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição.
IV - É ainda inconstitucional por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais na medida em que da referida norma resulte responsabilidade para o próprio exequente, o qual, face ao custo desmesurado que poderá ter de suportar com o pagamento ao agente de execução nos casos em que o seu direito de crédito tenha um valor significativo, verá significativa e desproporcionadamente cerceado o seu direito de acesso à justiça sempre que for incerta a existência de bens cuja penhora e venda possa gerar um produto suficiente para aquele pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 5442/13.9TBMAI-B.P1 [Comarca do Porto/Inst. Central/2.ª Sec. execução/Maia]
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
Na execução para pagamento de quantia certa que a B…, S.A., pessoa colectiva n.º ………, com sede em Lisboa, instaurou contra a C…, Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede no Porto, veio o agente de execução, após a extinção da execução em virtude da celebração, entre exequente e executada, de acordo de reconhecimento e pagamento de dívida, apresentar nota discriminativa de honorários e despesas no valor total de €91.670,92, a qual inclui sob a epígrafe “remuneração adicional nos termos artigo 50º/5 após penhora com garantia sobre €4.900.000,00” o valor parcial de €73.867,20.
Notificada da mesma, veio a executada, ao abrigo do artigo 46.º da Portaria n.º 282/2013 de 29 de Agosto, reclamar da nota, requerendo a sua anulação não ser devida ao agente de execução a remuneração adicional mencionada.
Para o efeito, sustentou que entre a exequente e a executada, com a exclusiva mediação dos seus mandatários e sem intervenção do agente de execução, foi celebrado um acordo de reconhecimento e pagamento de dívida, com cedências mútuas das partes, não tendo sido recuperado qualquer crédito por efeito da actuação do agente de execução, o qual, aliás, nem sequer conseguiu citar a executada. A Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, pretendeu premiar o agente execução pelo seu esforço quando este tem como consequência a recuperação da quantia exequenda, o que não sucedeu no presente caso. A executada não foi, ainda, validamente citada para a execução, pelo que não há lugar ao pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução. De todo o modo, a nota de despesas e honorários seria abusiva pois fere o sentimento de justiça, razoabilidade e bom senso o pagamento de uma quantia que ascende os €90.000,00, sendo que a CRP consagra a proibição do excesso e o princípio da proporcionalidade nos seus três subprincípios (exigibilidade, adequação e justa medida).
O agente de execução respondeu à reclamação, defendendo a sua improcedência.
Sustentou para o efeito que a execução seguiu a forma sumária, o que dispensa a citação prévia da executada, pelo que procedeu à penhora e depois promoveu a citação da executada na sede constante do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e tendo o expediente sido devolvido remeteu nova citação que foi concretizada em 16.12.2013. Face à insuficiência dos bens penhorados para pagar a quantia exequenda, que ascendia já a €7.512.589,26, o agente de execução decidiu penhorar as rendas de um contrato de arrendamento, vindo a ser penhorada a quantia total de €52.322,30, que foi depositada à sua ordem. No acordo de pagamento celebrado pelas partes a executada obrigou-se a pagar as custas da execução, nas quais se integram os honorários e despesas do agente de execução. A nota foi elaborada com base nos critérios legais previstos na Portaria nº 282/2013 de 29 de Agosto, em especial no seu artigo 50º que atribui ao agente de execução uma remuneração adicional, sem qualquer limite, como prémio pela sua eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução, que aqui efectivamente ocorreu. O cálculo da remuneração adicional teve em consideração o valor garantido de € 4.900.00,00, estabelecido pelas partes no acordo, o momento processual, após a penhora e antes da venda, com redução para metade atendendo à existência de hipoteca sobre os bens imóveis, alcançando um valor exigível e proporcional em todas as suas vertentes por aplicação estrita da lei.

Sobre a questão suscitada foi, a seguir, proferida a seguinte decisão:
«[…] a remuneração do agente de execução e o reembolso das despesas devidamente comprovadas, encontra-se regulamentada na Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto.
O Agente de execução tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com as tarifas constantes da tabela do Anexo VII, conforme resulta do disposto no art.º 50º, nº 2, da referida Portaria. No termo do processo, é-lhe devida uma remuneração adicional, que varia em função, do valor recuperado ou garantido, nos termos da tabela do Anexo VIII, da fase processual em que o montante foi recuperado ou garantido e da existência ou não de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar, conforme resulta do disposto no art. 50º, nºs 5, a), b) c, e 6, respectivamente, da mesma Portaria.
Acresce que de acordo com o nº 6, da mesma disposição legal, entende-se por “valor recuperado” o dinheiro restituído ou entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados (alínea a)) – e por “valor garantido” o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global (alínea b)).
Por outro lado, o valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência na recuperação ou garantia de créditos na execução é calculado de acordo com as taxas marginais constantes da Tabela do Anexo VIII.
Ora, em relação à remuneração do Agente de execução, resulta da exposição de motivos constante da referida Portaria nº 282/2013, que “Por outro lado, com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação” e “Procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução. Este regime visa, em última linha, tornar mais simples e mais célere a fiscalização da actividade dos agentes de execução, no que respeita a esta matéria em particular, e promover uma mais rápida acção em caso de actuações desconformes.”
Ora, conforme alegou a executada, sem oposição do Sr. Agente de execução, a celebração do acordo de pagamento resultou de um conjunto de cedências das partes, com a exclusiva mediação dos seus mandatários, situação à qual o agente de execução é completamente alheio. Assim sendo, uma vez que o referido acordo de pagamento não resultou da intermediação do Sr. Agente de execução, a este não é devida qualquer remuneração adicional a esse título. Assim sendo, deverá a reclamação proceder, devendo eliminar-se o montante enunciado a título de valor recuperado ou garantido, constante de nota discriminativa de honorários e despesas de fls. 313.
Pelo exposto, julgo a reclamação de fls. 317 procedente e em consequência, determino que se elimine o montante enunciado a título de valor recuperado ou garantido, da nota discriminativa de honorários e despesas de fls. 313

Do assim decidido, o agente de execução interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1) O despacho agora em crise não respeita o dever de fundamentação, contudo o mesmo não impossibilitou a sua inteligibilidade, nem limitou o exercício do direito de recurso do recorrente, apesar do ter tornado desnecessariamente mais extenso.
2) No seu despacho o tribunal a quo entende que que o recorrente não tem direito à remuneração a saber:
a. Na exposição de motivos da Portaria 282/2013 se no início do processo, a divida for satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução a remuneração adicional não lhe será devida.
b. A celebração do acordo de pagamento terá resultado de um conjunto de cedências das partes, com a exclusiva mediação dos seus mandatários, situação à qual o agente de execução é completamente alheio.
c. O acordo de pagamento não resultou da intermediação do Sr. agente de execução.
3) Ao agente de execução estão cometidos actos específicos no âmbito da acção executiva, sendo que o mesmo não atua, nem pode actuar como mandatário das partes, pelos serviços prestados por este na tramitação do processo executivo o artigo 50º da Portaria 282/2013 prevê uma remuneração específica.
4) A acção executiva donde resulta a decisão que agora se coloca em crise tem os seguintes pontos com relevância para este recurso, a saber:
a. Seguiu a forma sumária, tendo por base um título extrajudicial (escritura) de obrigação pecuniária vencida e garantida por hipoteca cf. alínea c) do n22 do artigo 550º CPC;
b. A citação prévia da recorrida estava dispensada nos termos do artigo 855º nº3.
c. Apesar da dispensa de citação prévia, esta foi realizada com respeito ao artigo 246º CPC, ou seja, com respeito pela sede que aquela tinha registada junto do registo nacional de pessoas colectivas (RNPC).
d. O acordo de pagamento celebrado entre as partes foi celebrado em 7 de Novembro de 2014 e levado aos autos no dia 28 de Novembro de 2014, ou seja foi realizado cerca de dois meses após a última penhora realizada pelo ora recorrente.
e. a recorrida não se encontrava ou encontra insolvente, nem o exequente desistiu da acção em 10 dias.
5) No exercício das suas competências o recorrente realizou várias diligências que parecem não ser reconhecidas pelo tribunal a quo, bastando a mera consulta aos autos para verificar a existência das mesmas, a saber:
a. Em 05-11-2013 é realizada a penhora de quatro imóveis dados de garantia e indicados no requerimento executivo, aos quais foi dado o valor total provisório com base nos valores tributários de €5.549.407,11, cf. duplicados que constam dos autos a fls. 395 e ss.
b. A 5-12-2013 é promovida a citação da executada após a penhora, junto da sede que esta tinha inscrita no registo nacional de pessoas colectivas (RNPC) obedecendo assim ao actual regime de citação das pessoas colectivas estabelecido no artigo 246º do CPC cf. pesquisa que o recorrente juntou na resposta à reclamação.
c. A 12-12-2013, por força da devolução do expediente na primeira tentativa de citação, foi remetida nova citação nos termos do nº 4 do aludido artigo 246º CPC.
d. Como os bens penhorados eram manifestamente insuficientes para fazer face ao valor total da execução - €7.512.589,92 - em 3 de Setembro de 2014 o recorrente procede à penhora de outros bens, o que sucedeu através da penhora de rendas relativas ao contrato de arrendamento celebrado entre a executada e a D…, Lda., decorrente da qual foi penhorada a quantia total de €52.322,30, depositada à ordem do agente de execução.
e. A 19-9-2014 a executada, ora recorrida, foi notificada após a penhora das rendas, conforme duplicado que se juntou na resposta do recorrente também a fls. 395 e ss.
6) O acordo entre as partes é celebrado a 7 de Novembro de 2014 e é comunicado ao recorrente a 28 de Novembro de 2014, ou seja mais de dois meses após a realização e comunicação à executada/recorrida da última diligência executiva promovida pelo recorrente (documento n.º2).
7) No acordo celebrado pela executada/recorrida verifica-se que por várias vezes os presentes autos de execução são expressamente referidos, e a eles é atribuída uma significativa importância, senão vejamos:
a. No considerando i) alínea a) é referido expressamente o presente processo executivo
b. No considerando j) é referido o valor em execução nos presentes autos;
c. No considerando k) exequente e executada reconhecem que se encontram penhoradas imóveis e rendas;
d. No considerando o) as partes reconhecem que apesar de esta estar citada os executados não deduziram, até àquela data, oposição às penhoras, nem oposição à execução
e. Na cláusula 1ª do acordo a executada declara e confessa sem quaisquer reservas, ser devedora perante a exequente
f. do capital de €6.965.865,66 valor em dívida que, considerando os encargos e os juros de mora vencidos à data de 30 de Setembro de 2014 ascendiam então a €7.772.829,17
g. No nº 2 da cláusula 3ª a exequente e a executada, acordaram mediante algumas condições em apresentar um requerimento de extinção das acções executivas.
h. Na cláusula 4º ponto i prevê-se a renovação das acções executivas para satisfação da totalidade da dívida
i. Na cláusula 6ª a executada é considerada a “única e exclusiva responsável pelo pagamento integral das contas de custas das acções executivas, responsabilidade que abarca os honorários do agente de execução devidos por conta do processo … e do processo 5442/13.9TBMAI, que se compromete a pagar logo que notificada para tal”
8) A falta de citação da recorrida jamais poderia ser acolhida como um argumento válido na medida em que bastaria recordar que este processo seguiu a forma sumária, tendo por base um título extrajudicial (escritura) de obrigação pecuniária vencida e garantida por hipoteca (cf. al c) do nº2 do artigo 550ºCPC, pelo que nos termos do artigo 855º nº 3 estava dispensada a citação prévia, mesmo assim esta foi realizada com respeito ao preceituado no artigo 246ºCPC.
9) Outra razão que impossibilitaria que a tese de falta de citação colhesse como argumento válido passa pela verificação que a recorrida além de intervir no processo, vem no acordo de reconhecimento e pagamento de dívida reconhecer expressamente que se encontra citada (cf. considerando ponto o. daquele acordo)
10) Pelas razões acima expostas não pode aceitar a recorrente qualquer argumento que venha negar a aplicação dos critérios previstos pela portaria 282/2013 de 29 de agosto, mormente o preceituado no 50º e no anexo VIII daquele preceito.
11) O trabalho realizado pelo recorrente é transversal aos presentes autos, quer pelas penhoras realizadas, quer pelas consultas realizadas, culminando na citação e notificação da recorrida, e se porventura se pugnasse pelo intervalo temporal da execução, bastaria lembrar que o acordo só foi lavrado a 7 de Novembro de 2014 e comunicado a 28 daquele mês, ou seja, em qualquer dos casos após dois meses, mais de um mês após a notificação da penhora das rendas à exequente e cerca de um ano após as primeiras penhoras e citação postal da recorrida.
12) Não colheria igualmente o argumento que a recorrida estivesse insolvente, pelo menos nada consta nos autos que permita retirar essa conclusão.
13) A conta apresentada e os critérios seguidos também não colidem com o preceituado no artigo 50º nº12 da invocada Portaria 282/2013, uma vez que as condições de aplicabilidade não se encontram preenchidas na medida em que este processo não obriga a citação prévia cf. artigos 246º e 855º do CPC uma vez que como se disse seguiu a forma sumária.
14) Pelos sobreditos motivos, a nota de honorários e despesas foi elaborada pelo recorrente com base e respeito pelos critérios legais previstos na Portaria 282/2013 de 29 de agosto em especial no preceituado no artigo 50º daquela Portaria
15) Ao abrigo do estabelecido neste artigo 50º aliado ao anexo VIII, ambos da referida portaria, consagra-se que agente de execução tenha direito a ser remunerado adicionalmente como prémio pela sua ineficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução, o que efectivamente ocorreu quer por via das diligências de penhora praticadas pelo recorrente (valor recuperado), quer por via do valor garantido (acordo de pagamento).
16) Igualmente importante na apreciação desta decisão é o facto do valor garantido por acordo de pagamento em prestações, apenas estar na esfera de vontade e disponibilidade das partes, contudo a recorrida não deixou de estar garantida pelas diligências realizadas, nem este acordo deixa de valer para efeitos da referida remuneração adicional.
17) De outro modo por força do consagrado na al.. b) do nº 6 do artigo 50º da Portaria 282/2013 não se pode deixar de entender que valor garantido é “o valor dos bens penhorados ou da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global" valor que no presente caso ascende a €4.900.000,00.
18) O artigo 50º da Portaria 282/2013 não estabelece um limite máximo à remuneração adicional devida ao recorrente, pelo que o valor da nota de honorários e despesas é proporcional ao valor recuperado, ou no caso concreto garantido, em virtude da aplicação das taxas marginais previstas na tabela do Anexo VIII da Portaria a que aquele valor foi sujeito, constatando-se que a remuneração adicional reclamada pelo recorrente teve em consideração: a. o valor garantido de €4.900.000,00 estabelecido pelas partes no acordo; b. o momento processual, ou seja, após penhora e antes da venda; c. com redução para metade (1/2) da remuneração adicional, atendendo à existência de garantia (hipoteca) sobre os bens imóveis; d. o que se traduziu num valor total de (€ 16.320 x 7,5%) + (€ 4.883.680,00 x 3 %) /2 = €73.867,20. 19) Este entendimento é aliás sufragado um pouco por todas os Venerandos Tribunais, contudo, não pode deixar-se de notar a decisão proferida por unanimidade em 11.07.2007 neste mesmo tribunal da Relação do Porto ao abrigo do processo n.º 0636732 o qual pode ser consultado em www.dgsi.pt.
20) “O solicitador de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas realizadas que devidamente comprove. II- No termo do processo, é-lhe devida uma remuneração adicional, que varia em função, do valor recuperado ou garantido, e da fase processual em que o montante foi recuperado ou garantido”.
21) Pelo que, deverá este douto tribunal no seu livre e prudente juízo de prognose social que lhe é cometido, concluir pela necessidade de revogação do despacho proferido pelo tribunal a quo por errada interpretação e aplicação do preceituado no artigo 50º da Portaria 282/2013, e em consequência ordenar o pagamento pela recorrida ao recorrente da nota discriminativa de honorários e despesas, com a referência 51199212642 de 11 de Dezembro de 2014, respeitante aos autos de execução com o processo n.º 5564/13.6YVPRT.

A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado, formulando para tanto as seguintes conclusões:
1. No intróito, salienta-se que a Recorrida não invoca nas suas alegações, qualquer nulidade do douto despacho recorrido, nem qualquer falta de fundamentação do mesmo.
2. O despacho alegadamente em crise não é nulo por falta de fundamentação porquanto não há falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º e do artigo 613.º n.º 3, todos do Código de Processo Civil.
3. O despacho recorrido respeita o disposto no artigo 607.º n.os 1 a 3 do Código de Processo Civil: contém o relatório onde são identificadas as pretensões das partes, bem como a fundamentação de facto, onde o Tribunal a quo faz referência aos factos que quer a Reclamante ("C…") quer o Reclamado (Agente de execução) trouxeram ao processo, designadamente, os constantes da referida reclamação e a fundamentação de direito, desde logo pela aplicação dos termos da Portaria 282/2013 de 29 de Agosto, tabela do anexo VIII da referida Portaria.
4. Termos em que não padece a decisão proferida pelo Dign. Tribunal "a quo" de qualquer nulidade.
5. Não é devido ao agente de execução o pagamento de qualquer quantia a título de remuneração adicional.
6. O agente de execução tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com as tarifas constantes da tabela do Anexo VII, conforme resulta do disposto no art. 50º, nº 2, da referida Portaria.
7. No termo do processo, é-lhe devida uma remuneração adicional, que varia em função, do valor recuperado ou garantido, nos termos da tabela do Anexo VIII, da fase processual em que o montante foi recuperado ou garantido e da existência ou não de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar, conforme resulta do disposto no art. 50º, n.os 5, a), b) c, e 6, respectivamente, da mesma Portaria.
8. Acresce que de acordo com o nº 6, da mesma disposição legal, entende-se por “valor recuperado” o dinheiro restituído ou entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados (alínea a)) e por “valor garantido” o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global (alínea b)).
9. Por outro lado, o valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência na recuperação ou garantia de créditos na execução é calculado de acordo com as taxas marginais constantes da Tabela do Anexo VIII.
10. Em relação à remuneração do agente de execução, resulta da exposição de motivos constante da referida Portaria nº 282/2013, que "Por outro lado, com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mini mo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da divida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação" e "Procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em divida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a divida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução. Este regime visa, em última linha, tornar mais simples e mais célere a fiscalização da actividade dos agentes de execução, no que respeita a esta matéria em particular, e promover uma mais rápida acção em caso de actuações desconformes."
11. Ora, conforme alegou a executada, sem oposição do Sr. Agente de execução, a celebração do acordo de pagamento resultou de um conjunto de cedências das partes, com a exclusiva mediação dos seus mandatários, situação à qual o agente de execução é completamente alheio.
12. Assim sendo, uma vez que o referido acordo de pagamento não resultou da intermediação do Sr. Agente de execução, a este não é devida qualquer remuneração adicional a esse título.
13. O agente de execução cometeu um conjunto de erros crassos durante todo o processo executivo.
14. O agente de execução não citou a Executada, tendo remetido uma carta para uma morada (diferente da indicada pela exequente no requerimento executivo) e que já não correspondia à sede da Executada há mais de 8 anos.
15. A sede das sociedades comerciais é um facto sujeito a registo, e como tal publicitado através das respectivas inscrições e averbamentos nas Conservatórias do Registo Comercial (artigo 3º, n.º 1, al. a) e o) do Código de Registo Comercial), tendo o Agente de execução ao seu alcance apurar, pela simples consulta da certidão permanente da sociedade executada, qual a sua sede efectiva.
16. A Executada requereu, inclusivamente, a nulidade por falta de citação, nos termos previstos pela al. e) do n.º 1 do art. 188º CPC, requerendo que fosse declarado nulo todo o processado depois do requerimento executivo e, consequentemente, ordenando o levantamento das penhoras que tenham entretanto sido realizadas. 17. Decorre dos n.º 9 e 12 do artigo 50.º da Portaria 282/2013 de 29 de Agosto que: "O cálculo da remuneração adicional efectua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes" e que "Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efectuar o pagamento integral da quantia em divida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional. "
18. Ademais, o anexo VIII diz de forma peremptória que "O valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar."
19. O acordo celebrado entre as partes foi alheio ao agente de execução.
20. É excessivo, desproporcional e desadequado que o Recorrente receba uma quantia de 75.000,00 Euros de remuneração adicional, porquanto este instituto foi previsto para premiar a conduta do agente de execução no ressarcimento do crédito exequendo.
21. Esta existe quando e se o agente de execução for efectivamente diligente e pró-activo na satisfação do crédito - o que não ocorreu.
22. Ora, o pagamento da remuneração adicional pressupõe, tal como previsto no anexo VIII à referida portaria, que se estimule e premeie a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução, o que não tendo sido feito pelo recorrente/agente de execução vota ao insucesso o recurso por si apresentado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
a) Se o agente de execução tem o direito de receber remuneração adicional quando a execução se extinguiu logo após a penhora em virtude da celebração por exequente e executado de acordo de pagamento;
b) Se é conforme aos princípios constitucionais a não previsão pela Portaria n.º 282/2013 de um limite máximo à remuneração adicional do agente de execução quando daí resulte que embora apenas tenha procedido à penhora, por indicação do exequente, de quatro imóveis hipotecados e, por sua iniciativa, de um direito de crédito, e a execução tenha sido extinta logo a seguir na sequência daquele acordo, o agente de execução terá direito a uma remuneração adicional no valor de €73.867,20.

III. Os factos:
Os factos que relevam para o conhecimento do recurso são os seguintes que se extraem dos autos:
1. No dia 02.09.2013 a B…, S.A. instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa contra a C…, Lda.
2. A quantia exequenda indicada no requerimento executivo é de €7.154.846,92 (€6.965.815,66 de capital, €154.202,17 de juros de mora e €34.829,08 de imposto de selo).
3. A acção executiva seguiu a forma de processo sumário.
4. No Anexo de indicação de bens à penhora a exequente indicou quatro imóveis pertencentes à executada que se encontravam hipotecados para garantia da quantia exequenda.
5. O agente de execução procedeu à penhora dos imóveis hipotecados.
6. Em 05.12.2013, após a penhora dos imóveis, o agente de execução remeteu carta registada com aviso de recepção para citação da executada na Rua …, n.º …, Lisboa.
7. Essa carta foi devolvida com a indicação “desconhecido”.
8. O agente de execução remeteu nova carta para citação da executada na mesma morada a qual foi objecto de depósito pelo distribuidor postal em 16.12.2013.
9. Conforme consta da respectiva matrícula no registo comercial, desde 01.06.2007 a executada não tem sede na Rua …, n.º …, em Lisboa, data a partir da qual a sua sede foi mudada para a Rua …, n.º …, na Maia, sendo actualmente no …, n.º …, no Porto.
10. Em 03.09.2014 o agente de execução lavrou auto de penhora do direito de crédito relativo às rendas recebidas pela executada por efeito de um contrato de arrendamento que celebrou com uma terceira sociedade e que tem por objecto um dos imóveis penhorados.
11. Até 07.11.2014 tinha sido depositado à ordem do agente de execução a quantia de €26.032,29 de rendas.
12. Por escrito datado de 07.11.2014, exequente e executada celebraram um acordo de reconhecimento e pagamento de dívida no qual a executada declarou e confessou ser devedora à exequente do montante de capital de €6.965.815,66, valor em divida que, considerando os encargos e os juros de mora vencidos à data de 30.09.2014, ascendia a €7.772.829,17.
13. Nesse acordo a executada obrigou-se a pagar integralmente o valor em dívida, do qual o montante de €4.900.000,00 nos termos definidos nas cláusulas 2.ª e 3.ª cujo cumprimento integral obriga a exequente a perdoar à executada o valor remanescente dos créditos e a considerá-los extintos.
14. A exequente obrigou-se a requerer a extinção da acção executiva assim que tivesse recebido o valor de €900.000,00 (1.º pagamento por conta do valor de €4.900.000,00), requerimento que foi dirigido ao agente de execução em 28.11.2014.
15. A executada obrigou-se ainda a pagar a conta de custas, incluindo os honorários e despesas do agente de execução.

IV. O mérito do recurso:
A questão suscitada no recurso é a de saber se o agente de execução tem ou não direito a uma remuneração adicional no valor de €73.867,20 por ter sido apenas essa parte da remuneração que a decisão recorrida mandou que fosse eliminada da nota de honorários apresentada pelo agente de execução.
Tanto quanto parece resultar da redacção algo dúbia da conclusão 1) das alegações, o recorrente parece começar por invocar a nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.
Salvo melhor opinião, essa nulidade não se verifica.
É jurisprudência e doutrina consensual que a nulidade por falta de fundamentação pressupõe a absoluta falta de fundamentação, situação distinta daquela em que a fundamentação existe mas está errada ou é muito simples, escassa ou espartana. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cf. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140 -. Daí que se entenda que só quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que sustentam a decisão, que levaram a decidir como se decidiu, se estará perante a nulidade por falta de fundamentação.
Lendo a decisão recorrida, percebe-se que foi a razão pela qual se decidiu excluir da nota de honorários a parcela relativa à remuneração adicional. Essa razão, claramente apontada na decisão, radicou no entendimento, com apoio no texto da exposição de motivos da Portaria n.º 282/2013, segundo o qual havendo acordo de pagamento entre exequente e executado, essa remuneração só é devida se o acordo tiver resultado da actuação do agente de execução e como no caso este foi completamente alheio ao acordo não tem direito à remuneração adicional.
Essa fundamentação não só consta da decisão como foi totalmente apreendida pelo recorrente, conforme o mesmo reconhece nas suas alegações de recurso. Aliás, a sua única objecção é a de que da forma como foi elaborada, a decisão “tornou desnecessariamente mais extenso” o recurso, o que não parece constituir fundamento de nulidade da decisão uma vez que o juiz antes de decidir não tem de operar um juízo de prognose e analisar todas as possíveis questões que a parte vencida na decisão lhe poderá opor, tem somente de apresentar as razões jurídicas que sustentam a sua decisão, permitindo às partes compreender os motivos em que a decisão se funda. E isso a decisão recorrida contém, não enfermando, em consequência de nulidade por falta de fundamentação.
Entremos então na apreciação do mérito da decisão recorrida.
Tendo a acção executiva sido instaurada em 02.09.2013 aplica-se-lhe o regime do novo Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 719.º deste diploma, compete ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.
Na data da instauração da execução as funções de agente de execução eram reguladas pelo Estatuto da Câmara dos Solicitadores aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de Abril.
Segundo os artigos 123.º, 116.º e 99.º do Estatuto, as competências específicas de agente de execução, onde se incluíam as de praticar diligentemente os actos processuais de que seja incumbido, com observância escrupulosa dos prazos legais ou judicialmente fixados e dos deveres deontológicos, eram exercidas por solicitador ou advogado em regime de profissão liberal remunerada. Nos termos do artigo 126.º o agente de execução era obrigado a aplicar, na remuneração dos seus serviços, as tarifas aprovadas por Portaria, as quais podiam compreender uma parte fixa e uma parte variável, dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos com a actuação do agente de execução. A mesma redacção que corresponde agora ao artigo 173.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.
Entretanto, aquele diploma foi substituído pela Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, que criou a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e aprovou o respectivo Estatuto.
Segundo o artigo 162.º deste Estatuto, o «agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em actos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios».
Por sua vez o artigo 173.º prescreve que o agente de execução é obrigado a aplicar, na remuneração dos seus serviços, as «tarifas aprovadas por Portaria» do Governo, as quais «podem compreender uma parte fixa, estabelecida para determinados tipos de actividade processual, e uma parte variável, dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos com a actuação do agente de execução».
A remuneração do agente de execução encontra-se presentemente regulamentada na Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, que entrou em vigor em 01.09.2013, aplicando-se ao processo em apreço (artigos 63.º e 62.º, n.º 2, da Portaria).
Nos termos do n.º 1 do artigo 50.º do referido diploma, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, actos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da Portaria, os quais incluem a realização dos actos necessários com os limites nela previstos.
O n.º 5 dessa norma estabelece que nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a) do valor recuperado ou garantido; b) do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c) da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
O n.º 6 estabelece, por sua vez, que para este efeito se entende por «valor recuperado» o valor do dinheiro restituído ou entregue, do produto da venda, da adjudicação ou dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente, e por “valor garantido» o valor dos bens penhorados ou da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
O n.º 9 determina que o cálculo da remuneração adicional se efectua nos termos previstos na tabela do anexo VIII da Portaria.
O n.º 11 consagra que o valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.
Por fim, o n.º 12 estatui que nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.
De referir que o anexo VIII da Portaria tem a seguinte redacção: «o valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar».
Na exposição de motivos do diploma justificam-se assim as soluções adoptadas em relação à remuneração do agente de execução:
«No que respeita à remuneração do agente de execução pelo exercício das suas funções, (…) pretende-se que o regime seja tão simples e claro quanto possível. Só assim poderão quaisquer interessados avaliar, com precisão, todos os custos de um processo e decidir quanto à viabilidade e interesse na instauração do mesmo, sobretudo, quando esteja em causa o cumprimento coercivo de uma obrigação não satisfeita voluntária e pontualmente, na maioria dos casos, a cobrança coerciva de uma dívida. Previsibilidade e segurança num domínio como o dos custos associados à cobrança coerciva de dívidas são, reconhecidamente, factores determinantes para o investimento externo na economia nacional e para a confiança dos cidadãos e das empresas.
(…) deixam de existir montantes máximos até aos quais o agente de execução pode acordar livremente com as partes os valores a cobrar. Passam, ao invés, a existir tarifas fixas quer para efeitos de adiantamento de honorários e despesas, quer para honorários devidos pela tramitação dos processos, quer ainda pela prática de actos concretos que lhes caiba praticar.
(…) com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação.
Procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução
Como se vê desta exposição de motivos e resulta do próprio texto da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, o sistema de remuneração do agente de execução combina remuneração fixa, por acto ou lote de actos praticados, com remuneração variável, só devia a final e cujo cálculo está intimamente ligado ao sucesso da execução. Um sistema assim serve dois objectivos fundamentais: assegurar uma remuneração mínima que constitua em qualquer dos casos incentivo suficiente à realização dos actos e diligências do processo executivo e proporcionar uma remuneração adicional que estimule a eficiência e celeridade na realização desses actos e diligências, sendo por isso tão mais reduzida quanto mais demorado for o processo e tardio o seu resultado.
A questão que se coloca nos autos consiste em saber se esta remuneração adicional apenas é devida quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências promovidas pelo agente de execução e não é devida quando a dívida seja satisfeita ou garantida de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução.
A exposição de motivos, como vimos, pode ser interpretada como apontando nesse sentido e foi com base nisso que o Mmo. Juiz a quo julgou procedente a reclamação da executada, no que, aliás, acompanha a posição do douto Acórdão da Relação de Coimbra de 03.11.2015, proferido no proc. n.º 1007/13.3TBCBR-C.C1, in www.dgsi.pt[1].
Salvo melhor opinião, a redacção dos artigos da Portaria não permite estabelecer essa relação e sobretudo estabelecê-la nos termos pressupostos na decisão recorrida.
À partida seria muito difícil estabelecer ou determinar quando é que a recuperação da quantia teve lugar “na sequência de diligências promovidas”, para usar a expressão da exposição de motivos, sendo certo que “na sequência” não é o mesmo que “em consequência” ou “em resultado” e pode ser compatível “com a participação”, “após a intervenção”.
Instaurada a acção executiva e iniciados os actos de apreensão de bens para futura e se necessária venda coerciva dos mesmos, todo o produto que se venha a obter para satisfação do direito do credor é “sequência” da actuação do agente de execução. E ainda que para esse desfecho este possa ter contribuído mais (v.g. quando o produto resulta da venda dos bens que ele realizou depois de ter praticado todos os actos anteriores), ou menos (v.g quando o executado para evitar a venda decide pagar voluntariamente a dívida), não parece possível afirmar que a actuação do agente de execução foi totalmente irrelevante para a obtenção do referido produto (mesmo no último exemplo pode sempre sustentar-se que a decisão do executado foi tomada em resultado da pressão exercida pela penhora dos bens realizada pelo agente de execução).
A nosso ver, resulta da redacção do artigo 50.º da Portaria que desde que haja produto recuperado ou garantido a remuneração adicional é sempre devida, excepto numa situação, a de nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução (n.º 12), caso em que a intervenção do agente de execução foi apenas para realizar a citação, acto que não é exclusivo nem específico da acção executiva, pelo que se pode entender que a intervenção do agente que é própria da execução coerciva ainda não se iniciou.
O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que ocorre sempre que na sequência dessas diligências, realizadas pelo agente de execução, se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou que seja firmado um acordo de pagamento, sendo certo que neste último caso o sucesso depende (da medida) do cumprimento do acordo (n.º 8).
O legislador apenas excluiu a remuneração adicional nos casos em que a citação antecede a realização as penhoras e o executado efectua o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução, por presumir que nessa situação, não tendo ainda sido realizadas penhoras e devendo estas realizar-se apenas após a concessão de prazo para o pagamento voluntário, a actuação do agente de execução foi totalmente indiferente para a obtenção do pagamento e não gerou qualquer expectativa em relação à remuneração devida pelo seu envolvimento do processo.
Em todas as demais situações em que haja valor recuperado ou garantido, a remuneração adicional é devida, ainda que a extinção da execução decorra de acto individual do devedor (pagamento voluntário), de acto conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou mesmo de um acto do próprio credor (desistência da execução, cf. n.º 2 do artigo 50.º). É esse, cremos, o sentido do que se fez constar na exposição de motivos da Portaria[2].
Não vemos, aliás, qualquer mal no sistema misto (a qualificação é do legislador) que combina remuneração fixa com remuneração adicional variável. Se o valor da remuneração fixa não for especialmente aliciante, a remuneração variável pode constituir de facto um forte incentivo à celeridade e eficácia da intervenção do agente de execução, sendo certo que enquanto profissional obrigado a respeitar fortes condicionantes no exercício da sua actividade lhe deve ser proporcionada justa e adequada remuneração.
Por outro lado, se exigirmos que se demonstre um nexo causal entre a actividade do agente de execução e a forma de extinção da execução para se reconhecer o direito à remuneração adicional variável, estaremos a introduzir uma incerteza e insegurança na determinação da remuneração do agente de execução que seguramente o legislador procurou evitar com a criação de uma tabela de remuneração. Estaremos também a abrir a porta ao surgimento de inúmeros conflitos entre o agente e o devedor a propósito da remuneração que obrigarão os juízes de execução a decidir aspectos perfeitamente secundários quando se lhes retirou o grosso da intervenção relevante que até aí tinham no processo executivo. Estaremos ainda a incentivar o agente de execução a obstar a qualquer solução que não passe pela venda de bens para evitar perder essa fatia da remuneração ou a torná-lo parte activa em actos que só às partes dizem respeito, como a negociação entre credor e devedor para estabelecer acordos de pagamento. Por fim, estaremos a introduzir uma álea na determinação da remuneração (qual a medida da contribuição do agente de execução? como se calcula? como se demonstra? quem tem de a demonstrar? a percentagem prevista na Portaria deve depois ser corrigida em função da medida dessa contribuição?) que só pode redundar em forte prejuízo para a eficácia e celeridade do processo executivo.
Nessa medida, entendemos que pese embora no caso a execução tenha sido extinta na sequência do acordo de pagamento em prestações celebrado por exequente e executado (e em cuja negociação e celebração o agente de execução não refere sequer ter estado envolvido ou para ela contribuído de algum modo, o que é algo absolutamente distinto da circunstância de o texto do acordo fazer várias referências a actos praticados pelo agente de execução), exactamente porque também nessa situação se verificam os requisitos de que depende o direito à remuneração adicional (alcance da finalidade do processo executivo e existência de valor garantido), o agente de execução podia reclamar uma remuneração adicional.
Essa conclusão é independente da regularidade da citação da executada a que procedeu (questão que foi suscitada no processo mas não consta que haja sido decidida e não cabe aqui decidir em primeira mão), uma vez que no caso, a execução seguia a forma do processo sumário, no qual a penhora tem lugar antes da citação, o que exclui a situação da previsão do n.º 12 do artigo 50.º da Portaria n.º 282/2013, única em que se afasta o direito à remuneração adicional.
Questão diferente que foi suscitada pela executada na reclamação da nota discriminativa de honorários e despesas é a de saber se a remuneração variável concretamente reclamada pelo agente de execução é, no caso, excessiva e desproporcionada e se a nossa ordem jurídica consente que a remuneração não tenha limite máximo e possa alcançar o valor em causa.
Recorde-se que no requerimento executivo com que se iniciou a execução o exequente indicou à penhora quatro imóveis da executada sobre os quais incidem hipotecas para garantia do crédito exequendo e que foram esses imóveis que o agente de execução penhorou, tarefa na qual não se adivinha qualquer dificuldade ou esforço uma vez que por força das hipotecas que os oneravam e que estavam inscritas no registo os imóveis estavam perfeitamente identificados e registados.
Para além dessas penhoras o agente de execução, por sua iniciativa, apenas penhorou mais um direito de crédito da executada (direito às rendas num contrato de arrendamento que celebrou com terceiro). Apenas dois meses após esta penhora, exequente e executada celebraram um acordo de reconhecimento de dívida e pagamento a prestações, no qual a executada se obrigou basicamente a pagar a quantia de €4.900.000. O agente de execução não reclama sequer que tenha estado envolvido, participado ou incentivado a celebração desse acordo.
Nesse contexto factual, pergunta-se se o agente de execução pode ter o direito a uma remuneração variável, a acrescer à remuneração fixa por todos os actos que praticou, de €73.867,20?
A nossa resposta é a de que essa remuneração é excessiva e desproporcionada, acabando por representar uma autêntica espoliação do executado que a ordem jurídica não pode consentir e, como procuraremos demonstrar, não consente.
O pagamento ao agente de execução é um custo inerente ao processo executivo, integrando o conceito de custas processuais, particularmente o conceito de custas de parte. Nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil a decisão que julgue a acção condena em custas a parte que a elas houver dado causa. Essa disposição inclui forçosamente as custas da execução, as quais, nos termos do artigo 541.º do mesmo diploma, incluem os honorários e despesas devidas ao agente de execução. As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigo 529.º), sendo que estas últimas compreendem entre outras despesas, as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas (artigo 533.º).
No processo executivo, cabe ao exequente a designação do agente de execução (artigo 720.º) e a obrigação de pagar os respectivos honorários e o reembolso das despesas por ele efectuadas se não for possível obter o seu pagamento precípuo do produto dos bens penhorados (artigo 721.º). Todavia, se o executado não deduzir oposição à execução e/ou não obtiver vencimento nessa oposição, caso em que é responsável pelo pagamento das custas da execução, o pagamento das custas pelo exequente constitui um adiantamento destinado a assegurar que o agente de execução é pago, cabendo depois ao exequente o direito de reclamar o seu pagamento do executado a título de custas de parte (artigo 721.º).
Se o exequente fosse o único e definitivo responsável pelo pagamento da remuneração do agente de execução por si escolhido, podíamos aceitar que a fixação desta remuneração estivesse subordinada à livre negociação entre exequente e agente de execução, não dispondo de limites máximos ou mínimos. No entanto, mesmo nessa situação podia questionar-se até que ponto a tabela praticada pelos agentes de execução não constituiria, em certos casos ou atingido certo nível de remuneração, um entrave excessivo ao acesso ao direito e aos tribunais por parte de exequentes com menor capacidade negocial ou poder económico para suportar esse pagamento que seria condição da instauração das execuções indispensáveis ao exercício dos direitos de crédito.
Cabendo ao executado a obrigação de suportar a remuneração do agente de execução, que obviamente não escolheu e em cuja designação não foi sequer ouvido, a imposição legal dessa obrigação só pode ter o mesmo fundamento jurídico da imposição da obrigação de pagamento das custas processuais. Do que se trata, portanto, é de onerar o responsável pela necessidade de usar os meios judiciais com a obrigação de suportar a maior parte dos custos gerados por esses meios. Sendo assim, deve entender-se que essa obrigação tem de ser adequada e proporcional e não pode exceder aquilo que se mostrar razoável face ao envolvimento, ao esforço e ao contributo do agente de execução para o resultado do processo executivo.
O princípio da proporcionalidade, também designado de princípio da “proibição do excesso”, é o corolário do princípio da confiança inerente à ideia de Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa).
A propósito deste princípio enquanto pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Anotada, Coimbra Editora, 3.ª ed., p. 152, escrevem que o mesmo se desdobra em três subprincípios: da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade em sentido restrito. Da adequação na medida em que qualquer restrição dos direitos, liberdades e garantias deve revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (que passam pela salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos). Da exigibilidade porque tais medidas devem revelar-se necessárias, isto é, os fins visados pela lei não poderiam ser obtidos de forma menos onerosa para os direitos, liberdades e garantias. Da proporcionalidade em sentido estrito porque essas medidas e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”. Mais à frente, a pág. 924 e a propósito do princípio da proporcionalidade referido no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição os mesmos autores afirmam que a Administração “deve prosseguir os fins legais, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida, adoptando, dentre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados”.
Também Maria Lúcia Amaral, in A Forma da República – Uma introdução ao estudo do Direito Constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 186, assinala que «quando falamos em proibição do excesso, ou em princípio da proporcionalidade em sentido lato, queremos significar essencialmente o seguinte. As decisões que o Estado toma, justamente pelo facto de não poderem ser nem ilimitadas nem arbitrárias, têm que ter, todas e cada uma delas, uma certa finalidade ou uma certa razão de ser. Esta finalidade, prosseguida por cada decisão estadual, deve ser para os seus destinatários – como para qualquer membro da comunidade jurídica – algo de detectável, denominável e compreensível. É evidente que o Estado, sempre que age, busca a melhor realização do interesse público. Mas tal não basta: o que é necessário é que, perante cada decisão, se possa compreender o modo específico pelo qual, naquele caso, se quis prosseguir o interesse de todos. É a isso mesmo que nos referimos, quando aludimos à “finalidade” ou “razão de ser” de cada decisão estadual é à necessidade da sua inteligibilidade. Ora, o que o princípio da proibição do excesso postula é que entre o conteúdo da decisão estadual e o fim que ela prossegue haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma “justa medida”. Não se utilizam canhões para atirar a pardais: as vantagens (obtidas por todos) através da medida estadual devem ser proporcionais às desvantagens que tal medida tenha eventualmente causado a alguns membros da comunidade jurídica, de tal modo que o peso da decisão pública nunca venha a exceder o quantum requerido pela prossecução do seu fim
No recente Acórdão n.º 277/2016 o Tribunal Constitucional reitera o entendimento segundo o qual «A proibição do excesso constitui, tal como o princípio da proibição do arbítrio, uma componente elementar da ideia de justiça, razão por que aquele princípio pode reclamar uma validade geral. Como realça Reis Novais, «[s]ó essa vinculação entre proibição do excesso, proporcionalidade, Estado de Direito e justiça explica que, apesar das substanciais diferenças dos textos constitucionais ou mesmo da sua ausência nesses textos, seja idêntica ou muito próxima a tendência de evolução que, a propósito, se desenvolve nos Estados Unidos da América ou nos diferentes países europeus, na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ou na jurisdição comunitária» (Autor cit., Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra editora, Coimbra, 2004, p. 165). A mencionada conexão imediata com a ideia de justiça e de Direito justifica igualmente que, no tempo presente, se retomem as preocupações clássicas em matéria de moderação e, por conseguinte, não se confine o âmbito de aplicação da proibição do excesso às relações jusfundamentais em que esteja em causa a liberdade, alargando-o a toda e qualquer actuação dos poderes públicos. […] …o princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, pelas suas conotações históricas e devido à sua natureza de “princípio fundamental”, é expressão da ideia de que a garantia da liberdade, igualdade e segurança dos cidadãos se funda na sujeição do poder público a normas jurídicas: um Estado informado pela ideia de Direito não pode, sem negar a sua essência, ser um Estado prepotente, arbitrário ou injusto (cfr. os Acórdãos n.ºs 205/2000 e 491/2002). Nessa perspectiva, o Acórdão n.º 73/2009 entendeu «o princípio da proporcionalidade [como um] princípio geral de limitação do poder público que pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado (também o Estado legislador) adequar a sua acção aos fins pretendidos, e não estatuir soluções desnecessárias ou excessivamente onerosas ou restritivas». Deste modo, «as decisões que o Estado (lato sensu) toma têm de ter uma certa finalidade ou uma certa razão de ser, não podendo ser ilimitadas nem arbitrárias, e [tal] finalidade deve ser algo de detectável e compreensível para os seus destinatários. O princípio da proibição de excesso postula que entre o conteúdo da decisão do poder público e o fim por ela prosseguido haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma “justa medida” e encontra sede no artigo 2.º da Constituição. O Estado de direito não pode deixar de ser um “Estado proporcional”» (cfr. o Acórdão n.º 387/2012; itálico aditado). Por isso, as actuações dos poderes públicos, justamente pelo facto de não poderem ser ilimitadas nem arbitrárias, são perspectivadas em cada caso concreto, real ou representado, como meios para atingir um certo fim – pressupondo-se naturalmente a legitimidade constitucional tanto dos primeiros como do segundo.»
Já por diversas vezes o Tribunal Constitucional foi chamado a apreciar a conformidade constitucional de normas de custas judiciais que fixavam o valor das taxas de justiça apenas segundo o critério do valor da acção, não as indexando à complexidade do processo e/ou não permitindo que nos casos de simplicidade do processado o valor das taxas apurado por aquele critério pudesse ser reduzido a um valor adequado (por último o Acórdão n.º 508/2015, in www.tribunalconstitucional.pt [3]).
O Tribunal Constitucional tem entendido com frequência, designadamente nos Acórdãos n.ºs 352/91, 1182/96 e 521/99, que o legislador dispõe de uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas. Todavia, também tem assinalado que «essa liberdade não implica que as normas definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo regras de proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela constitucional do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição); em qualquer dos casos, sob a cominação de inconstitucionalidade material».
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, citando o Acórdão n.º 227/2007 do mesmo Tribunal, afirmou-se que «a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspectiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respectivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar -se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe. (…) Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 608/99, afirmou-se que em matéria de custas judiciais, “o princípio da proporcionalidade reveste, “pelo menos, três sentidos: o de «equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício»; o da responsabilização de cada parte pelas custas «de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional»; e o do ajustamento dos «quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes»”.
De forma similar, ao analisar a adequação entre um meio e o respectivo fim (princípio da proporcionalidade em sentido amplo) aquele Tribunal afirmou no Acórdão n.º 634/93, o seguinte: «O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»
O Tribunal Constitucional também já foi chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade de normas legais concernentes à fixação da remuneração dos peritos chamados a intervir nos processos judiciais para a realização de provas periciais.
No Acórdão n.º 380/2006, foi entendido que quando o regime de fixação da remuneração possa ser adequado, caso a caso, ao grau de exigência ou ao relevo da perícia efectuada a inexistência de um limite máximo a essa remuneração não viola a garantia constitucional do acesso ao direito. Nos Acórdãos n.os 656/2014[4] e 16/2015[5] tratou-se da situação inversa, a da existir um limite máximo à remuneração que não possa ser superado ainda que o tipo de serviço, os usos do mercado, a complexidade da perícia e o trabalho necessário à sua realização justificassem remuneração superior, tendo-se concluída pela inconstitucionalidade da norma que consagre essa solução.
No Acórdão n.º 656/2014 assinalou-se que “constituindo a remuneração dos intervenientes acidentais no processo um encargo do processo, o seu valor releva para o apuramento do montante devido a título de custas pela parte que vier a ser condenada no seu pagamento. Desta forma, qualquer aumento na remuneração do perito tem inevitavelmente consequências no montante das custas a apurar”. Daí que se justifique analisar se essa remuneração é adequada e proporcional à participação do perito no processo.
Muito embora o agente de execução não seja um perito, tal como este ele intervém no processo como auxiliar da justiça, como terceiro que é chamado a colaborar com o tribunal praticando actos necessários para que o tribunal possa conduzir e decidir com segurança o litígio que o processo envolve. O que sucede é que a sua intervenção é muito mais ampla, sendo mesmo chamado a praticar, com poderes de autoridade pública, actos processuais específicos do processo executivo.
Mas a circunstância de se tratar de um profissional liberal que exerce funções públicas e de estar estatutariamente sujeito a um regime específico de acesso à profissão e respectiva formação, incompatibilidades e impedimentos, direitos e deveres, remuneração dos seus serviços, controlo e disciplina, não pode justificar que a sua remuneração possa ser fixada de acordo com as puras regras de mercado ou que não deva ser limitada, balizada por uma adequada ponderação entre o resultado da sua participação e o que é exigível que o executado possa ter de suportar a título de custas com um processo executivo a que deu causa mas que não passa de uma prestação do sistema de justiça para o qual o executado contribui já, como todos os cidadãos, com os seus impostos.
O Estado, gozando embora de liberdade quanto à forma de organizar o sistema judiciário, de administrar os recursos afectos ao sistema de justiça, de definir e modelar os papéis dos vários intervenientes nesse sistema, não pode, no entanto, a pretexto de que a liberalização ou privatização de alguns desses papéis permite alcançar de forma mais eficaz e célere as finalidades do sistema, criar ónus particularmente gravosos e desproporcionados para os cidadãos que por qualquer razão, voluntária ou involuntária, se defrontam, activa ou passivamente, com a necessidade de usar os mecanismos públicos de resolução de conflitos de direitos.
Como refere Maria Lúcia Amaral, in loc. cit., pág. 187, se «se tolerasse que os encargos impostos pelas suas decisões aos cidadãos fossem desmedidos, não justificados pelos seus fins específicos e – por isso mesmo – levianos, dificilmente se conseguiria assegurar a ideia segundo a qual a actividade estadual deve surgir, para os seus destinatários, como algo sério, seguro ou confiável. Ora […] um poder político assim, incapaz de merecer a confiança daqueles a quem se dirige, não pode ser nunca um poder limitado pelo direito e destinado a garantir a justiça, a dignidade da pessoa humana e a liberdade. O princípio da proibição do excesso, que postula a mensurabilidade de todos os actos estaduais, integra o conteúdo material do princípio do Estado de direito exactamente pelas mesmas razões por que o fazem os outros princípios […] e que visam assegurar a calculabilidade possível dos comportamentos públicos. É que não haverá nunca tal calculabilidade aí onde não for estabelecido o seguinte princípio de segurança: os actos estaduais, além de serem actos previsíveis, devem ser também, sempre, actos equilibrados, medidos e ponderados
No âmbito do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, estava prevista a retribuição a pagar pelo executado às entidades encarregadas da venda extrajudicial. Segundo o artigo 34.º, alínea e), do referido Código, essa remuneração era fixada pelo tribunal até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos, se este for inferior, solução que permitia controlar judicialmente o montante da remuneração em função do volume do trabalho do encarregado da venda e do resultado da sua actuação. A mesma solução encontra-se hoje consagrada no artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, conjugado com a tabela IV, não permitindo que o montante da remuneração atinja valores desmesurados e injustificados.
A solução da Portaria n.º 282/2013 para a remuneração variável do agente de execução sai fora deste modelo e permite que o seu valor escape ao controle jurisdicional da sua adequação e proporcionalidade ao não prever um limite máximo para a remuneração adicional e consentir que a mesma seja obtida e possa atingir valores significativos ainda que a acção executiva tenha tido uma tramitação muito simples e a actuação do agente de execução tenha sido escassa e muito pouco relevante para o desfecho da execução.
Repete-se que o que está em causa não é a adequação desse valor às regras de mercado ou aos usos correntes sobre margens dos agentes envolvidos na comercialização de bens em sectores liberalizados. O que está em causa é a adequação desse valor àquilo que é exigível que um executado deva suportar a título de custas da execução, sendo certo que essa exigibilidade tem de ser aferida segundo critérios de razoabilidade, adequação, equidade, justa medida, de forma a concretizar uma justa distribuição dos custos de funcionamento do sistema judicial pelas pessoas que a ele recorrem, sem descurar que se trata do acesso a uma função soberana do Estado e do exercício do direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais.
Na medida em que conduza, como sucede no caso, a que o agente de execução possa reclamar o direito a uma remuneração variável superior a €73.000,00 (!) quando apenas procedeu à penhora de quatro imóveis indicados pelo exequente e já hipotecados para garantia do crédito exequendo e, por sua iniciativa, à penhora de um crédito, após o que a execução se extinguiu por acordo de pagamento entre exequente e executado, a nosso ver, o artigo 50.º, n.º 5, em conjugação com a tabela VIII, da Portaria n.º 282/2013, é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição.
Numa determinada perspectiva é ainda inconstitucional por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais na medida em que da referida norma resulte responsabilidade para o próprio exequente, o qual, face ao custo desmesurado que poderá ter de suportar com o pagamento ao agente de execução nos casos em que o seu direito de crédito tenha um valor significativo, verá significativa e desproporcionadamente cerceado o seu direito de acesso à justiça sempre que for incerta a existência de bens cuja penhora e venda possa gerar um produto suficiente para aquele pagamento.
Pelo exposto, com fundamento na sua inconstitucionalidade, esta Relação deve recusar a aplicação do disposto no artigo 50.º, n.º 5, em conjugação com a tabela VIII, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto. Em consequência, embora não pela fundamentação dela constante mas com fundamento na aludida inconstitucionalidade, deve ser confirmada a decisão recorrida na parte em que determina a eliminação da parcela de remuneração variável constante da nota de honorários apresentada pelo recorrente.
Esta conclusão conduz à improcedência do recurso.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, embora com a diferente fundamentação que se expôs alicerçada no juízo de inconstitucionalidade da norma da Portaria n.º 282/2013 e na recusa da sua aplicação, confirma-se a decisão recorrida de mandar eliminar da nota de honorários a parcela de €73.867,20.
Custas do recurso pelo recorrente (tabela I-B).
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Porto, 2 de Junho de 2016.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; 278)
Teles de Menezes
Mário Fernandes
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[1] É o seguinte o sumário do Acórdão: «I. A remuneração adicional devida ao agente de execução nos termos do art.º 50.º da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, não prescinde da verificação do nexo causal entre a recuperação de valores pelo exequente e as diligências que nesse sentido foram por aquele desenvolvidas. II. Destinando-se a premiar o resultado obtido, a dita remuneração adicional só se justifica quando a recuperação ou a garantia dos créditos da execução tenha ficado a dever-se à eficiência e eficácia da actuação do agente de execução. III. Tal interpretação é aquela que se impõe considerando os critérios interpretativos fixados no art.º 9.º do CC, quando, logo no Preâmbulo, o legislador deixou claro que é devido o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas. IV. O agente de execução não tem direito à aludida remuneração adicional tomando como base de cálculo o valor constante de acordo de pagamento em prestações celebrado entre exequente e executado, se os autos evidenciam com clareza que nenhuma intervenção teve na obtenção do mesmo.»
[2] Esse entendimento foi igualmente defendido no Acórdão de 11.01.2007desta secção da Relação do Porto, relatado por Amaral Ferreira, in www.dgsi.pt, numa situação em que a execução se extingue igualmente na sequência de acordo de pagamento celebrado entre exequente e executado, aplicando a Portaria nº 708/2003, de 4 de Agosto, que no aspecto que nos ocupa não possui diferenças significativas em relação à Portaria citada no texto, e em cujo sumário, se lê: «I- O solicitador de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas realizadas que devidamente comprove. II- No termo do processo, é-lhe devida uma remuneração adicional, que varia em função, do valor recuperado ou garantido, e da fase processual em que o montante foi recuperado ou garantido.» No mesmo sentido para um procedimento cautelar, cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 22.09.2011, relatado por Ezagüy Martins, in www.dgsi.pt.
[3] No qual se decidiu «julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário («CPPT»), 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais («RCP»), conjugadas com a tabela I-A anexa, do RCP, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que, face a impugnação judicial do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa visando a anulação parcial do acto de liquidação de IRC, a que corresponde a taxa de justiça de €50.697,41 o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.»
[4] Que decidiu «julgar inconstitucional, a norma do artigo 17.º, n.os 1 a 4 do Regulamento das Custas Processuais (conjugado com a Tabela IV do mesmo Regulamento) no sentido de que «o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração do Perito em montante superior».
[5] Onde se decidiu «julgar inconstitucional, por violação do princípio da proibição do excesso ínsito no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição, a norma extraída do artigo 17.º, n.ºs 2 e 4, do Regulamento das Custas Processuais em articulação com a Tabela IV anexa ao mesmo, segundo a qual, por cada perícia, os peritos não podem auferir mais de 10 UC, ainda que o tipo de serviço, os usos do mercado, a complexidade da perícia e o trabalho necessário à sua realização levem a considerar que a remuneração devida é superior.»