Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
109/17.1YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Nº do Documento: RP20180411109/17.1YRPRT
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º129, FLS.16-18)
Área Temática: .
Sumário: A decisão da Senhora Notária que indeferiu o pedido de constituição da propriedade horizontal relativamente a verba inscrita em inventário, não admite recurso para o Tribunal de 1ª Instância, nem admite recurso autónomo para o Tribunal da Relação, mas pode ser impugnada no recurso que vier a ser interposto da sentença homologatória de partilha.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 109/17.1TYRPRT – 3ª Secção (Apelação)[1]
Rel. Deolinda Varão (1069)
Adj. Des. Freitas Vieira
Adj. Des. Madeira Pinto
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B… requereu no Cartório Notarial de Felgueiras da Notária D… que se procedesse a inventário para partilha dos bens comuns do casal que constituiu com C….
Foi nomeado cabeça de casal o requerente, que apresentou relação de bens, na qual relacionou, sob a verba nº 2, um prédio urbano.
A requerida reclamou da relação de bens, além do mais, requerendo que fosse feita perícia para verificar a viabilidade de constituição de propriedade horizontal do referido prédio urbano.
Tal requerimento foi indeferido por despacho da Srª Notária.
A requerida recorreu para o Tribunal da Comarca, no qual foi proferido despacho a ordenar a devolução dos autos ao Cartório Notarial, por se entender que a decisão proferida pela Srª Notária não era recorrível.
A requerida recorreu daquele despacho, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1ª – O direito de qualquer dos interessados requerer e constituir a propriedade horizontal no processo de inventário, estabelecer e constituir a propriedade horizontal no processo de inventário, estabelecido no artº 1417º do CC está em vigor e pode ser exercido no inventário tramitado no Notário.
2ª – A decisão do Notário que indefere esse direito é impugnável para o Juiz competente em razão do território, sendo este competente em razão da matéria para manter ou revogar tal decisão.
3ª – Devendo, no presente caso, ser revogada a decisão recorrida, por violação dos artºs 76º, nº 2 do RJPI, 1417º do CC e 644º, nº 2, als. b) e d) do CPC.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
Os elementos com interesse para a decisão do recurso são os que contam do ponto I.
*
III.
A questão a decidir – delimitada pelas conclusões da alegação do apelante (artºs 635º, nº 4 e 639, nºs 1 e 3 do CPC) – é a seguinte:
- Recorribilidade da decisão do notário que indeferiu o pedido de constituição de propriedade horizontal no processo de inventário.

O Regime Jurídico do Processo de Inventário (RJPI) aprovado pela Lei 23/13, de 25.03 – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem – enumera taxativamente as decisões do notário que admitem recurso para o Tribunal de 1ª instância da Comarca do Cartório Notarial.
São elas: a) a decisão do notário que indeferir o pedido de remessa das partes para os meios comuns, feito ao abrigo do disposto no nº 3 do artº 16º (nº 4 do mesmo preceito); b) o despacho determinativo da partilha (artº 57º, 4).
Ambos os recursos sobem imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, sendo o primeiro interposto no prazo de 15 dias e sendo o segundo interposto no prazo de 30 dias (artºs 16º, nºs 4 e 5 e 57º, nº 4).
Para além de intervir como Tribunal de recurso, naquelas duas situações, o Tribunal da 1ª instância intervém no processo de inventário apenas para proferir a sentença homologatória da partilha (artº 66º, nº 1).
Diz o nº 3 daquele artº 66º que da sentença homologatória da partilha cabe recurso de apelação, nos termos do CPC, para o Tribunal da Relação territorialmente competente, com efeito meramente devolutivo.
Repete o artº 76º, nº 1 que da sentença homologatória da partilha cabe recurso, dizendo ainda que se aplica, com as necessárias adaptações, o regime de recursos previsto no CPC.
Finalmente, diz o nº 2 daquele preceito que, salvo nos casos em que cabe recurso de apelação nos termos do CPC, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão da partilha.
Resta saber a que “decisões interlocutórias” se reporta o citado preceito.
Já vimos que as decisões interlocutórias proferidas pelo Tribunal da 1ª instância são apenas as referidas nos artº 16º, nº 4 e 57º, nº 4.
Trata-se de decisões que, em princípio, não têm cabimento nem na al. b) do nº 1 nem nas diversas alíneas do nº 2 do artº 644º do CPC, pelo que não admitem apelação autónoma, devendo ser impugnadas no recurso de apelação que venha a ser interposto da sentença homologatória da partilha.
Dissemos que em princípio tais decisões não admitem apelação autónoma, mas pode suceder que a admitam, tendo em conta o fundamento da decisão do Tribunal de 1ª instância.
É o que sucede no caso dos autos, em que podemos considerar que a decisão recorrida não admitiu o recurso da decisão do Notário com fundamento na incompetência do Tribunal da 1ª instância e, por isso, a situação pode subsumir-se à al. b) do nº 2 do artº 644º do CPC: daí que o recurso tenha sido admitido e que este Tribunal dele esteja a conhecer.
Mas persiste a questão de saber se o nº 2 do artº 76º se refere apenas às decisões judiciais ou também às decisões notariais.
Pode entender-se que, com a desjudicialização do processo de inventário, se pretendeu tornar definitivas todas as decisões do Notário, com excepção das referidas nos já citados artºs 16º, nº 4 e 57º, nº 4, não admitindo as mesmas recurso.
Ou seja, seriam definitivamente decididas pelo notário questões tão relevantes como, a recusa ou deferimento da cumulação de inventários (artº 18º, nº 2), a determinação de arquivamento do processo (artº 19º, nº 2), a nomeação, substituição, escusa ou nomeação do cabeça-de-casal (artº 22º), a oposição e impugnação (artº 31º, nº 3), a decisão quanto à reclamação de bens e existência de sonegação (artº 35º, nº 3 e 4), o reconhecimento de dívidas (artº 39º) e outras, como a de constituição da propriedade horizontal, suscitada no caso pela apelante.
Daí que a interpretação da norma do artº 76º, nº 2 no sentido de que as decisões notariais não podem ser impugnadas em sede de recurso interpretação tenha vindo a ser considerada inconstitucional, por violação do princípio do acesso ao direito consagrado no artº 20º, nº 1 da CRP.
Por outro lado, daquelas decisões do notário não pode haver nunca lugar a recurso directo para o Tribunal da Relação, porque este Tribunal reaprecia decisões já tomadas[2].
De todo o exposto resulta que a única forma de ultrapassar a questão é admitir que as decisões do notário (com excepção das referidas nos artºs 16º, nº 4 e 57º, nº 4, como já vimos) possam ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença homologatória da partilha.
Pese embora o Tribunal da 1ª instância não se tenha pronunciado directamente sobre a questão decidida pelo notário, ao homologar a partilha, confirmou implicitamente tal questão: por isso, pode a mesma ser apreciada pelo Tribunal da Relação, ao apreciar o recurso da sentença homologatória da partilha, desde que o apelante expressamente a impugne nas alegações de recurso.

Assim, no caso, a decisão da Srª Notária que indeferiu o pedido de constituição da propriedade horizontal relativamente à verba nº 2 não admite recurso para o Tribunal da 1ª instância, nem admite recurso autónomo para este Tribunal, mas pode ser impugnada no recurso que vier a ser interposto da sentença homologatória da partilha.
Há assim que confirmar a decisão recorrida, sem prejuízo do que acima ficou dito dito.
*
IV.
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, em consequência:
- Confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Porto, 11 de Abril de 2018
Deolinda Varão
Freitas Vieira
Madeira Pinto
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[1] Inventário – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo de Família e Menores de Paredes – Juiz 3
[2] Sobre esta matéria, ver Abílio Neto, Direito das Sucessões e Processo de Inventário Anotado, 2017, págs. 1044 e 1045.