Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10858/14.0T8PRT.2.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: REVISÃO DA INCAPACIDADE
PENSÃO
CASO JULGADO MATERIAL
Nº do Documento: RP2020102110858/14.0T8PRT.2.P1
Data do Acordão: 10/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: ,
Sumário: I - A revisão da incapacidade/pensão, nos termos do art. 70º da Lei 98/2009 apenas ocorrerá quando se verifique uma modificação da capacidade de trabalho ou de ganho proveniente de agravamento [recidiva, recaída ou melhoria] da lesão ou doença que deu origem à reparação, não podendo destinar-se à alteração ou correcção de eventual erro na fixação inicial da incapacidade/pensão decidida por decisão transitada em julgada, sob pena de violação do caso julgado material por essa decisão [art. 619º, nº 1, do CPC/2013].
II - Ainda que, no âmbito do incidente de revisão da pensão, os Srs. peritos médicos singular e que intervieram na junta médica (embora, estes, não por unanimidade), que a sinistrada se encontra afectada de IPATH, mas considerando, simultaneamente e por unanimidade, que a situação clínica daquela não sofreu alterações, mantendo a IPP inicialmente atribuída, não é possível atribuir à sinistrada IPATH por, nos termos do citado art. 70º, não haver uma modificação da capacidade de ganho proveniente de agravamento da lesão que deu origem à reparação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º nº 10858/14.0T8PRT.2.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1178)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
Na presente acção, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada B…, com mandatário judicial constituído, e entidade responsável C…, S.A.”, veio a primeira, aos 18.09.2018 e ao abrigo do disposto no artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho, requerer exame de revisão do coeficiente de incapacidade que lhe foi fixado alegando, em síntese, agravamento das lesões e da incapacidade que a obrigaram, em meados de 2018, ao encerramento do estabelecimento do qual era a única cabeleireira.

Ordenada a realização de exame médico (singular) de revisão, concluiu o Sr. Perito médico do INMLCF, IP que, tendo com conta o exame físico e os exames complementares de diagnóstico realizados, não ocorreu um agravamento permanente da patologia do evento em análise, considerando que a examinada permanece com uma IPP de 32,5%. Considera, todavia, que as sequelas que descreve (merecedoras de uma IPP de 32,5%, como se disse) são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual, a partir da data em que a A. cessou a actividade de cabeleireira, ou seja, 02.07.2018.

Nem a sinistrada, nem a entidade responsável aceitaram o resultado do exame médico singular, pelo que requereram exame por junta médica, ao abrigo do disposto no n.º 4 do supra citado preceito legal.
Realizado este, concluíram os Srs. peritos médicos de forma divergente, conforme adiante melhor se dirá.
Foi proferida decisão que decidiu “manter que a sinistrada se encontra afetada de uma IPP de 32,5% e, logo, manter a pensão já fixada.”

Inconformada, a A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
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A Recorrida contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso [não formulou conclusões]
A 1ª instância, no despacho de admissão do recurso, proferido aos 30.06.2020, fixou à “acção” o valor de €2.000,00”.

O Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual a A./Recorrente respondeu, dele discordando.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de facto assente
Porque provado documentalmente conforme resulta do apenso de fixação de incapacidade, bem como do histórico informático consultado na plataforma informática Citius referente à acção principal e ao presente incidente de revisão, tem-se como assente a seguinte factualidade, que se consigna [uma vez que a 1ª instância não o fez]:
1. No âmbito da acção principal, a A., aos 20.12.2016, foi submetida a exame por junta médica a qual enquadrou as lesões que a mesma apresentava nas rubricas da TNI III.6.1.7.2. e III. 6.1.8.2., tendo atribuído os coeficientes de desvalorização parcelares de 0,10 e 0,13, respectivamente e, bem assim, aplicado o factor de bonificação de 1,5 a que se reporta o ponto 5. a) das Instruções Gerais da mencionada TNI, e, em consequência, foi atribuída a IPP de 32,55%, na sequência do que foi proferida decisão que declarou que a A. “por força do acidente sofrido, ficou afetada de IPP de 32,55% (trinta e dois vírgula cinquenta e cinco por cento) a partir de 2 de janeiro de 2015”.
2. Ainda no âmbito da acção referida em 1), foi proferido despacho saneador do qual consta, como matéria de facto assente, o seguinte: “A R., na fase conciliatória do processo, aceitou o evento em apreço como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões sofridas pela A. e aquele acidente, a sua responsabilidade, o salário auferido à data pela A. (€728 x 14 meses) e o facto de esta ter despendido €18 em deslocações obrigatórias.”
3. E da tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo referido em 1) resulta que a A., no dia 7 de novembro de 2013, quando prestava, como trabalhadora por conta própria, serviços de natureza profissional como cabeleireira, foi vítima de um acidente, que “consistiu em ter dado uma queda, tendo-se magoado no punho direito”.
4. Ainda no âmbito da acção referida em 1), consta da ata da audiência de julgamento de 13.03.2017 que as partes acordaram nos seguintes termos: “(…) em função do resultado da junta médica realizada a 20 de Dezembro de 2016, já devidamente homologada por douta sentença, as partes (Sinistrada e Entidade Responsável) acordam em aceitar a incapacidade de 32,55 %. Mais aceitam que a pensão anual e vitalícia devida à Sinistrada seja fixada com base nessa mesma incapacidade, assim como no salário transferido que também se encontra assente, nunca tendo sido, aliás, objecto de discórdia. Requerem em conformidade que seja proferida douta sentença homologatória. Mais acordam em que as custas serão a suportar pela Entidade Responsável, prescindindo ambas as partes mutuamente de custas de parte”,
5. Mais constando ter sido, de seguida, proferida a seguinte sentença homologatória: “Considerando a qualidade das partes intervenientes no acordo efetuado, que são capazes, e face àqueles que são os elementos existentes nos autos, à legalidade do resultado da conciliação, declaro válida a transação havida.
Custas conforme o acordado.
Fixo o valor da ação em €5.000,01.”.
6. Realizado, no âmbito do presente incidente de revisão, exame médico singular, entendeu o Sr. Perito médico que a A. se encontra afectada de IPATH, referindo o seguinte: “4. À data da avaliação pericial em 20.02.2015 referiu que “deixou de realizar as atividades que realizava anteriormente como cabeleireira e teve necessidade de contratar uma funcionária para realizar esse serviço e neste momento a Examinanda presta apoio e formação à sua funcionária e está atender os seus clientes. Apresentava muitas dificuldades em pegar numa escova, tesoura ou pente, gestos que necessita fazer todo o dia para realizar o seu trabalho como cabeleireira e que os deixou de os conseguir fazer após o acidente. Referiu que diminuiu os seus ganhos em termos de trabalho, porque teve necessidade de contratar uma funcionária para realizar o seu trabalho”. No entanto acabou por cessar atividade como cabeleireira em 02.07.2018, uma vez que “perdeu muitas clientes”, por “não conseguir pegar nos objetos com a mesma habilidade, nomeadamente na tesoura para cortar os cabelos, referindo que já não tinha a mesma habilidade nem a mesma rapidez. 5. Assim, tendo em conta o acima exposto considera-se que as sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual, a partir da data em que cessou a atividade, ou seja 02.07.2018.”
7. A Ré requereu exame por junta médica, tendo formulado o seguinte quesito: “Relativamente ao acidente de trabalho ocorrido no dia 07/11/2013, as sequelas que a sinistrada apresenta são causa de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual?”.
8. A A. também requereu exame por junta médica, tendo formulado os seguintes quesitos:
I) – Qual ou quais as concretas lesões que actualmente afectam a Sinistrada como consequência do acidente de trabalho em apreço? São as mesmas que constam no relatório de fls. … ou sofreram agravamento? Em, caso de resposta afirmativa em que medida?
II) – Qual ou quais os fenómenos dolorosos que resultam actualmente para a Sinistrada como consequência do acidente de trabalho em apreço?
III) – Qual ou quais as limitações que a nível situacional resultam actualmente para a Sinistrada como consequência do acidente de trabalho em apreço?
IV) – Qual ou quais as concretas limitações que actualmente resultam para a Sinistrada a nível de exercício da respectiva actividade profissional - categoria profissional de cabeleireira?
V) – A Sinistrada está actualmente total e definitivamente impossibilitada de usar a mão direita na execução de todo e qualquer trabalho relativos ao exercício da respectiva profissão, tais como pentear, lavar, alisar?
VI) – O actual estado de saúde física e psicológico da Sinistrada permitiria à mesma o normal exercício da respectiva actividade profissional não fosse a incapacidade de que padece?
VII) - Qual o grau de incapacidade que actualmente afecta a Sinistrada?
VIII) - A incapacidade de que padece a Sinistrada jamais e de forma irreversível permitirá à mesma o normal exercício da respectiva actividade profissional?”
9. Realizado, seguidamente, exame por junta médica, responderam os Srs. Peritos médicos que nela intervieram do seguinte modo:
“Apos analisar os elementos clínicos documentais presentes em autos, ouvido a examinada e efetuado o presente exame respondem aos quesitos de folhas 345, da seguinte forma:
Pelo perito da Sinistrada é dito que para atividade profissional de cabeleireira encontra-se na situação de IPATH.
Pelo perito do Tribunal é dito que para atividade profissional de sócia-gerente de um estabelecimento de cabeleireira não se encontra na situação de IPATH, sendo que para o exercício da atividade profissional de cabeleireira encontra-se Incapaz Definitivamente.
Pelo perito da Seguradora é dito que a sinistrada não apresenta agravamento sequelas e de incapacidade relativamente à situação em apreço, pelo que não IPATH. A sinistrada retomou a sua atividade profissional até cessação da mesma por reforma. Apos analisar os elementos clínicos documentais presentes em autos, ouvido a examinada e efetuado o presente exame respondem da seguinte forma aos quesitos de folhas 348 e 349:
I) Apresenta sequelas de secção/lesão nervo mediano e cubital ao nível do punho e mão direita.
Não foram objetivados agravamento.
II) Os inerentes à situação sequelas da lesão do nervo mediano e cubital direito.
III) As inerentes à situação sequelas da lesão do nervo mediano e cubital direito.
IV) Atualmente a sinistrada não exerce a sua atividade profissional.
V) Não. Apresenta uma incapacidade na proporção da IPP atribuída.
VI) Não. Encontra-se Inapta definitivamente para profissão de cabeleireira. Sendo considerada Apta para profissão Sócio-Gerente.
Pelo perito da Seguradora foi dito que pelas sequelas do acidente, n\ao tendo agravamento das mesma mantem a IPP anteriormente fixada.
VII). Mantem anteriormente atribuída. IPP de 32, 55%.
VIII) Sim.
Pelo perito da Seguradora foi dito que a sinistrada retomou a sua actividade laboral na proporção da IPP e atualmente encontra-se reformada.”.
10. Conforme auto de exame médico singular que teve lugar na fase conciliatória do processo referido em 1), a A. teve alta definitiva aos 01.01.2015.
11. Conforme auto de tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo referido em 1), a A. nasceu aos 02.11.1949.
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III. Fundamentação
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, a questão suscitada consiste em saber se deverá ser atribuída à A. incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).

2. Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Realizado este, com observância do legal formalismo, concluíram os Srs. peritos médicos de forma divergente.
Assim, o perito indicado pela sinistrada considera que a mesma se encontra com IPATH para a atividade profissional de cabeleireira.
Já o perito indicado pelo INMLCF, IP diz que que para a atividade de sócia gerente de um estabelecimento de cabeleireira não se encontra na situação de IPATH, sendo que para o exercício da atividade profissional de cabeleireira encontra-se incapaz definitivamente.
Finalmente, o perito médico indicado pela seguradora é do entendimento de que a sinistrada não apresenta agravamento das sequelas e da incapacidade relativamente à situação em apreço, pelo que não há IPATH. A sinistrada retomou a sua atividade profissional até sua cessação por reforma.
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Face a estas posições divergente, que decidir?
Independentemente da questão de saber se a sinistrada exerce a atividade de sócia gerente em estabelecimento de cabeleireira ou antes a atividade de cabeleireira, o certo é que todos os peritos são unânimes em afirmar que não houve agravamento do seu estado sequelar, por isso mantendo a IPP inicialmente fixada de 32,5%.
Ora, e como bem se nota no AC STJ (www.dgsi.pt), «a razão de ser do incidente de Revisão de Incapacidade radica no facto de se permitir que o Sinistrado, já após a fixação da sua incapacidade para o trabalho e a atribuição da consequente pensão por decisão judicial, confrontado com um agravamento do seu estado de saúde, recidiva ou recaída, resultante das lesões sofridas, em consequência do acidente de trabalho que deu origem à reparação, possa requerer em juízo a reapreciação do seu estado de saúde e a alteração da incapacidade anteriormente fixada. Para esse efeito, impõe-se ao sinistrado que ao deduzir tal pedido ao Tribunal, o fundamente devidamente, indicando – e provando – as razões determinantes desse agravamento e os termos em que repercutem na sua capacidade de ganho, enquanto geradora maior do que aquela que lhe fora fixada anteriormente. Não tendo ocorrido qualquer alteração na situação clínica do Sinistrado posteriormente às decisões que lhe fixaram a incapacidade, quer no âmbito deste processo que nos processos que os autos documentam, decisões essas que transitaram em julgado, não existe fundamento para lhe atribuir uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual …».
É precisamente o caso dos autos, em que é patente que a decisão judicial transitada é reveladora de que as lesões da sinistrada e as sequelas existentes foram valorizadas da mesma forma e sem dar lugar à atribuição de um diferente grau de incapacidade que permitisse concluir no sentido pretendido. Ou seja: o de que a sinistrada se encontraria afetado de uma IPP de 32,5%, mas com IPATH.
Assim, pelas razões expostas e não se afigurando necessária a realização de outras diligências, verifica-se não haver qualquer modificação da capacidade de ganho da sinistrada, não se encontrando, por isso, verificado o condicionalismo a que o artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro subordina a revisão de pensão, melhor dizendo, da incapacidade da sinistrada.
Tudo visto, e ao abrigo do que prescreve o artigo supra referido e ainda o artigo 145º/5 do Código de Processo do Trabalho, decide-se manter que a sinistrada se encontra afetada de uma IPP de 32,5% e, logo, manter a pensão já fixada.”

3. Dispõe o art. 70º da Lei 98/2009, de 04.09, a aplicável ao caso e de ora em diante designada por NLAT, o seguinte:
Artigo 70.º
Revisão
1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento.
3 - A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil. [sublinhado nosso]

Podendo a situação clínica do sinistrado alterar-se e, por consequência, repercutir-se na capacidade de trabalho ou de ganho, prevê a lei a possibilidade de revisão da pensão de harmonia com a alteração verificada. E, como decorre também desse preceito, tal alteração pode decorrer de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão, sendo estas as situações que justificam a revisão e que permitem a alteração da pensão em conformidade com a alteração verificada.
A revisão da incapacidade/pensão não tem por objecto, nem pode ter, a alteração ou correcção de eventual erro na fixação inicial da incapacidade. Tem sim por objecto as situações em que se verifique uma real alteração - agravamento, recidiva, recaída ou melhoria - da situação clínica do sinistrado que ocorra posteriormente à data da fixação inicial da incapacidade/pensão, mormente em data posterior à data alta definitiva e da sentença que procedeu a essa fixação. Até porque, por via do caso julgado material formado pela decisão que fixa a pensão [art. 619º, nº 1, do CPC/2013], não pode o juiz fixar “correctivamente” [isto é, sem a ocorrência de uma real alteração das lesões/sequelas do acidente determinantes de uma diferente incapacidade para o trabalho] uma incapacidade diferente da inicialmente atribuída, ainda que com efeitos apenas reportados a data posterior à da anterior fixação judicial da incapacidade, designadamente com efeitos reportados apenas a partir da revisão.
Por outro lado, a IPATH, como o seu próprio no nome indica, pressupõe que do acidente de trabalho decorram para o sinistrado lesões que, sendo determinantes de um determinado coeficiente de desvalorização permanente para o exercício de outra profissão, determinam também uma incapacidade permanente absoluta, isto é, total, para o exercício do que era o trabalho habitual do sinistrado.
Importa também referir que o exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, estando sujeita às regras da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do Código Civil e arts. 489º e 607º, nº 5 do CPC/2013).
No entanto, muito embora o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados, o que, todavia e como se diz no Acórdão do STJ de 30.03.2017, Proc. 508/04.9TTMAI.3.P1.S1, in www.dgsi.pt, poderá ocorrer “(…) quando disponha de elementos que lhe permitam, com segurança, fazê-lo.
O que poderá, por exemplo acontecer, se acaso tal Junta Médica não fundamentar as suas respostas ou o fizer em termos que o Julgador não possa captar as razões e o processo lógico que conduziu ao resultado fixado pelos Peritos, ou se o resultado apresentado se apresentar em contradição, ou fragilizado, por outros elementos médicos atestados e incorporados nos autos.”
E, do sumário desse mesmo acórdão do STJ [embora a sentença recorrida não identifique o Acórdão do STJ que cita, supõe-se que se esteja a referir a este] consta que: “I. A razão de ser do incidente de Revisão de Incapacidade radica no facto de se permitir que o sinistrado, já após a fixação da sua incapacidade para o trabalho e a atribuição da consequente pensão por decisão judicial, confrontado com um agravamento do seu estado de saúde, recidiva ou recaída, resultante das lesões sofridas, em consequência do acidente de trabalho que deu origem à reparação, possa requerer em juízo a reapreciação do seu estado de saúde e a alteração da incapacidade anteriormente fixada. II. Para esse efeito, impõe-se ao Sinistrado que ao deduzir tal pedido ao Tribunal, o fundamente devidamente – e provando -, as razões determinantes desse agravamento e os termos em que se repercutem na sua capacidade de ganho, enquanto geradora de uma incapacidade maior do que aquela que lhe fora fixada anteriormente. III – Não tendo ocorrido qualquer alteração na situação clínica do Sinistrado posteriormente às decisões que lhe fixaram a incapacidade, quer no âmbito deste processo quer nos processos que os autos documentam, decisões essas que transitaram em julgado, não existe fundamento para lhe atribuir uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, (…)”.

4. Revertendo ao caso em apreço, desde já se dirá que este este enquadra-se na situação acima descrita.
É certo que, para além do perito médico singular, também os Srs. Peritos médicos que intervieram na junta médica pelo sinistrado e pelo Tribunal consideraram que a A. se encontra afectada de IPATH para a actividade profissional de cabeleireira [entendendo embora o perito nomeado pelo Tribunal que tal incapacidade não se verifica para a actividade de sócia-gerente]. Por sua vez, entende o perito médico indicado pela Ré que a A. não se encontra afectada de IPATH para a actividade de cabeleireira.
Mas entenderam também todos os peritos médicos, seja o perito médico que efectuou o exame singular, sejam os três peritos que intervieram na junta médica, que não se verificou qualquer alteração, designadamente agravamento, da situação clínica da A., mormente das lesões/sequelas que a mesma já apresentava aquando da alta definitiva e da fixação inicial da incapacidade, mantendo o mesmo coeficiente de desvalorização de IPP de 32,55%.
Como acima se referiu, dado o trânsito em julgado da sentença proferida aos 13.03.2020 e que fixou à A. a IPP de 32,55 % e sem IPATH, a situação nesta definida, salvo as situações em que seja admissível a revisão da pensão, não é passível, com base nos mesmos pressupostos, de alteração, mormente de “correcção” por forma a ser atribuída à A. IPATH, ainda que a partir a apenas da data do pedido de revisão, sob pena de violação do caso julgado material formado por tal decisão. Ou seja, quer-se com isto dizer que se as lesões que a A. apresentava a essa data já fossem determinantes de incapacidade permanente para o trabalho habitual de cabeleireira, mas esta não lhe foi atribuída, não será possível agora a “correcção” de tal situação mediante a atribuição de IPATH, ainda que com efeitos a partir de data posterior.
Por outro lado, é certo que a situação já definida, com transito em julgado, poderá ser alterada. Mas apenas o poderá ser por via do incidente de revisão, revisão esta que, nos termos do art. 70º da Lei 98/2009, só ocorrerá quando se verifique uma modificação da capacidade de trabalho ou de ganho proveniente de agravamento [recidiva, recaída ou melhoria] da lesão ou doença que deu origem à reparação.
Ora, no caso em apreço, os todos os mencionados peritos médicos entenderam não se ter verificado agravamento da lesão e tendo mantido o mesmo coeficiente de desvalorização de IPP inicialmente atribuído. Aliás, a A., no incidente de revisão, sustentava a existência de agravamento das lesões/sequelas, o que, como referido, não foi corroborado pelos Srs. Peritos médicos que intervieram na junta médica.
O caso em apreço não se enquadra, pois, na situação contemplada no art. 70º, nº1, da Lei 98/2009.
E, diga-se também, que embora os peritos médicos indicados pela A. e pelo Tribunal hajam entendido que esta se encontra afectada de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de cabeleireira, mal se compreende tal conclusão quando as premissas de que partem são as mesmas qua já se verificavam, quais sejam as mesmas lesões/sequelas e respectivos coeficientes de desvalorização que já se verificavam anteriormente [aquando da alta definitiva e da correspondente fixação da desvalorização].
Diz a Recorrente, na al. E) das conclusões, que a “IPATH CONSTITUI UM AGRAVAMENTO OU UMA ALTERAÇÃO DA INCAPACIDADE ANTERIORMENTE ATRIBUÍDA À RECORRENTE, MAIS CONCRETAMENTE CONFIGURA UMA DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL DA SINISTRADA EM FUNÇÃO DA INCAPACIDADE DE QUE PADECIA E JÁ ANTERIORMENTE FIXADA - QUAL SEJA UMA INCAPACIDADE PARCIAL PERMANENTE DE 32,55%;”.
É certo que uma IPATH consubstancia um agravamento da capacidade de trabalho ou de ganho em relação a uma anterior IPP sem IPATH. Não obstante, o que o art. 70º da NLAT impõe é que esse agravamento seja proveniente de um agravamento, recidiva ou recaída da lesão que deu origem à reparação. Ora, no caso e como já referido, o que os peritos médicos entenderam, por unanimidade, foi que não houve agravamento das lesões da A. [ou recidiva ou recaída], pelo que não basta que a hajam agora considerado afectada de IPATH.
E, por outro lado e também como já referido, não está o juiz adstrito ou vinculado ao resultado da perícia médica, embora a divergência deva ser fundamentada em razões que a justifiquem, razões essas que, no caso, são as que deixámos ditas e que justificam o entendimento do não acolhimento da IPATH para a actividade de cabeleireira [e, muito menos, para a de sócia gerente] a que se reportam os Srs. Peritos médicos que intervieram no exame médico singular e na junta médica por indicação da sinistrada e do Tribunal.
Diz ainda a Recorrente que a interpretação acolhida na decisão recorrida [e, como decorre do que se disse, por nós acolhida] é inconstitucional por violação do art. 59º, nº 1, al. f), da CRP.
Dispõe o citado preceito constitucional que “1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: (…); f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
A efectivação do mencionado direito à justa reparação faz-se de harmonia com a lei ordinária e, desta e como já se deixou dito, resulta: por um lado, que não é possível a “correcção” da anterior incapacidade sob pena de violação do caso julgado material e do princípio geral de segurança das decisões judiciais; e, por outro, que não se verificam os pressupostos do direito à revisão da pensão na medida em que, atento o exame por junta médica, a lesão de que a A. padecia anteriormente não sofreu agravamento [nem recidiva ou recaída]. Diga-se ainda que a A. é reparada pelas lesões decorrentes do acidente de trabalho através da fixação da pensão anual e vitalícia correspondente à IPP 32,55% [cujo recebimento não é posto em causa nos autos].
Não se nos afigura, pois, que se mostre violado o direito à justa reparação do acidente de trabalho a que se reporta o art. 59º, nº 1, al. f), da CRP.

Improcedem, assim, as conclusões do recurso, sendo de manter a sentença recorrida.
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VI. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 21.10.2020
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas