Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9972/17.5T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP201901079972/17.5T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º687, FLS.66-71)
Área Temática: .
Sumário: I – Constitui pressuposto da intervenção, ao abrigo do art.º 311.º do CPC, em relação aos sujeitos da causa principal, a existência de uma situação de litisconsórcio voluntário ou necessário. A finalidade do incidente consiste em associar novas partes à primitivas.
II – A celebração de um contrato-promessa de compra e venda, com mera eficácia obrigacional, não confere ao promitente-comprador o direito de intervir, ao abrigo do art.º 311.º do CPC, como parte principal ao lado dos requeridos, demandados como únicos proprietários do prédio cuja demolição é requerida na providência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ProvdCaut-IntervEspontânea-9972/17.5T8VNG-A.P1
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1]
(5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório
No âmbito do presente procedimento cautelar não especificado em que figuram como:
- REQUERENTES: B… e mulher C… residentes na rua …, nº … – …º andar, Hab. …, Porto; e como,
- REQUERIDOS: D…, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta e indivisa por óbito de E…, residente na rua …, nº .., …, Vila Nova de Gaia;
F…, residente na rua …, nº …, …, Vila Nova de Gaia;
G…, residente na Travessa …, nº …, Vila Nova de Gaia;
H…, residente na Travessa …, nº …, …, Vila Nova de Gaia invocando a qualidade de proprietários de um prédio sito em Vila Nova de Gaia e demandando os requeridos na mesma qualidade, em relação a outros prédios que confinam com o seu, pedem, com inversão do contencioso:
- que sem audição prévia dos requeridos se ordene e autorize a imediata realização de obras de demolição e/ou de segurança e manutenção do seu prédio, num prazo não superior a 15 dias;
- em alternativa, os requerentes aceitarem e pagarem aos requerentes a sua quota parte no orçamento apresentado, no valor de €4.173,75, ou o valor que se vier a apurar, no prazo de 10 dias de forma que os requerentes possam realizar as obras de demolição de forma a evitar elevados prejuízos e acidentes com pessoas.
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Citados os requeridos vieram deduzir oposição alegando, em síntese, que os requeridos F…, G… e H… nunca foram proprietários do prédio em questão e que a requerida D… também não o é, por o ter vendido em parte à empresa J…, Lda, NIPC ……….., desconhecendo, por esse motivo, o efetivo estado em que se encontram os prédios.
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J…, Lda, NIPC ……….., com sede no lugar …, nº …, freguesia de …, concelho de Amarante veio deduzir incidente de intervenção principal espontânea.
Alegou para o efeito e em síntese, ser uma sociedade por quotas cujo objeto social consiste, nomeadamente, na construção civil, e que na prossecução do seu escopo social celebrou com a requerido D… um contrato promessa, nos termos do qual ela, J…, L.da, se comprometia a comprar aquela, D…, pelo preço de 30.000,00€, que já pagou, 1/2 do prédio urbano composto por seis casas, situado no Largo …, em Vila Nova de Gaia, melhor identificado num tal contrato cuja cópia juntou.
Termina por declarar que vem aderir aos articulados apresentados pela requerida D…, fazendo-os seus.
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Ouvidos os requerentes vieram opor-se à intervenção, por considerarem não estarem reunidos os pressupostos para a sua admissão, uma vez que o interveniente não dispõe de um interesse igual ao dos requeridos, por não ser proprietário do imóvel, porquanto com a celebração do contrato promessa não foi transferida a posse do imóvel, nem ao mesmo foi atribuída eficácia real.
A requerida D… veio pronunciar-se no sentido de considerar que o incidente deduzido vem provar a posição defendida na contestação apresentada pelos requeridos, demonstrando que não são proprietários do imóvel.
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Proferiu-se despacho cujo teor se transcreve:
“J…, Lda, no âmbito do presente procedimento cautelar não especificado em que figuram como requerentes B… e mulher C… e como requeridos D…, F…, G…, H…, I… e K…, veio requerer a intervenção principal espontânea.
Para tanto alegou, sendo esta sua alegação que obviamente o Tribunal irá aferir da admissibilidade da respetiva pretensão, ser uma sociedade por quotas cujo objeto social consiste, nomeadamente, na construção civil, e que na prossecução do seu escopo social celebrou com a requerido D… um contrato promessa, nos termos do qual ela, J…, Lda, se comprometia a comprar aquela, D…, pelo preço de 30.000,00€, que já pagou, 1/2 do prédio urbano composto por seis casas, situado no Largo …, em Vila Nova de Gaia, melhor identificado num tal contrato cuja cópia juntou.
Ouvidos requerentes e requeridos, vieram aqueles opor-se, tendo estes, e de modo concreto, D…, F…, G… e H…, pugnado pela não admissibilidade de uma tal intervenção.
Posto isto, e com vista a conhecer da admissibilidade de um tal pedido de intervenção, importará antes do mais ter em atenção que através do presente procedimento é visada a demolição do prédio melhor identificado no artigo 2° da petição inicial,
Com efeito, visando o presente procedimento, a título principal, que seja autorizada a imediata realização de obras de demolição e/ou de segurança do prédio melhor identificado no artigo 2° da petição inicial, que é também aquele que se mostra identificado no contrato promessa que se mostra junto aos autos.
Do mesmo modo mais importará ter em atenção aquilo que se mostra estabelecido nos artigos 311 o e 312°, ambos do Código de Processo Civil, de acordo com os quais "estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que em relação ao seu objeto tiver um interesse igual ao do autor ou do ré li, nos termos dos artigos 32~ 33° e 34°" [ do Código de Processo Civil ], sendo q:ue por meio do seu requerimento, peticionando a sua intervenção, "o interveniente faz valer um direito próprio paralelo ao do autor ou do réu (,,)".
Ora bastará atentar naquilo que se mostra referido nos aludidos preceitos, artigos 32° e 330 do Código de Processo Civil inclusive, para se poder concluir no sentido ela J…, Lda não ser detentora de qualquer interesse igual ao dos réus/requeridos, na medida em que estes, réus/requeridos são demandados na qualidade de proprietários do imóvel cuja demolição é visada ao passo que a referida sociedade não é detentora de qualquer direito sobre o imóvel em questão igual ao dos rés/requeridos, ou, pelo menos, não é detentora de qualquer direito paralelo ou equivalente ao dos requeridos no presente procedimento sobre o imóvel aqui em questão, tanto mais que, e através do próprio contrato promessa que celebrou não lhe foi conferida a posse sobre o imóvel em discussão nestes autos nem ao contrato que celebrou foi atribuída eficácia real.
Isto independentemente do preço acordado pelo direito prometido vender já se mostrar alegadamente pago, já que não tendo sido atribuída eficácia real pela partes que o outorgaram ao contrato promessa invocado como fundamento para a intervenção principal requerida, o mesmo apenas tem eficácia meramente obrigacional, a qual, só por si, não permite o desiderato visado no caso pela requerente da intervenção.
Nestes termos, e em função do que se mostra exposto, não admito a intervenção requerida pela J…, Lda, por considerar inexistir fundamento para a mesma.
Custas do presente incidente a cargo da requerente J…, Lda, fixando-se a taxa de justiça numa UC.
Notifique”.
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J…, Lda veio interpor recurso do despacho.
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Nas alegações que apresentou o recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da decisão proferida em 30/07/2018, em incidente de intervenção principal espontânea deduzida pela ora recorrente, e no qual a Mm. ª Juiz decidiu pela não admissão da intervenção principal espontânea da ora recorrente em procedimento cautelar onde se discute a demolição do imóvel ali em causa - prédio urbano composto por 6 casas, sitas no Largo …, em Vila Nova de Gaia (União de Freguesias de … e …), inscrito na matriz urbana sob o artigo 2167 (que proveio dos antigos artigos 1421, 1422 e 1423 da dita freguesia) e descrito na conservatória do registo predial de Vila Nova de Gaia com o número 3727, daquela mesma União de Freguesias - melhor identificado na petição inicial.
2. Em 18 de Junho de 2018 a ora requerente requereu a sua intervenção principal espontânea ao abrigo do disposto, nomeadamente, nos artigos 32.º e 311.º e 312.º, todos do CPC, declarando aderir aos articulados da requerida D…, fazendo-os seus e aderindo à sua posição, nos termos o disposto no artigo 313.º n.º 1 do CPC.
3. Justificou a intervenção principal no processo alegando, em suma, que no âmbito do seu objeto social, com o intuito de reconstruir e revender, celebrou em 7/12/2017 um contrato-promessa de compra e venda do imóvel aqui em causa com a requerida D…, ali representada pelo seu procurador F…, filho desta D…, com procuração datada e reconhecida em 17/11/2017, tendo inclusivamente pago a totalidade do valor da compra, faltando apenas a realização da escritura pública.
4. Alegou ainda que, não obstante a requerida D… ser titular de apenas ½ dos imóveis em questão, a negociação com vista à aquisição do outro ½ estava praticamente concluída, tendo sido suspensa pelos restantes proprietários quando tomaram conhecimento do procedimento cautelar.
5. Juntamente com o seu requerimento, a ora recorrente juntou documentos, nomeadamente o contrato-promessa celebrado em 7/12/2018 e a procuração elaborada em 17/11/2017 e nesse mesmo dia registada no site na Ordem dos Advogados às 15.40 horas, que poderá ser consultado em https://oa.pt/atos com o código ........ - ..........
6. Nesse mesmo dia 18/06/2018, manifestou-se o requerente/autor do procedimento cautelar, B… e outros, declarando a sua oposição à intervenção principal da ora requerente.
7. Em novo requerimento datado de 19/06/2018 - no qual a ora recorrente juntou aos autos uma procuração que por lapso não havia juntado com o seu requerimento inicial - esclareceu ao abrigo do princípio do contraditório, que no contrato promessa celebrado em 7/12/2017, foi exibida uma procuração datada e registada no portal da Ordem dos Advogados em 17/11/2017, às 15:40 horas.
8. Em requerimento datado de 10/07/2018, os requerentes do procedimento cautelar B… e outros reiteraram a sua argumentação contra a intervenção da ora recorrente no procedimento cautelar.
9. Em 18/07/2018, a requerida D…, remeteu aos autos um requerimento em que assume concordar com a respetiva intervenção principal da ora recorrente, tendo inclusivamente assegurado que “o incidente de intervenção principal deduzido pela J…, Lda “veio provar cabalmente a posição defendida na contestação apresentada pelos requeridos, demonstrando que efetivamente estes não são os proprietários do imóvel em questão, bem como não litigam de má-fé, conforme requerido pelos requerentes”.
10. Na decisão de não admissão da intervenção principal proferida pela Mm.ª Juiz, ao contrário daquilo que consta do processo, escreve-se no terceiro parágrafo da decisão ora recorrida que “ouvidos requerentes e requeridos, vieram aqueles opor-se, tendo estes, e de modo concreto, D… (..), pugnando pela não admissibilidade de uma tal intervenção”.
11. Conforme já supra se disse, em 18/08/2018 a requerida D… esclareceu precisamente que a intervenção principal da ora recorrente vinha confirmar/provar cabalmente a sua versão apresentada nos autos, tanto que afirmou ainda que a intervenção da ora requerente demonstrou que aquela requerida D… nem sequer é proprietária do imóvel, clarificando – embora de forma tácita – que concorda com a respetiva intervenção principal da ora recorrente.
12. A Mm. ª Juiz justifica ainda a recusa da intervenção principal espontânea pelo facto de a ora recorrente não ser detentora de qualquer interesse igual ao dos réus/requeridos, “na medida em que estes são demandados na qualidade de proprietários do imóvel cuja demolição é visada ao passo que a referida sociedade não é detentora de qualquer direito sobre o imóvel em questão igual ao dos rés/requeridos, ou, pelo menos, não é detentora de qualquer direito paralelo ou equivalente ao dos requeridos no presente procedimento sobre o imóvel aqui em questão, tanto mais que, e através do próprio contrato promessa que celebrou não lhe foi conferida a posse sobre o imóvel em discussão nestes autos nem ao contrato que celebrou foi atribuída eficácia real.”
13. Não assiste razão à Mm.ª Juiz, uma vez que “o interveniente faz valer um direito próprio paralelo ao do autor ou do réu (…)” - in casu é o do réu/requerido. De facto, a interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado, ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa.
14. Há ainda que ter em conta que, pelo facto de o procedimento cautelar visar a demolição do imóvel, apenas com a sua intervenção neste processo a ora recorrente poderá fazer valer todos os seus direitos enquanto sua promitente-compradora.
15. No caso vertente, a recorrente J…, LDA deduz incidente de intervenção principal espontânea, em lugar paralelo ao dos requeridos, nomeadamente da requerida D…, mediante adesão aos seus articulados, porque em 7/12/2017, no âmbito do desenvolvimento da sua atividade comercial, celebrou com esta um contrato-promessa de compra com o intuito de, imediatamente, reconstruir e revender os imóveis.
16. Assim, não são contrapostos os interesses substantivos ou processuais da interveniente e da parte ao lado de quem se intervém.
17. Para que o incidente possa ser admitido, torna-se mister que o terceiro venha a juízo fazer valer um direito seu - “um direito próprio paralelo” ao da parte primitiva a que pretende associar-se - exigindo-se outrossim que se esteja em presença de um direito (rectius, interesse) pelo qual pudesse, ab initio, demandar ou ser demandado com essa parte.
18. A figura da intervenção principal espontânea, caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa, traduz-se, assim, na cumulação no processo da apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio (necessário ou voluntário) inicial.
19. Assim, apenas estaria afastada a possibilidade de dedução desse incidente nas situações em que o terceiro pretendesse, tão-somente, substituir na lide uma das partes primitivas. Não existe assim justificação para o indeferimento da intervenção principal espontânea da ora recorrente.
20. Por tudo quanto supra se expôs, requer-se a V.ª Ex.ªs se dignem reapreciar o litígio ora em apreço, revogando a decisão recorrida, julgando o recurso procedente e, em consequência, determinar o deferimento da intervenção principal espontânea da recorrente naquele procedimento cautelar conforme requerido em 18/06/2018, por adesão aos articulados da requerida D…, fazendo-os seus e aderindo à sua posição, nos termos, nomeadamente, do disposto no artigo 313.º n.º 1 do CPC.
21. A decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 32.º, 311.º e 312.º, todos do Código de Processo Civil.
Termina por pedir que se julgue procedente o recurso, com revogação aa decisão recorrida e, em consequência, determinar o deferimento da intervenção principal espontânea da recorrente naquele procedimento cautelar conforme requerido em 18/06/2018, por adesão aos articulados da requerida D…, fazendo-os seus e aderindo à sua posição, nos termos, nomeadamente, do disposto no artigo 313.º n.º 1 do CPC.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Dispensaram-se os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
A questão a decidir consiste em saber se deve ser admitida a intervenção principal espontânea da sociedade J…, Lda.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os termos do relatório e como se observa na decisão recorrida, os fundamentos indicados pela requerente da intervenção.
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3. O direito
- Da intervenção espontânea -
A apelante insurge-se contra o despacho recorrido alegando, por um lado, que a requerida D… não se opôs à intervenção e por outro lado, que estão reunidos os pressupostos para admitir a intervenção, porque a interveniente vem exercer um direito paralelo aos requeridos, não pretendendo a respetiva substituição processual.
Desde logo cumpre ter presente que a apelante não questiona os fundamentos de facto que sustentam o despacho recorrido, na medida em que não põe em causa que celebrou com a requerida D… um contrato promessa de compra e venda de ½ do prédio descrito no art. 2º do requerimento inicial, no qual declarou ter pago o preço, sem contudo atribuir ao contrato eficácia real. Também não questiona que com a celebração do contrato não se operou a transmissão da posse dos prédios para a apelante.
Neste contexto, cumpre apreciar se estão reunidos os pressupostos para admitir a intervenção principal espontânea da apelante.
O incidente foi requerido no âmbito de um procedimento cautelar não especificado e tem sido nosso entendimento que atenta a natureza do procedimento em causa, com tramitação sumária e um objetivo específico, não há lugar ao incidente de intervenção de terceiro[2].
Outro foi o entendimento do juiz do tribunal “a quo” e por isso, é partindo dos fundamentos do despacho que temos que apreciar da admissibilidade do incidente, o qual, aliás, não nos merece censura.
O art. 311º CPC prevê em que circunstâncias se pode admitir a intervenção espontânea principal, sob a epígrafe “Intervenção de litisconsorte”:
“Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32º, 33º e 34º”.
O incidente de intervenção de terceiros representa uma exceção ao princípio da estabilidade da instância, na vertente subjetiva.
O interesse na intervenção deve ser invocado para fundamentar a legitimidade do interveniente, no confronto da relação material controvertida desenvolvida em juízo entre as partes primitivas[3].
Na intervenção principal espontânea admite-se a intervir, como parte principal, quem em relação ao objeto da ação tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos art. 32º a 34º CPC.
Constitui, assim, pressuposto da intervenção, em relação aos sujeitos da causa principal, a existência de uma situação de litisconsórcio voluntário ou necessário. Daí que a finalidade do incidente consiste em associar novas partes às primitivas.
O incidente não visa operar a exclusão das partes primitivas por via de substituição[4].
Revertendo o exposto à concreta situação dos autos.
No presente procedimento visam os requerentes obter a demolição de um prédio ou a realização de obras urgentes, com o fim de obstar à sua derrocada. Os requeridos foram demandados na qualidade de proprietários do referido prédio que se encontra em risco de ruína.
A interveniente J…, Lda para fundamentar a sua intervenção no procedimento cautelar, alegou ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda de ½ do prédio, cuja demolição é requerida e pretende associar-se aos requeridos.
Verifica-se, assim, que não tem um interesse igual aos requeridos, porque atendendo aos fundamentos da providência não se encontra numa situação de litisconsórcio voluntário ou
necessário em relação aos requeridos. A apelante não figura como proprietária do referido prédio e o contrato-promessa celebrado apenas produz efeitos obrigacionais, o que significa que com a sua celebração as partes obrigaram-se apenas a celebrar um contrato de compra e venda ( art. 410º/1 CC ). Não pode pretender beneficiar do regime da posse[5], porque com a celebração do contrato não lhe foi transmitida a posse do prédio e apesar do alegado pagamento do preço, não foi atribuído ao contrato eficácia real (art. 413º CC).
Perante a relação material controvertida apenas os requeridos figuram como proprietários do prédio, cuja demolição se requereu.
Conclui-se, assim, que não merece censura o despacho recorrido, quando considerou não estarem reunidos os pressupostos para admitir a intervenção principal espontânea da apelante, na qualidade de litisconsorte dos requeridos.
Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar o despacho recorrido.
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Custas a cargo da apelante.
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Porto, 07 de Janeiro de 2019
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico
[2] Cfr. neste sentido, entre outros, Ac. Rel. Lisboa 26 de novembro de 2000, CJ Ano XXV, Tomo V-2000, pag. 102
[3] Cfr. SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes da Instância, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pag. 72
[4] Cfr. SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes da Instância, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pag. 72
[5] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado – com a colaboração de Henrique Mesquita, Vol. III, 2ª edição revista e atualizada, reimpressão, Coimbra Editora, grupo Wolters Kluwer, Coimbra, 2011, pag. 6-7 apesar de considerarem que “o contrato-promessa não é suscetível de, só por si, transmitir a posse ao promitente-comprador. Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário“, admitem contudo, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excecionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse. Apontam a título exemplificativo as situações “em que foi paga a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo (evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência ), a coisa é entregue ao promitente comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. Tais atos não são realizados em nome do promitente-vendedor, mas sim em nome próprios, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real”.
Estes ensinamentos têm sido acolhidos na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça como disso dão conta, entre outros, os acórdãos proferidos em Ac 12 de março de 2015, Proc.3566/06.8TBVFX.L1.S2, Ac. 03 de outubro de 2013, Proc. 420/06.7TVLSB.L1.S2, Ac. 14 de março de 2013, Proc. 46/04.0TBVNH.P2.S1, Ac.10 de dezembro de 2013, Proc. 64/1996.L1, Ac.03 de novembro de 2009, Proc. 2172/06.1TBGRD.C1.S1, Ac. 09 de setembro de 2008, Proc. 08A1988, Ac. 11 de dezembro de 2008, Proc. 08B3743, Ac 12 de julho de 2011, Proc. 899/04.1TBSTB.E1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.