Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0825474
Nº Convencional: JTRP00042218
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA
DIVÓRCIO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE HIERARQUIA
Nº do Documento: RP200902090825474
Data do Acordão: 02/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 299 - FLS 110.
Área Temática: .
Sumário: I - A sentença de divórcio entre cidadãos portugueses proferida por tribunal da Alemanha, ou de outro Estado-Membro da União Europeia, não carece de ser confirmado ou reconhecida por tribunal português para produzir efeitos em Portugal, designadamente para efeitos de actualização do registo civil.
II - O processo de revisão de sentença estrangeira, regulado nos arts. 1094.° a 1102.° do Código de Processo Civil, não é o adequado para o reconhecimento e execução em Portugal de sentença de divórcio proferida por tribunal da Alemanha, ou de outro Estado-Membro da União Europeia, relativo a cidadãos nacionais.
III - O tribunal da Relação é absolutamente incompetente, em razão da hierarquia (art. 101.º do Código de Processo Civil), para conhecer do pedido de reconhecimento de sentença de divórcio entre cidadãos nacionais, proferida por tribunal da Alemanha.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 5474/08-2
1.ª Secção Cível
Revisão de Sentença Estrangeira

Decisão proferida nos termos do art. 705.º do Código de Processo Civil.
I

1. B………, com residência no ………., comarca de Castelo de Paiva, requereu a revisão e confirmação da sentença proferida em 20 de Fevereiro de 2008, pela Vara de Família do Tribunal de Schwelm, na Alemanha, que decretou o divórcio entre o requerente e C………., com residência em ………., …, ….. ………., Deustschland.
Juntou os documentos que constam de fls. 4 a 14, que incluem certidão do assento do seu casamento e cópia certificada da sentença revidenda com a respectiva tradução.
A requerida C………. foi regularmente citada para, querendo, deduzir a sua oposição, nos termos previstos no art. 1098.º do Código de Processo Civil, e nada disse (fls. 18-19).
O requerente alegou nos termos do art. 1099.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e concluiu pela verificação de todos os pressupostos legais para que a sentença em causa seja revista e confirmada.
O Ministério Público também alegou e concluiu pela incompetência absoluta deste tribunal, considerando o disposto nos arts. 21.º e 68.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, o qual, por um lado, estabelece o princípio do reconhecimento automático das decisões proferidas em matéria matrimonial por um Estado-Membro nos outros Estados-Membros, e estipula que a competência para a executoriedade dessas decisões cabe ao tribunal que consta da lista I publicada no J.O. 2005/C 40/02, de 17-02-2005, o qual, no caso português, é o tribunal de comarca ou o tribunal de família e menores.
As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre esta nova questão da incompetência absoluta deste tribunal, suscitada pelo Ministério Público e que também é do conhecimento oficioso do tribunal (art. 102.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), e nada disseram.
Dada a simplicidade das questões a resolver, profere-se decisão sumária nos termos do art. 705.º do Código de Processo Civil.
II

2. Os documentos constantes dos autos atestam que:
1) O requerente e a requerida contraíram casamento entre si em 15-08-1988, em Portugal, o qual foi registado na Conservatória do registo Civil de Castelo de Paiva pelo assento n.º 77/1988 (doc. a fls. 14).
2) Por sentença de 20-02-2008, transitada em julgado, proferida pela Vara de Família do Tribunal de Schwelm, na Alemanha, foi decretado o divórcio entre o requerente e a requerida com efeitos definitivos a partir daquela mesma data.

3. Em matéria de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras de natureza cível, o n.º 1 do art. 1094.º do Código de Processo Civil dispõe que, sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada. O que quer dizer que, em primeiro lugar, há que atender ao que se encontra estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.
No caso, a sentença revidenda foi proferida por tribunal de Estado-Membro da União Europeia, já no decurso do presente ano de 2008. Por isso, como bem alegou a Ex.ma Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer a fls. 23-25, aplica-se-lhe o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo “à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental”, o qual entrou em vigor em 1 de Agosto de 2004 e desde 1 de Março de 2005 é aplicável em todos os Estados-Membros, à excepção da Dinamarca (cfr. o considerando 3) do Regulamento (CE) n.º 2116/2004 do Conselho, de 2 de Dezembro de 2004, que alterou o primeiro).
Sobre a epígrafe “Reconhecimento das decisões”, dispõe o n.º 1 do artigo 21.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 que “as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades”.
E a propósito da actualização dos registos sobre o estado civil das pessoas, o n.º 2 do mesmo artigo acrescenta que: “Em particular, e sem prejuízo do disposto no n.º 3, não é exigível nenhuma formalidade para a actualização dos registos do estado civil de um Estado-Membro com base numa decisão de divórcio, separação ou anulação do casamento, proferida noutro Estado-Membro e da qual já não caiba recurso, segundo a legislação desse Estado-Membro”. De que resulta que, para efeitos de averbamento no registo do divórcio das partes, a sentença proferida pelo tribunal da Alemanha é por si título bastante, sem necessidade de outras formalidades. Aplicando-se o princípio do reconhecimento automático consagrado no Regulamento (CE) citado, o qual, como é referido no considerando 21), “tem por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não-reconhecimento serão reduzidos ao mínimo indispensável”.
Mas se, por qualquer razão, houver necessidade de recorrer ao reconhecimento da sentença por tribunal português, esse reconhecimento far-se-á de acordo com os procedimentos previstos na secção 2 do capítulo III (arts. 28.º a 36.º), e perante o tribunal de comarca ou o tribunal de família e menores, consoante este exista no local ou não. É o que dispõe o n.º 3 do mesmo artigo 21.º, dizendo: “Sem prejuízo do disposto na secção 4 do presente capítulo, qualquer parte interessada pode requerer, nos termos dos procedimentos previstos na secção 2 do presente capítulo, o reconhecimento ou o não-reconhecimento da decisão. A competência territorial dos tribunais indicados na lista comunicada por cada Estado-Membro à Comissão nos termos do artigo 68.º é determinada pela lei do Estado-Membro em que é apresentado o pedido de reconhecimento ou de não-reconhecimento”.
Ora, a lista dos tribunais a que aqui se faz referência consta da lista I publicada no J.O. 2005/C 40/02, de 17-02-2005, que refere, no caso português, o tribunal de comarca ou o tribunal de família e menores (consoante este exista ou não na área da respectiva comarca). A intervenção da Relação só ocorre em sede de recurso da decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância (art. 68.º e lista referida).
De tudo o exposto resulta, em conclusão:
1) a sentença de divórcio entre cidadãos portugueses proferida por tribunal da Alemanha, ou de outro Estado-Membro da União Europeia, não carece de ser confirmada ou reconhecida por tribunal português para produzir efeitos em Portugal, designadamente para efeitos de actualização do registo civil;
2) em todo o caso, o processo de revisão de sentença estrangeira, regulado nos arts. 1094.º a 1102.º do Código de Processo Civil, não é o adequado para o reconhecimento e execução em Portugal de sentença de divórcio proferida por tribunal da Alemanha, ou de outro Estado-Membro da União Europeia, relativo a cidadãos nacionais;
3) para além disso, o tribunal da Relação é absolutamente incompetente, em razão da hierarquia (art. 101.º do Código de Processo Civil), para conhecer do pedido de reconhecimento de sentença de divórcio entre cidadãos nacionais, proferida por tribunal da Alemanha;
4) esta incompetência absoluta constitui uma excepção dilatória, que é do conhecimento oficioso do tribunal, e tem como consequência a absolvição da instância (arts. 102.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
III
Pelo exposto:
1) Declaro este tribunal incompetente em razão da hierarquia para conhecer do pedido formulado nesta acção e absolvo a requerida da instância.
2) Condeno o requerente a pagar as custas da acção (art. 449.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
3) Registe e notifique.
*

Relação do Porto, 09-02-2009
António Guerra Banha