Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1013/12.5TTMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: TRANSPORTE GRATUITO
LEI DO ORÇAMENTO DO ESTADO
INCONSTITUCIONALIDADE
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR ACORDO
DISCRIMINAÇÃO DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RP201411031013/12.5TTMTS.P1
Data do Acordão: 11/03/2014
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A Lei que aprovou o orçamento do Estado para 2013 determinou a proibição de utilização gratuita dos transportes públicos, tendo tal regime natureza imperativa (n.º 3, do artigo 144.º) e prevalecendo sobre quaisquer outras normas em contrário, IRCT e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos, sendo aplicável no caso de atribuição ao trabalhador e respetivo cônjuge de passes gratuitos, a qual resulta de deliberações do conselho de administração da Ré e mesmo que constasse do contrato de trabalho também não prevaleceria.
II - A decisão da Ré que, no cumprimento do disposto na citada Lei do Orçamento, fez cessar a utilização gratuita do transporte nos veículos da empresa afetos ao serviço público e bloqueou os passes do A. e da sua mulher, não viola o princípio da proteção da confiança ínsito no artigo 2.º da C.R.P..
III - Tendo resultado provado que os trabalhadores vigilantes da Ré foram alvo de um processo de despedimento por extinção do posto de trabalho e receberam a compensação prevista na lei e que o A. celebrou com a Ré um acordo de cessação do contrato de trabalho tendo acordado, além do mais, que o autor receberia a compensação pecuniária da natureza global no montante de € 15.578,80, na qual foram incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação, dando o autor quitação às importâncias recebidas, renunciando a quaisquer outros direitos, não se nos afigura que o A. tenha sido discriminado em função da idade, ou por outra razão, nem que tenha existido qualquer violação do princípio da igualdade, desde logo, porque se tratam de situações substancialmente desiguais.
IV - Se o A. não foi alvo de um despedimento por extinção do posto de trabalho, antes o seu contrato cessou por acordo de cessação do contrato de trabalho que celebrou com a Ré, tendo ficado estipulado que receberia a compensação pecuniária da natureza global no montante de € 15.578,80, não tem direito à diferença reclamada a título de compensação de despedimento por extinção do posto de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1013/12.5TTMTS.P1
Tribunal do Trabalho de Matosinhos (2º juízo)
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Relatora – Paula Maria Roberto
Adjuntos – Desembargadora Fernanda Soares
– Desembargadora Paula Leal de Carvalho

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
B…, reformado, residente em …,

intentou a presente ação declarativa de processo comum contra

C…, S.A., com sede no Porto,

alegando, em síntese, que exerceu a sua atividade para a Ré de 25/07/1975 até 05/12/2011; no decurso de um processo despedimento por extinção do posto de trabalho dos vigilantes estes aceitaram cessar o contrato de trabalho por mútuo acordo, recebendo como compensação pecuniária pela cessação do vínculo contratual, um mês de remuneração mensal por cada ano de trabalho ou fração na empresa; sendo vigilante mas chefia direta de 14 vigilantes a despedir foi chamado ao responsável que lhe comunicou a extinção do seu posto de trabalho, depreendendo que relativamente a si, a ora Ré não quis efetuar um processo formal de extinção do posto de trabalho como o fez quanto aos seus subordinados, no entanto, foi enganado pela Ré; esta, atuando com reserva mental adotou processo distinto, com vista a não ter que atribuir ao A. indemnização igual à que atribuiu aos outros vigilantes; face à referida comunicação e com medo de que contra si viesse a surgir maior mal se não alinhasse na intenção da Ré, em 22/11/2011, ainda subordinado à Ré, acabou por acordar na cessação do contrato, com efeitos reportados a 05/12/2012, tendo que aceitar o montante indemnizatório de € 15.578,09, com que foi surpreendido, não obstante ter formado a sua vontade com base no tratamento que foi dado a cada um dos restantes vigilantes; face à sua antiguidade de 36 anos e 4 meses, a indemnização seria de € 37.712,56; a Ré discriminou o A. em função da idade e a indemnização recebida não corresponde ao que lhe é legalmente devido e a Ré violou o princípio da igualdade e a sua atuação corresponde a um enriquecimento sem causa.
Termina, dizendo que a presente ação deve ser julgada procedente e provada para todos os efeitos legais e, em consequência, anulado o acordo de cessação do contrato de trabalho de 22/11/2012, ser a Ré condenada a pagar ao A. a quantia de € 22.134,47, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da cessação e dos vincendos até efetivo e integral pagamento, relativa à diferença devida a título de compensação pela extinção do posto de trabalho, resultante da inclusão no respetivo cálculo da sua retribuição mensal base, mais diuturnidades multiplicada pela sua antiguidade.
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Teve lugar a audiência de partes, conforme ata de fls. 30 e na qual não foi obtido acordo.
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A Ré, devidamente notificada para contestar, veio fazê-lo alegando que:
O contrato de trabalho cessou por mútuo acordo das partes; procedeu ao despedimento por extinção dos postos de trabalho dos vigilantes pagando-lhes a compensação devida; comunicou ao A., por ser encarregado, que poderia ocupar outro posto de trabalho que a Ré teria disponível, nunca lhe tendo sido dito que o seu posto de trabalho seria extinto; o A. manifestou interesse na cessação do contrato de trabalho porque estaria muito perto da idade da reforma; informou o A. que para tal cessação do contrato por mútuo acordo a indemnização a pagar teria sempre um limite máximo diverso do que a lei estabelece para a extinção do posto de trabalho; o A. deu o seu assentimento e manifestou vontade na cessação do contrato de trabalho neste quadro negocial, aderindo ao mesmo sem qualquer reserva; o A. não foi coagido nem enganado; não foi violado o princípio da igualdade já que as situações são distintas; não se verificam quaisquer vícios da vontade; o A. declarou ainda que recebeu todas as quantias que lhe eram devidas, pelo que, eventuais créditos do A. se consideram extintos por remissão abdicativa; não é aplicável o regime da cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho, pelo que, não lhe assiste o direito a qualquer outra compensação além da que já recebeu e que o A. litiga de má fé.
Termina, dizendo que a presente ação deve ser julgada integralmente improcedente por não provada e a Ré absolvida do pedido e deve o A. ser condenado como litigante de má fé e, em consequência, ser fixada uma indemnização que, desde já, se requer não inferior a € 2.000.
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O A. respondeu nos termos de fls. 63 e segs., concluindo no sentido da improcedência das exceções deduzidas pela Ré, concluindo como na p. i. e da condenação da Ré a pagar uma indemnização no montante de € 2.500, acrescido de juros até integral pagamento e em multa condigna, por litigar de má fé processual.
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Foi proferido o despacho saneador de fls. 71.
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Foi admitido o aditamento à p.i. de um novo pedido do A. no sentido da condenação da Ré a reativar os passes monomodais do A. e do seu cônjuge tal como eles estavam até 31/01/2013 ou, subsidiariamente, a indemnizá-lo pelo valor que deles retiraria, desde o dia 01/02 até 31/12/2013, no montante global de € 963,60.
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Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e o tribunal decidiu a matéria de facto conforme consta do despacho de fls. 111 a 118.
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De seguida, foi proferida a sentença de fls. 121 e segs. que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré de todos os pedidos contra ela formulados pelo A..
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O Autor, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso da mesma e formulando as seguintes conclusões:
“1ª- O ora Recorrente não pode conformar-se com a decisão do Tribunal a quo, pelo que dela vem Apelar
2ª- Salvo o devido respeito, a Meritíssima Juiz a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devesse pronunciar-se e relativamente ao aditamento há obscuridade que torna a decisão ininteligível, sendo ainda que constam do processo documentos que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida.
2ª-o autor era titular do cartão ….. de vigilante, emitido pelo Ministério da Administração interna, após a correspondente formação, válido até 19/07/2010;
3ª - em 09 do Novembro de 2011 (não em 2011 como por eventual lapso consta no nº 6 dos Factos Provados) a Ré iniciou um processo formal de despedimento por extinção do posto de trabalho com os seus vigilantes das instalações, subordinados do Autor, portanto os referidos 14 vigilantes;
4ª-a Ré como consta do nº11 dos Factos Provados quis distinguir a indemnização – sublinhado nosso - a pagar ao Autor daquela que a lei estabelece para a extinção do posto de trabalho, impondo um limite determinado pelo montante das remunerações devidas até ao limite de idade de 65 anos;
5ª- desde as deliberações mencionadas de 13) a 15)- portanto desde 1998- sublinhado nosso- a Ré vinha concedendo aos seu ex-trabalhadores e respectivos cônjuges, com antiguidade de vinte e cinco anos, o direito a um passe da rede geral a título gratuito;
6ª- em cumprimento das mencionadas deliberações, em virtude da cessação do contrato de trabalho, a Ré concedeu ao A. e à sua esposa passes da rede geral, sem custos,
7ª- por carta datada de 31 de Janeiro de 2013, a Ré comunicou ao A. que a partir de 1 de fevereiro de 2013 cessava a utilização gratuita e que a partir dessa data os passes monomodais seriam bloqueados,
8ª- A Meritíssima Juiz a quo não deu provado que no cálculo da indemnização aos vigilantes foi contemplada a remuneração da tabela salarial, acrescida das diuturnidades, quando tal matéria, constante do artº 7º da P.I. não foi impugnada. E até no artº 15º da Contestação a Ré confessa que pagou aos vigilantes a compensação devida pela extinção do posto de trabalho e no artº 16º da Contestação confessa afirmando que a cessação do contrato de trabalho dos vigilantes não foi feita por mútuo acordo mas sim por extinção do posto de trabalho, nos termos do disposto no artº 367º nº1 do Código do Trabalho, inserido na secção IV “Despedimento por iniciativa do empregador”,
9ª- não se compreendendo que a Meritíssima Juiz não tenha tido isso em conta e acabe por afirmar que não se conhece o que os vigilantes receberam, sendo que
10ª- nos termos do disposto no artº 366º nº1 do Código do Trabalho, aplicável por remissão, em caso de despedimento colectivo, o trabalhador tem direito a uma compensação correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, o que é doe conhecimento oficioso;
11ª - Como confessa a Ré no artº11º da Contestação, não foi possível obter a renovação dos cartões profissionais de vigilantes e, pois, o do autor o Autor era vigilante e chefe dos vigilantes, o seu posto de trabalho cessou e ainda no artº 14º da Contestação confessa a R. que extinguiu os postos de trabalho afectos às funções de vigilantes das instalações e como provado, em 4) dos Factos provados, o Autor estava afecto às funções de vigilante.
12ª- Os documentos relativos ao facto provado no artº 12) dos Factos Provados e respectiva Fundamentação, juntos pelo Autor, na Resposta sob o nº 1,1.1,1.2 e 2, que não foram impugnados pela Ré, que atestam que não era prática habitual da empresa que o valor indemnizatório que a Ré aceitava pagar era diferente das situações de extinção do posto de trabalho.
13ª- Pelos documentos relativos ao Aditamento, os documentos juntos pelo A., que atribuem o direito ao passe gratuito aos trabalhadores que cessassem o contrato por mútuo acordo, teria que concluir-se que eles consubstanciavam um Regulamento Interno e, como tal, um incentivo a que os trabalhadores aderiam e com que contavam, por isso é que a testemunha da Ré foi peremptória, como consta da fundamentação da decisão quanto ao nºi) dos Factos não Provados, na afirmação de que tal questão nunca sequer foi mencionada nas conversas que teve com o Autor a propósito da cessação do contrato.
14ª-Estes mesmos documentos demonstram claramente que o direito aos passes atribuídos ao Autor e à sua esposa, resultou da cessação do contrato de trabalho celebrado e, assim, tais passes têm origem na negociação individual, mas sempre como contrapartida de menor compensação e que os mesmos não foram atribuídos gratuitamente nem têm natureza precária ou transitória.
15ª- ainda que se considerasse a sua gratuitidade, não deixará a sua afectação de ser ilegal em virtuda de consubstanciar uma violação, inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa de expectativas jurídicas, violando clamorosamente o princípio inerente à cláusula do “Estado de Direito Democrático” ínsito no artº 2º da Constituição da República Portuguesa.
16ª-Sendo os referidos passes vitalícios, como resulta dos respectivos documentos, atento o valor de cada um deles que no nº 19 dos Factos Provados é de €35,10, pese embora na fundamentação a Meritíssima Juiz a quo afirme que considerou-se o valor máximo- o certo é que considerou o mínimo ou seja o invocado pela Ré- relativamente ao qual houve acordo das partes nos articulados, ninguém sabendo o valor concreto, o que parece incrível atento as funções de Direcção da testemunha, tida como determinante e o cargo específico da segunda testemunha, ambas testemunhas da Ré; sendo até muito estranho que na acção que corre termos sob o nº 392/13.1TTPRT, no Tribunal do trabalho do Porto, Juízo Único, 1ª Secção, em fase de recurso tenha sido provado que o valor do passe de rede geral da Ré, em 31 de Janeiro de 2013, era no montante de € 46,80, cada um
17ª- e considerando a esperança média de vida que , segundo o INE, em 2011 se situava em 79 anos para o homem e de 82 para as mulheres estamos a falar de uma prejuízo bastante elevado que, sem dúvida teria que pesar na decisão de o Autor aceitar a cessação do contrato e de aceitar o valor da compensação da sua vontade de cessar o contrato, contrariamente ao que a Meritíssima Juiz a quo fez constar da aludida fundamentação.
18ª-É que considerando ainda que seja o valor de €35,10 cada um e a referida esperança de vida, sendo que o Autor não tinha ainda 65 anos como vem provado e tendo a esposa a mesma idade, estaremos a falar de um montante de cerca de €12.636,60, assim calculado:
€35.10*2passes*12 meses*15 anos no mínimo.
19ª-Um montante de cerca de €12.636,60, no mínimo, pesa necessariamente na formação de vontade de negociar a cessação do contrato.
20ª- Sendo que o acordo em causa está sujeito à disciplina civilista não está abrangido pelo nº3 do artº 144º da Lei 66-B/2012 de 31 de Dezembro que aprovou o Orçamento de estado para 2013, já que aí só vem referido o contrato de trabalho.
21ª-A R. bloqueou os ditos passes, porque fez uma errada interpretação do nº 3 do artº 144º da Lei66/B/2012, bem sabendo que os passes são retribuição e, por isso, não são gratuitos e que esta disposição não é aplicável ao contrato de cessação por mútuo acordo dos seus ex-trabalhadores.
22ª-Com todo o respeito, não é entendível a fundamentação da douta sentença, ora recorrida, ao considerar um complemento da compensação por cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo uma regalia e referir que “não se provou que a mesma tivesse sido determinante da aceitação do contrato ou da cessação nas condições efectivamente acordadas, concedida pela Ré ao Autor e à esposa no âmbito das deliberações referidas, não procedeu de uma qualquer decisão infundada, injustificada da ré, mas antes do cumprimento de obrigação legal”.
23ª- A noção abrangente de contrato, engloba as obrigações extra-contratuais.
24ª-Quando o Autor negociou o contrato, já havia o Regulamento que consubstancia a deliberação da Ré de atribuir os passes, no caso de cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, nas condições já referidas e tal pressuposto, ou proposta firme, elemento essencial do negócio proposto é que motivou o Autor a cessar o contrato.
25ª-Este complemento da compensação já estava previamente estipulado pela Ré, ao qual o Autor aderiu, não perde a natureza contratual; o Autor deu resposta concordante quanto aos termos do negócio jurídico.
26ª-Ora, se em vez dos passes a R. tivesse entregue dinheiro, aos seus reformados e aos trabalhadores que cessaram por mútuo acordo dinheiro, com cálculo na base da esperança de vida, aquando da reforma ou da cessação do contrato por mútuo acordo, não se vislumbra como agora aquela poderia agora vir exigir o seu reembolso.
27ª-Com a decisão unilateral da Ré de bloquear os passes do Autor e sua esposa que lhes havia atribuído, nas condições que foram provadas, a Ré violou de forma inadmissível, arbitrária e desproporcional, o princípio da tutela da confiança.
28ª-Ainda quanto à indemnização importa dizer que quando a Ré compara a indemnização do Autor com a que a lei estabelece para a extinção do posto de trabalho está a dos vigilantes está a discriminá-lo, pois vigilante era ele, sendo ainda chefe dos mesmos.
29ª-Extinto que foi o seu posto de trabalho, o Autor teria direito a receber a quantia de €37.712,56, e acabou por receber o montante de €15.758,09; a diferença é assim de €22.134,47, desigualdade com que o Autor foi tratado, sendo discriminado em função da idade
31ª-O Autor e a Ré subscreveram um acordo de revogação do contrato de trabalho, em 22/11/2011 e efeitos reportados a 5/12/2011; portanto subscreveu um acordo enquanto era subordinado da Ré e a douta decisão recorrida sobre esta circunstância não se pronunciou.
32ª- A douta decisão viola os artº 2º, da CRP, os artºs 406º e 473º do código Civil e o artº 615ºnº1 al. c) e d) do CPC.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão da 1ª Instância ser revogada e, em consequência, ser a acção julgada procedente, com o que far-se-á inteira JUSTIÇA”
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A Ré apresentou resposta com as seguintes conclusões:
“I. A decisão ora recorrida deve ser integralmente mantida não merecendo a decisão qualquer reparo uma vez que a aplicação do direito foi ponderada e fundamentada.
II. A decisão da Meritíssima Juíza está bem fundamentada reflectindo sobre todas as questões pertinentes e não merece qualquer reparo.
III. No que respeita à compensa recebida pela cessação do contrato de trabalho e de acordo com os factos provados e não provados é evidente que o Recorrente celebrou um acordo de cessação do contrato de trabalho com a ora Recorrida de forma informada e livre, devendo tal contrato ser pontualmente cumprido.
IV. Todas as formalidades legalmente exigíveis, nomeadamente a forma escrita.
V. As partes fixaram livremente uma indemnização pela cessação do contrato de trabalho por acordo de revogação, pelo que nunca seria devida uma compensação com fundamento na extinção do posto de trabalho, nem tal foi provado.
VI. No acordo celebrado o Recorrente renunciou expressamente a quaisquer outros direito, conforme se pode verificar pela leitura do artigo 4 do acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado com a epigrafe “Créditos”: “As partes acordam que, na verba indemnizatória referida em 2, foram incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação” e do artigo 5 do mesmo acordo que com a epigrafe “Quitação”: ”O Segundo Outorgante dá, assim, quitação às importâncias recebidas, renunciando a quaisquer direitos.
VII. A remissão constitui uma das causas de extinção das obrigações, assumindo natureza contratual: como resulta do disposto no art. 863.º, n.º 1, do Código Civil, “[o] credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor”.
VIII. É inequívoco que a Recorrente, com essa declaração, tinha como sentido a renúncia a todos os créditos que pudessem emergir da relação de trabalho ou da sua cessação, pelo que eventuais créditos do Recorrente emergentes da relação de trabalho, rectius, por cessação do contrato de trabalho, teriam que se consider extintos por remissão abdicativa nos termos do n.º 1 do artigo 863.º, do Código Civil.
IX. O Recorrente de forma consciente e de livre vontade, informado do valor da indemnização que teria direito, negociou com a aqui Recorrida optando por não ocupar o posto de trabalho que esta tinha disponível, solicitando a cessão do contrato de trabalho.
X. Nem se pode aceitar o pretendido pelo Recorrente quando alegou que atuou com usura e falta de liberdade negocial uma vez que tal afirmação é manifestamente falsa e a matéria que alegou para sustentar essa gratuita afirmação não foi provada.
XI. No que respeita ao à atribuição de passe gratuito ao Autor sempre se dirá que também não pode proceder o alegado pelo Autor, conforme ficou provado a atribuição de passes pela Recorrida sempre o foi a título gratuito.
XII. Não ficou claro, em momento algum, que a atribuição daquele passe gratuito foi negociado em concreto com o Recorrente, como contrapartida da cessão do contrato de trabalho, nem tal consta do acordo celebrado, nem constitui tal regalia, um incentivo muito menos uma condição essencial desse acordo.
XIII. Aliás, em momento algum o Autor, ora Recorrente provou que a mesma tivesse sido convenciona no processo de cessação do contrato, nem que tivesse sido determinante da aceitação da cessação do contrato, ou da cessação nas condições efetivamente acordadas.
XIV. Mais, a cessação daquela regalia não decorreu de qualquer decisão da Ré ora Recorrida, mas antes do cumprimento de obrigação legal, imperativa do artigo 144.º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2013, aprovado pela Lei nº 66-B/2012 de 31 de Dezembro que a Ré como sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, do Sector Empresarial do Estado foi obrigada a cumprir.
XV. A existência do direito dos ex- trabalhadores e à gratuita utilização do serviço de transporte púbico rodoviário garantido pela requerida foi suprimido por força daquela norma, geral e abstracta, do Orçamento de Estado.
XVI. Nem se provou que os passes funcionam como “moeda de troca” pela não integração de aumentos nas tabelas salarias e como, compensação pela cessação do contrato de trabalho.
XVII. Acresce ainda que o direito a transporte público gratuito por parte dos ex – trabalhadores e familiares não integra o núcleo essencial dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente tendo em conta o teor do artigo 59º da CRP.
Termos em que deve o presente recurso interposto pelo Recorrente ser julgado integralmente improcedente mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.”
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A Exm.ª Procuradora Geral Adjunta, emitiu o parecer de fls. 193 e 194, no sentido de que o recurso deve improceder.
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O A., notificada deste parecer, veio responder-lhe conforme consta de fls. 197 e segs..
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Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Saneamento
A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.
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III – Fundamentação
a) - Factos provados
1) O autor foi admitido ao serviço da ré em 25/07/1975, através de contrato sem termo.
2) A ré dedica-se à atividade de exploração de transportes coletivos de passageiros.
3) O autor veio a exercer a sua atividade profissional para a ré até 5 de dezembro de 2011, detendo a categoria profissional de encarregado e exercendo funções no departamento de vigilância das instalações, sendo chefia direta de 14 vigilantes.
4) O autor era titular do cartão ….. de vigilante, emitido pelo Ministério da Administração Interna, após a correspondente formação, válido até 19/07/2010.
5) À data da cessação do contrato o autor auferia a título de vencimento mensal € 837,80, acrescido de diuturnidades no valor de € 200,16.
6) Em 9 de novembro de 2011 a ré iniciou um processo formal de despedimento por extinção do posto de trabalho com os seus vigilantes das instalações, subordinados do autor.
6) a) No cálculo da indemnização aos vigilantes, foi contemplada a remuneração da tabela salarial, acrescida das respetivas diuturnidades. (aditado)
7) Com data de 22 de novembro de 2011 o autor e a ré outorgaram o acordo de cessação do contrato de trabalho que constitui o documento de fls. 23/24, pelo qual declararam acordar em cessar o contrato de trabalho, com efeitos reportados a 05/12/2011, que por virtude da cessação do contrato o autor receberia a compensação pecuniária da natureza global no montante de € 15 578,80, na qual foram incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação, dando o autor quitação às importâncias recebidas, renunciando a quaisquer outros direitos.
8) A ré pagou ao autor a quantia referida em 7).
9) A ré é uma empresa de capitais exclusivamente públicos pertencente ao setor empresarial do Estado, estando sujeita à tutela direta do Estado, seu único acionista.
10) O autor manifestou o seu interesse na cessação do contrato de trabalho, além do mais, porque estaria já muito perto da idade da reforma.
11) Nessa sequência a ré informou o autor que, para a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, a indemnização a pagar teria sempre um limite máximo, diverso daquele que a lei estabelece para a extinção do posto de trabalho o qual era determinado pelo montante das remunerações devidas até ao limite de idade de 65 anos.
12) Tal correspondia a prática habitual da empresa.
13) Em 19/02/1998 o Conselho de Administração da ré aprovou a concessão de passe gratuito, rede geral, aos ex-trabalhadores que tenham cessado ou venham a cessar o contrato de trabalho por mútuo acordo, desde que à data da cessação perfaçam mais de 24 anos e meio de antiguidade na empresa.
14) Em 30 de junho de 1998 foi publicado um Aviso da Direção de Pessoal (aviso 17/98), relativo ao assunto passes para cônjuge, dando a conhecer que “O Conselho de Administração deliberou, na reunião de hoje, atribuir passe para utilização na rede da C…, S.A., aos cônjuges dos trabalhadores que cessem, por acordo, o seu contrato de trabalho com a Empresa com, pelo menos, 25 anos de antiguidade.”
15) Em 12/03/1999 o Conselho de Administração da ré confirmou a atribuição de passe, rede geral, a título gratuito aos trabalhadores da C… e seus cônjuges com antiguidade mínima na Empresa de vinte e cinco anos (arredondando para este mínimo a partir dos vinte e quatro anos e seis meses de antiguidade), como regalia complementar para as cessações por mútuo acordo.
16) Desde as deliberações mencionadas de 13) a 15) a ré vinha concedendo aos seus ex-trabalhadores e respetivos cônjuges, com antiguidade mínima de vinte e cinco anos, o direito a um passe da rede geral a título gratuito.
17) Em cumprimento das mencionadas deliberações, em virtude da cessação do contrato de trabalho, a ré concedeu ao autor e à esposa passes da rede geral, sem custos.
18) Por carta datada de 31 de janeiro de 2013, que constitui o documento de fls. 92, cujo teor se reproduz, a ré comunicou ao autor “que a partir do dia 1 de Fevereiro de 2013, cessa a utilização gratuita do transporte nos veículos das empresas afetas ao serviço público …” e que a partir da data acima indicada serão bloqueados os passes monomodais dos familiares dos colaboradores, cônjuges ou membro de união de facto, dos filhos ou equiparados e dos reformados e pensionistas da C… e familiares”.
19) Cada passe da rede geral da ré, tem um custo mensal de pelo menos € 35,10.
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b) - Discussão
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do NCPC), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
Questão prévia:
O recorrente alega que o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado e relativamente ao aditamento há obscuridade que torna a decisão ininteligível.
Significa isto que o recorrente veio invocar as nulidades da sentença previstas no artigo 615.º, n.º 1, c) e d), do C.P.C.[1]).
Na verdade, a sentença é nula quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Acontece que, a propósito da arguição de nulidades da sentença dispõe o artigo 77.º, do C.P.T. que:
<<1. A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2. Quando da sentença não caiba recurso, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.
3. A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ou ao juiz conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso>>.
Pese embora as críticas a que este normativo foi sujeito, certo é que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre o mesmo e apenas no sentido da sua inconstitucionalidade “na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência, a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior (…)” – Abílio Neto, C.P.T. anotado, 4ª ed. pág. 170.
Assim sendo, e lendo o requerimento de interposição de recurso, facilmente se conclui que o A. recorrente não arguiu a(s) referida(s) nulidade(s) conforme o disposto no citado normativo e, consequentemente, a este tribunal está vedado o seu conhecimento por tal arguição ser extemporânea – neste sentido, entre outros, Acs. desta Relação de 19/09/2005 e 16/04/2007 e do S.T.J de 18/06/2008 e 16/09/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Desta forma, não se conhecem as nulidades invocadas pelo A. recorrente nas suas alegações de recurso.
*
Assim, cumpre conhecer as questões suscitadas pelo A. recorrente, quais sejam:
1ª – Reapreciação da matéria de facto
2ª – Se os passes não são gratuitos; da inaplicabilidade do n.º 3 do artigo 144.º da Lei n.º 66-B/2012 de 31/12 e da violação do princípio da proteção da confiança.
3ª – Discriminação do A. em função da idade no cálculo da indemnização.
4ª – Se o A. tem direito à indemnização devida em caso de despedimento por extinção do posto de trabalho.
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1ª questão:
Reapreciação da matéria de facto
Conforme o disposto no artigo 640.º, do C.P.C.:
<<1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.
Alega o A. recorrente que o tribunal a quo não deu como provado que no cálculo da indemnização aos vigilantes foi contemplada a remuneração da tabela salarial, acrescida das diuturnidades, quando tal matéria, constante do artigo 7º da p.i. não foi impugnada e nos artigos 15º e 16º a Ré confessa tais factos.
Que os documentos relativos ao facto provado no artigo 12º dos factos provados e respetiva fundamentação, juntos pelo A. na resposta sob os nºs 1, 1.1, 1.2 e 2 que não foram impugnados pela Ré, atestam que não era prática habitual da empresa que o valor indemnizatório que a Ré aceitava pagar era diferente das situações de extinção do posto de trabalho.
Que os documentos juntos aos autos relativos ao aditamento demonstram que o direito aos passes atribuídos ao A. e à mulher resultou da cessação do contrato de trabalho, sempre como contrapartida de menor compensação e que os mesmos não foram atribuídos gratuitamente.
Daqui resulta que o A. recorrente cumpriu o ónus que sobre si impendia no que respeita aos factos constantes do artigo 7º da p. i., sendo que, pese embora não tenha especificado a decisão que deve ser proferida sobre esta questão a mesma subentende-se.
No que respeita aos factos constantes do artigo 12º do elenco da matéria de facto provada, o recorrente faz apelo aos “documentos relativos ao facto provado no artº 12) dos Factos Provados e respectiva Fundamentação”, juntos com o articulado de resposta. Ora, além de o recorrente não poder socorrer-se da fundamentação (que não constitui um meio probatório que imponha decisão diversa da recorrida) para sustentar uma alteração da matéria de facto, daquela consta, além do mais, e no que respeita àquele artigo em análise, que foi determinante o depoimento da testemunha D… e faz apelo, ainda, aos depoimentos das testemunhas E… e F…. E, o recorrente, nada alega no que concerne a estes depoimentos, pelo que, este Tribunal está impossibilitado de proceder à reapreciação desta matéria de facto pois não pode ater-se ao conteúdo dos citados documentos. Dito de outra forma, o Tribunal teria de reapreciar toda a prova produzida que foi determinante para esta concreta decisão da matéria de facto, encontrando-se impossibilitado de o fazer face à alegação do recorrente.
Já no que concerne aos passes o recorrente, desde logo, não especificou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
O recorrente faz ainda apelo a outros artigos da contestação e factos provados mas sem retirar quaisquer conclusões em termos de alteração da matéria de facto e sem cumprir o disposto no citado artigo 640.º.
Assim sendo, facilmente se conclui que este tribunal não pode proceder, nesta parte (artigo 12 e quanto aos passes), à reapreciação da matéria de facto, uma vez que o recorrente não cumpriu, como devia, aquele ónus que sobre si impendia, rejeitando-se o recurso no que concerne à impugnação desta matéria de facto.
No mais:
Consta do artigo 7º da p. i. que:
No cálculo da indemnização aos vigilantes, foi contemplada a remuneração da tabela salarial, acrescida das respetivas diuturnidades.
Nos artigos 14º e 15º da contestação, a Ré alega que:
14. O que efetivamente fez, extinguindo os postos de trabalho afetos às funções de vigilantes das instalações.
15. Tendo procedido ao pagamento àqueles trabalhadores da compensação devida pela extinção do posto de trabalho.
Assim sendo, facilmente se conclui que a Ré não impugnou o constante daquele artigo 7º da p. i., antes o aceitou alegando que pagou a compensação devida, ou seja, correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
Desta forma, entendemos que devem ser aditados à matéria de facto os seguintes factos:
6) a) No cálculo da indemnização aos vigilantes, foi contemplada a remuneração da tabela salarial, acrescida das respetivas diuturnidades.
Este número já foi aditado ao elenco da matéria de facto apurada.
Procede, assim, nesta parte esta questão.
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2ª questão
Se os passes não são gratuitos; da inaplicabilidade do n.º 3 do artigo 144.º da Lei n.º 66-B/2012 de 31/12 e da violação do princípio da tutela da confiança
Resulta da matéria de facto provada que: em 19/02/1998 o Conselho de Administração da ré aprovou a concessão de passe gratuito, rede geral, aos ex-trabalhadores que tenham cessado ou venham a cessar o contrato de trabalho por mútuo acordo, desde que à data da cessação perfaçam mais de 24 anos e meio de antiguidade na empresa; em 30 de junho de 1998 foi publicado um Aviso da Direção de Pessoal (aviso 17/98), relativo ao assunto passes para cônjuge, dando a conhecer que “O Conselho de Administração deliberou, na reunião de hoje, atribuir passe para utilização na rede da C…, S.A., aos cônjuges dos trabalhadores que cessem, por acordo, o seu contrato de trabalho com a Empresa com, pelo menos, 25 anos de antiguidade.”; em 12/03/1999 o Conselho de Administração da ré confirmou a atribuição de passe, rede geral, a título gratuito aos trabalhadores da C… e seus cônjuges com antiguidade mínima na Empresa de vinte e cinco anos (arredondando para este mínimo a partir dos vinte e quatro anos e seis meses de antiguidade), como regalia complementar para as cessações por mútuo acordo; desde as deliberações mencionadas de 13) a 15) a ré vinha concedendo aos seus ex-trabalhadores e respetivos cônjuges, com antiguidade mínima de vinte e cinco anos, o direito a um passe da rede geral a título gratuito; em cumprimento das mencionadas deliberações, em virtude da cessação do contrato de trabalho, a ré concedeu ao autor e à esposa passes da rede geral, sem custos; por carta datada de 31 de janeiro de 2013, que constitui o documento de fls. 92, cujo teor se reproduz, a ré comunicou ao autor “que a partir do dia 1 de Fevereiro de 2013, cessa a utilização gratuita do transporte nos veículos das empresas afetas ao serviço público …” e que a partir da data acima indicada serão bloqueados os passes monomodais dos familiares dos colaboradores, cônjuges ou membro de união de facto, dos filhos ou equiparados e dos reformados e pensionistas da C… e familiares” e que cada passe da rede geral da ré, tem um custo mensal de pelo menos € 35,10.
Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“Também nesta parte a pretensão do autor não pode proceder.
Na verdade, a cessação da regalia, que assim tem de ser considerada, já que se não se provou que a mesma tivesse sido convenciona no processo de cessação do contrato, nem que tivesse sido determinante da aceitação da cessação do contrato, ou da cessação nas condições efetivamente acordadas, concedida pela ré ao autor e à esposa no âmbito das deliberações referidas, não procedeu de uma qualquer decisão infundada, injustificada da ré, mas antes do cumprimento de obrigação legal, imperativa.
De facto, como a ré bem alega, tratou-se de dar cumprimento ao disposto pelo art. 144º da Lei 66-B/2012 de 31 de Dezembro que aprovou o Orçamento de Estado para 2013.
Dispõe aquele preceito que:
“1 — É vedada a utilização gratuita dos transportes públicos rodoviários, fluviais e ferroviários.
2 — Ficam excluídos do disposto no número anterior:
a) Os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público, juízes do Tribunal Constitucional, oficiais de justiça e pessoal do corpo da Guarda Prisional, para os quais se mantêm as normas legais e regulamentares em vigor;
b) O pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, os militares da Guarda Nacional Republicana, o pessoal de outras forças policiais, os militares das Forças Armadas e militarizados, no ativo, quando em serviço que implique a deslocação no meio de transporte público;
c) Os trabalhadores das empresas transportadoras, das gestoras da infraestrutura respetiva ou das suas participadas, que já beneficiem do transporte gratuito, quando no exercício das respetivas funções, incluindo a deslocação de e para o local de trabalho.
3 — O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.”
Ora, o princípio da proteção da confiança ínsito no art. 2º da Constituição da República visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem, o que não se pode considerar verificado no caso dos autos, já que a atuação da ré não pode deixar de se considerar justificada, tendo-se limitado a dar cumprimento ao um preceito imperativo, adotando um comportamento que não foi especialmente dirigido à situação individual do autor.
Improcede, pois, a pretensão do autor.”
*
O A. recorrente não se conforma com esta decisão alegando, como já foi referido, que o direito aos passes que lhe foi atribuído bem como à sua mulher, resultou da cessação do contrato de trabalho celebrado, sempre como contrapartida de menor compensação e que os mesmos não foram atribuídos gratuitamente nem têm natureza precária ou transitória. Mais alega que sendo os referidos passes vitalícios e o valor de cada um deles de € 35,10, considerando a esperança média de vida, tal valor de € 12.636 teria de pesar na decisão de aceitar a cessação do contrato e de aceitar o valor da compensação e que o acordo em causa não está abrangido pelo n.º 3, do artigo 144º, da Lei n.º 66-B/2012 de 31/12, já que aí só vem referido o contrato de trabalho, tendo a Ré feito uma errada interpretação daquela norma, bem sabendo que os passes são retribuição e a mesma disposição não é aplicável ao contrato de cessação por mútuo acordo.
Por fim, alega que quando negociou o contrato já havia o regulamento que consubstancia a deliberação da Ré de atribuir os passes, no caso de cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo e, tal pressuposto, é que motivou o A. a cessar o contrato.
*
Diga-se, desde já, que estas alegações do recorrente assentam em factos que, na quase totalidade, não resultaram provados.
Na verdade, não se provou que o autor cessou o contrato de trabalho nas condições em que o fez a contar com a atribuição de passe da rede geral, sem custos, para si e para a esposa, que foi convencionada no processo da cessação do contrato. Também não resultou provado que os passes atribuídos resultaram da cessação do contrato de trabalho celebrado, sempre como contrapartida de menor compensação, que os passes são retribuição, nem que tal pressuposto é que motivou o A. a cessar o contrato. Aliás, quanto à alegação de que os passes são retribuição, a mesma mais não é do que uma conclusão, sendo que o A. nem sequer alegou os respetivos factos capazes de a concretizarem.
Como se refere no acórdão desta secção de 20/10/2014[2]:
<<(…) Ao caso é irrelevante que a atribuição, a trabalhadores no ativo, do direito a viagens (de natureza pessoal e não profissional) gratuitas possa consubstanciar prestação, em espécie, de natureza retributiva.
Com efeito, na situação sub judice tal prestação, então acordada com o A., não tem natureza retributiva, já que, consagrada para vigorar após a cessação do contrato de trabalho, ela não constitui, naturalmente, qualquer contrapartida do trabalho, esta a essência da natureza retributiva da prestação – art. 249º, nº 1, do CT/2003, então em vigor à data da cessação do contrato de trabalho (de todo o modo, em sentido similar, dispõe o art. 258º, nº 1, do CT/2009).
Assim, no caso, está-se perante a atribuição de uma regalia ou vantagem, que não tem natureza retributiva, muito embora, como é evidente, tenha uma expressão pecuniária, na medida em que representa para o A. a poupança de um gasto que, não fosse essa atribuição, teria com o custo de aquisição do título de transporte. Porém, tal, só por si, não constitui impedimento à sua supressão por via legislativa.>>
Ora, face à matéria de facto apurada, é manifesto que foram atribuídos passes gratuitos ao A. e à sua mulher.
Por outro lado, a Ré fez cessar esta atribuição face ao disposto na citada Lei que aprovou o orçamento do Estado para 2013 e que determinou a proibição de utilização gratuita dos transportes públicos, tendo tal regime natureza imperativa (n.º 3, do artigo 144.º) e prevalecendo sobre quaisquer outras normas em contrário, IRCT e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.
Ao contrário do que alega o A., esta norma é aplicável pois a atribuição dos passes gratuitos resulta de deliberações do conselho de administração da Ré e mesmo que constasse do contrato de trabalho também não prevaleceria.
Por fim, não vislumbramos qualquer violação do princípio da proteção da confiança.
Conforme dispõe o artigo 2º da CRP a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais.
Por outro lado, como se escreve no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 862/2013 de 07/01/2014, publicado no D.R., 1ª série, n.º 4, <<a proteção da confiança é uma norma com natureza principio lógica que deflui de um dos elementos materiais justificadores e imanentes do Estado de Direito: a segurança jurídica dedutível do artigo 2.º da CRP. Enquanto associado e mediatizado pela segurança jurídica, o princípio da proteção da confiança prende-se com a dimensão subjetiva da segurança – o da proteção da confiança dos particulares na estabilidade, continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes.
Sustentado no princípio do “Estado de direito democrático”, o seu conteúdo tem sido construído pela jurisprudência, em avaliações e ponderações que têm em conta as circunstâncias do caso concreto. Quando aplicado ao poder legislativo, o Tribunal Constitucional densificou o princípio através de uma fórmula, que, desde o já referido Acórdão n.º 287/90, tem vindo ser aplicada em sucessiva jurisprudência.
Entre inúmera jurisprudência, explicita-se a referida fórmula no Acórdão n.º 128/2009, nos seguintes termos:
“De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:
a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da <<confiança>> é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados <<expectativas>> de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do <<comportamento>> estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.
Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui proteção”. (fim de citação)
Ora, não vislumbramos que o A. tenha feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuar a usufruir do passe gratuito que lhe foi atribuído pela Ré. Na verdade, não podemos equiparar uma pensão de reforma a um passe atribuído pela entidade empregadora.
Acresce que, como consta do acórdão desta secção de 30/06/2014[3]:
<<Sobre este princípio o já aludido Acórdão do Tribunal Constitucional nº 396/2011 de 21 de Setembro refere que «[a] protecção da confiança traduz a incidência subjectiva da tutela da segurança jurídica, representando ambas, em concepção consolidadamente aceita, uma exigência indeclinável (ainda que não expressamente formulada) de realização do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP).
A aplicação do princípio da confiança deve partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela. Dados por verificados esses requisitos, há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afectados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Dessa valoração, em concreto, do peso relativo dos bens em confronto, assim como da contenção das soluções impugnadas dentro de limites de razoabilidade e de justa medida, irá resultar o juízo definitivo quanto à sua conformidade constitucional.
Esta correcta metódica aplicativa já foi apontada, nos seus traços nucleares, pelo Acórdão n.º 287/90. Respondendo à questão de saber quando é que estamos perante a “inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva” de uma conformação que afecta “expectativas legitimamente fundadas” dos cidadãos, discorre aquele aresto:
«A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos seguintes critérios:
Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão).
Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.
Os dois critérios completam-se, como é, de resto sugerido pelo regime dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição. Para julgar da existência de excesso na “onerosidade”, isto é, na frustração forçada de expectativas, é necessário averiguar se o interesse geral que presidia à mudança do regime legal deve prevalecer sobre o interesse individual sacrificado, na hipótese reforçado pelo interesse na previsibilidade de vida jurídica, também necessariamente sacrificado pela mudança. Na falta de tal interesse do legislador ou da sua suficiente relevância segundo a Constituição, deve considerar-se arbitrário o sacrifício e excessiva a frustração de expectativas.»
E concluía o citado acórdão, neste trecho:
«Nada dispensa a ponderação na hipótese do interesse público na alteração da lei em confronto com as expectativas sacrificadas».
A mesma ideia foi retomada no Acórdão n.º 303/90, proferido precisamente a respeito da questão de saber se a diminuição no montante do vencimento de uma certa categoria de funcionários afectaria o princípio da protecção da confiança:
«A questão residirá, assim, em saber se aquela afectação se reveste de jeito inadmissível, arbitrário ou excessivamente oneroso, sendo que o primeiro daqueles modos — a inadmissibilidade —, se é implicante de uma mudança na ordem jurídica, com repercussão nas situações de facto já alcançadas, com a qual, razoável e normalmente, os cidadãos destinatários das normas pré-existentes e das que operaram a modificação, não podiam e deviam contar, terá também de ser completado com a circunstância de a mutação normativa afectadora das expectativas não ter sido imposta por prossecução ou salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e que, na dicotomia com os afectados, se postem em grau tal que lhes confira prevalência, pois, se não se postarem, haverá, então, falta de proporcionalidade e, logo, uma forma de arbítrio (veja-se, sobre o ponto, o Acórdão n.º 287/90 […])».
Em formulações variadas, estes critérios estiveram reiteradamente presentes na jurisprudência posterior em que o princípio da confiança foi convocado como parâmetro de apreciação. A partir do Acórdão n.º 128/2009 (e com acolhimento nos Acórdãos n.ºs 188/2009 e 3/2010), eles foram precisados e desenvolvidos, com recondução a quatro diferentes requisitos ou testes. Escreveu-se, nesse sentido:
«Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa».
Como se vê, a protecção da confiança, enquanto corolário e exigência do princípio do Estado de direito democrático, princípio, este, de “contornos fluidos” e “conteúdo relativamente indeterminado”, quando “não acha devido apoio noutros preceitos constitucionais” (como reconheceu o Acórdão n.º 93/84), foi objecto de um intenso labor de densificação que lhe traçou um preciso âmbito de aplicação, bem como um modo procedimental de (necessária) confrontação com princípios constitucionais e interesses constitucionalmente credenciados, em oposição. São esses critérios que há que aplicar nos presentes autos.
Vêm invocados, como precedentes, os Acórdãos n.ºs 303/90 e 141/2002, referíveis a situações em que determinadas alterações legislativas, constantes de leis do orçamento (respectivamente, o Orçamento de Estado para 1989 e os Orçamentos de Estado para 1992 e 1993) tinham como implicação uma redução remuneratória de certas categorias de trabalhadores com relação de emprego público.
E efectivamente, em ambos os casos, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas impugnadas, "por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição".
Mas urge atentar nos fundamentos que sustentam as decisões.
A razão invocada no Acórdão n.º 303/90 foi a falta de justificação específica da medida que implicava uma redução salarial. Aí se diz:
«Não nos dá a Lei n.º 114/88, nem os seus trabalhos preparatórios, qualquer indicação sobre a existência de motivos ligados à prossecução ou salvaguarda de interesses (designadamente económicos ou financeiros) tais que, de um ponto de vista proporcional, aconselhassem à suspensão do «vencimento adquirido» pelos agentes de ensino em causa e, por isso, afectasse esse direito, sob pena de se não alcançar aquelas prossecução ou salvaguarda.
[…] Torna-se, desta arte, indescortinável qual seja o interesse e a sua suficiente relevância que levaram à suspensão do regime da Lei n.º 103/88.
[…] Atingido um nível remuneratório que lhes conferia [aos titulares da remuneração], na ocasião da entrada em vigor desta última Lei, um quantitativo então igual ao percebido pelos professores diplomados com os cursos das escolas do magistério primário, é perfeitamente compreensível que os destinatários daquele diploma ficassem possuídos da convicção de que esse «direito» subjectivado a tal quantitativo, já concretizado objectivamente, para o futuro, e sem que surgissem acentuadas alterações da conjuntura económico-financeira, era algo de reconhecido pela ordem jurídica e com o qual eles podiam e deviam contar, deste modo ficando convencidos que o dito montante não seria diminuído.
Ao suspender o referido «direito», o n.º 11 do artigo 14.º da Lei n.º 114/88 veio, de forma efectiva, frustrar a indicada convicção, sem que se antolhe a existência de situação de interesse geral ou conformação social de suficiente peso que pudessem tornar previsível ou verosímil tal suspensão.
Por isso se depara uma inadmissível (porque irrazoável, extraordinariamente onerosa e excessiva) afectação levada a cabo pela norma sindicada».
Já o Acórdão n.º 141/2002 inscreveu, na sua fundamentação, como motivos da declaração de inconstitucionalidade, a "redução substancial" da remuneração com "efeitos imediatos", conjugada com a inexistência ou falta de invocação de um específico "interesse público" que pudesse justificar a medida. Nas palavras do acórdão:
«Nesta conformidade, tem de se concluir que, por força do estabelecido na própria disposição legal que a previa, se estava perante uma remuneração acessória com um regime especial que lhe conferia uma particular estabilidade e consistência, o que justificava a expectativa do seu integral recebimento por banda dos funcionários afectados. Ora, o que aconteceu foi que, por via da norma em causa, a remuneração global dos funcionários por ela abrangidos foi objecto de uma redução substancial e com efeitos imediatos, o que também se afigura particularmente relevante.
[…]
Por outro lado, não se descortinam – nem sequer foram invocados – quaisquer motivos que pudessem aqui «justificar» a adopção da medida com efeitos retrospectivos, nomeadamente particulares razões de interesse público ou uma qualquer alteração objectiva e concreta das condições de trabalho do pessoal afectado».
Isto é, tendo sido dado por assente, em ambos os casos, que a confiança legítima saíra vulnerada com as soluções impugnadas, o Tribunal não descortinou qualquer interesse público cuja salvaguarda as pudesse justificar. Daí a decisão de inconstitucionalidade. Merecerá idêntico juízo o caso agora em apreciação?
Não custa admitir que uma redução remuneratória abrangendo universalmente o conjunto de pessoas pagas por dinheiros públicos não cai na zona de previsibilidade de comportamento dos detentores do poder decisório. O quase contínuo passado de aumentos anuais dos montantes dos vencimentos, na função pública, legitima uma expectativa consistente na manutenção, pelo menos, das remunerações percebidas e a tomada de opções e a formação de planos de vida assentes na continuidade dessa situação.
As reduções agora introduzidas, na medida em que contrariam a normalidade anteriormente estabelecida pela actuação dos poderes públicos, nesta matéria, frustram expectativas fundadas. E trata-se de reduções significativas, capazes de gerarem ou acentuarem dificuldades de manutenção de práticas vivenciais e de satisfação de compromissos assumidos pelos cidadãos. Sem esquecer que, relativamente a algumas categorias de destinatários, elas se cumularam com outras medidas anteriores de redução remuneratória. Assim, a redução prevista no artigo 19.º, n.º 1, da lei do Orçamento do Estado "tem por base a remuneração total ilíquida apurada após a aplicação das reduções previstas nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, e na Lei n.º 47/2010, de 7 de Setembro, para os universos neles referidos", sendo certo que tais diplomas já tinham operado reduções remuneratórias (artigo 19.º, n.º 8). De facto, os artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12-A/2010 tinham reduzido, a título excepcional, em 5%, os vencimentos mensais ilíquidos dos titulares de cargos políticos e dos gestores públicos e equiparados e, também, o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 47/2010 tinha já reduzido, a título excepcional, em 5%, o vencimento mensal ilíquido dos membros das Casas Civil e Militar da Presidência da República, dos gabinetes dos membros do Governo, dos gabinetes dos Governos Regionais, dos gabinetes de apoio pessoal dos presidentes e vereadores das câmaras municipais e dos governadores civis.
Essa redução teve, além disso, efeitos imediatos, logo no dia de entrada em vigor da lei do Orçamento do Estado, ou seja, um dia após a sua publicação em Diário da República.
Não se pode ignorar, todavia, que atravessamos reconhecidamente uma conjuntura de absoluta excepcionalidade, do ponto de vista da gestão financeira dos recursos públicos. O desequilíbrio orçamental gerou forte pressão sobre a dívida soberana portuguesa, com escalada progressiva dos juros, colocando o Estado português e a economia nacional em sérias dificuldades de financiamento. Os problemas suscitados por esta situação passaram a dominar o debate político, ganhando também foros de tema primário na esfera comunicacional. Outros países da União Europeia vivem problemas semelhantes, com interferências recíprocas, sendo divulgada abundante informação a esse respeito.
Neste contexto, e no quadro de uma estratégia global delineada a nível europeu, entrou na ordem do dia a necessidade de uma drástica redução das despesas públicas, incluindo as resultantes do pagamento de remunerações. Medidas desse teor foram efectivamente tomadas noutros países, com larga anterioridade em relação à publicação da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2011, e com reduções remuneratórias mais acentuadas do que aquelas que este diploma veio a implementar.
Pode pôr-se em dúvida, em face deste panorama, se, no momento em que as reduções entraram em vigor, persistiam ainda as boas razões que, numa situação de normalidade, levam a atribuir justificadamente consistência e legitimidade às expectativas de intangibilidade de vencimentos.
Do que não pode razoavelmente duvidar-se é de que as medidas de redução remuneratória visam a salvaguarda de um interesse público que deve ser tido por prevalecente – e esta constitui a razão decisiva para rejeitar a alegação de que estamos perante uma desprotecção da confiança constitucionalmente desconforme.
Na verdade, à situação de desequilíbrio orçamental e à apreciação que ela suscitou nas instâncias e nos mercados financeiros internacionais são imputados generalizadamente riscos sérios de abalo dos alicerces (senão, mesmo, colapso) do sistema económico-financeiro nacional, o que teria também, a concretizar-se, consequências ainda mais gravosas, para o nível de vida dos cidadãos. As reduções remuneratórias integram-se num conjunto de medidas que o poder político, actuando em entendimento com organismos internacionais de que Portugal faz parte, resolveu tomar, para reequilíbrio das contas públicas, tido por absolutamente necessário à prevenção e sanação de consequências desastrosas, na esfera económica e social. São medidas de política financeira basicamente conjuntural, de combate a uma situação de emergência, por que optou o órgão legislativo devidamente legitimado pelo princípio democrático de representação popular.
Não se lhe pode contestar esse poder-dever. Como se escreveu no Acórdão n.º 304/2001:
«Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam “tocadas” relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte».
Diferentemente dos casos julgados pelos Acórdãos n.ºs 303/90 e 141/2002, o interesse público a salvaguardar, não só se encontra aqui perfeitamente identificado, como reveste importância fulcral e carácter de premência. É de lhe atribuir prevalência, ainda que não se ignore a intensidade do sacrifício causado às esferas particulares atingidas pela redução de vencimentos.
Como último passo, neste quadrante valorativo, resta averiguar da observância das exigências de proporcionalidade (cfr., quanto à necessária conjugação do princípio da protecção da confiança com o princípio da proibição do excesso, Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, p. 268-269). Admitido que a expectativa de manutenção dos montantes remuneratórios e de ajudas de custo tenha que ceder, em face da tutela de um interesse público contrastante de maior peso, ainda assim há que controlar se as concretas medidas transitórias de redução remuneratória, previstas no artigo 19.º da lei do Orçamento do Estado, abrangendo todo o universo dos trabalhadores com uma relação de emprego público, e as medidas de redução de ajudas de custo que resultam dos artigos 20.º e 21.º da Lei do Orçamento de Estado para 2011, abrangendo os magistrados judiciais e do Ministério Público, traduzem ou não uma afectação desproporcionada de uma posição de confiança, tendo em conta os três níveis em que o princípio da proporcionalidade se projecta.
Que se trata de uma medida idónea para fazer face à situação de défice orçamental e crise financeira é algo que resulta evidente e se pode dar por adquirido. Quanto à necessidade, um juízo definitivo terá que ser remetido para a análise subsequente, à luz do princípio da igualdade, a que o princípio da proporcionalidade também está associado. Implicando a ponderação de eventuais medidas alternativas, designadamente as que produziriam efeitos de abrangência pessoal mais alargada, é nessa sede que a questão poderá ser mais cabalmente tratada e decidida. Por último, a serem indispensáveis, as reduções remuneratórias não se podem considerar excessivas, em face das dificuldades a que visam fazer face. Justificam esta valoração, sobretudo, o seu carácter transitório e o patente esforço em minorar a medida do sacrifício exigido aos particulares, fazendo-a corresponder ao quantitativo dos vencimentos afectados. Assim é que, para além da isenção de que gozam as remunerações inferiores a 1500 euros, as taxas aplicáveis são progressivas, nunca ultrapassando, em todo o caso, o limite de 10% – inferior ao aplicado em países da União Europeia com problemas financeiros idênticos aos nossos.
Quanto à redução dos subsídios de fixação e de compensação de que gozam os magistrados, trata-se de prestações complementares, com uma causa específica, que, à partida, por força dessa natureza, não suscitam expectativas legítimas de manutenção com consistência equivalente às que a retribuição, propriamente dita, dá azo, até porque, como vimos, não estão abrangidas pela garantia infraconstitucional de irredutibilidade.
Por outro lado, embora a taxa de redução seja bastante mais elevada do que a das reduções remuneratórias, como a sua base de incidência é de valor relativamente baixo, os montantes pecuniários que os afectados perdem não são excessivamente onerosos. Não é de crer que eles pesem de tal forma, nos patrimónios atingidos, que importem a frustração do “investimento na confiança” – requisito indispensável para a sua tutela.
Por último, há a notar que a expressa equiparação desses subsídios, para todos os efeitos legais, a ajudas de custo, é uma fixação legislativa de um regime favorável para os destinatários (tendo em conta, sobretudo, alternativas que chegaram a ser propostas), atenuando, de certa forma, o sacrifício por aqueles sofrido com a redução.
Por tudo, não é de entender que as reduções destes subsídios, ainda que se lhes atribua carácter não transitório, importem violação do princípio da confiança constitucionalmente censurável.”
Ora, se assim é no que concerne às reduções dos subsídios, por maioria de razão será para as situações em apreço, onde estamos perante regalias ou direitos.
Acresce que, no plano das exigências de proporcionalidade, no quadro da articulação entre o princípio da protecção da confiança e o princípio da proibição do excesso, a medida ablativa da utilização gratuita de transporte públicos terrestres (no caso), na sua aplicação cumulativa, enquadra-se, pelas razões já apontadas, dentro dos “limites de razoabilidade e de justa medida”.” (fim de citação).
Pelo que ficou dito, concluímos que a decisão da Ré que, no cumprimento do disposto na citada Lei do Orçamento, fez cessar a utilização gratuita do transporte nos veículos da empresa afetos ao serviço público e bloqueou os passes do A. e da sua mulher, não viola o princípio da proteção da confiança ínsito no artigo 2.º da C.R.P..
Improcede, assim, esta conclusão do recorrente.

3ª questão
Discriminação do A. em função da idade no cálculo da indemnização
Alega o recorrente que quando a Ré compara a indemnização do A. com a que a lei estabelece para a extinção do posto de trabalho dos vigilantes, está a discriminá-lo pois vigilante era ele, sendo chefe dos vigilantes e que foi tratado de forma desigual, sendo discriminado em função da idade.
Vejamos:
Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei e ninguém pode ser prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. É o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, com a inerente proibição do arbítrio e de discriminações.
No entanto, conforme se lê nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 39/88 e 96/05, <<a igualdade não é, porém igualitarismo. É antes igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais se dê tratamento desigual, mas proporcionado>>.
Ora, como resulta da matéria de facto apurada, em 9 de novembro de 2011 a ré iniciou um processo formal de despedimento por extinção do posto de trabalho com os seus vigilantes das instalações, subordinados do autor e no cálculo da indemnização dos mesmos, foi contemplada a remuneração da tabela salarial, acrescida das respetivas diuturnidades. Já no que respeita ao A., com data de 22 de novembro de 2011 o autor e a ré outorgaram o acordo de cessação do contrato de trabalho que constitui o documento de fls. 23/24, pelo qual declararam acordar em cessar o contrato de trabalho, com efeitos reportados a 05/12/2011, que por virtude da cessação do contrato o autor receberia a compensação pecuniária da natureza global no montante de € 15.578,80, na qual foram incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação, dando o autor quitação às importâncias recebidas, renunciando a quaisquer outros direitos.
Mais se apurou que o A. manifestou o seu interesse na cessação do contrato de trabalho, além do mais, porque estaria já muito perto da idade da reforma e nessa sequência a ré informou-o que, para a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, a indemnização a pagar teria sempre um limite máximo, diverso daquele que a lei estabelece para a extinção do posto de trabalho o qual era determinado pelo montante das remunerações devidas até ao limite de idade de 65 anos.
Assim sendo, facilmente se conclui que as situações relatadas não são iguais. Os vigilantes foram alvo de um processo de despedimento por extinção do posto de trabalho e receberam a compensação prevista na lei e o A. celebrou com a Ré um acordo de cessação do contrato de trabalho tendo as partes acordado, além do mais, que o autor receberia a compensação pecuniária da natureza global no montante de € 15.578,80, na qual foram incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação, dando o autor quitação às importâncias recebidas, renunciando a quaisquer outros direitos.
Desta forma, não se nos afigura que o A. tenha sido discriminado em função da idade, ou por outra razão, nem que tenha existido qualquer violação do princípio da igualdade.
Improcede, também, esta conclusão do recorrente.

4ª questão
Se o A. tem direito à indemnização devida em caso de despedimento por extinção do posto de trabalho
Alega o recorrente que extinto que foi o seu posto de trabalho, teria direito a receber a quantia de € 37.712,56, tendo recebido o montante de € 15.758,09 a diferença é de € 22.134,47.
Esta alegação do A. não encontra qualquer suporte na matéria de facto provada.
Como resulta desta, o A. não foi alvo de um despedimento por extinção do posto de trabalho. O seu contrato cessou por acordo de cessação do contrato de trabalho que celebrou com a Ré, tendo ficado estipulado que receberia a compensação pecuniária da natureza global no montante de € 15.578,80, na qual foram incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação, dando o autor quitação às importâncias recebidas, renunciando a quaisquer outros direitos, pelo que, não tem direito à diferença reclamada a título de compensação de despedimento por extinção do posto de trabalho.
Improcede mais esta conclusão do recorrente.
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Face ao exposto, improcedem as conclusões formuladas pelo recorrente, impondo-se a manutenção da sentença recorrida.
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IV – Sumário[4]
1. A Lei que aprovou o orçamento do Estado para 2013 determinou a proibição de utilização gratuita dos transportes públicos, tendo tal regime natureza imperativa (n.º 3, do artigo 144.º) e prevalecendo sobre quaisquer outras normas em contrário, IRCT e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos, sendo aplicável no caso de atribuição ao trabalhador e respetivo cônjuge de passes gratuitos, a qual resulta de deliberações do conselho de administração da Ré e mesmo que constasse do contrato de trabalho também não prevaleceria.
2. A decisão da Ré que, no cumprimento do disposto na citada Lei do Orçamento, fez cessar a utilização gratuita do transporte nos veículos da empresa afetos ao serviço público e bloqueou os passes do A. e da sua mulher, não viola o princípio da proteção da confiança ínsito no artigo 2.º da C.R.P..
3. Tendo resultado provado que os trabalhadores vigilantes da Ré foram alvo de um processo de despedimento por extinção do posto de trabalho e receberam a compensação prevista na lei e que o A. celebrou com a Ré um acordo de cessação do contrato de trabalho tendo acordado, além do mais, que o autor receberia a compensação pecuniária da natureza global no montante de € 15.578,80, na qual foram incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação, dando o autor quitação às importâncias recebidas, renunciando a quaisquer outros direitos, não se nos afigura que o A. tenha sido discriminado em função da idade, ou por outra razão, nem que tenha existido qualquer violação do princípio da igualdade, desde logo, porque se tratam de situações substancialmente desiguais.
4. Se o A. não foi alvo de um despedimento por extinção do posto de trabalho, antes o seu contrato cessou por acordo de cessação do contrato de trabalho que celebrou com a Ré, tendo ficado estipulado que receberia a compensação pecuniária da natureza global no montante de € 15.578,80, não tem direito à diferença reclamada a título de compensação de despedimento por extinção do posto de trabalho.
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V – DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se:
- em julgar improcedente a apelação mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas do recurso a cargo do A. recorrente.
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Porto, 2014/11/03
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares (vencida conforme declaração junto)
Paula Leal de Carvalho
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[1] Na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06.
[2] Relatado pela Exm.ª Desembargadora aqui 2ª adjunta e, ao que julgamos, inédito.
[3] Disponível em www.dgsi.pt e no qual a ora relatora figura como 2ª adjunta.
[4] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.
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Vencida quanto à aplicação do disposto no artigo 144º da Lei n°66-B/012 de 31.12:
Da matéria de facto dada como provada — pontos 13 a 15 — resulta que os passes gratuitos são atribuídos a todos aqueles trabalhadores — e seu cônjuges — que fizeram cessar o contrato de trabalho por mútuo acordo, ou seja, a concessão de passe gratuito é inerente à condição «cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo », e por tal nem tão pouco é necessário que conste do acordo de cessação.
Por outras palavras: tendo em conta a matéria de facto supra referida podemos afirmar que essa mesma «regalia», estabelecida internamente pela Ré, integra o acordo de cessação e dele faz parte integrante não obstante nele nada se dizer a seu respeito. São as regras da boa fé que determinam, no nosso modesto entendimento, tal posição. E se assim é, então, não poderia a Ré unilateralmente alterar o dito acordo de cessação, invocando o disposto na Lei do Orçamento.
Mas outras razões existem para a nossa discordância.
A letra do artigo 144°, n°2, al. c), permite-nos concluir que a dita norma é aplicável apenas aos trabalhadores no activo e não aos que já cessaram o contrato de trabalho, como é o caso.
Por sua vez o nº3 do mesmo artigo também não é aplicável porque não estamos perante a existência de uma relação laboral mas antes perante um acordo de cessação do contrato de trabalho — que o n°3 não abrange — acordo que integrou essa «regalia» e dele passou a fazer parte [se assim não fosse necessariamente que a Ré não teria dado execução ao dito acordo, pagando a indemnização ao Autor e concedendo o passe gratuito].
Por tais razões daria provimento ao recurso nesta parte.

Fernanda Soares