Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
18/14.6PEVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: PENA DE MULTA
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
REVOGAÇÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Nº do Documento: RP2018053018/14.6PEVNG.P1
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º761, FLS.177-184)
Área Temática: .
Sumário: I – Com vista à revogação do regime de trabalho a favor da comunidade como meio de cumprimento da pena de multa, não é obrigatória nem necessária a audição presencial do condenado, satisfazendo-se o direito de audição e o contraditório com a sua notificação e seu defensor para se pronunciarem.
II – Não deve ser revogada a medida de substituição se o arguido, embora revelando acentuado descuido, não revela manifesto desinteresse na execução dessa medida e se encontra em condições de cumprir o remanescente do trabalho comunitário em falta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 18/14.6PEVNG.P1
Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
No processo nº 18/14.6PEVNG, do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi revogada a substituição da pena de multa pela pena de trabalho a favor da comunidade e determinado que o arguido B… proceda ao pagamento do remanescente da pena de multa que lhe foi aplicada, por decisão datada de 24 de janeiro de 2018, com o seguinte teor:
“Por sentença transitada em julgado a 08.04.2016, B…, foi condenado na pena de multa de 250 dias, à taxa diária de €5.
Requereu, e foi deferida- em 17.10.2016-, a substituição da pena de multa por pena de Trabalho a favor da Comunidade (250 horas).
Todavia, como sucessivamente deu conta ao processo a DGRS (fls. 147, 154, 164 e 165, 175, 176 e 184), o arguido revela manifesto desinteresse na execução da medida, abandonando de forma sucessiva o seu cumprimento, a par do facto de se furtar aos contactos da DGRS, seja por via telefónica ou postal, mudando de forma sucessiva de residência, sem comunicar as alterações.
Em síntese, quase dois anos depois do trânsito da sentença e de mais de um ano do deferimento da aludida substituição, o arguido não cumpriu a pena.
O Digno Procurador - Adjunto pronunciou-se no sentido da revogação da mencionada substituição de pena.
Notificado o arguido, pronunciou-se no sentido de apresentar diversas fragilidades – problemas de toxicodependência- que motivam acompanhamento (sucessivos) médico, não dispondo de habitação, tendo vivido muitos meses na rua, sendo difícil ter um número de telefone.
Conclui requerendo não seja revogada a substituição.
Cumpre decidir.
Das 250 horas de trabalho aplicadas ao arguido, ao longo de um ano de execução da medida e decorrido 1 ano e 8 meses sobre a data do trânsito da sentença, apenas prestou 92 horas de trabalho.
A ausência de habitação fixa ou de telemóvel, e a problemática aditiva do arguido nãos e apresentam como justificativas para o incumprimento da pena. Na ausência de morada fixa, ou de telemóvel, exigia-se que o arguido, consciente da pena a cumprir e se tivesse interiorizado o comando ínsito na sentença, diligenciasse pelo cumprimento da pena, contactasse a DGRS por sua iniciativa, o que não sucedeu.
Assim sendo, face ao comportamento do arguido, outra conclusão não pode extrai do seu comportamento que não seja a de a substituição da pena de multa por trabalho não se mostrar exequível, nem assegurar, de forma cabal, as finalidades da punição.
Assim, por todo o exposto, revogo a substituição da pena de multa pela pena de trabalho a favor da comunidade.
D.N.
Notifique o arguido e o seu Il. Defensor para, em 10 dias, proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa que lhe foi aplicada, com a advertência de que, caso o não faça, será a mesma convertida em prisão subsidiária, pelo tempo correspondente.”
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Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
I O presente recurso de matéria de facto e de direito tem por objecto o douto despacho judicial do passado dia 24 de Janeiro de 2018, através do qual foi decidida a revogação da substituição da pena de multa pela pena de trabalho a favor da comunidade, anteriormente proferida em despacho judicial de 17 de Outubro de 2016.
II O presente recurso assenta na:
- ilegalidade do despacho recorrido por violação dos direitos de defesa do arguido;
- Assenta ainda na impugnação de factos identificados e que foram de forma errada e incorrectamente dados como provados, bem como na desvalorização efectuada das condições pessoais e sociais do Arguido, que conduziram a uma decisão injusta e ilegal, em violação dos artigos 48.º e 49.º n.º4 do Código Penal;
- A revogação da substituição só deve ser decretada perante violação dos deveres e obrigações do Arguido nesta prestação do trabalho, mas exigindo-se que ela ocorra em grau particularmente elevado, assumindo-se como intolerável, face aos fins que determinaram a aplicação da pena, o que considerando as condições deste não se mostram verificadas;
- Assenta igualmente no facto da decisão recorrida ser violadora do artigo 40.º CP ao não atentar no fim das penas, bem como na ilegalidade desta por violação dos princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação da pena.
III A prestação de trabalho é uma pena substitutiva da pena de multa, mas num caso de revogação, sobretudo pelos valores em causa, considerando as garantias de defesa consagradas constitucionalmente, em especial no artigo 32.º n.º1 e 5 da CRP, deve ser aplicado o procedimento previsto nos artigos 498.º n.º3 e 495.º n.º2 e 3 do CPP, pelo que, a decisão em causa, pressupõe a prévia audição presencial do arguido, contando com a presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.
IV Esta obrigatoriedade verifica-se mesmo nos casos em que a pena de trabalho comunitário resulta da substituição de pena de multa, na medida em que e de facto, o que está em causa também nesta situação é um bem superior, ou seja, a liberdade, isto porque o Arguido requereu a prestação de trabalho na impossibilidade de liquidar a multa em que foi condenado, e a revogação da pena de trabalho poderá implicar com fortes probabilidades o cumprimento de uma pena de prisão efectiva.
V Ao não ser ouvido presencialmente o Arguido foi violado o disposto nos artigos 32.º da CRP, 498.º, n.º 3 e 495.º, n.º2 do CPP, verificando-se portanto a nulidade insanável a que alude o artigo 119.º alínea c) do Código de Processo Penal, logo, pelo exposto, deve ser declarado nulo o despacho recorrido, bem como todos os actos ele dependentes, devendo ser substituído por outro que designe data para audição do arguido nas condições previstas no art. 495, nº2 do Código de Processo Penal.
No caso de assim não se entender, é importante ainda realçar o seguinte:
VI Na decisão de que aqui se recorre foi considerado: “Assim sendo, face ao comportamento do arguido, outra conclusão não pode extrai do seu comportamento que não seja a de a substituição da pena de multa por trabalho não se mostrar exequível, nem assegurar, de forma cabal, as finalidades da punição.”, e esta decisão foi tomada sobretudo com base na seguinte factualidade dada como assente aqui reproduzida: “Todavia, como sucessivamente deu conta ao processo a DGRS (fls. 147, 154, 164 e 165, 175, 176 e 184), o arguido revela manifesto desinteresse na execução da medida, abandonando de forma sucessiva o seu cumprimento, a par do facto de se furtar aos contactos da DGRS, seja por via telefónica ou postal, mudando de forma sucessiva de residência, sem comunicar as alterações.”
VII Ora, o Arguido não aceita estes factos dados como provados erradamente, nem estas conclusões extraídas na decisão, pelo que os impugna expressamente, considerando que existe prova documental nos autos que os contradizem (em especial comunicações da DGSRP de 14/9/2016, 23/1/2017, 23/3/2017, 28/8/2017, 4/9/2017, bem como requerimento do arguido de 5/1/2018).
VIII O Arguido também não se conforma com a desvalorização que foi feita na decisão recorrida das suas condições pessoais e sociais expostas e comprovadas no requerimento apresentado a 5 de Janeiro de 2018.
IX Das comunicações da DGSRP de 14/9/2016, 23/1/2017, 23/3/2017, 28/8/2017, 4/9/2017, bem como requerimento do arguido de 5/1/2018, resulta que o Arguido não revelou manifesto desinteresse na execução da medida e que nunca desistiu de a cumprir, nem se furtou aos contactos da DGRS, ou seja, não teve a intenção de não ser contactado ou encontrado, antes pelo contrário, encontram-se documentados nos autos os esforços do Arguido para comunicar as novas moradas, e agilizar uma solução para o cumprimento da pena.
X No entanto, conforme o Arguido reconheceu e reconhece que estas comunicações e esforços deveriam ter sido levados a cabo de outra forma, bem como reconhece as dificuldades que teve em cumprir o trabalho.
XI Mas mais do que falta de vontade e de adesão, mais do que se furtar aos contactos da DGSRP, verificaram-se problemas de comunicação, não podendo ser desvalorizado o quadro de miséria em que o Arguido vive.
XII O Arguido ao longo dos últimos anos enfrentou a doença, o desemprego, a pobreza e a falta de habitação, conforme também comprovado no relatório da associação F…, entidade que o tem acompanhado, e que foi anexado com o requerimento apresentado no passado dia 5/1/2018, sendo que em Novembro passado o diagnóstico realizado por esta associação revelava:
“ausência de habitação, indocumentado, baixos rendimentos, dificuldades de inserção profissional, aparente défice cognitivo, baixas habilitações literárias e situação de desruptura familiar”.
XIII No entanto, o Arguido sempre procurou e procura ultrapassar este quadro e foram estas dificuldades e a procura da superação das mesmas que o fizeram várias vezes mudar de localização, e que não facilitaram o cumprimento da pena de trabalho comunitário.
XIV Apesar de todas as dificuldades o Arguido cumpriu uma parte substancial da medida, tendo manifestado adesão a esta, e não pode ser concluído com segurança que se o Arguido se mais não trabalhou foi porque não quis.
XV Conforme consta dos autos o Arguido quer prestar o trabalho em falta, bem como interiorizou o desvalor penal da sua conduta e a necessidade de, através do cumprimento da pena, reintegrar na sua consciência o bem jurídico violado e repor as expectativas comunitárias de confiança na norma penal violada.
XVI O Arguido procura refazer a sua vida contando com o auxílio da associação F…, sendo que no relatório anexo com o requerimento de 5/1/2018 dá-se conta do esforço e dos resultados positivos obtidos pelo Arguido desde Novembro, passando-se a citar: “Desde que iniciamos o acompanhamento ao Sr. B… este tem cumprido as orientações técnicas e efectuado um esforço para resolução e restruturação do seu projecto de vida. O mesmo tem consistido na organização da vida quotidiana, apoio ao nível do alojamento e acompanhamento ao nível da saúde. (…) Actualmente, o utente já não se encontra na rua, residindo em casa da sua mãe estando a contribuir com parte do seu RSI para despesas de subsistência (sic).”
XVII Perante o exposto, mostra-se possível executar o trabalho comunitário, bem como ainda se encontram asseguradas de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo que o limite legal para a execução da pena, também não se encontra ultrapassado, ou seja, os 30 meses (artigo- 59.º n.º1 ex vi do artigo 48.º n.º2).
XVIII A revogação da substituição só deve ser decretada perante violação dos deveres e obrigações do Arguido nesta prestação do trabalho, mas exigindo-se que ela ocorra em grau particularmente elevado, assumindo-se como intolerável, face aos fins que determinaram a aplicação da pena, o que considerando os factos expostos não se mostram verificadas, e em caso de dúvida esta deve ser resolvida a favor do Arguido.
XIX A revogação desta substituição aqui recorrida não é feita em função das necessidades de prevenção geral e especial, nem visa a proteção de qualquer bem jurídico e a reintegração do agente na sociedade.
XX O Arguido manifesta neste momento possibilidades e condições para cumprir a pena de trabalho comunitário, no entanto, não tem ainda capacidade para pagar a multa, o que poderá conduzir à conversão em tempo de prisão.
XXI Conforme exposto e comprovado em requerimento de 5/1/2018, o Arguido após uma longa travessia do deserto encontra-se num franco processo de melhoria das suas condições, que a revogação recorrida em muito pode comprometer.
XXII Perante o exposto, considera-se que no despacho recorrido foi também violado o artigo 48.º e 49 n.º4 do Código Penal.
XXIII Mas igualmente o Tribunal a quo viola o Art°.40°. do CP ao não atentar no fim das penas.
XXIV O Tribunal viola os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação da pena ao efectuar a presente revogação, desconsiderando todas as dificuldades e esforços do Arguido e os aspectos sociais que a acompanham.
XXV Face ao exposto, perante a ilegalidade do despacho recorrido, este deve ser substituído por outro que permita ao Arguido terminar o cumprimento das horas de trabalho em falta, assim se respeitando as normas dos artigos 48.º, 49.º n.º4 e 40.º todos do Código Penal.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça.
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho datado de 28.02.2018 (cfr. despacho de fls. 216).
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O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, defendendo que “deve negar-se provimento ao recurso interposto e manter-se o douto despacho recorrido”.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral adjunto, acompanhando os fundamentos invocados na Motivação e nas Conclusões do recurso do Arguido, emitiu parecer no sentido de “deve ser revogada a decisão recorrida e concedido provimento ao recurso”.
Foi dado cumprimento ao disposto artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 3ª ed., pág. 347].
1. Questões a decidir:
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as questões a decidir são:
- Ilegalidade do despacho recorrido por violação dos direitos de defesa do arguido;
- Impugnação de factos incorrectamente dados como provados e desvalorização das condições pessoais e sociais do Arguido; ausência de violação grave dos deveres e obrigações do arguido;
- Ilegalidade da decisão por violação dos artigos 40º, 48.º e 49.º n.º4 do Código Penal e dos princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação da pena.
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2. OCORRÊNCIAS PROCESSUAIS COM INTERESSE para a decisão:
A. Por sentença transitada em julgado a 08.04.2016, o arguido B…, foi condenado na pena de multa de 250 dias, à taxa diária de €5.
B. Tendo sido notificado da sentença proferida, no dia 29.2.2016, o condenado requereu, no dia 4.4.2016, a substituição da pena de multa por trabalho, nos termos do mencionado art.º 48.º do Código Penal.
C. Por despacho proferido a 17.10.2016, foi deferida a substituição da pena de multa por pena de Trabalho a favor da Comunidade (250 horas).
D. A 23 de Janeiro foi apresentada comunicação pela DGRSP (Equipa Porto Penal 3) com a seguinte informação após notificação judicial:
“Relativamente ao processo em epígrafe cumpre-nos informar V.Exª que após a comunicação do V/ despacho de homologação foram diligenciadas ações para concretização do início da medida em apreço. Contudo, considerando o período temporal para efetivação do início da prestação, (por razões de não conseguirmos contatar com o arguido através dos contactos telefónicos disponibilizados e só após nova convocatória), e a conveniência da Entidade homologada para o efeito, (por apresentar indisponibilidade para acolher a presente medida), não foi possível iniciar a prestação conforme a V/ homologação.
Deste modo, foi diligenciada nova EBT, designadamente o C…, sito na Rua …, n.º …, …. - … …/VNG, que após entrevista prévia com o arguido, no dia 20/01/2017, aceitou acolher a presente medida, ficando agendado o seu início para o dia 23/01/2017, à razão de 45 horas semanais, nos dias úteis, para desempenhar tarefas de limpeza e manutenção daquele espaço desportivo.” (fls. 147).
E. A 8 de Março de 2017 foi apresentada pela DGRSP (Equipa Porto Penal 3) a informação de que o Arguido ainda só tinha cumprido 12 horas encontrando-se a faltar desde 25.1.2017, sem qualquer justificação, nem iniciativa de contactar a DGRSP, nem respondendo ou dando sequência às tentativas de contacto efectuadas por aquela entidade, na mesma se referindo que “julgamos comprometida a execução do cumprimento da medida por parte do arguido, considerando o seu manifesto desinteresse, indisponibilidade/irresponsabilidade para o efeito” (fls. 154).
F. Em 21 de Março de 2017 foi apresentada comunicação pela DGRSP (Equipa Porto Penal 3) referindo: “Informa-se V. Exa de que fomos contactados pelo Exº Sr. Diretor da D…, Av …, nº .., …. - … PORTIMÃO, a informar que o arguido está acolhido naquela Associação há duas semanas. Mais informou que pretende cumprir a prestação de trabalho naquela área geográfica, pelo que o processo é nesta data transferido para a Equipa Algarve 2.” (fls. 156).
G. Transferida a execução do trabalho para Portimão, informou a DGRSP (Equipa Algarve 2), em 26 de Maio de 2017, o seguinte:
“B… executou 80 horas de trabalho na Associação D…, entidade onde esteve a residir e onde exerceu funções inerentes à manutenção e quotidiano da instituição.
No dia 16 de Maio abandonou a instituição, não tendo dado conhecimento a este serviço sobre o seu destino.
O supervisor da medida referiu que enquanto B… permaneceu na Instituição foi adequado e supõe que tenha regressado ao norte do país onde reside a progenitora.” (fls. 164).
H. Notificado para se pronunciar, o condenado nada disse.
I. Posteriormente, a DGRSP informou, com data de 28.8.2017, que, a 30.6.2017 o condenado ali havia comparecido, informando estar a morar com a progenitora em Vila Nova de Gaia (fls. 175).
J. Na sequência de tal contacto a DGRSP iniciou, uma vez mais, diligências no sentido de obter entidade beneficiária, in casu os BV E…, mas, obtida a colaboração daqueles, no momento de iniciar a medida o condenado verificou-se que o condenado havia abandonado a morada fornecida, sem fornecer qualquer justificação, nem indicar nova morada ou número de contacto (fls. 175), pronunciando-se a DGRSP no sentido de se encontrar comprometida a execução da medida face ao desinteresse/indisponibilidade demonstrado (fls. 175).
L. Esta comunicação foi seguida de uma outra, dando conhecimento que o condenado no dia 31 de Agosto contactou a DGRSP, informando estar a residir em Chaves, conforme comunicação apresentada pela DGRSP (Equipa Porto Penal 3) a 4 de Setembro de 2016, e que tem o seguinte teor:
“Desde a informação remetida a esse Tribunal, em 28/08/2017, o condenado contactou, em 31/08/2017, esta Equipa da DGRSP, informando estar a residir em Chaves, onde perspectiva manter-se. Indicou estar a residir em casa de conhecidos/amigos no Largo …, …, …, …. - … …, Chaves. Disponibilizou o contacto de telemóvel ……….
Manifestou interesse para cumprir o remanescente das horas (158 horas) naquela área territorial.
Atendendo ao exposto, somos a informar a transferência do presente processo para a Equipa do Douro territorialmente competente.” (fls. 176).
M. Segundo comunicação apresentada pela DGRSP (Equipa Douro) a 16 de Novembro de 2017, o Arguido não esteve presente na primeira reunião marcada nesses serviços para 13 de Novembro, confirmando que este tinha deixado de residir em Chaves nesse mês (fls. 184).
N. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da revogação da mencionada substituição da pena de multa por trabalho, promovendo a notificação do arguido e do seu defensor para em 10 dias, proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa que lhe foi aplicada, com a advertência de que, caso o não fizesse, seria a mesma convertida em prisão subsidiária, pelo tempo correspondente (cfr. fls. 185).
O. Notificado o arguido, bem como o seu defensor, em 5.1.2018 pronunciou-se no sentido de apresentar diversas fragilidades – problemas de toxicodependência- que motivam acompanhamento (sucessivos) médico, não dispondo de habitação, tendo vivido muitos meses na rua, sendo difícil ter um número de telefone. Manifestou vontade de cumprir o trabalho comunitário e adesão à pena. Concluiu requerendo não seja revogada a substituição.
Juntou relatório elaborado pela associação “F…” no qual consta o seguinte:
“Desde que iniciamos o acompanhamento ao Sr. B… este tem cumprido as orientações técnicas e efectuado um esforço para resolução e restruturação do seu projecto de vida. O mesmo tem consistido na organização da vida quotidiana, apoio ao nível do alojamento e acompanhamento ao nível da saúde.”
“Apesar de não sermos a instituição gestora do processo do sr. B… (relembro que a gestão se encontra com a Segurança Social de VNG- Dra. G…), temos efectuado acompanhamento/orientação do mesmo no terreno/gestão de tarefas, pelo que foi agilizado pela nossa equipa articulação institucional para marcação de atendimento com a sua Técnica Gestora do Processo - Dra. G… - no âmbito do Rendimento Social de Inserção (atendimento ocorrido a 12/12/2017). Simultaneamente, a nossa intervenção com o utente passou pelo acesso a documentação de identificação, organização da vida quotidiana, orientação para alojamento e encaminhamento para acompanhamento por equipa de tratamento no âmbito dos consumos.
Actualmente, o utente já não se encontra na rua, residindo em casa da sua mãe estando a contribuir com parte do seu RSI para despesas de subsistência.”
P. Na sequência, em 21.01.2018 foi proferida a decisão recorrida.
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Comecemos por decidir a primeira das questões supra elencadas.
Defende o arguido que, sendo a prestação de trabalho uma pena substitutiva da pena de multa, em caso de revogação, sobretudo pelos valores em causa, considerando as garantias de defesa consagradas constitucionalmente, em especial no artigo 32.º n.º1 e 5 da CRP, deve ser aplicado o procedimento previsto nos artigos 498.º n.º3 e 495.º n.º2 e 3 do Código de Processo Penal. Pelo que, a decisão em causa, pressupõe a prévia audição presencial do arguido, contando com a presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.
Alega que “Esta obrigatoriedade verifica-se mesmo nos casos em que a pena de trabalho comunitário resulta da substituição de pena de multa, na medida em que e de facto, o que está em causa também nesta situação é um bem superior, ou seja, a liberdade, isto porque o Arguido requereu a prestação de trabalho na impossibilidade de liquidar a multa em que foi condenado, e a revogação da pena de trabalho poderá implicar com fortes probabilidades o cumprimento de uma pena de prisão efectiva.”
E conclui que “Ao não ser ouvido presencialmente o Arguido foi violado o disposto nos artigos 32.º da CRP, 498.º, n.º 3 e 495.º, n.º2 do CPP, verificando-se portanto a nulidade insanável a que alude o artigo 119.º alínea c) do Código de Processo Penal, logo, pelo exposto, deve ser declarado nulo o despacho recorrido, bem como todos os actos ele dependentes, devendo ser substituído por outro que designe data para audição do arguido nas condições previstas no art. 495, nº2 do Código de Processo Penal.”
Vejamos.
Estamos perante uma decisão que, para além de revogar a substituição da pena de multa por dias de trabalho, notificou “o arguido e o seu Il. Defensor para, em 10 dias, proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa que lhe foi aplicada, com a advertência de que, caso o não faça, será a mesma convertida em prisão subsidiária, pelo tempo correspondente.”
Dispõe o art.º 48.º do Código Penal (com a epígrafe “Substituição da multa por trabalho”):
“1 - A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º”.
O trabalho (em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social) fixado em substituição da pena de multa (pena principal) é uma mera forma de cumprimento, sendo a sua natureza completamente distinta do trabalho prestado na sequência da substituição da pena de prisão aplicada por trabalho a favor da comunidade.
Na verdade, a revogação da prestação de trabalho fixado em substituição da pena de multa não importa qualquer alteração da pena a cumprir (que continua a ser a de multa). Diferentemente, a revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade importa tal alteração, passando o condenado a cumprir pena de distinta natureza – privativa da liberdade – a prisão imposta na sentença.
Esta diferente natureza do trabalho fixado em substituição da pena de multa e do trabalho comunitário, pena de substituição, traduz-se numa diferença dos regimes legais de um e de outro, concretamente nas consequências do seu incumprimento.
E tal diferença também se manifesta no que toca à audição prévia do arguido e do seu defensor, antes da decisão judicial a proferir.
Se não vejamos.
O artigo 61º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, ao regular os direitos e deveres processuais do arguido, dispõe que:
«1. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe digam respeito;
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte…».
Do que decorre, desde logo, uma distinção entre o direito de estar presente e o direito de ser ouvido, ou seja, uma distinção entre uma audição que tem que ser necessária ou obrigatoriamente presencial e uma audição que pode ser concretizada mediante notificação pessoal para o arguido se pronunciar, respeitando-se deste modo o princípio do contraditório que está inerente ou é prévio à decisão judicial.
O disposto no artigo 495º do Código de Processo Penal aplica-se diretamente à situação de revogação da suspensão da execução da pena de prisão por falta de cumprimento das condições ou obrigações impostas.
Mas, reiteramos, uma coisa é a aplicação e consequente revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, outra a de substituição de multa por dias de trabalho.
Ora, no caso em apreço, não estamos perante uma revogação da suspensão da execução da pena, mas sim perante uma revogação da substituição da pena de multa por dias de trabalho, pelo que não há que recorrer ao disposto no art.º 59.º do Código Penal, nem ao disposto no art.º 495.º n.º 2 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi o art.º 498.º n.º 3 do mesmo Código, preceitos aplicáveis para a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Sobre esta matéria mostra-se explícita a posição assumida no ac. do TRC de 7.3.2012, proferido no pro. nº 334/07.3PBFIG.C1, disponível em www.dgsi.pt, ao decidir:
“A tese vertida no recurso apela à norma prevista no n.º 2 do artigo 495.º, aplicável ao vertente caso ex vi do n.º 3 do artigo 498.º, do CPP [«O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido o parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da prestação do trabalho a favor da comunidade»].
No presente caso, não é aí que está consagrada a exigência do direito de audição.
Enquanto os referidos normativos estão intimamente ligados ao incumprimento dos deveres impostos no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão e da prestação de trabalho a favor da comunidade e, se decretada a revogação, implicam a execução da pena de prisão, a pena de prisão subsidiária constitui uma pena de constrangimento, porquanto, como decorre com evidência do disposto no n.º 2 do artigo 49.º do Código Penal, o condenado pode a todo o tempo evitar a execução da pena de prisão pecuniária através do pagamento, total ou parcial, da pena, principal, de multa.
«Esta diferente axiologia justifica, como se entende, a diversidade de exigências e/ou cautelas jusprocessuais. Não está em causa a execução de uma pena originariamente privativa da liberdade. Está em causa, apenas, a execução e - nesta altura, em termos reduzidos - de uma pena não privativa da liberdade, in casu, de uma pena de multa» (cfr. Ac. da Relação do Porto de 09-02-2011, disponível em www.dgsi.pt.)”.
Ora, no caso em análise, o direito do condenado a ser ouvido decorre antes da aplicação do referido artigo 61º do Código de Processo Penal e do princípio do contraditório.
Ou seja, ao contrário do que defende o recorrente, entendemos que não é obrigatória (a lei não o exige), nem se revela necessária a audição presencial do arguido. Pensamos que este seu direito de audição e consequente contraditório se satisfaz com a sua mera “audição processual”, após a sua notificação e do respetivo defensor.
Esta é uma daquelas situações em que a possibilidade de se pronunciar por escrito através de intervenção processual do defensor satisfaz, por regra, o direito a ser ouvido para exercer o contraditório.
Compulsados os autos, verificamos que antes de ser proferida a decisão recorrida, o arguido foi notificado, bem como o seu defensor, para se pronunciar quanto aos termos da promoção do Ministério Público de fls. 185 – v. despacho judicial de fls. 186 e notificações de fls. 187 e 188. E o arguido pronunciou-se no sentido de apresentar diversas fragilidades – problemas de toxicodependência- que motivam acompanhamento (sucessivos) médico, não dispondo de habitação, tendo vivido muitos meses na rua, sendo difícil ter um número de telefone. E concluiu requerendo não seja revogada a substituição.
Assim, face a todo o exposto, entendemos que, no caso em apreço, bem andou o tribunal a quo ao não aplicar o procedimento previsto nos artigos 498.º n.º3 e 495.º n.º2 e 3 do Código de Processo Penal, pois a decisão em causa não impõe a prévia audição presencial do arguido.
E ao determinar a audição do condenado (e respectivo defensor), concretizada mediante notificação para se pronunciar, o que o mesmo, aliás, veio a fazer, o tribunal a quo cumpriu o que se lhe impunha, concedendo ao condenado a possibilidade de se defender e de exercer o contraditório.
Pelo que, não ocorre qualquer violação do disposto nos artigos 32.º da CRP, 498.º, n.º 3 e 495.º, n.º2 do CPP, como defende o recorrente, muito menos se verifica a invocada nulidade insanável aludida no artigo 119.º alínea c) do Código de Processo Penal.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
Prosseguindo.
O arguido não aceita o entendimento expresso na decisão no sentido de que “revela manifesto desinteresse na execução da medida, abandonando de forma sucessiva o seu cumprimento, a par do facto de se furtar aos contactos da DGRS, seja por via telefónica ou postal, mudando de forma sucessiva de residência, sem comunicar as alterações.”, considerando que existe prova documental que o contradiz (em especial comunicações da DGSRP de 14/9/2016, 23/1/2017, 23/3/2017, 28/8/2017, 4/9/2017, bem como requerimento do arguido de 5/1/2018).
Assim como também não se conforma com a desvalorização que foi feita na decisão recorrida das suas condições pessoais e sociais expostas e comprovadas no requerimento apresentado a 5 de Janeiro de 2018.
Atentemos nas referidas comunicações da DGSRP de 14/9/2016, 23/1/2017, 23/3/2017, 28/8/2017, 4/9/2017 e demais prova documental junta aos autos.
Compulsada tal prova parece-nos que dela decorre, desde logo, a admissão, por parte do arguido de dificuldades no cumprimento do trabalho a favor da comunidade resultantes das suas condições pessoais e sociais.
Na verdade, essa mesma prova evidencia que o arguido ao longo dos últimos anos enfrentou a doença, o desemprego, a pobreza e a falta de habitação. Tais fragilidades foram assinaladas pela associação F…, entidade que o tem acompanhado e em cujo relatório se refere que “Em Novembro passado o diagnóstico realizado por esta associação revelava: "ausência de habitação, indocumentado, baixos rendimentos, dificuldades de inserção profissional, aparente défice cognitivo, baixas habilitações literárias e situação de desruptura familiar".
É certo que a conduta do arguido pode ser questionada, as opções tomadas pelo mesmo podem ser postas em causa e concluir-se que o mesmo não tomou as melhores decisões, sobretudo ao nível das comunicações, mas perante esse contexto, não podemos esquecer que o arguido procurou ultrapassar tal quadro, revelando adesão à pena em causa, conforme evidenciam vários relatórios da DGRSP.
Atente-se no teor do primeiro relatório de cumprimento da DGRSP datado de 23/1/2017:
“Relativamente ao processo em epígrafe cumpre-nos informar V.Exª que após a comunicação do V/ despacho de homologação foram diligenciadas ações para concretização do início da medida em apreço. Contudo, considerando o período temporal para efetivação do início da prestação, (por razões de não conseguirmos contatar com o arguido através dos contactos telefónicos disponibilizados e só após nova convocatória), e a conveniência da Entidade homologada para o efeito, (por apresentar indisponibilidade para acolher a presente medida), não foi possível iniciar a prestação conforme a V/ homologação. Deste modo, foi diligenciada nova EBT, designadamente o C…, sito a Rua …, n.º …, …. - … …/VNG, que após entrevista prévia com o arguido, no dia 20/01/2017, aceitou acolher a presente medida, ficando agendado o seu início para o dia 23/01/2017, à razão de 45 horas semanais, nos dias úteis, para desempenhar tarefas de limpeza e manutenção daquele espaço desportivo.”
Conforme consta deste relatório o arguido permanecia motivado para o cumprimento da pena, não obstante as dificuldades em ser contactado telefonicamente. Contudo, logo que recebeu a convocatória postal o arguido compareceu nos serviços.
Atente-se igualmente na documentação das vezes que o arguido, tendo mudado de residência contactou a DGRSP.
É referido na comunicação apresentada pela DGRSP (Equipa Porto Penal 3) a 23 de Março de 2017:
“Informa-se V. Exa de que fomos contactados pelo Exº Sr. Diretor da D…, Av …, nº .., …. - … PORTIMÃO, a informar que o arguido está acolhido naquela Associação há duas semanas. Mais informou que pretende cumprir a prestação de trabalho naquela área geográfica, pelo que o processo é nesta data transferido para a Equipa Algarve 2.
E consta da comunicação apresentada pela DGRSP (Equipa Porto Penal 3) a 28 de Agosto de 2017:
“Relativamente ao processo em epígrafe cumpre informar V/ Exª do seguinte:
Desde a informação remetida a esse Tribunal, pela Equipa Algarve 2 desta DGRSP, o presente processo veio transferido para esta Equipa Porto Penal 3, tendo o arguido comparecido nesta DGRSP em 30/06/2017, informando estar a residir em casa da progenitora, em Rua …, n.º …., …. - … …/VNG.”
Consta ainda na comunicação apresentada pela DGRSP (Equipa Porto Penal 3) a 4/9/17:
“Relativamente ao processo em epígrafe cumpre informar V/ Exª do seguinte:
Desde a informação remetida a esse Tribunal, em 28/08/2017, o condenado contactou, em 31/08/2017, esta Equipa da DGRSP, informando estar a residir em Chaves, onde perspectiva manter-se. Indicou estar a residir em casa de conhecidos/amigos no Largo …, …, …, …. - … …, Chaves. Disponibilizou o contacto de telemóvel …………
Manifestou interesse para cumprir o remanescente das horas (158 horas) naquela área territorial.
Atendendo ao exposto, somos a informar a transferência do presente processo para a Equipa do Douro territorialmente competente.”
Resulta ainda dos autos que o arguido, apesar de todas as dificuldades, cumpriu uma parte substancial da medida, tendo manifestado adesão a esta e mantido uma postura adequada na execução do trabalho (comunicação da DGRSP de 26/5/2017).
Por outro lado, o arguido manifesta vontade de prestar o trabalho remanescente. Procura refazer a sua vida contando com o auxílio da associação F…, que o tem acompanhado e em cujo relatório se dá conta do esforço e dos resultados obtidos pelo arguido quando refere: “Desde que iniciamos o acompanhamento ao Sr. B… este tem cumprido as orientações técnicas e efectuado um esforço para resolução e restruturação do seu projecto de vida. O mesmo tem consistido na organização da vida quotidiana, apoio ao nível do alojamento e acompanhamento ao nível da saúde.
Apesar de não sermos a instituição gestora do processo do sr. B… (relembro que a gestão se encontra com a Segurança Social de VNG- Dra. G…), temos efectuado acompanhamento/orientação do mesmo no terreno/gestão de tarefas, pelo que foi agilizado pela nossa equipa articulação institucional para marcação de atendimento com a sua Técnica Gestora do Processo – Dra. G… – no âmbito do Rendimento Social de Inserção (atendimento ocorrido a 12/12/2017). Simultaneamente, a nossa intervenção com o utente passou pelo acesso a documentação de identificação, organização da vida quotidiana, orientação para alojamento e encaminhamento para acompanhamento por equipa de tratamento no âmbito dos consumos.
Actualmente, o utente já não se encontra na rua, residindo em casa da sua mãe estando a contribuir com parte do seu RSI para despesas de subsistência”.
Ora, face a todo o exposto, no relatado contexto, sopesadas as referidas dificuldades evidenciadas pelo arguido no cumprimento do trabalho a favor da comunidade, considerando o esforço que neste momento o arguido tem desenvolvido para refazer a sua vida, afigura-se-nos que ainda se mostra possível executar o trabalho comunitário, bem como ainda, através da sua execução, se encontram asseguradas de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sem necessidade, pelo menos por enquanto, de revogação da decretada substituição.
Com efeito, parece-nos que a conduta manifestada pelo arguido, embora revele acentuado descuido, não revela manifesto desinteresse na execução da medida, que ponha irremediavelmente em causa o seu cumprimento. É certo que, por vezes, o arguido se furtou aos contactos da DGRS, mas, pensamos nós, não o fez com a intenção de não ser contactado ou encontrado, mas sim com a intenção de superar as suas dificuldades, nunca desistindo de cumprir a pena aplicada (estão documentados nos autos os esforços por parte do arguido para comunicar as novas moradas, e agilizar uma solução para o cumprimento da pena). E no prosseguimento da sua intenção, superadas algumas dessas dificuldades, mantém a propósito de cumprir o remanescente do trabalho a favor da comunidade. O que parece revelar que interiorizou o desvalor penal da sua conduta e a necessidade de, através do cumprimento da pena, reintegrar na sua consciência o bem jurídico violado e repor as expectativas comunitárias de confiança na norma penal violada.
De facto, não podemos desvalorizar que o arguido ao longo dos últimos anos enfrentou a doença, o desemprego, a pobreza e a falta de habitação e que, não obstante tal contexto cumpriu 92 horas de trabalho, evidenciando que o mesmo tentou ultrapassar este quadro e que foram estas dificuldades e a procura da superação das mesmas que o fizeram várias vezes mudar de localização, não facilitando o cumprimento do trabalho comunitário. Como também não podemos escamotear o referido esforço evidenciado pelo arguido para resolução e restruturação do seu projecto de vida, com a consequente organização da vida quotidiana, apoio ao nível do alojamento e acompanhamento ao nível da saúde, sendo que o mesmo atualmente já não se encontra na rua, residindo em casa da sua mãe, estando a contribuir com parte do seu RSI para despesas de subsistência.
Quer dizer, beneficia, agora, o arguido de condições para cumprir cabalmente o remanescente do trabalho comunitário em causa.
Acresce que o limite legal (30 meses) para a execução da pena não se mostra ultrapassado (artigo 59.º n.º1 ex vi do artigo 48.º n.º2 do Código Penal).
Assim, face a todo o exposto e, considerando que a revogação da substituição só deve ser decretada perante uma violação culposa e intolerável dos deveres e obrigações do condenado na prestação do trabalho, entendemos que, no caso em apreço, atento o relatado contexto e manifestando o arguido, neste momento, possibilidades e condições para cumprir a pena de trabalho comunitário, a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade ainda se mostra exequível, e assegura, de forma cabal, as finalidades da punição (cfr. artigos 48º, 49º, nº 4, 58º, nºs 3 e 4 e 59º, nº 1, todos do Código Penal).
Pelo que, assistindo razão ao arguido, cumpre revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine a prestação pelo arguido do remanescente do trabalho a favor da comunidade, diligenciando junto da DGRS o acompanhamento da sua execução.
Procede, assim, o recurso.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência, revogam a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine a prestação, pelo mesmo arguido, do remanescente do trabalho a favor da comunidade, solicitando à DGRS o acompanhamento da sua execução.
Sem custas.
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Porto, 30 de maio de 2018
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva