Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
288/19.3T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXCEPÇÃO DO CASO JULGADO
Nº do Documento: RP20201026288/19.3T8PVZ.P1
Data do Acordão: 10/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I- Verifica-se a ineptidão da petição inicial se o Autor invoca como causa de pedir uma relação contratual de mútuo celebrado com um dos Réus, mas nela não inclui o segundo dos Réus demandados, nem invoca, em relação a ele, qualquer outra relação jurídica que possa fundamentar o pedido contra ele também formulado.
II- Não existe nulidade por omissão de pronúncia se o tribunal recorrido, enveredando pela verificação do efeito de autoridade de caso julgado sob determinado segmento decisório, não conhece de quaisquer outras questões que a parte porventura tivesse colocado.
III- O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa; a função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado; a função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado.
IV- O caso julgado não tem por que valer apenas como excepção impeditiva da apreciação da mesma questão entre as mesmas partes (efeito negativo do caso julgado); vale também como autoridade (efeito positivo do caso julgado), de forma que o já decidido não pode mais ser contraditado ou afrontado, ainda que por fundamento diverso, por alguma das partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 288/19.3T8PVZ.P1-Apelação
Origem-Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim-J4
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, residente na Rua…, n.º …, freguesia de …, concelho da Maia, veio intentar a presente acção declarativa de processo comum contra C…, residente na Rua…, n.º …., freguesia de …, concelho de Vila do Conde, e D…, residente na Avenida…, n.º …., …, freguesia de …, Maia, pedindo:
a) a condenação dos réus a entregarem ao autor a quantia mutuada ao primeiro réu, de €70.000,00;
b) a condenação dos réus a indemnizarem o autor em juros moratórios à taxa anual de 4% sobre a quantia mutuada de €70.000,00, a vencerem-se desde o dia 16 de Março de 2006 até efectivo e integral pagamento.
Alega para o efeito que celebrou com o primeiro réu um contrato promessa de hipoteca, nos termos do qual o autor mutuou ao primeiro réu a quantia e €70.000,00, que lhe entregou, prometendo o primeiro réu dar de hipoteca, a favor do autor, o prédio urbano sito na Rua…, n.º …, …, em Matosinhos, para garantia do pagamento da quantia mutuada.
O negócio foi feito a pedido do segundo réu, destinando-se o dinheiro ao exercício pelo primeiro réu do direito de remição na venda mediante propostas em carta fechada do referido prédio no processo de execução n.º 1011/1997, bem como ao pagamento das despesas relativas aos actos a praticar, processo esse em que eram executados os seus pais, o aqui segundo réu e mulher.
O primeiro réu exerceu o direito de remissão e procedeu ao depósito do preço, no valor de €50.000,00, na “E…”, à ordem do juiz do processo. No entanto, a arrematação veio a ser anulada e, após, o inquilino do prédio penhorado informou naqueles autos que lhes assistia direito de preferência na compra do prédio, na sequência do que foi proferido despacho a declarar a nulidade da penhora e de todos os actos subsequente.
O primeiro réu pediu depois o levantamento da quantia que depositou no exercício do direito de remissão, tendo o tribunal passado precatório cheque a seu favor, entregando-lho.
No contrato de mútuo e de promessa de hipoteca, os contraentes previram que, com o dinheiro que recebeu do autor, o primeiro réu podia exercer o direito de remissão na arrematação do prédio e que, uma vez adjudicado o mesmo ao primeiro réu, este podia dá-lo de hipoteca ao autor, para garantia do empréstimo que este lhe concedeu.
Sucede que a arrematação foi anulada e o prédio não foi adjudicado ao primeiro réu.
Sobre o prédio continua registada a aquisição por doação a favor do segundo réu e de um usufruto a favor de F…, mãe do segundo réu.
A vontade dos outorgantes expressa na cláusula quarta do contrato que celebraram, era a de o primeiro réu registar a aquisição do prédio do segundo réu a seu favor e cancelar todos os ónus ou encargos incidentes sobre o mesmo imóvel, a fim de garantir a prioridade do registo da hipoteca, em termos de o imóvel responder em primeiro lugar pelo crédito do autor. Era ainda a de formalizarem por escritura pública o empréstimo concedido pelo autor ao primeiro réu, conjuntamente com a constituição da hipoteca a registar.
Ora, pese embora todo o exposto, o primeiro réu não entregou ao autor os 50.000,00€ que lhe foram restituídos, tal como não lhe entregou o restante montante que dele recebeu. Também não o informou de que levantou o dinheiro que havia depositado e que a instância executiva se encontra interrompida desde 22.05.2007
Desde há mais de 10 anos que o autor vem exigindo ao réu a outorga da escritura de mútuo com hipoteca, o que até à presente data não sucedeu, entendendo o autor o seu comportamento como recusa do cumprimento das obrigações a que se comprometeu.
Em face do incumprimento do primeiro réu, o autor instaurou a acção que sob o n.º 339/15.5TBVCD correu termos pela 2ª Secção Cível da Instância Central da Póvoa de Varzim– J3, com a finalidade de obter sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial do réu faltoso, nos termos do n.º 1 do artigo 830º do Código Civil.
O segundo réu prestou depoimento na audiência final realizada nessa acção, declarando que “o negócio de mútuo dos autos foi feito por si e não pelo filho. Afirmou que tem uma casa da qual a sua mãe é usufrutuária e que devido a problemas financeiros que atravessava, a mesma ia ser vendida em leilão, no Tribunal Judicial de Matosinhos.
Disse que o autor lhe entregou €50.000,00 para o seu filho poder remir a dívida. Bem como que, posteriormente, o autor lhe fez o favor de lhe emprestar mais €20.000,00.
Mais disse que a remição ficou sem efeito, com a devolução do dinheiro.”
O autor só pelo depoimento do segundo réu tomou conhecimento de que assumiu ou disse que o empréstimo e a promessa da garantia hipotecária, eram convencionados, entre o autor e o segundo réu, em desacordo com o contrato.
O autor convencionou com o primeiro réu, a pedido do segundo réu, na convicção de celebrar negócio com o contraente real.
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Válida e regularmente citados ambos os réus contestaram.
O réu C… invocou a existência de caso julgado, referindo para o efeito que em acção intentada contra si pelo aqui autor, tendo por fundamento a mesma factualidade, já foi apreciada e decidida a questão agora suscitada, tendo sido proferida decisão transitada em julgado que absolveu o ora réu dos pedidos contra si formulados pelo autor.
Invocou a nulidade do contrato de mútuo por inobservância da forma legalmente exigida, alegando como fundamento que o contrato de mútuo de valor superior a €20.000,00 só é válido se celebrado por escritura pública, o que na situação em apreço não se verificou.
Impugnou ainda, na sua generalidade, a factualidade alegada pelo autor.
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Por seu lado, o réu D… defendeu a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, referindo que da alegação do autor resulta que o mesmo mutuou ao réu C… a quantia de €70.000,00, não se vislumbrando qualquer obrigação daí decorrente para o ora contestante que possa conduzir ao pedido contra si formulado.
Impugnou, também ele, na sua generalidade, a factualidade invocada pelo autor.
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Conclusos os autos o tribunal recorrido proferiu despacho saneador em que:
a)- julgou inepta a petição inicial em relação ao Réu D… por falta de causa de pedir absolvendo-o, assim, da instância;
b)- julgou improcedente a excepção de caso julgado invocada pelo Réu C…;
c)- e conhecendo de imediato do pedido julgou a acção improcedente por não provada e absolveu o Réu C… do pedido contra si formulado.
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Não se conformando com o assim decidido, veio o Autor interpor o presente recurso com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que rematou com as seguintes “conclusões”:
1ª- A douta sentença do processo 339/15.5TBVCD decide a improcedência da execução específica do contrato de 09/03/2004, com fundamento em que o réu, primeiro réu desta acção, limitou-se a assinar o contrato a pedido do pai, sem se ter comprometido às estipulações contratuais.
2ª- Os precisos termos em que julga são os das resoluções dos fatos de o réu, primeiro réu desta acção, intervir no contrato a pedido do pai, sem conhecimento das convenções, nem interesse no contrato, tendo por mera missão prosseguir o interesse do pai na remissão da venda de um prédio do pai que continuaria de fato a ser do pai.
3ª-Na primeira acção decidiu-se que não foi o réu que pediu o dinheiro, nem que se obrigou a pagar, apesar de, a pedido do pai, ter assinado o contrato e de ter intervindo no processo executivo de venda de um prédio do pai, com o dinheiro do empréstimo contratado.
4ª- O segundo réu, no seu depoimento na acção passada em julgado, confessou todas as obrigações contratuais como contraídas pela sua pessoa com a interposição do nome do seu filho em vez da sua, real contratante.
5ª- A finalidade, que o segundo réu confessa do empréstimo e que o contrato demonstra, é a do exercício do direito de remissão a prosseguir pelo primeiro réu, na execução em que estava á venda um prédio do casal do segundo réu.
6ª- A essencialidade da declaração do autor no contrato 09/03/2004 é a do empréstimo servir para o exercício do direito de remissão na execução, independentemente da pessoa com ele beneficia, seja o pai ou o filho.
7ª-O motivo que provoca a declaração contratual do autor e a entrega da quantia mutuada é a projectada aquisição do prédio pelo filho na execução movida contra os pais, independentemente da propriedade corresponder ao não ao título.
8ª- Releva com interesse para o autor a garantia real prometida do cumprimento da obrigação da restituição do dinheiro mutuado.
9ª- Os pressupostos da decisão da acção passada em julgado são os da execução específica do contrato de 09/03/2004.
10ª- Enquanto na acção passada em julgado os pressupostos da decisão são os da execução específica do contrato, na presente os pressupostos são os da restituição do dinheiro mutuado, com fundamento na verificação da cláusula resolutiva sob a forma de promessa de hipoteca contratada.
11ª- As resoluções das questões que servem de premissa da decisão transitada não atingem os pressupostos da decisão a proferir na presente acção.
12ª- Por parte do autor, o contrato foi feito com a intenção de o filho ficar a ser o proprietário do imóvel e garantir o empréstimo com o imóvel, como decorre do contrato de 09/03/2004, ao convencionarem hipotecar em garantia do empréstimo o prédio da remissão.
13ª- Por parte dos réus, o contrato foi feito com a intenção do filho ser interposto como o proprietário.
14ª- Sendo a essencialidade do contrato a de o autor mutuar dinheiro para o exercício do direito de remissão, não tem que contar com o conluio entre os réus.
15ª- Sendo o contrato assinado pelo primeiro réu, a pedido do segundo réu, o contrato é assumido pelo pai que instrumentaliza o filho para viabilizar a remissão e garantir o crédito que pediu.
16ª- A declaração contratual do filho é de se obrigar perante o autor, mas a sua vontade real é a de vincular o pai, dando de hipoteca em garantia do empréstimo um prédio que, ainda que tivesse sido por ele adquirido em título, continuava a ser do pai.
17ª- A declaração do autor no contrato é com desconhecimento da vontade real do primeiro réu, porquanto intenta uma execução específica contra ele e ele nega que o negócio seja consigo, com fundamento em que assinou de cruz o contrato a pedido do pai.
18ª- O contrato querido é do pai.
19ª- O contrato é válido em relação ao autor e ao pai, porquanto o filho assina, de livre e espontânea vontade, a pedido do pai, o pai sabe o que o filho assina, e confessa que o autor lhe emprestou o dinheiro a ele, e que a remissão era no interesse do progenitor.
20ª- Verificou-se a condição resolutiva do contrato pelo que está vencida a obrigação.
21ª- A primeira decisão transitada em julgado não tem autoridade de caso julgado sobre a decisão a proferir na presente acção.
22ª-O contrato de 09/03/2004 faz prova plena dos fatos nele contidos contra os réus, quanto ao primeiro por quis ser instrumentalizado e quanto ao segundo porque pôs o primeiro a falar em seu nome, sem declarar que o filho actuava em seu nome.
23º- Com a ressalva de que é o pai a pessoa do obrigado a restituir a quantia mutuada.
24ª- A declaração do pai como testemunha do filho é uma confissão escrita em documento autêntico, e como confissão escrita faz prova plena dos fatos que dela constam contra o interesse do segundo réu.
25ª- Devem ser declarados como provados os fatos dos n.ºs 1) a 24) da alínea c) do n.º 2 das ALEGAÇÕES (II).
26ª-A prova dos fatos indicados na cláusula anterior constituem premissa da decisão que julgue procedente a acção.
27ª- A douta sentença enferma de vício de omissão de pronúncia previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil que a projecta para erro de julgamento da procedência da excepção de autoridade de caso julgado.
28º- A douta sentença, além de outras disposições legais, viola o disposto nos artigos 241º, 244º, 349º, 352º, 358º n.º 2, 376º nº 2 do Código Civil, 574º n.º 2, 607º n.º 4 e 621º do Código de Processo Civil.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as questões que importa apreciar:
a)- saber se se verifica a ineptidão da petição inicial em relação ao Réu D…;
b)- saber se a decisão padece da nulidade por omissão de pronúncia;
c)- saber se se verifica a excepção de autoridade de caso julgado entre esta acção e aquela outra que correu termos sob o nº 339/13.5TBVCD pela então Instância Central, 2ª Secção Cível– J3, da Póvoa de Varzim.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido deu como provada a seguinte factualidade:
1. Em acção intentada pelo aqui autor contra o aqui réu C…, a qual correu termos sob o nº 339/13.5TBVCD pela então Instância Central, 2ª Secção Cível–J3, da Póvoa de Varzim, o autor concluía pedindo que:
a) sejam produzidos “os efeitos da declaração negocial do réu, declarando-se constituído o contrato de mútuo concedido pelo autor, ao réu, no dia 9 de Maio de 2004, no montante de SETENTA MIL EUROS (€70.000,00), que o réu está obrigado a pagar ao autor, após fixação de prazo pelo autor.
b) sejam produzidos “os efeitos da declaração negocial do réu declarando-se constituída, a favor do autor, hipoteca sob o prédio urbano, sito na Rua…, nº …, freguesia de …, concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número 3024/20051216 da freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo 3216.”
2. Nessa acção, conforme em súmula se refere no relatório da respectiva sentença, o autor alegou “(…) que emprestou e entregou ao Réu, no dia 09 de Março de 2004, a quantia de €70.000,00 e que este, para garantia deste empréstimo, se obrigou a constituir hipoteca, a seu favor, sobre o prédio que adquiriu na acção do Processo nº 1011/1997, do 6º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, através de contrato com o teor de fls. 11 e ss., que aqui se dá por reproduzido.
Especifica que o Réu adquiriu este prédio, por o mesmo lhe ter sido adjudicado numa execução que G… e mulher moveram aos seus pais, D… e mulher H…, no dito processo nº 1011/1997.
Afirma que o Réu, apesar de lhe ter sido adjudicado o imóvel e de ter pago o preço respectivo, não procedeu ao registo da sua aquisição, não requereu o cancelamento dos registos de penhora realizada nem tratou de reunir os documentos necessários para a outorga da escritura prometida.
Defende que lhe assiste o direito de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do Réu faltoso, nos termos do nº 1 do art. 830.º do Código Civil, tal como convencionado na cláusula sexta do contrato acima referido.
Finalmente, diz que, não tendo sido fixado prazo para o pagamento do mútuo, o mesmo deverá ser fixado após registo da hipoteca.”
3. Na sentença proferida nessa acção foi considerada provada a seguinte matéria de facto:
“1) O prédio urbano sito na Rua…, nº …, freguesia de …, concelho de Matosinhos, composto de casa de dois pavimentos, com a área coberta de 84 m2 e área descoberta de 81,25 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número 3024/20051216, inscrito na matriz sob o artigo 3216 urbano foi entregue ao pai do Réu, D…, na sequência de escritura de doação efectuada a seu favor por I… e mulher F…, em data não posterior a 23/02/1978.
2) Desde então, tem sido o pai do Réu a administrar, guardar e a efectuar melhoramentos no prédio dos autos.
3) Este mesmo prédio continua, até ao presente, registado na Conservatória do Registo Predial a favor do pai do Réu, D….
4) O Autor conhece o pai do Réu desde há muitos anos, tendo sido por intermédio deste que o Autor conheceu o aqui Réu.
5) A pedido do seu pai, de forma livre e espontânea, o Réu assinou o documento de fls. 11 e 12, intitulado “Contrato-Promessa de Hipoteca”.
6) O Réu nunca recebeu qualquer quantia em dinheiro do Autor nem se obrigou a restituir qualquer quantia em dinheiro a este.
7) No extinto 6º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos correu termos o Processo Executivo nº 1011/1997, em que figuravam como Exequentes G… e mulher J… e como Executados os pais do Réu, D… e mulher H….
8) No dia 29 de Outubro, o Réu depositou à ordem desses autos a quantia de €50.000,00 “Proveniente de depósito do preço da venda mediante propostas em carta carta fechada, relativamente à fracção autónoma, sito na R…, nº …, na freguesia de ….” (cfr. doc. de fls. 219, cujo teor se dá aqui por reproduzido).
9) Por despacho proferido a fls. 269 e ss. daqueles autos, declarou-se a nulidade do acto de abertura de propostas em carta fechada, efectuada em 28 de Outubro de 2003 e a aceitação da proposta nele realizada, bem como de todos os actos subsequentes, nomeadamente o acto de remição.”
4. Na sentença proferida nessa acção considerou-se como não provada a demais matéria de facto, concretamente:
“a) Que o Autor tenha emprestado ao Réu a quantia de €70.000,00, no dia 09 de Março de 2004;
b) Que o Réu, para garantia de empréstimo realizado pelo Autor, se tivesse obrigado perante este a constituir uma hipoteca sobre um prédio que adquiriu no Processo nº 1011/1997, do 6º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, designadamente o prédio urbano sito na Rua…, nº …, freguesia de …, concelho de Matosinhos, composto de casa de dois pavimentos, com a área coberta de 84 m2 e logradouro com 81,25 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número 3024/20051216, inscrito na matriz sob o artigo 3216 urbano;
c) Que o Réu tenha adquirido o prédio acima identificado, por o mesmo lhe ter sido adjudicado na execução que G… e mulher J… moveram aos pais do Réu, D… e mulher H…, no processo nº 1011/1997, do 6º Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos;
d) Que, desde há mais de cinco anos, o Autor venha exigindo ao Réu a outorga da escritura de mútuo com hipoteca …;
e) … e que tivesse proposto ao Réu o pagamento dos documentos necessários para outorga e registo dos actos notariais a praticar …;
f) … mas que o Réu diga que se encarrega de obter os documentos e de marcar a escritura;
g) Que sempre que o Autor inquiriu o Réu para a necessidade da escritura, este nunca tenha dito que recusava o procedimento, mas, chegada a hora, deixa de comparecer no local onde combina;
h) Que o Réu apenas tenha visto o Autor uma única vez, por escassos minutos e há cerca de 10 anos a esta parte;
i) Que o Autor tenha sido apresentado ao Réu pelo seu pai, como sendo um parceiro deste num negócio envolvendo bens imóveis;
j) Que, no ano de 2004, o Réu não percebesse, como ainda não percebe, nada de negócios;
k) Que, na ocasião da assinatura do documento de fls. 11 e 12, o Réu tivesse pleno conhecimento do seu conteúdo e alcance;
l) Que o Autor visse o Réu, e vice-versa, sempre que se dirigia a casa do seu pai, na morada dos pais, onde habitava e onde o Autor visitava toda a família.”
5. Nessa sentença, em sede de “Fundamentação de Direito”, considerou-se o seguinte:
“O Autor intentou a presente acção contra o Réu pedindo que sejam produzidos os efeitos da declaração negocial do Réu, declarando-se constituído o contrato de mútuo concedido por si ao Réu, no dia 09 de Maio de 2004, no montante de €70.000,00 (setenta mil Euros), que este lhe está obrigado a pagar, após fixação de prazo. Bem como que sejam produzidos os efeitos da declaração negocial do Réu, declarando-se constituída, a seu favor, hipoteca sobre o prédio urbano, sito na Rua…, nº …, freguesia de …, concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número 3024/20051216 da freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo 3216.
A causa de pedir invocada para obter este efeito é a celebração de um contrato de mútuo entre si e o Réu, no dia 09 de Março de 2004, tendo por objecto a quantia global de €70.000,00, e a celebração, no mesmo dia, de um contrato-promessa com o teor de fls. 11 e 12 dos autos.
Vejamos: Nos termos constantes do art. 1142.º do C.Civil: “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
Ao regular este contrato, a lei tem em vista o empréstimo de dinheiro ou outra coisa fungível feito à margem de qualquer outra relação jurídica.
De acordo com o disposto no art. 406.º do C. Civil, os contratos devem ser pontualmente cumpridos e, faltando o devedor culposamente ao cumprimento da obrigação, torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art. 798.º do Código Civil).
Noutra perspectiva, nos termos da regra geral em sede de ónus de prova prevista no art. 342.º, n.º 1, do C. Civil, cabia ao Autor fazer a prova dos factos constitutivos dos direitos por si invocados.
O ónus da prova traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta.
Feito o julgamento nos autos, é manifesto não se ter provado ter havido qualquer acordo de vontades entre o Autor e o Réu no sentido de outorgarem um contrato com as características de um mútuo, na data e pelos valores aludidos na Petição Inicial (…)”.
6. Essa sentença transitou em julgado.
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III- O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que no recurso vem colocada prende-se com:
a)- saber se se verifica a ineptidão da petição inicial em relação ao Réu D….
Como se evidencia da decisão recorrida aí se propendeu para o entendimento de que a petição inicial era inepta em relação ao Réu D… por a mesma carecer de causa de pedir em relação ao mesmo.
Deste entendimento dissente o Autor recorrente alegando que não obstante não se tenha explicado bem no seu texto, nomeadamente nos artigos 54º a 62º da petição inicial, deles retira-se que quis dizer que emprestou aos réus €70.000,00 para o primeiro réu remir numa acção executiva (a indicada no artigo 6º), sendo €50.000,00 o valor da remissão e €20.000,00 para despesas com a remissão, e que fez o contrato na convicção de que o empréstimo era para o filho remir, e pelo depoimento do pai ouviu que assumiu ser ele o devedor, que os dois réus actuaram em conluio, mas não sabe como regularam as relações entre eles.
Qui iuris?
Como se sabe como causa de pedir entende-se o ato ou facto jurídico no qual o autor se baseia para formular o seu pedido ou, noutras palavras, o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar.[1]
Respigando a estrutura da petição inicial os pedidos formulados alicerçam-se numa relação de mútuo que terá ocorrido entre o Autor e o primeiro Réu, mediante a qual o primeiro terá emprestado ao segundo a quantia de €70.000,00.
E que assim é basta ler o artigo 43º da petição inicial e a formulação do próprio pedido, onde o Autor refere, mais uma vez, que mutuou a referida quantia ao primeiro Réu, alegando, inclusive, no artigo 63º da petição inicial que “convencionou com o primeiro réu, a pedido do segundo réu, para o primeiro, na convicção de celebrar negócio com o contraente real”.
Daqui se retira, sem margem para qualquer tergiversação, que a relação negocial de mútuo, em que se estriba a acção, foi apenas celebrada com o primeiro Réu e já não com o segundo.
Por outro lado só esta relação negocial é que vem alegada na petição inicial e nenhuma outra, e só esta relação é que fundamenta o pedido formulado na acção (restituição da quantia mutuada), em consonância, aliás, com a definição legal do contrato de mútuo a que se refere o artigo 1142.º do CCivil.
Pergunta-se qual a relação jurídico-negocial vem invocada na petição inicial que, uma vez provada, possa sustentar a condenação do segundo Réu?
Nenhuma.
É irrelevante para que fim se destinou ou que propósitos serviu a quantia mutuada pelo Autor ao primeiro Réu.
O que releva, para os efeitos pretendidos com a presente acção, é quem foram os polos da relação negocial-mutuante e mutuário-e esses, segundo a alegação do Autor, foram ele e o primeiro Réu.
E se assim foi, como o Autor alega, então não existe causa de pedir em relação ao segundo Réu, e isto independentemente de a quantia mutuada se ter destinado a permitir que o primeiro Réu pudesse exercer o direito de remição em execução intentada contra o segundo Réu seu pai e sua mãe.
Na verdade, a este respeito o que o Autor alega relativamente a este segundo Réu é que o contrato de promessa com hipoteca foi feito a pedido e por instruções deste (cfr. artigos 3º, 31º, 55º e 63º da petição).
Para responsabilizar o segundo Réu nos termos em que os pedidos estão formulados o Autor teria que ter alegado que na relação negocial de mútuo também aquele tinha intervindo, coisa que manifestamente não ocorre.
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Como assim e sem mais delongas nada temos a censurar à decisão recorrida quando conclui pela ineptidão da petição inicial em relação ao segundo Réu.
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A segunda questão que vem colocada no recurso prende-se com:
b)- saber se a decisão padece da nulidade por omissão de pronúncia.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas nas várias alíneas do no nº 1 do artigo 615.º do CPCivil.
Na conclusão 27ª refere o Autor recorrente douta sentença enferma de vício de omissão de pronúncia previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil que a projecta para erro de julgamento da procedência da excepção de autoridade de caso julgado.
Nos termos do disposto na citada alínea d) a sentença é nula sempre que “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infracção ao disposto no artigo 608.º, nº 2, do mesmo diploma legal. Ou seja, a nulidade prevista na alínea d) está directamente relacionada com o nº 2 do artigo 608.º, referido, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões.
Mas, importa precisar o que deve entender-se por “questões” cujo conhecimento ou não conhecimento integra nulidade por excesso ou falta de pronúncia.
Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras “questões” de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade em causa.
Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes.
Num caso como no outro não está em causa omissão ou excesso de pronúncia.
No que concerne à falta de pronúncia dizia Alberto dos Reis[2] que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Dentro deste raciocínio do ilustre mestre se poderá acrescentar que, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas partes não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia susceptível de integrar nulidade.
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia.
Obviamente, sempre, salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal.
Postos estes breves considerando não vemos que a decisão recorrida padeça da invocada nulidade, aliás, nem o recorrente a delimita ou concretiza.
Na sua contestação o Réu C… veio a invocar a excepção de caso julgado, excepção que o tribunal recorrido considerou não se verificar.
Todavia, já a nível da apreciação imediata do mérito da acção conclui pela verificação da excepção da autoridade de caso julgado.
Ora, ao assim ter decidido, torna-se evidente que se mais questões havia para apreciar, e não havia nos termos que supra se deixaram descritos, torna-se evidente que as mesmas ficaram prejudicadas, razão pela qual se não pode falar em omissão de pronúncia.
Aliás, o Autor parece confundir nulidade por omissão de pronúncia com erro de julgamento.
O erro de julgamento pode levar a que a decisão em sede de recurso seja revogada, todavia isso não a inquina de nula e, concretamente, por omissão de pronúncia.
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A última questão que no recurso vem colocada consiste em:
c)- saber se se verifica a excepção de autoridade de caso julgado entre esta acção e aquela outra que correu termos sob o nº 339/13.5TBVCD pela então Instância Central, 2ª Secção Cível– J3, da Póvoa de Varzim.
Na decisão recorrida enveredou-se pela verificação da referida excepção e, salvo o devido respeito, cremos que bem.
Como sabemos o caso julgado tem uma dupla função: vale como excepção, actualmente dilatória, através da qual se alcança o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção e ainda, como autoridade, pela qual se alcança o seu efeito positivo, que é o de impor uma decisão como pressuposto indiscutível de uma segunda decisão, assentando por isso numa relação de prejudicialidade.
O objecto da primeira decisão de mérito constitui pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir na segunda acção, não podendo a decisão de determinada questão voltar a ser discutida, tal como decorre do disposto no artigo 621.º do CPCicil
A excepção do caso julgado não se confunde, pois, com a autoridade do caso julgado.
Como refere Teixeira de Sousa[3] “a autoridade do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior, o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não só a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto de maneira idêntica. Já quando vigora a autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada”.
A jurisprudência tem reiterado que são abrangidas pelo caso julgado as questões apreciadas que constituem antecedente lógico da parte dispositiva da sentença[4].
Com a autoridade do caso julgado, os tribunais ficam vinculados às decisões uns dos outros, quanto a questões essenciais. Se a decisão da questão em causa foi decisiva para a procedência ou improcedência da acção, impõe-se aquela autoridade, não podendo o tribunal da segunda acção julgá-la em contrário, mesmo que a causa de pedir seja diferente.[5]
As questões essenciais são as que respeitam aos factos judiciais, os factos concretos que são determinados e separados de todos os outros pela norma aplicável, e foram tornados certos através da decisão que sobre eles recaiu após transitar em julgado e perante as mesmas partes, nela cabendo, entre outras as relações de prejudicialidade entre os objectos quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objecto numa acção posterior[6] bem como nas relações sinalagmáticas entre prestações, assim se o autor pede a condenação do réu na entrega do automóvel comprado, a validade do contrato do contrato de compra e venda não pode ser questionada na acção em que o vendedor pede o cumprimento da prestação sinalagmática, isto é, o pagamento do preço.
É claro que, nesta perspectiva, só as questões essenciais poderão ter a autoridade de caso julgado, o que significa que só a terão as decisões sobre questões relativas à causa de pedir da acção transitada. Mas, mesmo que a sua causa de pedir seja diferente, aquela autoridade deve impor-se na segunda acção.
Ora, os tribunais superiores e a doutrina têm entendido, e bem, que a imposição da autoridade do caso julgado não exige a coexistência da tríplice identidade prevista no já citado artigo 581.º do CPCivil.[7]
Tal entendimento justifica-se como já se referiu, pela necessidade de evitar que um tribunal possa definir uma concreta situação controvertida de forma válida, de modo contraditório e incompatível com outra anterior transitada em julgado.
Como referia Manuel de Andrade,[8] a definição dada pela sentença à situação ou relação material controvertida que estiver em causa, deve ser respeitada para todos os efeitos em qualquer novo processo, tendo este novo processo de ter por assente que a mesma situação já existia ou subsistia a esse tempo tal como a sentença a definiu.
Postos estes breves considerandos teóricos debrucemo-nos, então, sobre o caso concreto.
Como supra se referiu, analisada a petição, a relação negocial que a fundamenta estriba-se num contrato de mútuo celebrado entre o Autor e o primeiro Réu, nos termos do qual aquele lhe emprestou a quantia de 70.000,00€, quantia essa que o referido Réu recebeu.
Ora essa relação negocial estabelecida entre as partes, ponderando o teor dos articulados nas duas acções, já foi objecto de análise na acção que correu termos sob o nº 339/13.5TBVCD pela então Instância Central, 2ª Secção Cível–J3, da Póvoa de Varzim.
Com efeito nessa acção considerou-se como provado o seguinte facto: “6) “O Réu nunca recebeu qualquer quantia em dinheiro do Autor nem se obrigou a restituir qualquer quantia em dinheiro a este”.
E, em sede de “Fundamentação de Direito”, considerou-se que “Feito o julgamento nos autos, é manifesto não se ter provado ter havido qualquer acordo de vontades entre o Autor e o Réu no sentido de outorgarem um contrato com as características de um mútuo, na data e pelos valores aludidos na Petição Inicial.”
Ora, foi por não se ter feito a prova da existência da referida relação de mútuo que a referida acção veio a soçobrar.
Portanto, a inexistência de relação contratual entre Autor e primeiro Réu foi antecedente lógico da referida decisão e como tal ganhou foros de autoridade de caso julgado.
É que se se admitisse nestes autos a discussão da existência dessa relação contratual, poder-se-ia gerar uma situação em que o tribunal recorrido iria apreciar uma concreta questão de forma válida mas de modo contraditório e incompatível com outra anterior transitada em julgado, situação que, precisamente se quer evitar com a imposição da autoridade do caso julgado.
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelos recorrentes e, com elas, o respectivo recurso.
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V- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 26 de Outubro de 2020.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] Cfr. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código do Processo Civil”, Vol. 2.º, Coimbra Editora, pág. 369 a 375.
[2] In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pág. 143.
[3] In “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325,p. 171.
[4] Cfr. a vasta jurisprudência citada por Teixeira de Sousa, obra citada pág. 580.
[5] Cfr. Silva Carvalho, O Caso Julgado na Jurisdição Contenciosa (como excepção e como autoridade-limites objectivos) e na Jurisdição Voluntária (haverá caso julgado?).
[6] O Prof. Teixeira de Sousa na obra citada pág. 581 dá o exemplo de numa acção em que o réu é absolvido quanto ao pedido de pagamento do capital com fundamento na inexistência de qualquer contrato de mútuo celebrado entre as partes, é vinculativa numa acção posterior em que o mesmo autor pede contra o mesmo réu o pagamento de juros relativos ao mesmo capital.
[7] Cfr., entre outros, Ac. desta Relação 13/01/20011 da RG de 15/03/2011 e de 12/07/2011, da RC de 15/05/2007, do STJ de Ac. do STJ de 12/11/1987, todos publicados em www.dgsi.pt e ainda, Manuel Andrade,” Lições Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 320 e 231.
[8] Obra citada.