Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
29/15.4GTPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP2021070729/15.4GTPNF.P1
Data do Acordão: 07/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O conflito entre a ultrapassagem e a manobra de mudança de direção deverá ser resolvido a favor do primeiro que iniciou uma dessas manobras. Esta regra é restringida aos casos em que a ultrapassagem é permitida no local pois, caso seja proibida, e sem prejuízo da culpa do condutor que muda de direção para esquerda com inobservância das regras estradais, a infração rodoviária de quem ultrapassa onde não deve não pode deixar de relevar no contexto da distribuição de responsabilidades entre os intervenientes, afastando a exclusividade da culpa do condutor que muda de direção.
II - O assistente teve infeção, ficou defeitos físicos, sente vergonha por coxear, apresenta marcha claudicante, sentiu e sente dores, sente-se triste e desconfortável com as cicatrizes, tem angústia, sentiu-se incapaz, reduziu o convívio com os amigos, sentiu abalo psicológico, vive com desgosto e baixa autoestima e tinha 25 anos na data do acidente. A indemnização devida para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado foi algo excessiva fixando-a agora em € 30.000,00 valor que se mostra equitativo.
III - Resultou da prova produzida que o assistente usava com frequência o motociclo e que isso também lhe dava prazer. O dano da privação do veículo é ressarcível só por si desde que se prove que o mesmo era utilizado habitualmente pelo lesado.
A indemnização a fixar será por equidade, qualquer redução do valor de € 7,5 diários para indemnizar a privação do uso do motociclo traduzir-se-á num manifesto desequilíbrio.
IV - Quando o reclamante da indemnização pela perda de capacidade aquisitiva futura se encontra desempregado, à data do acidente ajuizado, ter-se-á em conta como rendimento mensal a considerar, o salário mínimo nacional, tal como vem sendo decidido pela nossa jurisprudência.
V - Tendo o demandante alegado todos os factos/danos essenciais e principais dos quais decorre a peticionada indemnização pela perda da capacidade que alegou ter sofrido em consequência do acidente, com repercussão em toda a sua vida futura, o tribunal deve ter em conta para além da alegação explícita também a alegação implícita, isto é, todos os factos concretizadores da extensão do dano alegado pelo demandante quanto à repercussão do acidente na sua vida pessoal e profissional.
VI - O dano biológico deve ser visto como um dano evento que pode ser indemnizado, quando não exista afetação da capacidade de ganho, de forma autónoma face aos diferentes danos não patrimoniais existentes. Os esforços acrescidos situam-se num grau acentuado para o exercício da sua atual profissão.
Tendo em conta a esperança de vida masculina (78 anos), e o valor atual do salário mínimo nacional (665 euros mensais) esse valor seria de 9310 euros (smnx 14 meses x 53 (tempo que resta de esperança de vida) anos x 11% (de incapacidade apurada). Se ao mesmo descontarmos um fator de 0,25 (1/4) por implicar o recebimento de uma quantia total que por isso pode produzir rendimento (dedução de uma percentagem de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem por antecipação do capital), atingimos o valor de 40.708,05. É certo que o juízo a aplicar é com base na equidade, mas esta não pode deixar de ser balizada pelos resultados da aplicação análoga caso o mesmo dano desse causa a uma incapacidade de ganho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 29/15.4GTPNF.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo comum singular, a correr termos no Tribunal da Comarca do Porto Este – Juízo Local Criminal de Lousada, foi proferida sentença, na qual se decidiu:

“1. condenar o arguido B…:
1.1- na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 7 (euros),pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência p.e p. pelo art.º 148.º, n.º1, do CP;
1.2- na pena 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 7 (euros),pela prática de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo art.º 200.º, n.º 2, do CP;
1.3- na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 7 (euros),pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03/01;
1.4- em cúmulo jurídico, na pena única de 300(trezentos)dias, à taxa diária de € 7 (sete), no total de € 2.100(dois mil e cem euros);

2. julgar parcialmente procedente, por provado na mesma medida, o pedido de indemnização civil deduzido por C… e, consequentemente, condenar a demandada D… – Companhia de Seguros, S.A. a pagar-lhe:
2.1- a quantia de € 20.000 (vinte mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento;
2.2- a quantia de € 32.500 (trinta e dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização perda da capacidade de ganho, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento;

2.3- a quantia de € 9.736,75 (nove mil, setecentos e trinta e seis euros e setenta e cinco cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento;
2.4- o valor das despesas de deslocação referidas em 69) dos factos provados, na proporção da 50%, cuja determinação se relega para liquidação;
2.5- os tratamentos, mormente fisioterapia, medicamentos, cirurgias, próteses e sua colocação, decorrentes das lesões e sequelas sofridas pelo demandante no acidente, na proporção da 50%, cuja determinação se relega para liquidação;

3.- condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs (art.º 513.º, n.º 3 do CPP. e 8.º, n.º 9 do RCP), e nas demais custas do processo a que a sua actividade houver dado lugar (cfr. artigo 3.º e 16.º do RCP e 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1 do CPP.);

As custas do pedido de indemnização civil serão suportadas por demandante e demandada na proporção dos respectivos vencimentos, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. “

Inconformado, o arguido B… interpôs recurso, invocando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«I. Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos dos n.os e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
II. Consideramos incorrectamente julgados os pontos 2.º a 4.º e 16.º. da matéria de facto provada, tais pontos devem considerar- se incorrectamente julgados, devendo antes tal matéria dar-se como não provada, impondo decisão diferente da recorrida.
III. A forma como o Tribunal a quo apreciou as provas disponíveis revela uma clara violação do artigo 127º do Código de Processo Penal. Extraiu conclusões que plasmou na matéria de facto provada que não tem assento razoável, nem lógico, na prova efectivamente produzida, mormente pelas declarações do Assistente.
IV. A sentença recorrida viola o princípio Nulla poena sine crimine, e o princípio do in dubio pro reo, já que no crime de ofensa à integridade física, o que resulta das declarações do Assistente, são, em tudo, contraditórias à restante prova produzida, bem como contraditórias às regras da experiência comum e do Código da Estrada. Deste modo, não havendo culpa no acidente, não há
crime improcedendo, por não provado, o pedido civil, devendo pois o Arguido ser Absolvido.»

Inconformado, a demandada cível D… interpôs recurso, invocando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
“V) Conclusões.
1. O presente recurso visa a parte cível da sentença que julgou o pedido de indemnização civil enxertado na ação penal, e tem por objeto a impugnação dos pontos 3, 4, 5, 6 e 16 da matéria de facto provada, as alíneas l), m) n) o), p), q), r) t), u), v) e w) da matéria de facto não provada, a distribuição e graduação da culpa pelos dois condutores, e as indemnizações arbitradas para compensação dos danos não patrimoniais, pela privação do uso do motociclo, para ressarcimento “da perda de capacidade de ganho durante o período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho” e pela “perda futura de capacidade de ganho”.
Impugnação das decisões tomadas nos pontos 3, 4, 6 e 16 da matéria de facto provada, e das decisões tomadas nos pontos l), m) n) o), p), q), r) t), u), v) e w) da matéria de facto não provada.
2. A douta sentença errou ao julgar provado que o condutor do ..-..-CF realizou a manobra de mudança de direção para a esquerda sem a sinalizar e sem se certificar que o podia fazer em segurança, que o condutor do LO-..-.. iniciou uma manobra de ultrapassagem do ..-..-CF desconhecendo que este ía mudar para a esquerda, que o ..-..-CF foi embater no motociclo, que na sequência da colisão o condutor do LO-..-.. caiu desamparado no asfalto e deslizou juntamente com o motociclo até embater contra as guardas laterais, e que o condutor do ..-..-CF agiu com imperícia, desatenção, e sem respeito pelas regras de sinalização das manobras de mudança de direção. Na verdade,
3. O condutor do ..-..-CF foi perentório ao afirmar e ao reafirmar que sinalizou a sua intenção de realizar uma viragem à esquerda acionando o pisca esquerdo e que, aliás, nem sequer chegou a iniciar essa mudança de direção porque antes de o fazer, e quando estava parado junto ao eixo da via e em paralelo à sua linha divisória, foi embatido pelo motociclo quando este o ultrapassava (cfr. as suas declarações gravadas, e identificadas e reproduzidas no corpo das alegações).
4. O depoimento do condutor do ..-..-CF relativamente à forma como ocorreu o acidente deve merecer total credibilidade por parte do tribunal, por ter sido um depoimento seguro, congruente e sem contradições quanto a essa matéria, confirmando a versão do sinistro descrita na contestação da ora recorrente como, aliás, expressamente reconheceu a senhora juíza a quo na douta sentença.
5. A credibilidade do condutor do ..-..-CF e as declarações e esclarecimentos que prestou ao longo de todo o processo, e também em julgamento, sobre o acionamento do pisca esquerdo antes de iniciar a viragem à esquerda, não podem nem devem ser postas em causa pelos depoimentos das testemunhas E… e G… pois que, como aquela salientou (depoimento gravado, identificado e reproduzido no corpo das alegações), apenas pôde confirmar que o ..-..-CF não tinha o pisca ligado no preciso momento em que passou por si quando estava parada e à espera para ingressar na via dos autos, reconhecendo que o condutor do ..-..-CF podia ter acionado o pisca após ter passado por si, até porque o local onde o ..-..-CF parou para realizar a viragem à esquerda fica a vários metros de distância do local em que se encontrava parada, devendo ainda atender-se ao facto de que a perceção e opinião tomada pelo militar G… de que o ..-..-CF não sinalizou a manobra de mudança de direção, se baseou exclusivamente na declaração da testemunha E… de que o ..-..-CF passou pela sua frente sem ter o pisca ligado (depoimento gravado, identificado e reproduzido no corpo das alegações).
6. Foi precisamente por não atender a esse pormenor (de que a testemunha E… quando refere que o ..-..-CF não levava o pisca ligado tal declaração se referia apenas ao preciso momento em que aquele veículo passou por si, mas que poderia ter sido acionado entre esse momento e o ponto de viragem, como reconheceu, tendo ainda em conta que a zona de entroncamento é extensa, como se pode verificar das fotos obtidas na inspeção ao local) que a douta sentença fez tábua rasa do depoimento do condutor do ..-..-CF e julgou provado que este veículo não sinalizou a manobra, lavrando assim em erro.
7. A douta sentença errou também ao julgar não provados os factos constantes nas alíneas l), m) n) o), p), q), r) t), u), v) e w) da matéria de facto não provada dado que da prova produzida em julgamento, designadamente, as declarações do arguido e condutor do ..-..-CF, do próprio lesado, bem como dos documentos juntos aos autos, impunha-se que essa factualidade fosse julgada provada. Assim,
8. Em primeiro lugar, o condutor do automóvel foi perentório a afirmar o seguinte: circulava a uma velocidade não superior a 40 km/h; acionou o pisca esquerdo; abrandou de velocidade; aproximou-se do eixo da via; parou junto à linha divisória da faixa de rodagem e paralelamente a essa linha; olhou para trás pelos retrovisores e não viu o motociclo; quando estava parado e se preparava para virar para a esquerda, foi embatido pelo motociclo; o motociclo embateu com a sua lateral direita no retrovisor esquerdo do automóvel; depois do embate, o motociclo ainda percorreu cerca de 50 metros dentro da hemifaixa esquerda tomando o seu sentido de marcha, com o seu condutor em cima do mesmo, após o que foi embater nos rails que marginam a via por esse lado.
9. Inquirido pela senhora juíza, pela senhora procuradora e pelos senhores advogados no que respeita à forma como se desenrolou o acidente e aos atos por si praticados na realização da manobra por si pretendida, o condutor do ..-..-CF depôs sempre de forma coerente, determinada e assertiva, sem hesitações e contradições, discurso que corresponde ao que sempre declarou desde a abertura do processo de Inquérito.
10. Em segundo lugar, o condutor do LO-..-.. reconheceu que: circulava a 60/65 km/h; o ..-..-CF automóvel circulava à sua frente e a velocidade inferior à sua; saiu da curva que antecede o local do embate distanciado 5/6 metros do ..-..-CF; as luzes de travão do ..-..-CF acenderam; o ..-..-CF reduziu de velocidade quase até parar; o embate ocorreu em cima da linha divisória da faixa de rodagem; o embate ocorreu entre a lateral direita da moto e a parte da frente da lateral esquerda do automóvel; o embate provocou o seu desequilíbrio, mas continuou em frente, ainda que em diagonal, em cima da mota, até embater nos rails; enquanto seguia atrás do ..-..-CF não deu pisca esquerdo nem buzinou.
11. Em terceiro lugar, do croquis elaborado pela autoridade que tomou conta do acidente resulta que a única testemunha presente, E…, indicou como local de embate um ponto localizado na metade direita da faixa de rodagem, tomando o sentido de marcha …/…, e a cerca de 80 cm da linha divisória.
12. Em quarto lugar, da inspeção ao local levada a cabo pelo tribunal, designadamente das medidas retiradas, decorre que: o acidente se deu a cerca de 105 metros do fim da curva que antecede o local do acidente; o acidente deu-se a 3,30 metros do términus da linha contínua que se prolongava desde a referida curva e que separava as duas vias de trânsito; depois do embate, o motociclo seguiu em frente e percorreu cerca de 40 metros dentro da metade esquerda tomando o seu sentido de marcha.
13. Atento o exposto nos pontos 2 a 12 supra:
a) Devem ser revogadas as decisões proferidas nos pontos 3, 4, 6 e 16 da matéria de facto provada e, consequentemente, julgados não provados os seguintes factos:
- “o arguido efectuou uma manobra de mudança de direcção para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, para a Rua …, sem sinalizar esta manobra e sem previamente se certificar, como podia, que o fazia em segurança e sem perigo de colidir com os veículos que circulavam à sua retaguarda”.
- “desconhecendo que o veículo conduzido pelo arguido iria efectuar uma manobra de mudança de direcção à esquerda”.
- “Por força disso, o veículo conduzido pelo arguido veio a embater com a sua parte lateral esquerda na parte lateral direita do motociclo”.
- “na sequência da colisão, o ofendido caiu desamparado no asfalto, deslizou juntamente com o
motociclo até embater contra as guardas laterais e, após, foi projectado para o interior de um Stand ali existente tendo o seu motociclo se imobilizado na via de sentido de trânsito …-…”.
- “ao conduzir o veículo automóvel nos termos descritos, o arguido agiu com manifesta imperícia, desatenção, não respeitando as regras de sinalização das manobras de mudança de direcção, pelo que omitiu as cautelas que lhe eram exigíveis para uma condução segura e com respeito pelos demais usuários da mesma, tendo representado a possibilidade de com eles colidir, sem, contudo, com ela se conformar”.
b) Devem ser revogadas as decisões proferidas nas alíneas l), m) n) o), p), q), r) t), u), v) e w) da matéria de facto não provada, e substituídas por outras que os julgue provados.
c) Em consequência dessas revogações e alterações de julgamento dos mencionados factos, os pontos 3 a 6 dos factos provados devem passar a ter a seguinte redação:
“3. O veículo conduzido pelo arguido circulava a uma velocidade não superior a 40 km/h.
3.1. O motociclo conduzido pelo ofendido circulava a uma velocidade entre os 60 e os 65 km/h.
3.2. Chegado ao entroncamento com a Rua …, o arguido/condutor do ..-..-CF pretendeu virar para a sua esquerda a fim de ingressar nessa rua.
3.3. Antes de iniciar a manobra de mudança de direção para a sua esquerda, a fim aceder à referida Rua …, o arguido ligou o pisca-pisca esquerdo.
3.4. Reduziu de velocidade.
3.5. Aproximou-se progressivamente do eixo da via.
3.6. Certificou-se de que não havia trânsito a rodar em sentido contrário ao seu.
3.7. Certificou-se de que não havia qualquer veículo a iniciar ou a sinalizar manobra para o ultrapassar.
4. Quando o ..-..-CF se encontrava já parado e encostado à linha divisória, o LO-..-.. invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, e iniciou uma manobra de ultrapassagem do veículo conduzido pelo arguido.
4.1. Para o efeito, o LO-..-.. transpôs a linha longitudinal contínua que dividia as vias de trânsito.
4.2. O condutor do LO-..-.. não acionou o sinal luminoso nem o sinal sonoro para prevenir o condutor do ..-..-CF da sua intenção de o ultrapassar.
5. Ao realizar essa manobra de ultrapassagem, o LO-..-.. embateu com a sua lateral direita, no espelho retrovisor esquerdo do ..-..-CF.
6. O embate provocou o desequilíbrio e o despiste do condutor do LO-..-.. que seguiu em frente, ainda em cima do motociclo, passando a rodar em diagonal pela metade esquerda da via durante cerca de 40 metros, até embater nas guardas de proteção localizados na margem esquerda da estrada, atento o mesmo sentido.”
Da culpa exclusiva, efetiva e presumida, do condutor do LO-..-...
14. Verifica-se assim que o acidente ocorreu por culpa efetiva e exclusiva do condutor do LO-..-.. que, com o seu comportamento, violou o disposto nos artigos 21º, nº 1, 22º, nº 2, al. b), 38º, nº 1 e 2 e 41º, nº 1, al c) do Código da Estrada e a Marca M1 do Regulamente de Sinalização do Trânsito, contraordenações que foram a única causa do acidente.
15. A culpa do condutor do LO-..-.. é também presumida, e não foi por este ilidida. Com efeito,
16. A ultrapassagem é uma manobra especialmente perigosa, que só é permitida depois de cumpridos especiais deveres de cuidado elencados no artigo 28º do Código da Estrada, sendo que por revestir especial perigosidade quando realizada imediatamente antes e nos entroncamentos a lei proíbe seja feita nessas circunstâncias (artigo 41º, nº 1, al. c) do Código da Estrada), obrigando ainda que fora das localidades os condutores acionem os sinais sonoros para prevenirem os demais condutores da sua intenção de os ultrapassar (artigo 21º, nº 1, 22º, nº 2, al. b) do Código da Estrada).
17. “Quando um condutor age objetivamente por forma a que o seu comportamento seja enquadrável no espectro das condutas passíveis de causar acidentes do tipo daqueles que a lei quer evitar ao tipificá-las como infrações, deve, por presunção, imputar-se-lhe a responsabilidade pela emergência do acidente” (Ac. STJ de 10/11/2011, Proc. 8597/07.8TBBRG.G1, in www.dgsi.pt).
18. O desrespeito que o condutor do LO-..-.. mostrou por essas normas do Código da Estrada, destinadas precisamente a evitar este tipo de acidentes, impõe que só a ele se deva atribuir a culpa pela produção do acidente, também por aplicação do regime previsto nos artigos 349º a 351º do Código Civil (culpa presumida).
19. Em suma, o condutor do LO-..-.., ao violar conscientemente diversas regras estradais que concorreram para a verificação do acidente, atuou de forma ilícita, e agiu também de forma culposa já que podia e devia ter agido de outra forma em face das circunstâncias que no momento se lhe apresentaram, não se tendo comportado de acordo com a diligência de um bom pai de família.
20. Pelo contrário, não estão verificadas nem a ilicitude nem a culpa por parte do condutor do ..-..-CF, nem o nexo causal entre o seu comportamento e o acidente, requisitos essenciais da obrigação de indemnizar.
21. Por isso, deve ser revogada a decisão que condenou a demandada a pagar ao demandante as indemnizações arbitradas no ponto 2. do dispositivo da sentença, bem como a pagar as custas na proporção do respetivo decaimento, que ser substituídas por outras que absolva a recorrente dos pedidos formulados no pedido de indemnização civil e das custas.
Sem prescindir, e subsidiariamente,
Sobre a concorrência de culpas e graduação da culpa.
22. A recorrente não aceita o julgamento de que o acidente tenha ocorrido por culpa do condutor do ..-..-CF, ainda que concorrente com culpa do outro condutor, e muito menos com a repartição de 50% para cada um conforme entendeu a sentença recorrida.
23. Mesmo partindo do entendimento de que o condutor do ..-..-CF não tenha sinalizado a manobra de mudança de direção (o que não se aceita) há que considerar que na graduação das culpas deve ponderar-se o grau de censurabilidade do comportamento dos agentes, atender-se ao grau de ilicitude de cada uma das ações e aos deveres especiais de cuidado que na situação se impunham a cada agente.
24. No que à ilicitude diz respeito (na versão de violação de normas), não restam dúvidas de que o condutor do LO-..-.. violou diversas regras estradais, nomeadamente, a proibição de ultrapassagem imediatamente antes e nos entroncamentos (artigo 41º, nº 1, al. c) do Código da Estrada), e a proibição de transposição da linha contínua divisória das vias de transito, regras que têm como escopo evitar este tipo de acidentes.
25. Relativamente aos especiais deveres de cuidado, há que atender que os tribunais vêm considerando que “é ao condutor que vai na esteira de um outro veículo que compete observar o que o condutor deste último vai fazer, desde que dê indicação da manobra que se propõe efetuar”, e que o Código da Estrada determina que o condutor que pretenda fazer uma ultrapassagem tome especiais cautelas e procedimentos especiais, designadamente, sinalizar a manobra (artigo 21º, nº 1), certificar-se de que o pode fazer sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido (artigo 38º, nº 1), e que a faixa de rodagem se encontre livre em toda a sua extensão (artigo 38º, nº 2, al. a).
26. Deve ainda ter-se presente o princípio da confiança nos termos do qual “os condutores de veículos automóveis não têm que prever a imprevidência alheia” (Ac. do STJ de 06.11.2008, Proc. 08B3313), e que “não pode um condutor ser responsabilizado por não se ter apercebido da infração cometida por outro condutor” (Ac. TRG de 10.11.2011, Proc. 8597/07.8TBBRG.G1).
27. Revertendo esse princípio para o presente caso, não poderá ser exigido ao condutor do ..-..-CF que contasse ou que devesse contar fosse ultrapassado na zona de um entroncamento, precisamente porque essa manobra estava proibida, sendo de aceitar que esse condutor confiasse no cumprimento das regras estradais por parte dos demais e que, por isso, nenhum veículo iria praticar uma manobra ilegal de o ultrapassar.
28. E este princípio reveste particular importância na operação de repartição e graduação da culpa concorrente pelo que, ainda que de forma subsidiaria e para o caso de se entender que ambos os condutores agiram culposamente, a culpa deve ser repartida na proporção de 90% para o condutor do LO-..-.. e de 10% para o condutor do ..-..-CF alterando-se, nesses precisos termos, o que foi decidido pela 1ª instância, com a consequente redução nos valores indemnizatórios fixados e das custas.
Ainda sem prescindir,
Impugnação dos montantes das indemnizações fixadas.
29. A indemnização para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante não deve ser superior a € 25.000,00 valor que se mostra equitativo e de acordo com o que vem sendo arbitrado em situações aproximadas, como é o caso decidido pelo acórdão do STJ de 17.06.2010, Proc. n.º 1433/04.9TBFAR.E1.S1, em que se arbitrou a quantia de € 20.000, a um jovem com 25 anos, que ficou em estado de coma, tendo sofrido lesões várias, como traumatismo crânio-encefálico grave, hematoma epidural occipital direito, parésia do VI par craniano direito, lesão axonal grave na coxa, distal à direita e próxima à esquerda desta, fratura do acetábulo esquerdo e fratura da bacia, as quais determinaram o seu internamento e a sujeição a uma intervenção cirúrgica e a tratamentos diversos, fazendo com que passasse a ter problemas de visão, sensoriais (olfato e paladar) e ortopédicos, e a esquecer-se dos recados que lhe dão, das obrigações que tem de cumprir e a olvidar factos do passado.
30. Relativamente ao dano pela privação do uso do LO-..-.., vem provado apenas que “o ofendido usava com frequência aquele motociclo, o que lhe dava prazer” e que “em virtude do acidente, o ofendido viu-se impedido de usar o motociclo até à presente data, mais precisamente durante o período de 1184 dias”, não tendo sido alegado nem provado que necessidades é que o demandante deixou de satisfazer por não utilizar o motociclo nem que perturbações na sua vida isso lhe causou. Vem ainda provado que o demandante utilizou viatura própria para as suas deslocações ao longo dos anos de 2015 e 2016 (e a demandada condenada a pagar essas mesmas despesas).
31. O demandante não logrou provar ter suportado qualquer dano decorrente da falta de uso do LO-..-.., pelo que não havendo dano, não existe obrigação de indemnizar.
32. Sem prescindir, o valor diário de € 7,50 arbitrado pela 1ª instância por cada dia de privação de uso do motociclo é manifestamente excessivo, pois esse valor vem sendo fixado para ressarcimento da privação de uso de veículos em situações de necessidade diária de deslocações para o trabalho e de gestão das deslocações do núcleo família devidamente comprovadas. No caso concreto, e caso essa indemnização fosse devida, o que não acontece, o valor equitativo a atribuir deveria corresponder a metade do que foi fixado pela douta sentença recorrida, ou seja € 3,75/dia.
33. Deve ser revogada a parte da sentença que condenou a demandada a pagar ao demandante a indemnização pela privação do motociclo, e absolver a recorrente desse pedido ou, sem prescindir e subsidiariamente, esse valor reduzido para metade.
34. O mesmo se diga em relação à indemnização arbitrada para ressarcimento “da perda de capacidade de ganho durante o período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho”, considerando o princípio geral da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos tal responsabilidade encontra- se consagrado no nº 1, do artigo 483º do Código Civil, donde se conclui que a verificação de um dano concreto ou um prejuízo efetivo é um dos pressupostos da obrigação de indemnizar.
35. Ora, quanto a esta matéria, o demandante alegou singelamente o seguinte: “Incapacidade Temporária Absoluta: 372 dias - € 7.812”. Nem sequer alega que tinha a intenção de trabalhar, que procurava emprego, ou que tinha em perspetiva algum contrato de trabalho.
36. Apesar da falta de alegação de factos, apesar da inexistência de factos que suportem a verificação de algum dano, e ainda apesar de reconhecer que à data do acidente o demandante estava desempregado, a senhora juíza entendeu atribuir-lhe uma indemnização de € 7.737,50 para ressarcimento de virtuais danos patrimoniais decorrentes da “perda de capacidade de ganho durante o período de incapacidade absoluta para o trabalho”, violando não só o princípio da responsabilidade civil extracontratual de que só existe obrigação de indemnização de ocorreu um prejuízo efetivo na esfera do lesado, mas também o princípio do dispositivo previsto no artigo 5º do Código de Processo Civil, invocando factos que não foram alegados pelo demandante e que, por isso, também não foram objeto do contraditório por parte da demandada, o que a torna nula (artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC).
37. Assim sendo, deve ser declarada nula ou, sem prescindir, revogada a decisão que condenou a recorrente a pagar ao recorrido a indemnização por virtual perda de capacidade de ganho durante o período da sua incapacidade absoluta para o trabalho, e absolver a recorrente desse pedido.
38. Quanto à indemnização pelo défice funcional permanente, apesar de o demandante ter alegado apenas “Incapacidade permanente parcial: Ainda, é evidente que o ofendido ficou com uma incapacidade permanente parcial, a qual implica esforços acrescidos, desde logo porque o ofendido vai coxear atá ao fim da sua vida, pelo que estes danos nunca devem ser indemnizados em quantia inferior a € 65.000,00”, a sentença foi muito além desses factos para fundamentar a indemnização por si arbitrada, indo recolhê-los não à causa de pedir, mas ao relatório da perícia médico legal, decidindo factualidade que não lhe foi trazida pelo demandante, quer no momento da apresentação do pedido de indemnização civil, quer em momento posterior, nomeadamente, por uma qualquer ampliação da causa de pedir.
39. A sentença violou também aqui o princípio do dispositivo previsto no artigo 5º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o autor tem o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, atribuindo assim às partes o exclusivo sobre os limites da causa de pedir, ficando vedado ao juiz acrescentar factualidade essencial e com base nesses factos por si introduzidos no processo decidir a causa, pelo que a decisão que arbitrou ao demandante uma indemnização por “perda futura da sua capacidade de ganho” é nula, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, nulidade que deve ser declarada.
40. Sem prescindir, sempre se dirá que o demandante não ficou afetado por uma perda futura do seu rendimento pelo trabalho, mas de uma diminuição parcial somática e funcional, que o obriga a despender maior esforço na realização de tarefas laborais e da sua vida pessoal, o que constitui um dano biológico indemnizável como dano patrimonial futuro.
41. Para cálculo do valor da indemnização desses danos, a jurisprudência tem adotado os seguintes critérios orientadores: a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado; as tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas, a que, por vezes, se recorre, têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade; pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia; deve atender-se à expectativa média de vida do lesado (que, em Portugal, segundo os últimos dados do INE, tratando-se de uma pessoa do sexo masculino, como in casu, se situa nos 80 anos), e ao período de vida ativa (em regra, até aos 70 anos).
42. Tomando estes critérios, e tendo ainda em conta a idade do demandante à data da cura (26 anos), o défice funcional e permanente de 11 pontos, ao salário mínimo nacional na data da cura (pois que o autor encontra-se ainda desempregado) e a operação de cálculo financeiro proposta pela Relação de Coimbra no seu acórdão de 04.05.1995, o valor encontrado é de € 34.439,53.
44. Por isso, e caso não se considere a nulidade da decisão que arbitrou ao demandante uma indemnização de € 65.000,00 pelo dano biológico, o que não se concede, deve ainda assim essa decisão ser revogada e substituída por outra que fixe aquela indemnização em quantia não superior a € 34.500,00.
45. A douta sentença recorrida violou, por omissão de aplicação e por erro de interpretação, as normas previstas nos artigos 21º, nº 1, 22º, nº 2, al. b), 38º, nº 1 e 2 e 41º, nº 1, al c) do Código da Estrada, a Marca M1 do Regulamente de Sinalização do Trânsito, os artigos 349º, 350º, 351º, 483º, 562º, 564º, 566º, nº 2 e 3 do Código Civil, e artigos 5º e 615º, nº 1, al d) do Código de Processo Civil.”

D…, ofendido e assistente, não se conformando com a sentença em matéria cível proferida nos autos, vem da mesma interpor recurso, concluindo:
“a) Da audiência de discussão e julgamento, e com relevância para o presente recurso, resultaram como provados os Factos 1. a 96., da A) Matéria de facto provada;
b) Por conseguinte, foi o arguido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência p.e p. pelo art.º 148.º, n.º1, do CP, pela prática de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo art.º 200.º, n.º 2, do CP e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03/01; em cúmulo jurídico, na pena única de 300 (trezentos) dias, à taxa diária de € 7 (sete), no total de € 2.100 (dois mil e cem euros);
c) Ora, no presente caso, a factualidade dada como provada permitiu ao Tribunal a quo concluir com segurança que o arguido, condutor do veículo Seat … praticou um facto voluntário, ilícito e culposo, isto porque, mudou de direcção para a esquerda, para entrar na Rua …, não sinalizou previamente tal manobra e não se certificou de que a podia realizar sem perigo ou embaraço para o trânsito;
d) Assim, o veículo conduzido pelo arguido veio a embater com a sua parte lateral esquerda na parte lateral direita do motociclo e, na sequência da colisão, o ofendido caiu desamparado no asfalto, deslizou juntamente com o motociclo até embater contra as guardas laterais e, após, foi projectado para o interior de um Stand ali existente.
e) Ao realizar a manobra de mudança de direcção nas condições supra referidas, entendeu o douto Tribunal, e bem, que o arguido agiu com falta de cuidado e diligência, infringindo o disposto nos art.ºs 21.º, n.º 1, e 35.º, n.º 1, do Código da Estrada.
f) Concluindo, desse modo, que a ocorrência do acidente é imputável ao arguido a título de negligência.
g) Entendeu ainda o douto Tribunal a quo que a ocorrência de acidente é também imputável ao demandante, a título de negligência, já que o mesmo terá realizado uma manobra de ultrapassagem num local proibido, num entroncamento, violando o disposto no art.º 41.º, n.º 1, al. c), do Código da Estrada.
h) Por via disso, o douto Tribunal considerou adequado fixar a contribuição na ocorrência do acidente em 50% para o demandante e em 50% para o arguido.
i) No seguimento, decidiu julgar parcialmente procedente, por provado na mesma medida, o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante e, consequentemente, condenou a demandada “D… – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar-lhe as seguintes quantias:
2.1- a quantia de € 20.000 (vinte mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento;
2.2- a quantia de € 32.500 (trinta e dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização perda da capacidade de ganho, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento;
2.3- a quantia de € 9.736,75 (nove mil, setecentos e trinta e seis euros e setenta e cinco cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento;
2.4- o valor das despesas de deslocação referidas em 69) dos factos provados, na proporção da 50%, cuja determinação se relega para liquidação;
2.5- os tratamentos, mormente fisioterapia, medicamentos, cirurgias, próteses e sua colocação, decorrentes das lesões e sequelas sofridas pel demandante no acidente, na proporção da 50%, cuja determinação se relega para liquidação;
j) O assistente/demandante discorda da percentagem determinada quanto à repartição de culpas pois entende que a divisão de responsabilidades operada não se afigura a mais equilibrada, proporcional e, portanto, a mais justa no presente caso.
k) A responsabilidade civil por actos ilícitos depende da verificação dos seguintes pressupostos: facto voluntário, ilicitude, culpa ou nexo de imputação do facto ao lesante, dano, nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. art.º 483.º do Código Civil).
l) Logo, havendo culpa de ambos os condutores, cada um deles responderá pelos danos correspondentes ao facto que praticou (cfr. art. 483.º, n.º 1, do Código Civil).
m) Como refere Antunes Varela (in Das Obrigações em geral, Vol. I, 8.ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 695) como «à culpa de cada um dos condutores corresponde a culpa de cada um dos lesados, a respectiva indemnização terá de ser fixada nos termos do art. 570.º do Código Civil».
n) Segundo o disposto no art. 570.º, n.º 1, do Código Civil resulta que «quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.»
o) Considerando a factualidade provada e ponderando as circunstâncias do caso concreto entende o assistente/demandante que se verificou um maior grau de culpa do arguido, condutor do veículo automóvel, na produção para a ocorrência do evento de colisão.
p) O arguido quando conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca SEAT, modelo …, matrícula, matrícula ..-..-CF na Estrada Nacional .., ao Km 45,700 no sentido de trânsito …-…, em …, Lousada, efectuou uma manobra de mudança de direcção para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, para a Rua …, sem sinalizar esta manobra e sem previamente se certificar, que o fazia em segurança e sem perigo de colidir com os veículos que circulavam à sua retaguarda, violando assim o disposto nos artigos 21.º, n.º 1 e 35.º, n.º 1, ambos do Código da Estrada.
q) Nessa altura, desconhecendo que o veículo conduzido pelo arguido iria efectuar uma manobra de mudança de direcção à esquerda, o demandante, que conduzia o motociclo na mesma via e sentido de trânsito, imediatamente atrás do veículo conduzido pelo arguido, iniciou uma manobra de ultrapassagem do veículo conduzido pelo arguido, sendo que, por força disso, o veículo conduzido pelo arguido veio a embater com a sua parte lateral esquerda na parte lateral direita do motociclo.
r) Ao agir como descrito, o arguido violou o dever objectivo de cuidado, pelo que a sua actuação merece censura ético-jurídica, parecendo-nos desde logo evidente que não houve qualquer certificação prévia por parte do arguido pois, como resulta do auto de inspeção ao local, diligência esta requerida pelo próprio, o mesmo dispunha de boa visibilidade para a sua frente e, acima de tudo, dispunha de mais de 120 metros de amplo campo de visão à sua retaguarda.
s) Para além, disso havia as boas condições climatéricas, boa luminosidade e visibilidade.
t) O facto de o arguido insistir ao longo do seu depoimento que não sabe de “onde veio a mota” só revela que o mesmo não se certificou, como devia, da circulação do motociclo na sua retaguarda.
u) O quadro fáctico apurado, relativo à etiologia do acidente e respectiva dinâmica, permite-nos concluir que no momento em que se dá o embate, o veículo conduzido pelo arguido iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda, sem a sinalizar, ocupando parte da faixa de rodagem do sentido contrário, impossibilitando assim o demandante de qualquer possibilidade de efetuar uma manobra de evasão ou desvio de direção de último recurso que pudesse evitasse o embate, o que acabou por acontecer.
v) O arguido estava em perfeitas condições para ter sinalizado a manobra de mudança de direção à esquerda, certificando-se previamente de que o poderia fazer em segurança pois.
w) Citando a doutrina “Não falta quem, nestas circunstâncias, reparta a culpa, mais ou menos irmãmente, pelos dois condutores; todavia, com razão se observa que o condutor que vira para a esquerda é normalmente o único que poderá evitar o acidente - se olhar para trás (ou para o retrovisor) imediatamente antes de virar (Cfr. Eurico Heitor Consciência, Sobre Acidentes de Viação e Seguro Automóvel, 2.ª ed., 2002, p. 132-133).”
x) Assim, “A culpa pela eclosão do acidente caberá, segundo esta orientação, a quem teve the last clear chance de o evitar”, “corrigindo assim com um ingrediente de sentido ético-pragmático o rigor naturalístico da pura proximidade (temporal) da causa" (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., p. 886).”
y) Como princípios normativos orientadores da delimitação subjectiva da responsabilidade, o critério temporal e o princípio de confiança que deve presidir à circulação rodoviária.
z) Pelo que, “Nesta ordem de ideias, segundo aquele critério, o conflito entre a ultrapassagem e a manobra de mudança de direcção deverá ser resolvido a favor do primeiro que iniciou uma dessas manobras. A este propósito escreveu-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 13-11-2007 (texto acessível na Internet, através de http://www.dgsi.pt).
aa) “Em caso algum deve iniciar tal manobra sem previamente assegurar que da sua realização não resulta perigo ou embaraço para o trânsito (artº 20°; 35° e 44° do CE)". (cfr. também o Ac Rel. Évora de 18-09-2008, igualmente acessível através de http://www.dgsi.pt).”
bb) O Tribunal a quo adoptou a posição de restringir esta regra aos casos em que a ultrapassagem é permitida no local pois, caso seja proibida, e sem prejuízo da culpa do condutor que muda de direcção para esquerda com inobservância das regras estradais, a infracção rodoviária de quem ultrapassa onde não deve não pode deixar de relevar no contexto da distribuição de responsabilidades entre os intervenientes, afastando a exclusividade da culpa do condutor que muda de direcção.
cc) No caso em apreço, está provado que o arguido, sem se certificar previamente da segurança da manobra, iniciou a mudança de direcção para a esquerda inesperadamente e sem qualquer sinalização prévia, sendo que o ora demandante, que circulava atrás do veículo ligeiro, e porque aquele não sinalizou qualquer manobra, terá encetado manobra de ultrapassagem.
dd) Face à conduta do arguido significa que o critério temporal permite imputar- lhe responsabilidade pela eclosão do acidente, o qual criou e incrementou o risco de produção do resultado concreto, que se veio a verificar.
ee) E, é por ter sido o arguido quem teve o último poder de decisão na ocorrência do acidente que entende o demandante que o grau de culpa daquele será maior in casu, pois a obrigação de certificação prévia da segurança da manobra parece consagrar o dever de aproveitamento da última oportunidade (the last clear chance ... ) de evitar o acidente.
ff) Caso o arguido tivesse sinalizado a manobra que efectuou à esquerda, atempadamente e com prévia certificação de que o podia fazer em segurança pode-se dizer, com toda a segurança, que o acidente não tinha ocorrido, pelo que se encontra estabelecido o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
gg) Atendendo ao disposto no artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil e à gravidade da contribuição de cada uma das partes para a produção do facto danoso e nas consequências que delas resultaram no presente caso, entende o demandante que se mostra adequado, equilibrado, proporcional e, portanto, justo fixar essa contribuição, em 30% para o demandante e em 70% para o arguido condutor do veículo seguro pela demandada.
hh) Atento o critério de fixação do quantum indemnizatório utilizado pelo douto Tribunal a quo na fixação da indemnização pelos danos patrimoniais e pelos danos não patrimoniais decorrentes do acidente, entende o demandante que devem os mesmos ser ajustados aos seguintes valores, na proporção de 30% para o demandante e 70% para o arguido e, consequentemente a suportar pela demandada seguradora:
a) a quantia de € 28.000 (vinte e oito mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento;
b) a quantia de € 45.500 (quarenta e cinco mil e quinhentos euros), a título de indemnização perda da capacidade de ganho, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento;
c) a quantia de € 13.634,25 (treze mil seiscentos e trinta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais que infra se descriminam, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento;
d) o valor das despesas de deslocação referidas em 69) dos factos provados, na proporção da 70%, cuja determinação se relega para liquidação;
e) os tratamentos, mormente fisioterapia, medicamentos, cirurgias, próteses e sua colocação, decorrentes das lesões e sequelas sofridas pela demandante no acidente, na proporção da 70%, cuja determinação se relega para liquidação, o que perfaz um total de € 86.634,25 (oitenta e seis mil seiscentos e trinta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos)
ii) No entanto, caso não se entenda, face ao quadro fáctico apurado, relativo à respetiva dinâmica do acidente, nomeadamente ao grau de culpa de cada interveniente, a repartição de culpas não deverá ser estabelecida em partes iguais, devendo antes ser sempre superior quanto ao arguido por se afigurar equilibrado, proporcional e justo.”

A demandada e recorrente D… respondeu ao recurso do assistente recorrente considerando que as conclusões e, x) e z) não se aplicam aos casos em que as manobras são absolutamente proibidas.

O assistente respondeu aos recursos interpostos pela D… e arguido B…, pugnando pelas respetivas improcedências.

O M.P apesentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, concluindo:
I- A douta sentença, ora em crise, fez uma correcta apreciação de toda a prova produzida na audiência de julgamento, testemunhal e documental, com estrita obediência à lei, fazendo apelo à regra da livre apreciação da prova e com recurso às regras da experiência comum – Art. 127º CPP.
II- O recorrente efectuou a manobra de mudança de direcção à esquerda, sem a atenção e cuidados devidos, designadamente não se certificando de que poderia efectuar esta manobra com segurança, sem perigo de colidir com o veículo que seguia à sua rectaguarda conduzido pelo ofendido, e sobretudo não sinalizando (através do “pisca”) esta manobra, apenas se apercebendo do veículo conduzido pelo assistente no momento do embate.
III- Os factos provados permitem plenamente concluir da dinâmica do acidente, tal como consta da douta sentença recorrida e bem ainda do comportamento negligente no exercício da condução do arguido B…, pelo que se não descortina qualquer erro na apreciação da prova, como pretende o recorrente, ocorrendo sim um total desacordo no que concerne à matéria de facto dada como provada, pois na mesma não se acolheu a versão do acidente descrita pelo arguido.
IV- Assim, os registos de prova indicados pelo recorrente, não são completos, e apenas foram transcritos os excertos desses depoimentos que melhor indiciam a versão do acidente sustentada pelo recorrente.
V- Na fundamentação da convicção do Tribunal, verifica-se que a Mm.ª Juiz teve em consideração o depoimento do arguido/recorrente, das exaustivamente enunciou, apreciando-os e analisando-os criticamente na sua motivação, sendo perfeitamente perceptível e compreensível a sua lógica de raciocínio que justifica a sua convicção, pelo inexiste qualquer nulidade da sentença por falta de fundamentação.
VI- A douta decisão recorrida fez pois uma correcta interpretação dos normativos legais e não violou, pois, qualquer disposição legal ou constitucional.”
*
Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde acolheu a posição do M.P. na resposta ao recurso, pugnando igualmente pela improcedência.
*
É do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respetiva motivação e ainda decisão do pedido cível constantes da decisão recorrida (transcrição):
«Discutida a causa, com relevância para a sua decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1) No dia 16 de Junho de 2015, pelas 20:15, o arguido B… conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca SEAT, modelo …, matrícula, matrícula ..-..-CF na Estrada Nacional .., ao Km 45,700 no sentido de trânsito …-…, em …, Lousada, sem título que o habilitasse a conduzir;
2) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, C… conduzia o motociclo de marca Honda, modelo …, matrícula LO-..-.., na mesma via e sentido de trânsito, imediatamente atrás do veículo conduzido pelo arguido;
3) Chegado ao entroncamento com a Rua …, o arguido efectuou uma manobra de mudança de direcção para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, para a Rua …, sem sinalizar esta manobra e sem previamente se certificar, como podia, que o fazia em segurança e sem perigo de colidir com os veículos que circulavam à sua retaguarda;
4) Nessa altura, desconhecendo que o veículo conduzido pelo arguido iria efectuar uma manobra de mudança de direcção à esquerda, o ofendido C… iniciou uma manobra de ultrapassagem do veículo conduzido pelo arguido que seguia à sua frente;
5) Por força disso, o veículo conduzido pelo arguido veio a embater com a sua parte lateral esquerda na parte lateral direita do motociclo;
6) Na sequência da colisão, o ofendido caiu desamparado no asfalto, deslizou juntamente com o motociclo até embater contra as guardas laterais e, após, foi projectado para o interior de um Stand ali existente tendo o seu motociclo se imobilizado na via de sentido de trânsito …-…;
7) No mencionado local, o trânsito processa-se em ambos os sentidos de marcha, a faixa de rodagem tem uma largura de 6,70m e é composta por duas vias, com 3,35m cada uma, ladeadas por bermas;
8) Do lado esquerdo da faixa de rodagem há guardas de protecção e, do lado direito, habitações;
9) O pavimento é do tipo betuminoso, encontrava-se em bom estado de conservação, sendo que àquela hora havia boa visibilidade, o estado do tempo era bom, não chovia, nem havia condições climatéricas adversas para a circulação de veículos;
10) Nessa sequência, o arguido colocou-se em fuga e o ofendido foi socorrido por terceiros e transportado de ambulância ao serviço de urgência do Centro Hospitalar …;
11) Como consequência directa e necessária da colisão, C… apresentava fractura exposta, mediodiafisaria do fémur esquerdo, traumatismo do joelho homolateral, deformidade da coxa com luxação exposta do joelho e ainda, as seguintes sequelas no membro inferior esquerdo: edema marcado do joelho, amiotrofia da coxa de 7cm medida 10cm acima do pólo superior da rótula, mobilidades activas do joelho, extensão 0º, flexão 90º, instabilidade lateral, abertura lateral no stress em valgo, testes meniscais negativos;
12) A data da consolidação das lesões fixou-se a 22/06/2016 tendo estas determinado um período de doença fixável em 372 dias com afectação da capacidade de trabalho geral de 372 dias;
13) Deste evento resultaram para o ofendido consequências permanentes que se traduzem em rigidez do joelho e falta de força que não afecta de maneira grave a capacidade para utilizar o corpo;
14) Após a colisão, o ofendido ficou caído por terra, com os traumatismos e fracturas acima descritos, necessitando com urgência de cuidados médicos hospitalares, apresentando sinais visíveis dos ferimentos sofridos;
15) Todavia, o arguido, apesar de se ter apercebido que tinha colidido com a vítima e que desse acidente haviam resultado lesões, nada fez e omitiu qualquer conduta tendente a socorrê-lo ou a promover o seu socorro, antes fugindo do local após o embate, abandonando o ofendido, não obstante saber que tinha sido responsável por tal situação;
16) Ao conduzir o veículo automóvel nos termos descritos, o arguido agiu com manifesta imperícia, desatenção, não respeitando as regras de sinalização das manobras de mudança de direcção, pelo que omitiu as cautelas que lhe eram exigíveis para uma condução segura e com respeito pelos demais usuários da mesma, tendo representado a possibilidade de com eles colidir, sem, contudo, com ela se conformar;
17) Actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tinha colidido com o ofendido que se fazia transportar num motociclo, que após o embate corria risco de vida ou de lesão grave para a sua saúde e não obstante isso, não lhe prestou qualquer auxílio, mostrando-se indiferente àquela situação de perigo, não lhe prestando o necessário socorro, nem diligenciando para que fosse prestado;
18) Por outro lado, nas circunstâncias relatadas, ciente de que não estava legalmente habilitado a conduzir veículos daquela categoria, o arguido quis conduzir na via pública a viatura descrita, o que logrou alcançar com a sua conduta;
19) Agiu, ainda, de forma livre e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal e contra-ordenacional;

(pedido de indemnização civil)
20) O veículo de passageiros, marca SEAT, modelo …, matrícula ..-..-CF, conduzido pelo arguido encontrava-se coberto por seguro de responsabilidade civil obrigatório, válido e em vigor à data do acidente cujo nº de Apólice é ………….. da H…, Companhia de Seguros S.A, portadora do NIPC ……… com sede na Rua .., .., Apart. …., ….-… Porto;
21) A D… - Companhia de Seguros S.A., adquiriu a seguradora H…, Companhia de Seguros S.A. mas manteve a mesma morada e número de identificação de pessoa colectiva;
22) O ofendido nasceu em 18/03/1990, pelo que na data do acidente tinha 25 anos de idade;
23) Não apresentava qualquer defeito físico, nem era portador de qualquer incapacidade;
24) Em consequência do acidente descrito, o ofendido apresenta, além do acima descrito, joelho (esquerdo) valgo em situações de carga, flexão/extensão 110/0/0%, com ataque forte na flexão máxima;
25) Apresenta ainda cicatrização visível na zona do espaço articular medial, dores multiplicadas em situações de stress valgo;
26) No compartimento da articulação do joelho medial posterior já se encontra uma parte do menisco medial;
27) O condito femural já não tem cartilagem assim como o planalto tibial medial;
28) Apresenta também espaço da articulação lateral aberto com menisco quase não identificável, sendo que já só se encontra uma parte restante do corno do menisco posterior, múltiplos defeitos no côndilo femural lateral anterior e central e, de forma geral, já não se nota cartilagem;
29) É visível artrose nos três compartimentos da articulação com destruição total da cartilagem medial e lateral, sendo que, do menisco, só resta uma parte do corno do menisco posterior;
30) O ofendido tem necessidade de andar diariamente com uma órtese de joelho de modo a oferecer um suporte à área interna e externa do joelho esquerdo, proporcionando mais proteção e segurança à região;
31) O ofendido irá necessitar de acompanhamento e tratamento médico ao dito joelho e, com previsibilidade, novas cirurgias;
32) Da cirurgia a que foi submetido, resultou o encavilhamento e redução fechada com fixação interna de dois parafusos no joelho;
33) O ofendido desenvolveu um quadro infecioso necessitando de antibioterapia;
34) Foi vítima de uma amiotrofia dos músculos;
35) E, como fenómeno doloroso, foi apurada uma gonalgia esquerda;
36) Aquando do episódio de urgência, o ofendido apresentava fractura exposta do membro inferior esquerdo;
37) E apresentava, na régua de dor, o grau 8 - dor severa;
38) Apresentava ainda fractura do fémur, rotura de tendão quadricípítal, instabilidade articular e fractura hoffa condílo externo esquerdo;
39) O ofendido desenvolveu um quadro febril por infecção da ferida operatória;
40) Por via desses danos, o ofendido viu a sua vida afectiva, social e familiar ficar profundamente abalada;
41) Isto porque sofreu e sofre dores intensas no joelho esquerdo;
42) O ofendido era uma pessoa alegre, bem-disposta e muito apegado à vida, sendo que após o acidente e após tomar conhecimento das lesões permanentes e que irão afectá-lo para o resto da vida, tornou-se uma pessoa triste, sisuda;
43) O ofendido deixou de sair com os amigos;
44) O ofendido sente vergonha por coxear;
45) Deixou de poder correr, andar com normalidade, ou seja, apresenta marcha claudicante, deixou de jogar futebol com os amigos, sendo certo que, com muita probabilidade, nunca mais poderá praticar qualquer desporto;
46) Em consequência dos danos corporais que sofreu com o acidente, a capacidade física do ofendido ficou gravemente afectada, o que lhe causa desgosto, sentindo-se fisicamente diminuído;
47) Sente dores no joelho esquerdo, desencadeada pelo simples andar e pelas alterações climáticas;
48) Tem dificuldade em transportar ou manusear pesos;
49) Sente-se triste e desconfortável com as cicatrizes e com o uso da órtese, não usando calções, por exemplo;
50) Viveu e vive com preocupação e angústia motivada pela aparente estagnação da sua situação clínica;
51) Aquando do acidente, o ofendido esteve sempre consciente e com grande sangramento pela zona do membro lesado;
52) Inicialmente teve muitas dificuldades em adaptar-se ao uso das canadianas, o que causou diversas quedas e sempre com o medo em ferir o membro lesado;
53) Sentia-se humilhado, incapaz e impaciente;
54) O ofendido reduziu bastante o convívio com conhecidos ou amigos, evitando muitas vezes deslocar-se aos cafés que habitualmente frequentava pelo motivo de ser regularmente questionado acerca do acidente e da sua condição física;
55) Por causa deste acidente, o ofendido viu os seus hábitos e modo de vida completamente modificados, deixando de fazer diversas actividades sociais e lúdicas de que gostava de fazer;
56) O ofendido sentiu um enorme abalo psicológico;
57) Tem muitas dificuldades em subir e descer degraus e/ou planos inclinados;
58) O ofendido é incapaz de correr;
59) É igualmente incapaz de se colocar de cócoras;
60) Sempre que tem de estar em pé, ao fim de algum tempo, que é variável, sente dores e mal-estar no joelho esquerdo;
61) Tem dificuldade em conduzir, nomeadamente pelo esforço acrescido que tem de fazer para usar o pedal de embraiagem do carro, o que lhe provoca dores;
62) O ofendido vive em desgosto e viu a sua auto estima desmoronar;
63) Todas estas circunstâncias criaram no ofendido uma forte perturbação emocional, quer pela dor que sentiu, quer pela dor que ainda sente;
64) O facto de o ofendido ter sido abandonado pelo arguido provocou-lhe enorme revolta;
65) O ofendido é pessoa educada, sensível, afável, respeitado e considerado por todos aqueles com quem se relaciona;
66) Com o acidente, o capacete e o casaco que o ofendido envergava ficaram estragados;
67) Os referidos capacete e casaco, no estado de usados, têm um valor de cerca de € 60 e € 300 respectivamente;
68) O motociclo descrito em 2) tem o valor de cerca de € 2.500, sendo o valor da sua reparação superior a € 2.500;
69) O ofendido deslocou-se desde a sua residência, em viatura própria, ao Hospital …, incluindo viagens de regresso, para tratamentos hospitalares durante nos períodos entre 16/09/2015 a 04/11/2015 e 12/04/2016 a 22/06/2016 onde efectuou sessões de fisioterapia no Hospital …, numa média de 3 sessões por semana, efectuou três deslocações ao IML para realização de perícias e efectuou várias consultas de ortopedia e curativos;
70) A distância entre a residência do ofendido e o Hospital … é de 27 Km;
71) O ofendido é proprietário do motociclo descrito em 2);
72) O ofendido usava com frequência aquele motociclo, o que lhe dava prazer;
73) Em virtude do acidente, o ofendido viu-se impedido de usar o motociclo até à presente data, mais precisamente durante o período de 1184 dias;
74) O demandante teve um défice funcional temporário total (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Total, correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), entre 16-06-2015 e 17-07-2015, entre 02-11-2015 e 09-11-2015, no total de 40 dias, a que acresce mais 2 dias de incapacidade por internamento na Suíça para extração do material de osteossíntese;
75) O quantum doloris (que corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões) é fixável no grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente;
76) O ofendido apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11%;
77) O ofendido irá necessitará de prótese total do joelho esquerdo por agravamento da gonartrose, sendo portanto necessária avaliação regular por ortopedia;
78) Poderá vir a necessitar de medicação analgésica em SOS;
79) Necessita de palmilha em ambos os pés por encurtamento do MID em relação ao MIE;
80) As sequelas que o ofendido apresenta limitam de forma acentuada o exercício da actividade profissional habitual (mecânico), porquanto tem dificuldade em permanecer muito tempo em pé, não se consegue ajoelhar, necessita de fazer pausas frequentes para alivar as dores no joelho com mudança de posição, e não conseguirá fazer esforços elevados nem pegar em cargas (com dores acentuadas referidas pelo próprio acima dos 5/10Kg), sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional (na área da informática);
81) O dano estético permanente é fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspectos: a utilização de ajudas técnicas, a(s) cicatriz(es), a(s) deformidade(s) e a acentuada amiotrofia da coxa;
82) A Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente;
83) A Repercussão Permanente na Actividade Sexual é fixável no grau 2, com base em pelas ligeiras limitações em alguns posicionamentos;

(contestação da demandada)
84) Ao km 45,700 da E.N. .. nela entroncava, pelo seu lado esquerdo, tomando o sentido …/…, uma outra estrada (Rua …);
85) Esse entroncamento estava devidamente sinalizado pelo respetivo sinal de trânsito, colocado antes do mesmo na margem direita da E.N. .., tomando o sentido …/…;
86) O condutor do motociclo LO-..-.. tinha conhecimento da existência desse entroncamento e do movimento de veículos automóveis que por ali se fazia diariamente, já que por ali transitava várias vezes ao longo da semana;
87) O motociclo descrito em 2) tem, no mínimo, 100 cv de potência;
88) Após o embate do veículo conduzido pelo arguido, o motociclo conduzido pelo ofendido resvalou, pelo menos, 40 metros pelo solo;

Mais se provou que:
89) O arguido é considerado uma pessoa de bem e trabalhador e é respeitado;
90) O arguido tem averbadas no seu registo criminal as seguintes condenações:
a)-Por factos ocorridos 09/04/2008, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 60 dias de multa, por sentença proferida em 09/04/2008, transitada em julgado em 29/04/2008;
b)-Por factos ocorridos 12/06/1999, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 80 dias de multa, por sentença proferida em 14/12/2011, transitada em julgado em 12/01/2012;
c)-Por factos ocorridos 27/03/2007, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 120 dias de multa, por sentença proferida em 20/12/2007, transitada em julgado em 23/01/2012;
d)-Por factos ocorridos 21/04/2011, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 150 dias de multa, por sentença proferida em 19/06/2014, transitada em julgado em 04/09/2014;
e)-Por factos ocorridos 24/04/2013, foi condenado pela prática de um crime de desobediência na pena de 70 dias de multa, por sentença proferida em 14/10/2014, transitada em julgado em 13/11/2014;
91) O arguido trabalha em França como operário da construção civil, auferindo o vencimento mensal líquido de € 1.600;
92) Paga a renda mensal de € 440 pela casa que habita;
93) É proprietário de um veículo automóvel da marca BMW, série …, do ano de 2013;
94) Paga € 300 por mês da prestação do empréstimo que contraiu para adquirir o referido veículo automóvel;
95) Tem uma filha de 13 anos, que vive com a progenitora e a avó materna e a quem paga a prestação de alimentos de € 100 mensais;
96) Como habilitações literárias, tem a 2.ª classe.
*
B) Matéria de facto não provada
Não resultaram provados outros factos relevantes para a boa decisão da causa, designadamente que:
a) O veículo conduzido pelo arguido reduziu repentina e bruscamente a velocidade a que seguia antes da mudança de direcção à esquerda;
b) O ofendido tentou evitar a colisão na traseira do dito veículo, optando, instintivamente, por se desviar pela esquerda do mesmo;
c) O ofendido não iniciou uma manobra de ultrapassagem; d) O ofendido padece de insónias tardias ocasionais motivadas por sonhos que vivenciam acidentes;
e) Teve a necessidade de tomar antidepressivos e calmantes;
f) Irritava-se facilmente com tudo e com todos;
g) O referido em 54) provocava-lhe ainda maior irritabilidade, situação que ainda acontece;
h) Entrava facilmente em discussão, manifestando vontade de destruir ou partir coisas;
i) Houve momentos que chegou a desejar a sua morte;
j) Tinha dificuldades em adormecer e um sono agitado com pensamentos desagradáveis relacionados com o acidente e um acordar precoce;
k) O ofendido despendeu nas deslocações referidas em 69) um montante nunca inferior a € 2.000;
l) O veículo conduzido pelo arguido circulava a uma velocidade inferior a 50 km/h;
m) O motociclo conduzido pelo ofendido circulava a uma velocidade superior a 50 km/hora;
n) Antes de iniciar a manobra de mudança de direção para a sua esquerda, a fim aceder à referida Rua …, o arguido ligou o pisca-pisca esquerdo;
o) Reduziu de velocidade;
p) Aproximou-se progressivamente do eixo da via;
q) Certificou-se de que não havia trânsito a rodar em sentido contrário ao seu;
r) Certificou-se que não havia qualquer veículo a iniciar ou a sinalizar manobra para o ultrapassar;
s) Quando o ..-..-CF realizava já a manobra de mudança de direção para a sua esquerda, o LO-..-.. invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha;
t) O LO-..-.. embateu na lateral esquerda do ..-..-CF;
u) Despistando-se de seguida para a sua esquerda;
v) Apesar de ter embatido no ..-..-CF e posteriormente nos rails de proteção que marginavam a estrada, aquele motociclo resvalou cerca de 50 metros pelo solo;
w) O condutor do LO-..-.. não accionou o sinal sonoro para prevenir o condutor do ..-..-CF da sua intenção de o ultrapassar.
*
C) Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, analisada à luz das regras da experiência comum e da lógica e segundo o princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 127.º do CPP.
No que tange à dinâmica do acidente, o arguido relatou na audiência de julgamento uma versão dos factos coincidente com a alegada pela demandada na sua contestação, ou seja, que circulava na sua mão de trânsito nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação e que, como pretendia mudar de direcção para a esquerda, parou o veículo que conduzia, ligou o “pisca” para sinalizar a mudança de direcção à esquerda e verificou, antes de iniciar a manobra, que não circulava ninguém atrás de si. Acrescentou que, quando se preparava para mudar de direcção para a esquerda, apareceu o motociclo conduzido pelo assistente, o qual embateu no espelho lateral esquerdo do veículo que ele conduzia e de seguida caiu ao chão. O assistente, por seu turno, relatou uma versão idêntica à que alegou no seu pedido de indemnização civil: que circulava no seu motociclo pela EN .., na sua mão de trânsito, e que à sua frente circulava o Seat … vermelho, conduzido pelo arguido; que este veículo parou repentinamente junto a um entroncamento e que ele assistente, para evitar o embate, desviou-se para a esquerda, sendo que o veículo Seat também foi para a esquerda e embateu com a parte da frente na zona lateral direita do motociclo (apanhando-lhe também a perna). Referiu ainda que quando o Seat embateu no motociclo desequilibrou-se e caiu no chão. O assistente negou que o arguido tivesse ligado os piscas para sinalizar a mudança de direcção que foi surpreendido com tal manobra do Seat.
Como decorre do que se deixa dito, as versões dos principais interessados no desfecho deste processo e dos únicos intervenientes no acidente - arguido e assistente - são entre si contraditórias.
Não obstante isso, o tribunal conseguiu, com o contributo sobretudo dos depoimentos das testemunhas E… e G…, formar uma convicção segura sobre a forma como ocorreu o acidente.
A testemunha E…, que na altura do acidente se encontrava parada na Rua … (para onde o arguido pretendia virar), dentro do veículo que conduzia, a aguardar para entrar na EN .., e que nenhuma ligação tem com os diversos sujeitos processuais, foi fundamental para esclarecer a dinâmica do acidente.
Esta testemunha, pese embora não ter visto o momento em que ocorreu a colisão entre os veículos, referiu que estava a aguardar para entrar na EN .. quando viu o veículo Seat e o motociclo (que seguia imediatamente atrás do Seat) a circularem na EN e que lhes cedeu passagem, tendo nessa altura visto claramente que nenhum destes veículos tinha os piscas ligados.
Acrescentou que, quando entrou na EN, viu já o motociclo aos “esses” e depois presenciou a sua queda, salientado que, não obstante o ofendido e o seu motociclo terem caído no solo, o condutor do Seat não parou e abandonou o local.
Esta testemunha, cujo depoimento o tribunal valorou positivamente porque se mostrou equidistante em relação a arguido e assistente e ao litígio discutido nos presentes autso, contrariou de forma muito segura e convicta a versão dos factos apresentada pelo arguido, levando o tribunal a concluir que efectivamente o arguido iniciou a manobra de mudança de direcção sem a sinalizar (ligando o “pisca” do veículo).
Por outro lado, é para nós claro que se o arguido se tivesse certificado, antes de iniciar a manobra de mudança de direcção, de que o podia sem criar perigo ou embaraçar o trânsito fazer em segurança não deixaria de se aperceber da presença do motociclo (que o arguido afirmou não ter visto) conduzido pelo ofendido, que circulava imediatamente atrás de si.
O tribunal concluiu assim que o arguido não teve o cuidado de sinalizar a manobra que pretendia fazer de mudança de direcção para a esquerda, como afirmou a referida testemunha, e de se certificar de que a podia fazer em segurança.
A versão do assistente é assim mais plausível do que a do arguido, com excepção da parte em que afirmou que não estava a ultrapassar o Seat no entroncamento e que apenas circulava pela esquerda porque se desviou para esse lado para evitar o embate.
Com efeito, nesta parte, não podemos de deixar de considerar o depoimento da testemunha G…, militar da GNR que investigou o acidente, e as conclusões a que chegou e fez constar no relatório (que elaborou) de fls. 283 a 286.
Segundo esta testemunha, os danos nos veículos intervenientes no acidente (na parte da frente do Seat, mormente no espelho lateral, e no motociclo) levaram-no a concluir que, no momento em que o arguido vai realizar a mudança de direcção à esquerda, o motociclo já estava a iniciar a manobra de ultrapassagem (veja-se o último parágrafo de fls. 285).
Por outro lado, esta testemunha salientou na audiência de julgamento que não faz sentido que o condutor do motociclo se desviasse instintivamente para a esquerda para evitar o embate, pois esse foi precisamente o lado para o qual o arguido decidiu virar o veículo que conduzia.
Pese embora esta testemunha não ter presenciado o acidente, a posição que assumiu após a investigação do acidente é plausível e mais consentânea com as regras normais da experiência e com o comportamento humano do que a versão do assistente.
Com efeito, considerando que pela faixa esquerda da estrada nacional 15 (com grande movimento de trânsito) circulavam, ou podiam circular, em sentido contrário outros veículos, não é verosímil que o assistente, se transitasse efectivamente atrás (e não ao lado) do veículo conduzido pelo arguido, se desviasse instintivamente para a esquerda para evitar o embate em tal veículo.
O normal, nessas circunstâncias, seria que o assistente desviasse instintivamente o motociclo que conduzia para o lado contrário, ou seja, para a sua direita, para evitar o embate no veículo que o precedia (o Seat), que estava a mudar de direcção para a esquerda, e nos veículos que eventualmente circulassem em sentido contrario.
Portanto, nesta parte, a versão do assistente não merece credibilidade, antes nos parecendo mais plausível, porque sustentada em conclusões lógicas, a versão adiantada elo referido militar da GNR.
Quanto às características da via e o seu estado na altura do acidente, o tribunal considerou a participação do acidente de viação junta a fls. 7 a 10, o relatório táctico de inspecção ocular de fls. 29 a 31, o relatório fotográfico de fls. 32 a 44 e o percepcionado pelo tribunal na inspecção judicial que realizou (cfr. acta de 15/07/2020, a fls. 754-762).
No que concerne às matrículas e características dos veículos intervenientes no acidente e seus proprietários, teve o tribunal em consideração as consultas de veículos e de proprietários de fls. 48 a 51, a cópia do título de registo de propriedade junta pelo assistente na última sessão de julgamento e também a consulta, efectuada pelo tribunal, ao site do motoclube (https://motoclube.com/artigos/honda-vfr750-f-vfr800-f-vfr1200-f), quando à potência do motociclo conduzido pelo assistente.
O arguido confessou que, nas circunstâncias de modo, tempo e lugar descritas na acusação, conduzia sem o veículo de habilitação conduzia sem estar habilitado com carta de condução, mas tal confissão nenhum relevo assumiu para a prova dessa factualidade já que a testemunha I…, proprietária do veículo automóvel Seat, referiu na audiência de julgamento que emprestava muitas vezes tal veículo ao arguido e que, na data do acidente, o veículo estava com o arguido, sendo que através do resultado da pesquisa de condutores do IMT de fls. 71 e 115 verificamos que o arguido não é titular de licença que o habilita a conduzir.
Assim, considerando os elementos de prova acima referidos, o tribunal julgou provados os factos vertidos em 1) a 9), 71), 84), 85, 87) e 88) e não provados os factos descritos nas als. a) a c) e n) a v).
No que concerne à fuga do arguido do local do acidente e omissão de auxílio, pese embora ter negado a prática do crime, acabou por dizer na audiência de julgamento que saiu do local do acidente após o embate porque estava muito nervoso e que estacionou a cerca de 30 metros, ficando a ver o que se estava a passar daquele local, reconhecendo assim que não prestou auxílio ao ofendido, nem tão pouco diligenciou para que tal auxílio fosse prestado.
As testemunhas J… e K…, respectivamente irmã e vizinha do arguido, vieram dizer, para tentar excluir a responsabilidade criminal do arguido, que estiveram no local do acidente e que o arguido esteve sempre lá, com elas, negando que o mesmo se tivesse colocado em fuga.
O tribunal não atribuiu, contudo, qualquer credibilidade a estes depoimentos pois, para além de apresentarem contradições entre si e com a versão do arguido, foram completamente infirmados pelas testemunhas E… e G… e pelo assistente.
Com efeito, quer a testemunha E…, quer o assistente, afirmaram que o arguido não estava no local do acidente, que abandonou o local, apesar de o assistente estar caído no chão e ter ficado com ferimentos visíveis.
Por seu turno, aquele militar da GNR relatou as diligências efectuadas (com êxito) para identificar e localizar o condutor do veículo automóvel interveniente no acidente, mormente recolhendo vestígios no local do espelho retrovisor [veja-se o relatório técnico de inspecção judiciária de fls. 78-80, o relatório fotográfico de fls. 81-83, os formulários de vestígios de fls. 84-85 e de fls. 86 e o relatório pericial da PJ de fls. 144-148], diligências que não faria sentido realizar se o arguido tivesse permanecido local, prestando auxílio ao assistente, e se se tivesse identificado perante as autoridades policiais quando estas chegaram ao local do acidente.
Considerando as declarações do arguido e do assistente e os depoimentos das testemunhas E… e G…, concluímos que não só o arguido se apercebeu de que tinha colidido com o ofendido, como também que essa colisão provocou a queda do motociclo e do ofendido no asfalto e (dadas as características do veículo que este conduzia) lesões graves neste último.Pelo exposto, o tribunal considerou provados os factos vertidos em 10), 14) e 15).
No que concerne aos elementos subjectivos dos tipos de crimes de que o arguido vem acusado, importa salientar que, não obstante o dolo e a negligência pertencerem à vida interior de cada um, é possível inferir a sua verificação através de actos exteriores, objectivos, que os revelam, recorrendo a presunções decorrem das regras da experiência.
Com base nas regras da experiência (que nos dizem que a determinados factos se seguem lógica e cronologicamente outros), sabemos que, por exemplo, que o acto objetivo de conduzir um veículo automóvel é precedido da decisão (que é um acto da vida interior) de conduzir esse veículo (o sujeito ou agente projectou o acto de conduzir e tomou a decisão de o concretizar), o mesmo se passando com a omissão do acto de auxiliar o ofendido.
Assim, considerando os factos objectivos insertos em 1) a 15), foi possível ao tribunal concluir pela verificação dos elementos subjectivos dos crimes imputados ao arguido descritos em 16) a 19).
Os factos insertos em 20) e 21) resultam dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos pelo assistente com o seu pedido de indemnização civil (cfr. fls. 464 e 465) e da apólice de seguros junta a fls. 615-617 pela companhia de seguros demandada.
O facto vertido em 22) resulta de toda a documentação clínica relatórios médico-legais junta aos autos, bem da participação de acidente de viação da GNR de fls. 7 e ss. e do pedido de informação do registo individual do condutor (RIC) junto a fls. 274.
Quanto às lesões que o assistente sofreu em virtude do acidente, aos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que se sujeitou e às sequelas que daquelas lesões resultaram [factos descritos em 11) a 13), 24) a 39), 41), 46) a 48), 57) a 61), 69) e 74) a 83)], o tribunal considerou os relatórios médico-legais de fls. 137-138, 192-193, 316-317, 334-335, 687-691, 747 e sobretudo o relatório médico-legal de fls. 783-787 (junto aos autos em 07/10/2020), a documentação médica e hospitalar de fls. 120-121, 155-177, 213-221, 326-327 e 470-472.
No que tange aos factos insertos em 23), 40), 42) a 45), 49) a 56) e 62) a 65), o tribunal considerou as declarações do assistente e o depoimento da testemunha L…, mãe do assistente, que relataram as dores, o sofrimento e o estado de espírito do assistente após o acidente e ao longos destes últimos anos, bem como as consequências e o impacto que as lesões e as sequelas decorrentes desse acidente tiveram na sua vida.
O assistente e a sua mãe confirmaram a referida factualidade de forma que o tribunal reputou verosímil, atento o tipo e a gravidade das lesões, razão pela qual o tribunal a julgou provada.
No que concerne aos danos patrimoniais descritos em 66) a 68), 70), 72) e 73), o tribunal estribou a sua convicção nas declarações do assistente conjugadas com os registos fotográficos de fls. 36-37, 42-44 e 82 (que nos mostram as características do capacete e blusão que o assistente trazia na altura do acidente e os estragos que esses objectos e o motociclo apresentavam em consequência do mesmo) e o resultado das pesquisas na internet que o assistente efectuou sobre o valor dos referidos objectos, que o mesmo juntou aos autos com o seu pedido de indemnização civil.
O assistente afirmou concretamente, quanto à reparação do motociclo, que não é economicamente rentável a sua reparação (embora pretenda fazê-lo) porque o seu valor é de cerca de € 2.000/2500 e a reparação importa um custo superior, afirmações que o tribunal considerou credíveis, já que o assistente é mecânico e tem portanto conhecimentos específicos nessa área.
A distância entre a residência do ofendido e o hospital de Penafiel é facilmente comprovada, como resulta do resultado de pesquisa que o assistente juntou aos autos, através de uma consulta ao Google maps ou outra aplicação equivalente.
Os antecedentes criminais do arguido resultam do CRC junto aos autos a fls. 728 e ss.
No que tange à boa reputação do arguido, o tribunal considerou o depoimento da testemunha I…, sua actual companheira, e os depoimentos das restantes (duas) testemunhas que arrolou (J… e K…), aos quais atribuiu credibilidade (desde logo porque não foram infirmados).
Quanto às condições pessoais, familiares e económicas do arguido, o tribunal considerou as declarações do mesmo.
Quanto aos factos não provados, além do que já se deixou dito quanto à dinâmica do acidente, importa apenas acrescentar que:
- os factos vertidos nas als. d) a k) foram considerados não provados porque não foi produzida prova bastante da sua verificação (ou porque não foram confirmados pelo assistente e pela sua mãe, únicas pessoas que depuseram sobre os mesmos, ou porque pese embora terem sido não foi junta outra prova, prova documental, que o tribunal considerava necessária para atestar a sua verificação. É o caso da toma de antidepressivos e calmantes que o assistente alegou ter tomado, mas que não comprovou com receita médica ou sequer com um recibo da sua compra);
- os factos descritos em l) e m) foram julgados não provados porque não foi efectuada qualquer medição ou cálculo técnico sobre a velocidade a que circulavam os veículos, pelo que as declarações do arguido e do assistente, bem como o depoimento da testemunha E…, quanto a esta questão não foram valorados;
- finalmente, o facto descrito em w) não foi confirmado por qualquer testemunha e por isso foi julgado não provado.
*
(…)
Pedido de indemnização civil
O pedido formulado pelo demandante centra-se na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.
Como é sabido, a responsabilidade civil por actos ilícitos depende da verificação dos seguintes pressupostos: facto voluntário, ilicitude, culpa ou nexo de imputação do facto ao lesante, dano, nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. art.º 483.º do C.C.).
No caso dos autos, a factualidade provada permite-nos concluir com segurança que o arguido, condutor do veículo Seat …, praticou um facto voluntário, ilícito e culposo.
Com efeito, o arguido, que pretendia mudar de direcção para a esquerda, para entrar na Rua …, não sinalizou previamente tal manobra nem se certificou de que a podia realizar sem perigo ou embaraço para o trânsito.
Ao realizar a manobra de mudança de direcção nas condições acima referidas, o arguido agiu com falta de cuidado e diligência, infringindo o disposto nos art.ºs 21.º, n.º 1, e 35.º, n.º 1, do CE.
A ocorrência do acidente é, assim, imputável, a título de negligência, ao arguido.
A ocorrência de acidente é também imputável, a título de negligência, ao demandante já que o mesmo realizou uma ultrapassagem num local proibido, num entroncamento, violando o disposto no art.º 41.º, n.º 1, al. c), do CE.
Estabelece o art.º 570.º, n.º 1, do Código Civil que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização dever ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
Atendendo à gravidade da contribuição de cada um dos intervenientes para a produção do facto danoso e às consequências que delas resultaram, consideramos adequado fixar essa contribuição em 50% para o demandante e em 50% para o arguido.
Uma vez que para a demandada D… estava transferida a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação em que o veículo Seat interviesse, é incontroverso que sobre a mesma recai a obrigação de indemnizar o demandante pelos danos decorrentes do acidente dos autos.
Vejamos então que danos sofreu o demandante em consequência do acidente e qual o montante indemnizatório a fixar.
Estabelece o art.º 562.º do Código Civil que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, podendo o tribunal, na fixação da indemnização, atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (art.º 564.º do Código Civil).
A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art.º 566.º, n.º 2, do Código Civil).
No que tange aos danos não patrimoniais, prescreve o art.º 496.º do Código Civil, além do mais, o seguinte:
1 - Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
(…)
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.
Assim, deve atender-se ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias, nomeadamente à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volume 1º, pág. 501, 4.ª edição, todas as regras da boa prudência, de bom senso prático de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
O valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico (neste sentido, vide, por exemplo, Acs. do STJ de 17/01/2008, de 29/01/2008 e de 02/12/2013, disponíveis em www.dgsi.pt).
Assim, como se salienta neste último aresto, a indemnização por danos não patrimoniais terá por finalidade proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva. Isto é, esta indemnização destina-se a proporcionar, na medida do possível, ao lesado uma compensação económica que lhe permita satisfazer com mais facilidade as suas necessidades primárias que possam constituir um alívio e um consolo para o mal sofrido.
O A. peticiona indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreu em virtude do acidente, mormente o dano estético, o sofrimento que suportou (traduzido no quantum doloris) e o impacto e consequências que a lesões e sequelas tiveram e têm no seu dia-a-dia, no seu relacionamento com os outros e no seu estado de espírito.
O manancial fáctico apurado permite concluir que o assistente sofreu lesões que tiveram graves consequências e impacto na sua vida quotidiana. Foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, esteve 42 dias, no total, internado em estabelecimento hospitalar, submeteu-se a tratamentos, mormente de fisioterapia, esteve 372 dias de incapacidade para o trabalho, durante e após o período de incapacidade sofreu e sofre dores (tendo sido fixado um quantum doloris de grau 6 de uma escala de gravidade crescente de 7 graus), ficou com o membro inferior esquerdo desfigurado, amiotrofia da coxa e uma perna mais curta, pelo que terá de recorrer a ajudas técnicas (mormente próteses e palmilha), tem várias cicatrizes, (tendo o dano estético permanente sido fixado no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente), viu afectada a sua vida social, as suas actividades de desporto e de lazer (a repercussão nestas actividades foi fixada no grau 4 num escala de 7 graus de gravidade crescente) e até a sua actividade sexual (a repercussão nesta âmbito foi fixada no grau 2).
Além disso, o demandante ficou portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 11% que o limita nas suas actividades diárias não profissionais e o impede do exercício da actividade profissional habitual, uma vez que não apresenta força e destreza suficiente do membro inferior esquerdo.
Os danos não patrimoniais sofridos pelo A. em virtude do acidente dos autos são, pois, gravíssimos, sobretudo considerando a sua juventude (tinha 25 anos na data do acidente).
Atento o exposto, afigura-se ajustado fixar, pelos danos não patrimoniais elencados, a indemnização do montante de € 40.000.
No que concerne aos danos patrimoniais, o A. peticiona:
-a quantia de € 60,00, capacete que trazia na altura do acidente;
- a quantia de € 300, correspondente ao casaco que trazia quando se deu o acidente;
- a quantia de € 2.500, pela perda total veículo;
- a quantia de € 17.760, quanto à privação do uso do motociclo acidentado;
- a quantia de € 7.812, relativa à perda de capacidade de ganho durante o período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho.
No que concerne ao capacete, ao casaco e ao motociclo, não temos dúvidas de que a demandada deve indemnizar o demandante dos respectivos valores (que se julgaram provados), já que em virtude do acidente ficaram estragados e insusceptíveis de utilização.
No que concerne à privação do uso do veículo, entendemos também que a demandante deve ressarcir o demandado por ter ficado impossibilitado de o utilizar.
Na realidade, podendo ou não utilizar, em concreto, o motociclo nas suas deslocações, a disponibilidade de tal meio de transporte é traduzível num valor patrimonial.
Entendemos, contudo, que por se tratar de um motociclo e portanto com uma capacidade de utilização mais limitada do que um veículo automóvel (não pode transportar tantas pessoas, nem tanta carga), o valor patrimonial do seu uso deve ser fixado em € 7,5, o que multiplicado por 1184 dias, perfaz a quantia de € 8.880.
Quantos aos danos patrimoniais decorrentes da perda de capacidade de ganho durante o período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, entendemos que, não obstante estar desempregado na data do acidente, o demandante poderia auferir mensalmente (caso encontrasse trabalho nos tempos seguintes) pelo menos o equivalente ao valor do salário mínimo nacional, que no ano de 2015 era de € 505 e no ano de 2016 de € 530.
Assim, se não estivesse incapacitado para o trabalho por força do acidente, o demandante podia ter auferido no ano de 2015, pelo menos, € 4.292,50 (8,5 meses x € 505) e, no ano de 2016, € 3.445 (6,5 meses x € 530), no total de e 7.737,50.
No que concerne à perda futura da sua capacidade de ganho, ficou provado, com relevo para esta questão, que as lesões sofridas pelo demandante traduzem-se num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11 pontos, sendo que as sequelas resultantes do acidente limitam de forma muito acentuada o exercício da actividade profissional habitual, mas são compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional.
No cálculo da indemnização pela perda futura da capacidade de ganho, deve ter-se em consideração, como tem vindo a entender a jurisprudência, o tempo provável da vida activa do lesado, os seus rendimentos anuais e a incapacidade sofrida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até ao fim desse período, defendendo alguns a utilização de tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a uma taxa de juros (neste sentido, entre outros, Acs. do STJ de 6-7-00, Col. Jur. 2000, II, 144 e da Relação de Coimbra de 4-5-1995, Col. Jur. 1995, II, 26).
Nesta conformidade, deve-se considerar uma idade de aproximadamente 70 anos como limite da vida activa e da capacidade de ganho do lesado.
Haverá que atender também a uma esperada melhoria das condições de vida no futuro, bem como um aumento de produtividade e de ganhos em função da progressão profissional e a esperança média de vida. Além disso, deve-se ponderar a incapacidade permanente de que o lesado ficou a padecer, que o irá inabilitar (parcialmente) não só para a sua vida profissional, mas também para todos os actos da vida principalmente para aqueles que demandem esforço físico.
Como se refere no Ac. do STJ de 01/12/2007, acima referido, as linhas vectoriais da jurisprudência reinante, em matéria de indemnização por IPP, assenta de forma bastante generalizada, nas seguintes ideias: a) o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), por forma a que seja possível determinar qual o capital necessário, produtor do rendimento, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida activa do lesado, proporcione à vítima o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou a compense pelo maior grau de esforço desenvolvido; b) a esse valor deve ser deduzido uma parte correspondente àquela que o lesado já despendia consigo próprio antes da lesão; c) é preciso ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras dá-nos porém um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um factor que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade. Daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa. Em termos de danos futuros previsíveis, a equidade terá a palavra decisiva, correctora, ponderando todos os factores atrás enunciados.- art. 566.º-3 do CC. Ao fazer intervir a equidade, não poderá ainda o Juiz de deixar de atender à natureza da responsabilidade (se ela é objectiva, se fundada na mera culpa, na culpa grave ou no dolo), à eventual concorrência de culpas, à situação económica do lesante e do lesado, e, por fim, às indemnizações jurisprudencialmente atribuídas em casos semelhantes.
No caso dos autos, ficou provado que o A. tinha 25 anos na data do acidente.
O A. estava desempregado mas era expectável que viesse a auferir mensalmente, pelo menos, o correspondente ao valor do salário mínimo nacional, que era em 2015 de € 505, o que equivale a um rendimento anual de, pelo menos, de € 7070.
Considerando a idade de reforma aos 70 anos, o rendimento anual de € 7070, a incapacidade de que o demandante é portador, a esperança média de vida actual, que se situa perto dos 80 anos para os homens (segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística), a possível melhoria das condições de vida do demandante, o aumento de produtividade e de ganhos profissionais, as repercussões negativas da incapacidade permanente nos actos da vida do demandante, principalmente para aqueles que demandem esforço da perna esquerda, e o facto de o demandante ainda poder exercer outra actividade profissional (que não a habitual), pensamos que o valor de € 65.000 peticionado a título de indemnização por este dano é adequado.
Assim sendo, fixo em € 65.000 a indemnização pela perda da capacidade de ganho futura do demandante.
Atento o grau de culpabilidade do A. (que se fixou em 50%) na causação do acidente, os valores atrás referidos devem, contudo, reduzir-se aos seguintes montantes:
- danos não patrimoniais: ao montante de € 20.000.
- capacete € 30,00;
- casaco: € 150;
- perda total veículo: € 1.250;
- incapacidade temporária absoluta: € 3.868,75;
- privação do uso do veículo: € 4.440,
- perda da capacidade de ganho: € 32.500;
No total de 62.238,75.
Ficou igualmente demonstrado que o demandante teve despesas de deslocação para realizar tratamentos e perícias, nos termos que se julgaram provados em 69), mas não se apurou o respectivo montante, pelo que deve condenar-se a demandada no seu pagamento, na proporção da 50%, mas a sua determinação será relegada para a liquidação.
O demandante vai necessitar de tratamentos, mormente de fisioterapia, medicamentos, cirurgias e de próteses em virtude das lesões que sofreu no tratamento, pelo que deve a demandada ser condenada no seu pagamento, na proporção da 50%, mas a sua determinação terá ser feita em sede de liquidação.
No que diz respeito aos juros de mora, o A. peticiona juros legais vencidos e vincendos.
Estabelece o art.º 805.º, n.º 3, do Código Civil que: “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número".
Considerando o teor do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº4/2002, de 09/05/2002, os valores indemnizatórios devem considerar-se actualizados nos termos do art.º 566.º, n.º 2, Código Civil, com referência à data desta decisão quanto aos danos patrimoniais futuros e aos danos não patrimoniais.
Estabelece este dispositivo legal que, sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
No caso dos autos, a indemnização pelos danos patrimoniais futuros e pelos danos não patrimoniais compreendem já o valor devido pela demanda nesta data, e por isso já está actualizada, sendo apenas devidos juros desde a data desta sentença.
Os juros de mora são os civis, à taxa supletiva de 4% nos termos da Portaria 291/03, de 08/04, e dos art.ºs 806.º e 559.º do Código Civil, sendo aplicável qualquer alteração posterior da mesma enquanto não ocorrer o pagamento da indemnização.
Custas.
Atenta a (considerável) complexidade deste processo e número de sessões, a taxa de justiça deve fixar-se em 3 UC.»
*
II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente arguido coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
- Nulidade da sentença por falta de fundamentação com violação do art. 374º, n º 2 do CPP.
-Erro de julgamento quanto aos pontos 2 a 4 16.
- Violação do art. 127º do CPP.
-Violação dos princípios nulla poena sine crimine e in dubio pro reo.

Recorrente D….
-Impugnação da matéria de facto pontos3 a 6 e 16 e das alíneas l) a v) e w).
-A indemnização arbitrada para compensação dos danos não patrimoniais.
-A indemnização arbitrada pela privação do uso do motociclo.
-A indemnização arbitrada para ressarcimento “da perda de capacidade de ganho durante o período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho”.
-A indemnização arbitrada pela “perda futura de capacidade de ganho”.

Recurso do assistente C….
Pedido cível-repartição da culpa.
*
Vejamos.

É jurisprudência pacífica a que considera que os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPPenal são defeitos que têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, sem apoio em quaisquer elementos externos à mesma, salvo a sua interpretação à luz das regras da experiência comum. São falhas que hão de resultar da própria leitura da decisão e que são detetáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente percetíveis à leitura da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios.
Ora, compulsado o texto da decisão recorrida e vista a matéria de facto provada e não provada e respetiva motivação, bem como a decisão de direito que se baseou nesses elementos, há que concluir que a decisão proferida encontra ali suporte bastante e necessário.
Em suma, da leitura da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se deteta qualquer falha lógica evidente, qualquer interferência no percurso lógico do texto que seja patente à leitura pelo cidadão mediano e que leve a concluir pela existência que uma qualquer inconsistência ou incoerência lógica, ou mesmo uma contradição de raciocínio.

Do erro de julgamento.
Recurso do arguido B… e D….

Da nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Nos termos do artº 374º nº2 do CPP, a sentença deve conter “ uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
A sentença só cumpre o dever de fundamentação quando os sujeitos processuais seus destinatários são esclarecidos sobre a base jurídica e fáctica das reprovações contra eles dirigidas. Porém e como vem sendo entendido pela Jurisprudência, a lei não vai ao ponto de exigir que, numa fastidiosa explanação, transformando o processo oral em escrito, se descreva todo o caminho tomado pelo juiz para decidir, todo o raciocínio lógico seguido. O que a Lei diz é que não se pode abdicar de uma enunciação, ainda que sucinta mas suficiente, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão.[2]
Realça-se que a lei não obriga a que a fundamentação da decisão indique a concreta prova de cada um dos factos provados e não provados, nem á reprodução do teor de cada depoimento prestado. Como refere acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-03-2008, com o apoio da jurisprudência do Tribunal Constitucional que cita:
“(…) XIII - Por outro lado, a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, não sendo necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários. O que tem de deixar claro, de modo a que seja possível a sua reconstituição, é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto – cf. Ac. do STJ de 11-10-2000, Proc. n.º 2253/00 - 3.ª, e Acs. do TC n.ºs 102/99, DR, II, de 01-04-1999, e 59/2006, DR, II, de 13-04-2006 –, por forma a permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo”.[3]
Ou como se escreveu Acórdão no acórdão do STJ 08-02-2007 [4]
I - O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
Em suma, aquilo que é necessário é que o tribunal explicite o percurso cognitivo que o levou a determinada decisão sobre a matéria de facto e designadamente justifique o convencimento a que chegou efetuando a avaliação e valoração dos depoimentos ouvidos, dando a conhecer as razões de ciência respetivas.
Na decisão sob recurso o tribunal recorrido elenca os meios de prova de forma descritiva, designadamente testemunhal e documental, em que fundou a sua convicção, fazendo igualmente o exame crítico da prova profícuo, pois explicita a convicção que formou, o raciocínio e juízo lógico que efetuou para formar a convicção, indicando a credibilidade que atribuiu aos meios de prova, e em que medida os mesmos contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
O tribunal efetua uma apreciação crítica sobre a prova produzida, expondo quais as regras da experiência ou de critérios lógicos de que se serviu, para dar os factos como provados e não provados, explicando igualmente de forma cabal as razões que determinaram a sua opção.
Como refere Marques Ferreira “A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso … extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade”[5].

Mostram-se respeitados de forma adequada e suficiente os requisitos estabelecidos pelo n.º 2 do art. 374º do C.P.Penal.
Assim sendo, improcede, nesta parte, o recurso, por não terem sido violados os arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), todos do C.P.Penal, e 205.º, n.º 1 da C.R.P.

Erro de julgamento e violação do princípio da livre apreciação da prova.

Como é sabido, na fixação da matéria de facto provada ou não provada o Tribunal de 1ª Instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127.º do C.P.P.

Como bem decidiu o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 18-02-2009 | Proc. 1019/05.0GCVIS.C1 | Relator: Jorge Gonçalves| In: www.dgsi.pt
“1. A sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações (cfr. ac. do S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375, www.dgsi.pt): 1ª) – a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; 2ª) - a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações; 3ª) - a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso; 4ª) - a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º]. 2. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe, sendo, essencialmente, a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. 3. Na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida –, o julgador não está sujeito a uma “contabilidade das provas”. E não será a circunstância, normal nas lides judiciais, de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões distintas, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável. A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os depoimentos prestados, não lhe é imposto ter de aceitar ou recusar cada um deles na globalidade, cumprindo-lhe antes a missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece ou não crédito e em que termos. “
Como também bem decidiu o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2011 | Proc. 158/09.3GBAVV.G2.S1 | Relator: Des. Oliveira Mendes | In: www.dgsi.pt, “V - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento pela 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.
VI - Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, sendo certo que ao exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuadas pelo tribunal recorrido.”
Igualmente bem decidiu o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 09-01-2012 | Proc. 102/10.5TAANS.C1 | Relator: Brízida Martins | In: www.dgsi.pt:
1.- Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.
2.- Assim a crítica à convicção do tribunal a quo não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
Igualmente o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 22-04-2009 | Proc. 2912/06.9TALRA.C1 | Relator: Orlando Gonçalves | In: www.dgsi.pt-“1- O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
2- Para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
3- O objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
4- Tendo a arguida sido vista a fugir de noite do local onde se encontrava estacionado o veículo da assistente, cuja pintura logo nesse momento surge aos olhos da assistente e duma testemunha como riscada, não vai contra as regras da experiência comum e a livre apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, concluir que foi a arguida quem danificou a pintura do veículo da assistente.”
Conclui-se, assim, que ter presente que, salvaguardado e garantindo um efetivo duplo grau de jurisdição, o recurso em matéria de facto para o Tribunal da Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância: antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir os erros “in judicando” ou “in procedendo”, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.

Diz o arguido que da prova em audiência não resultou que o mesmo tivesse praticado os factos 2º a 4º e 16º, pelo que deviam ter sido dados como não provados.
Sustenta-se sobretudo no depoimento do arguido e da incorreta apreciação do depoimento da testemunha E…, considerando o depoimento do assistente, imputando toda a responsabilidade à ultrapassagem efetuada pelo assistente naquele local.
Importa primeiro dizer que a impugnação dos factos não exige ao arguido que refira outros que substituam os impugnados. Ele simplesmente pugna para que não sejam dados como provados o que tem necessariamente implicações jurídicas, tais como a absolvição.
Nada temos a reparar à impugnação realizada tendo cumprido o disposto no art. 412º, nº 3 e 4 do CPP.
Posto isto e porque a presente impugnação está ligada também à que a demandada cível D… apresentou, este Tribunal discorrerá sobre ambas em simultâneo.
São colocados em causa os factos 2º a 6º e16 que deveriam ser considerados não provados e as alíneas l), m), n), o), p), q), r), T), u), v) e w) dos factos não provados que deveria ter sido dados como provados.
Ouvida a prova importa dizer o seguinte:

Coloca-se em causa o acionamento dos “piscas”.
A demandada D… começa por colocar em causa o depoimento da Testemunha E… na medida em que refere que a mesma nunca declarou ter visto o condutor do veículo automóvel, ora arguido, ter realizado a manobra de mudança de direção à esquerda sem nunca acionado o seu pisca esquerdo.
Ora, tal alegação amente não corresponde à verdade.
Desde logo, cumpre salientar que o depoimento da testemunha E… não se inicia e não termina apenas a instâncias do mandatário da demandada, mormente os que se reportam à não visualização da sinalização prévia da mudança de direção efetuada pelo arguido.
Senão vejamos,
Quanto ao relato da testemunha E… no que respeita à visualização de “piscas” ligados resultou o seguinte a instâncias do douto Tribunal: - conforme Ata de Audiência de Discussão e Julgamento datada de 17-09-2020:
Min: 12:40 a 13:13
Exma. Senhora Juíza: “Olhe, então a Senhora cedeu passagem ao Seat e cedeu à mota. Quando cede passagem à mota, a mota vinha atrás?
Testemunha E…: “Sim.”
Exma. Senhora Juíza: Não vinha a ultrapassar?
Testemunha E…: Não. Nem vi piscas de nenhum deles, nem da mota nem do carro.
Exma. Senhora Juíza: Tem a certeza absoluta? Ou a senhora nem reparou?
Testemunha E…: Disso tenho a certeza.
Exma. Senhora Juíza: Viu bem? Reparou bem?
Testemunha E…: Reparei, não tinha piscas.
Já a instâncias da Exma. Senhora Procuradora do Ministério Público, e confrontada com
a foto do local do embate resultante da inspeção ao local (a fls. 756), referiu o seguinte:
Min: 31:05 a 31:37
Exma. Senhora Procuradora: (…) Portanto, é quando a senhora já está a entrar na Nacional .. que vê a dinâmica.
Testemunha E…: “Sim.”
Exma. Senhora Procuradora: “e quando a Senhora diz por isso é que eles passam os dois por si e não vê nenhum pisca ligado. Nem do Seat nem da mota?
Testemunha E…: “Nem do Seat nem da mota. Exato.”
Exma. Senhora Procuradora: “E de repente vê o carro virar à esquerda”
Testemunha E…: “sim”
Exma. Senhora Procuradora: “ porque a senhora… a percepção do Seat tem-na sempre?”
Testemunha E…: “sim”
Exma. Senhora Procuradora: “E nunca vê o pisca ligado”
Testemunha E…: “Não, não vi o pisca ligado, nem dum nem do outro.”
Aliás essa perceção é reforçada pelo facto de a testemunha E… ter referido claramente que o arguido seguiu a sua marcha, abandonando o local sem ter parado para auxiliar o assistente, isto é, depois de virar à esquerda, seguindo pela rua de onde a testemunha tinha vindo:
Min: 34:26 a 34:44
Mandatário: “Nessa parte, quando a Senhora já vê o carro a ir, recorda-se se o carro tinha o pisca ligado nessa fase?”
Testemunha E…: “Não, é como lhe digo, não vi pisca ligado nenhum.”
Mandatário: “Enquanto a Senhora viu o carro, nunca viu piscas?”
Testemunha E…: “Enquanto eu vi o carro nunca vi piscas.”
Mandatário: “Enquanto viu a mota, nunca viu piscas?”
Testemunha E…: “Também não vi piscas.”
Logo, não corresponde à verdade quando refere que a testemunha E… só no momento em que os veículos se cruzam imediatamente à sua frente é que não viu qualquer sinal luminoso de mudança de direção desligado.
Aliás, a versão da testemunha quanto à falta de sinalização de mudança de direção dos dois veículos acompanhou-a desde o dia do acidente, altura em que prestou logo declarações perante OPC, até ao dia em que foi ouvida pelo Tribunal.
Ademais, essa testemunha estava posicionada em lugar privilegiado para se aperceber perfeitamente que o veículo automóvel virou à esquerda e seguiu viagem sem que alguma vez tivesse sinalizado a manobra.
Ainda, cumpre salientar que quando se refere que “…a zona do entroncamento onde ocorreu o acidente tem cerca de 30 metros de extensão (medida que resulta do facto de nessa extensão caberem perfeitamente 7 veículos com o comprimento que o Renault … que figura numa dessas fotos);
Tal raciocínio, tem suporte na prova produzia e não permite fazer crer que o veículo automóvel virou à esquerda “MUITOS METROS” depois de ter passado pela testemunha E…, dando a falsa ideia de que a mesma quase perdeu os veículos de vista.
Ora através de uma análise atenta à prova produzida, nomeadamente da conjugação do croqui, dos relatórios fotográficos efetuados pela GNR no dia do acidente, do auto de visionamento de imagens efetuado pelo NICAV, conjugado com o auto de inspeção judicial ao local, datado de 15/07/2020, a conclusão da demandada é empolada.
Desde logo porque se o arguido fizesse a manobra assim tão distante como se pretende fazer crer, teria de efetuar praticamente uma manobra de inversão do sentido de marcha pois seguiu pela rua de onde a testemunha E… tinha acabado de vir.
E também não nos parece coerente que o arguido fosse efetuar a manobra “muitos metros” à frente sob pena de embater nos caixotes do lixo ou nos ecopontos visíveis na foto 4 do auto de inspeção judicial ao local.
Ademais, é óbvio que se o veículo automóvel tivesse sinalizado a manobra à esquerda, ou pretendido sinalizar, já o devia estar a fazer quando passou pela frente do veículo da testemunha E… pois trata-se de uma manobra que deve ser sempre sinalizada com bastante antecedência.
Esta versão agora apresentada pela demandada D… colide até com a versão apresentada pelo arguido pois este referiu que terá sinalizado a manobra com antecedência, parou o carro, verificou todos os espelhos e até o desengatou antes de efetuar a mudança de direção à esquerda.
Portanto, bem andou o Tribunal a quo ao valorar positivamente depoimento da testemunha E… porque se mostrou equidistante em relação ao arguido e assistente e ao litígio discutido nos presentes autos e contrariou de forma muito segura e convicta a versão dos factos apresentada por aquele.
Ainda, alega a demandada e o arguido que este prestou um depoimento de forma assertiva e congruente e sem nunca entrar em contradição, contudo, também não se pode concordar com tal.
Na verdade, se houve depoimento contraditório em si e ilógico foi o do arguido e o das testemunhas por si apresentadas.
Veja-se,
Em primeiro, refira-se desde já que, para além de não ter sinalizado previamente a manobra, o arguido não se certificou que a podia efetuar com segurança para si e para quem circulava na via pública.
Isto porque, dispunha de boa visibilidade para a sua frente e, acima de tudo, dispunha de mais de 120 metros de campo de visão desimpedido à sua retaguarda.
Logo, se o mesmo tivesse sinalizado a manobra à esquerda e se tivesse certificado atempadamente de que a podia fazer, certamente teria visto o motociclista atrás de si ou na via contrária.
Dessa feita, carece de sentido o depoimento do arguido na medida em que diz que não sabe de onde veio a mota até ao ponto de dizer que atrás de si não vinha mota nenhuma ou então que a mota vinha a voar.
Aliás, o arguido apresenta ao longo do seu depoimento várias versões do acidente.
O arguido desafiou as leis da física e da lógica, ao referir que, após o embate, a mota ficou em pé sem um arranhão.
E quando confrontado com as fotos recolhidas pela GNR no dia do acidente, e que retratam claramente o motociclo tombado e destruído no meio da via, que aquilo era um arranjo de vida, sugerindo que os OPC ou mais alguém haviam trocado o motociclo do assistente por outro. - Depoimento do arguido ao minuto 48:15 a 51:33.
De facto, diga-se que, para quem ouviu, as declarações do arguido revelaram-se errantes, desprovidas de lógica, coerência.
Mas, vejamos com maior acuidade,
O arguido referiu que após o acidente esteve sempre no local, depois referiu que terá ido para casa da irmã, depois referiu que foi para casa da sua mãe e, por fim, referiu ainda que foi para casa da companheira, sendo certo que aí até falou com os agentes da GNR.
No seguimento, o arguido referiu também que, cerca de uma hora e meia após o acidente, falou com os agentes da GNR em casa da companheira e junto ao carro mas, afinal, estava dentro de casa e companheira disse aos OPC que o arguido não queria falar com eles - alegação que foi frontalmente contrariada pela companheira do arguido.
Ora, o certo é que foi tudo desmentido pelas próprias testemunhas do arguido, pela própria GNR e pelos documentos probatórios juntos aos autos na medida em que os OPC só encontraram o veículo conduzido pelo arguido já de madrugada e este só se apresentou no posto dois dias depois do acidente.
Para além disso tentou convencer o Tribunal que o pai do assistente estava no local a ameaça-lo, no momento imediatamente após o acidente, e só por isso é que não foi prestar a auxílio ao assistente.
Neste ponto, é mais uma vez evidente que o arguido faltou à verdade porque após o acidente ninguém sabia quem era o condutor do veículo por foça da fuga encetada pelo mesmo.
Ainda, e não menos importante, o depoimento do arguido carece de lógica, coerência e desafia o bom senso na parte em que refere que, antes de fazer a manobra de mudança de direção, verificou que não vinha ninguém na sua retaguarda pois tinha os dois espelhos retrovisores laterais do veículo alinhados com o espelho retrovisor central (colocado dentro do veículo) e que dessa forma “vê tudo” à retaguarda.
Veja-se o depoimento do arguido nesse sentido:
Min: 39:07 a 40:57
Mandatário: “O senhor quando está parado verifica pelos espelhos retrovisores se vem alguém?”
Arguido: ”sim senhor”.
Mandatário: “E não viu ninguém não é?”
Arguido: “ponho sempre os meus espelhos a olhar para o espelho do meio, olho para um e vejo tudo”.
Mandatário: “Como assim?”
Arguido: “eu olho para um espelho, olho para trás e vejo tudo, ponho os espelhos todos alinhados para ver tudo para trás.”
Mandatário: “Mas só com um espelho? O carro tem os laterais não é e depois tem aquele…”
Arguido: “o central. Eu vi bem que não vinha ninguém”
Ora, uma pessoa média, mesmo não estando habilitada a conduzir, sabe perfeitamente que isso é impossível.
Veja-se ainda a parte das declarações do arguido quando diz que, antes de virar à esquerda terá parado junto ao eixo da via, mas ainda na faixa da direita e terá verificado se circulavam veículos em sentido contrário ou à sua retaguarda, no entanto, curiosamente, terá desengrenado o veículo nesse momento.
Pergunta-se, como é que alguém, numa situação em pretende mudar de direção à esquerda, em plena estrada nacional, não vendo carros em sentido contrário ou à sua retaguarda, vai parar o veículo ao ponto de o desengrenar voluntariamente?!
Sucede que, o arguido até acabou por reconhecer que afinal já poderia estar um bocadinho mais avançado, invadindo a via contrária - minuto 57:30 a 57:48.
Por isso pergunta-se se existe lógica, se é enquadrável nas regras da experiência comum ou nas regras de condução mais básicas o ato de parar e desengrenar um veículo quando já estamos a ocupar a via de trânsito em sentido contrário só para verificar se podemos fazer a manobra de mudança de direção em segurança?? E isto depois de o arguido supostamente já ter verificado que não circulavam carros em ambas as faixas de rodagem.
Portanto, bem andou o douto Tribunal a quo ao considerar a versão do assistente mais credível do que a do arguido.
Aliás, o Tribunal a quo criou uma convicção devidamente fundamentada, evidentemente imparcial e sempre com o elevado respeito pela livre apreciação da prova, de acordo com as regras da experiência para dar como provados e não provados os factos elencados na douta sentença.
Além do mais, não resultou de nenhuma prova o alegado pela demandante quando refere que “…depois do embate, o motociclo seguiu em frente e percorreu cerca de 40 metros dentro da metade esquerda tomando o seu sentido de marcha.” (sublinhado nosso)
Por via disso, Tribunal bem andou ao dar como provados os factos vertidos matéria de facto provada sob os pontos 3,4,5,6 e 16.
Aliás, o facto de o arguido insistir ao longo do seu depoimento que não sabe de “onde veio a mota”, tendo em conta as circunstâncias do local e do tempo, só revela que o mesmo não se certificou, como devia, da circulação do motociclo na sua retaguarda.
Ao agir como descrito, o arguido violou claramente as normas rodoviárias respeitantes à obrigação de sinalização de mudança de direção, não assegurou que da sua realização não resultaria perigo ou embaraço para o trânsito e violou os deveres objetivo de cuidado, pelo que a sua atuação merece censura penal.
No seguimento, bem andou o douto Tribunal ao decidir que o critério temporal permite imputar ao arguido, no caso concreto, a responsabilidade pela eclosão do acidente.
Nenhuma testemunha inquirida em audiência de julgamento confirmou a versão do arguido no que concerne à dinâmica do acidente.
Assim, a matéria de facto dada como provada pela Mm.ª Juiz mostra pleno acolhimento no conjunto de toda a prova produzida em sede de audiência de Julgamento, quer do depoimento do assistente/ofendido, quer dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência, mormente a testemunha E…, única que assistiu ao embate, bem como dos relatórios e demais documentos dos autos.

Como se refere no douto Acórdão da Relação do Porto, relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Borges Martins, datado de 10/05/2017 e disponível in www.dgsi.pt:
“(…) Quanto à adesão que o tribunal fez da versão apresentada pela acusação, em detrimento da sustentada pelo arguido na sua contestação, convém aqui lembrar que um princípio que informa o processo penal é o da livre apreciação da prova.
Dispõe o art. 127.º do CPP que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
É no equilíbrio destas duas vertentes (as regras da experiência e a livre convicção do julgador) que a prova há- de ser apreciada.
Este princípio da livre apreciação da prova é válido em todas as fases processuais, mas é no julgamento que assume particular relevo. Não que se trate de prova arbitrária, no sentido de o juiz decidir conforme assim o desejar, ultrapassando as provas produzidas, A convicção do juiz não deverá ser puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Tal decorre do art.º 374.º, nº 2 do CPP, o qual determina que a sentença deverá conter “uma exposição tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”.
Mas a decisão do juiz há de ser sempre uma “convicção pessoal”- até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais “- Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, vol. I, ed. 1974, pág. 204).
Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade.
A oralidade é condição indispensável para a atuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”. E concluía aquele Professor, citando Chiovenda, que “ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre apreciação da prova é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar”.
O art. 127.º do CPP indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Assim, a exposição tanto possível completa sobre os critérios lógicos que constituíram o substrato racional da decisão- art.º 374.º, n.º 2 do Código Processo Penal - não pode colidir com as regras da experiência.
Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.
Os juízos dados como assentes na decisão recorrida asseveram-se como plenamente legítimos face ao conteúdo do princípio da livre apreciação da prova.
A versão dada com provada é plausível e não contraria as leis da lógica.
Os aspetos para que o recorrente chama a atenção e referenciados do registo de prova, nos termos do disposto no ar.º 412.º, ns. 3 e 4 do CPP não são de molde a imporem uma decisão diversa da recorrida. (...)”. (sublinhado nosso).
De facto, os registos de prova indicados pelo recorrente, não são completos, e apenas foram transcritos os excertos desses depoimentos que melhor indiciam a versão do acidente sustentada pelo recorrente na sua contestação.
Em última análise o que existe é um total desacordo no que concerne à matéria dada como provada, pois a mesma não é conforme à versão dos factos apresentada pelos recorrentes.
Contudo e da fundamentação da convicção do Tribunal, verifica-se que a Mm.ª Juiz teve em consideração o depoimento do arguido/recorrente, das testemunhas e dos relatórios, bem como os documentos dos autos, que exaustivamente enunciou, apreciando-os e analisando-os criticamente na sua motivação, sendo perfeitamente percetível e compreensível a sua lógica de raciocínio que justifica a sua convicção.
E foi com base em todos os factos, constantes da acusação, pedido cível, da contestação cível e dos que resultaram da própria discussão da causa que se proferiu a decisão de facto e de direito, e da matéria fáctica dada como provada não se descortina que a mesma seja, por qualquer forma, insuficiente para a prolação da decisão de direito, nem que tal decisão não esteja devidamente fundamentada, devendo pois a mesma ser mantida.
Relativamente os factos não provados vertidos nas alíneas l), m), n), o), p), q), r), t), u), v) e w) das matéria de facto não provada.
Pelas razões supra apresentadas deverão manter- se como não provados os factos n), q), r), t, v)e w).
No que diz respeito ao ponto l).
Ouvida a prova, nomeadamente o arguido e assistente, resulta que ambos coincidem que a velocidade do automóvel era pelo menos inferior a 60Km/h, não se podendo concluir, contudo que fosse inferior a 50Km/h, pelo que deve manter-se não provado.
Quanto ao ponto m), ouvida a mesma prova, o próprio assistente admitiu que ia a velocidade entre os 60/65Km/h, pelo que este ponto deve ser considerado como provado com ponto 97).
Quanto ao ponto o), ambos também coincidem que o arguido reduziu a velocidade para fazer a manobra de mudança de direção, pelo que este facto deve ser dado como provado sob o ponto 98).
O mesmo se refira ao ponto p) o qual deve passar a 99) dos factos provados.
Finalmente quanto ao ponto u), trata-se de uma evidência e até decorre do ponto 6, pelo que deve se dado como provado como ponto 100).

Violação dos princípios nulla poena sine crimine e in dubio pro reo.
Da alegada violação do princípio do “in dubio pro reo.
Parafraseando, com a devida vénia, por não sabermos escrever melhor, o doutamente decidido no Ac. da RP. de 21-02-2018, processo 347/10.8PJPRT.P1, consultável in www.dgsi.pt “…O princípio da presunção de inocência (que tem consagração constitucional no artigo 32.º, n.º 2, da CRP) é um princípio fundamental num Estado de Direito democrático, cuja função é, sobretudo (mas não só), a de reger a valoração da prova pela autoridade judiciária, ou seja, o processo de formação da convicção com base nos meios de prova.
A presunção de inocência é uma garantia subjectiva ou, como preferem alguns autores, um direito subjectivo público.
Visando o processo penal apurar se, no caso concreto, estão verificados os pressupostos para que o Estado exerça o seu jus puniendi através da aplicação de uma sanção penal, o princípio da presunção de inocência garante que a condenação só será proferida se e quando se fizer prova inequívoca, através de meios legalmente admissíveis e válidos, de que o acusado praticou os factos que lhe são imputados. Na falta dessa prova inequívoca, o acusado deve ser absolvido.
O princípio projecta-se em vários planos, de que importa destacar os seguintes:
- o arguido, enquanto não for condenado por sentença transitada em julgado, presume-se inocente e por isso tem direito a ser tratado e considerado como tal em quaisquer situações jurídicas;
- sendo um princípio que rege a apreciação e valoração da prova, isto é, o processo de formação da convicção do tribunal, o resultado do processo probatório há-de ser uma certeza bastante de que o arguido praticou os factos de que está acusado, pois é sobre quem acusa que recai o encargo de provar a acusação (e só neste sentido se poderá falar em ónus material de prova).
Porque na dúvida sobre a culpa do arguido (um non liquet em matéria de prova dos factos) se impõe a sua absolvição, o princípio da presunção de inocência é identificado por alguns autores com o princípio in dubio pro reo.
No entanto, Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário…”, 52) entende que “o princípio in dubio pro reo decorre do princípio da culpa e, em última instância, do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP). Ele complementa o p. da presunção de inocência, mas não se confunde com este. Numa das suas vertentes, o p. da presunção de inocência rege o processo de formação da convicção, estabelecendo regras para a valoração da prova.
Ao invés, o princípio do in dubio pro reo dispõe que, finda a valoração da prova, a dúvida insanável sobre os factos deve favorecer o arguido. Isto é, o princípio do in dubio pro reo só intervém depois de concluída a tarefa da valoração da prova e quando o resultado da valoração da prova não é conclusivo.
O princípio do in dubio pro reo não é, pois, um princípio de direito probatório, mas uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos”.
O mesmo autor defende que o princípio (do in dubio pro reo) só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos, não vale para dúvidas sobre a interpretação do sentido da lei ou sobre a subsunção de um facto à lei.
Sendo uma das projecções do p. da presunção de inocência a de que rege a apreciação e valoração da prova, ele constitui um limite ao exercício do poder de livre apreciação da prova.
Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário…”, 329-330) aponta limites endógenos ao exercício desse poder (o grau de convicção requerido para a decisão, a proibição de meios de prova e a observância do princípio da presunção de inocência) e um limite exógeno (a observância do princípio in dubio pro reo).
Mas é geralmente aceite que entre o princípio da livre apreciação da prova e o princípio basilar da presunção de inocência, de que o “in dubio pro reo” é uma das suas várias dimensões, existe uma estreita conexão.
Como bem faz notar Cristina Líbano Monteiro (“Perigosidade de Inimputáveis e In Dubio Pro Reo”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1997, pág. 53), o princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, encontra no “in dubio pro reo” o seu limite normativo e “livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca de razoabilidade ou da racionalidade objectiva”.
Em suma, o princípio do “in dubio pro reo” é uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Um non liquet sobre um facto da acusação recai materialmente sobre o Ministério Público (sobre o assistente, quando se trate de um crime particular) enquanto titular da acção penal, pois que sobre o arguido não impende qualquer dever de colaboração na descoberta da verdade.
Mas, se não tem qualquer dever de dizer a verdade, também não tem o direito de mentir. Se o arguido não quer contar (toda ou parte da) a verdade, deve remeter-se ao silêncio (assim, o acórdão do TC n.º 172/92, www.tribunalconstitucional.pt). Acentuando que a circunstância de o arguido faltar à verdade sobre os factos que lhe são imputados não implica para ele qualquer punição, mas negando o direito de mentir, G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. I, 6.ª edição, Verbo, 315.)
Assim, um primeiro aspecto cumpre realçar: o in dubio pro reo só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objectivos ou subjectivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa.
O segundo aspecto a assinalar é o de que não é qualquer dúvida que há-de levar o tribunal a decidir “pro reo”. Tem de ser uma dúvida razoável, objectiva, que impeça a convicção do tribunal.
Não é razoável, porque meramente subjectiva, a dúvida que brota como efeito de uma consciência indefinidamente hesitante ou exasperadamente escrupulosa, ou até de um deficiente estudo do material probatório.
O terceiro ponto que se nos afigura curial aqui pôr em relevo é o seguinte: não se trata aqui de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido devia ter tido, pois o “in dubio” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas (negrito de nossa responsabilidade). Ou seja, o princípio “in dúbio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto (negrito de nossa responsabilidade).
Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à decisão condenatória, e não tendo esse juízo factual por fundamento uma inversão do ónus da prova (inversão constitucionalmente proibida por força da presunção de inocência), antes resultando do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, subordinadas ao princípio do contraditório (art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República), fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência (acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj). (…)”.
Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira (“Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, 519), “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”.
Assim, também, o acórdão do STJ de 11.07.2007 (www.dgsi.pt), onde se pode ler: “o princípio in dubio pro reo representa a outra face do princípio da livre apreciação da prova; configura um limite normativo a este princípio ante uma dúvida positiva e racional que impeça um juízo de certeza condenatória – o qual não exclui a possibilidade de as coisas se passarem num dado sentido, mas não afasta a consistente hipótese do contrário –, ou seja, se a prova é insuficiente ou contraditória vale o princípio in dubio pro reo.

Descendo ao caso dos autos constatamos que em momento algum o Tribunal “a quo” teve qualquer dúvida, mínima que fosse, de que o arguido foi o autor dos crimes em que foi condenado.
Assim, e tal como aconteceu na situação relatada no suprarreferido douto Acórdão do Tribunal de Relação do Porto, com o qual concordamos, também aqui “…inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à decisão condenatória, e não tendo esse juízo factual por fundamento uma inversão do ónus da prova (inversão constitucionalmente proibida por força da presunção de inocência), antes resultando do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, subordinadas ao princípio do contraditório (art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República), fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência….”.
Consequentemente se o tribunal não teve a mínima dúvida e considerou a existência de factos integradores da prática de crime, também não foi violado qualquer outro princípio, nomeadamente nulla poena sine crimine.
Do exposto resulta que não ocorreu a alegada violação do princípio do “in dubio pro reo” pelo que improcedente tal fundamento de recurso.
Improcedem, pois os recursos da matéria fáctica do arguido e parte da demandada D…, sendo que a alteração ocorrida em nada influi sobre as conclusões extraídas do dinâmica do acidente.

Recurso da matéria cível.
No seguimento, julgou-se parcialmente procedente, por provado na mesma medida, o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/demandante e, consequentemente, condenar a demandada D… – Companhia de Seguros, S.A. a pagar-lhe:
a) a quantia de € 20.000 (vinte mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento;
b) a quantia de € 32.500 (trinta e dois mil e quinhentos euros),a título de indemnização perda da capacidade de ganho, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento;
c) a quantia de€ 9.736,75 (nove mil, setecentos e trinta e seis euros e setenta e cinco cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal de 4%, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento;
d) o valor das despesas de deslocação referidas em 69) dos factos provados, na proporção da 50%, cuja determinação se relega para liquidação;2.5-os tratamentos, mormente fisioterapia, medicamentos, cirurgias, próteses sua colocação, decorrentes das lesões e sequelas sofridas pela demandante no acidente, na proporção da 50%, cuja determinação se relega para liquidação.

D… contesta a repartição da concorrência de culpas.
Também o assistente C… o fez no seu recurso.
Esta questão será apreciada em conjunto.
Diz a D… que a repartição deveria ser na proporção de 90% para o assistente, condutor do motociclo e de 10% para o arguido, dada a culpa diminuta do arguido e o facto de o assistente ter violado duas regras estradais: proibição de ultrapassagem imediatamente antes e nos entroncamentos e a proibição de transposição de linha contínua divisórias das vias de trânsito.
Por sua vez o assistente refere que a proporção deveria ter sido de 30% para o demandante e de 70% para o arguido e não de 50% para cada um deles como entendeu o tribunal a quo.
Alega para o efeito que o maior grau de culpa está do lado co condutor do automóvel, porquanto Ao agir como descrito, ou seja, ao efectuar uma manobra de mudança de direcção para a esquerda, sem sinalizar esta manobra e sem previamente se certificar que o fazia em segurança e sem perigo de colidir com os veículos que circulavam à sua retaguarda, o arguido violou o dever objectivo de cuidado, pelo que a sua actuação merece censura ético-jurídica.
E, parece-nos evidente que não houve qualquer certificação prévia por parte do arguido pois, como resulta do auto de inspeção ao local, diligência esta requerida pelo próprio, o mesmo dispunha de boa visibilidade para a sua frente e, acima de tudo, dispunha de mais de 120 metros de amplo campo de visão à sua retaguarda.
Essa circunstância, conjugada com as boas condições climatéricas, com a boa luminosidade existente e por se tratar de uma reta revela-nos, obviamente, que o arguido não se certificou que da realização da sua manobra não resultasse perigo ou embaraço para o trânsito, nomeadamente o de colisão com outros veículos.
Aliás, o facto de o arguido insistir ao longo do seu depoimento que não sabe de “onde veio a mota”, tendo em conta as circunstâncias do local e do tempo, só revela que o mesmo não se certificou, como devia, da circulação do motociclo na sua retaguarda.
O quadro fáctico apurado, relativo à etiologia do acidente e respectiva dinâmica, permite-nos concluir que, apesar do motociclo ter iniciado uma manobra de ultrapassagem, e a entender-se assim, no momento em que se dá o embate, o veículo conduzido pelo arguido iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda, sem a sinalizar, ocupando parte da faixa de rodagem do sentido contrário (o que teria que ocorrer necessariamente, tanto mais que o arguido assume que, para o ultrapassar, o motociclista já teria de estar na faixa contrária e, não menos importante, reconhece que ao chegar ao entroncamento já estaria encostado ao eixo da via, sendo certo que até já poderia ter pisado ou até mesmo ultrapassado/avançado a linha separadora), impossibilitando assim o demandante de qualquer possibilidade de efetuar uma manobra de evasão ou desvio de direção de último recurso que pudesse evitasse o embate, o que acabou por acontecer.

Vejamos.
A responsabilidade civil por atos ilícitos depende da verificação dos seguintes pressupostos: facto voluntário, ilicitude, culpa ou nexo de imputação do facto ao lesante, dano, nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. art.º 483.º do Código Civil).
Logo, havendo culpa de ambos os condutores, cada um deles responderá pelos danos correspondentes ao facto que praticou (cfr. art. 483.º, n.º 1, do Código Civil).
Como refere Antunes Varela (in Das Obrigações em geral, Vol. I, 8.ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 695) como «à culpa de cada um dos condutores corresponde a culpa de cada um dos lesados, a respectiva indemnização terá de ser fixada nos termos do art. 570.º do Código Civil».
Assim, decorre do disposto no art. 570.º, n.º 1, do Código Civil que «quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.»
No exercício destinado à graduação das culpas há que ponderar o grau de censurabilidade do comportamento dos agentes na realização das respetivas manobras, devendo para o efeito atender-se ao grau de ilicitude de cada uma das ações e aos deveres especiais de cuidado que na situação se impunham a cada agente.
A Sentença entendeu que “Mudar de direcção é tomar uma via confluente daquela em que se segue e o condutor deve fazer o sinal regulamentar com a necessária antecipação, bem visível e significativo, de modo deixar dúvidas sobre a sua intenção aos restantes utentes da estrada, aproximar-se do eixo da via e realizar a manobra e sentido perpendicular aquele em que seguia.”
“Em caso algum deve iniciar tal manobra sem previamente assegurar que da sua realização não resulta perigo ou embaraço para o trânsito (artº 20°; 35° e 44° do CE)".
(cfr. também o Ac Rel. Évora de 18-09-2008, igualmente acessível através de http://www.dgsi.pt).”

No que à ilicitude diz respeito (na versão de violação de normas), não restam dúvidas de que o condutor do motociclo LO-..-.. violou diversas regras estradais, nomeadamente, a proibição de ultrapassagem imediatamente antes e nos entroncamentos (artigo 41º, nº 1, al. c) do Código da Estrada), e a proibição de transposição da linha contínua divisória das vias de trânsito, regras que têm como escopo evitar este tipo de acidentes.
Relativamente os especiais deveres de cuidado, há que atender desde logo, e na esteira do que foi decidido por este tribunal no seu acórdão de 10.11.2011, que “é ao condutor que vai na esteira de um outro veículo que compete observar o que o condutor deste último vai fazer, desde que dê indicação da manobra que se propõe efetuar”.
Acresce que o Código da Estrada determina que o condutor que pretenda fazer uma ultrapassagem tome especiais cautelas e procedimentos, designadamente, sinalizar a manobra (artigos 21º, nº 1 e 22º), certificar-se de que o pode fazer sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido (artigo 38º, nº 1), e que a faixa de rodagem se encontre livre em toda a sua extensão (artigo 38º, nº 2, al. a), e que a Marca M1 do Regulamente da Sinalização do Trânsito significa para o condutor a proibição de a pisar ou transpor e, bem assim, o dever de transitar à sua direita sempre que fizer a separação de sentidos de trânsito, como é o caso dos autos.
Por sua vez, e resumidamente, o arguido quando conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca SEAT, modelo …, matrícula, matrícula ..-..-CF na Estrada Nacional .., ao Km 45,700 no sentido de trânsito …-…, em …, Lousada, efetuou uma manobra de mudança de direção para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, para a Rua …, sem sinalizar esta manobra e sem previamente se certificar, que o fazia em segurança e sem perigo de colidir com os veículos que circulavam à sua retaguarda.
Nessa altura, desconhecendo que o veículo conduzido pelo arguido iria efetuar uma manobra de mudança de direção à esquerda, o demandante, que conduzia o motociclo de marca Honda, modelo …, matrícula LO-..-.., na mesma via e sentido de trânsito, imediatamente atrás do veículo conduzido pelo arguido, iniciou uma manobra de ultrapassagem do veículo conduzido pelo arguido que seguia à sua frente, sendo que por força disso, o veículo conduzido pelo arguido veio a embater com a sua parte lateral esquerda na parte lateral direita do motociclo.
Ao agir como descrito, ou seja, ao efetuar uma manobra de mudança de direção para a esquerda, sem sinalizar esta manobra e sem previamente se certificar que o fazia em segurança e sem perigo de colidir com os veículos que circulavam à sua retaguarda, o arguido violou o dever objetivo de cuidado, pelo que a sua atuação merece censura ético-jurídica.
Ainda relativamente à culpa, há ainda que ter presente um princípio geral adotado pela nossa melhor jurisprudência que é o princípio da confiança que os condutores devem depositar uns nos outros no que se refere ao respeito e cumprimento nas regras do Código da Estrada. Desse princípio resultam duas consequências: a primeira é que “os condutores de veículos automóveis não têm que prever a imprevidência alheia” (Ac. do STJ de 06.11.2008, Proc. 08B3313); a segunda é que “não pode um condutor ser responsabilizado por não se ter apercebido da infração cometida por outro condutor” (Ac. TRG de 10.11.2011, Proc. 8597/07.8TBBRG.G1).
Citando a doutrina vertida na douta Sentença, a qual já havia sido avaliada até na fase instrutória, “Não falta quem, nestas circunstâncias, reparta a culpa, mais ou menos irmãmente, pelos dois condutores; todavia, com razão se observa que o condutor que vira para a esquerda é normalmente o único que poderá evitar o acidente - se olhar para trás (ou para o retrovisor) imediatamente antes de virar (Cfr. Eurico Heitor Consciência, Sobre Acidentes de Viação e Seguro Automóvel, 2.ª ed., 2002, p. 132-133).”
Assim, “A culpa pela eclosão do acidente caberá, segundo esta orientação, a quem teve the last clear chance de o evitar”, “corrigindo assim com um ingrediente de sentido ético-pragmático o rigor naturalístico da pura proximidade (temporal) da causa" (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., p. 886).”
E, têm sido acolhidos pela Jurisprudência e Doutrina, como princípios normativos orientadores da delimitação subjectiva da responsabilidade, o critério temporal e o princípio de confiança que deve presidir à circulação rodoviária.
Pelo que, “Nesta ordem de ideias, segundo aquele critério, o conflito entre a ultrapassagem e a manobra de mudança de direcção deverá ser resolvido a favor do primeiro que iniciou uma dessas manobras. A este propósito escreveu-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 13-11-2007 (texto acessível na Internet, através de http://www.dgsi.pt):
O Tribunal a quo adotou a posição de restringir esta regra aos casos em que a ultrapassagem é permitida no local pois, caso seja proibida, e sem prejuízo da culpa do condutor que muda de direção para esquerda com inobservância das regras estradais, a infração rodoviária de quem ultrapassa onde não deve não pode deixar de relevar no contexto da distribuição de responsabilidades entre os intervenientes, afastando a exclusividade da culpa do condutor que muda de direção.
Refere a decisão a quo “Mudar de direcção é tomar uma via confluente daquela em que se segue e o condutor deve fazer o sinal regulamentar com a necessária antecipação, bem visível e significativo, de modo deixar dúvidas sobre a sua intenção aos restantes utentes da estrada, aproximar-se do eixo da via e realizar a manobra e sentido perpendicular aquele em que seguia.
Em caso algum deve iniciar tal manobra sem previamente assegurar que da sua realização não resulta perigo ou embaraço para o trânsito (artº 20°; 35° e 44° do CE)". (cfr. também o Ac Rel. Évora de 18-09-2008, igualmente acessível através de http://www.dgsi.pt).
Poderá sustentar-se que a proibição de ultrapassar imediatamente antes e nos entroncamentos se justifica pela necessidade de prevenir acidentes entre veículos que nele se apresentem por uma das vias e pretendam seguir por outra veículos que por esta circulem.
(…)
Esta perspectiva peca por restringir a finalidade de proibição de ultrapassagem nos entroncamentos à prevenção de acidentes entre veículos que neles se apresentem por uma das vias para seguir por uma das outras que aí entroncam, como se o condutor que muda de direcção à esquerda também não se "apresentasse" no entroncamento para seguir por uma das outras vias ...
A razão é diversa: os entroncamentos, como os cruzamentos e, de modo geral, qualquer zona de intersecção de vias, são espaços de risco acrescido de acidente, razão pela qual se proíbem aí as manobras de condução normalmente propiciadoras desses riscos.
Como já entendeu o STJ, “a razão de ser de tal proibição radica na possibilidade de inopinadamente surgir da ou da vias que cruzam ou entroncam outros veículos, o que poria em perigo manifesto uma manobra delicada como a ultrapassagem", abrangendo a ratio da proibição em causa "ainda todas as situações que ponham em causa a segurança; daí que nela se inclua a necessidade de evitar que, com o aproximar do cruzamento ou do entroncamento, o veículo ultrapassando pretenda mudar de direcção para a esquerda podendo dar-se o embate com o veículo ultrapassante" (cfr. Ac STJ de 21-1 2010, Revista n.º 4487/04.4TBSTB.E1.S1 - 2.° Secção, Rel. João Bernardo).
Já atrás se referiu a opinião do Dr. Oliveira Matos que, nestas circunstâncias, aliás replicadas no caso sub judicio, a culpa seria exclusiva do condutor que, irregularmente, muda de direcção para a esquerda.
Concordamos mas, com todo o respeito, ousamos restingir esta regra aos casos em que a ultrapassagem é permitida no local; caso seja proibida, e sem prejuízo da culpa do condutor que muda de direcção para esquerda com inobservância dos preceito estradais atinentes, a infracção estradal de quem ultrapassa onde não deve não pode deixar de relevar no contexto da distribuição de responsabilidades entre os intervenientes, afastando a exclusividade da culpa do condutor que muda de direcção.
No caso em apreço, está indiciado que o arguido,sem se certificar previamente da segurança da manobra, iniciou a mudança de direcção para a esquerda inesperadamente e sem qualquer sinalização prévia; indiciado também ficou que o condutor do motociclo, que circulava atrás do veículo ligeiro, e porque aquele não sinalizou qualquer manobra, terá encetado manobra de ultrapassagem, diz o mesmo, para tentar evitar a colisão, o que não logrou conseguir.
Logo, mudou de direcção para a esquerda no momento em que estava a ser ultrapassado, violando, desde logo, o dever geral de cuidado que lhe impunha certificar-se previamente da segurança de tal manobra e abster-se de a efectuar se da mesma resultasse o perigo de acidente; significa isto que o referido critério temporal permite imputar-lhe responsabilidade pela eclosão do acidente; a obrigação de certificação prévia da segurança da manobra parece consagrar o dever de aproveitamento da última oportunidade (the last clear chance ...) de evitar o acidente.
Poderemos, assim, formular o princípio normativo geral de que se a proibição de ultrapassagem imediatamente antes e nos entroncamentos visa prevenir acidentes entre veículos na zona de intersecção de vias, a responsabilidade fundada na culpa por qualquer colisão de veículos que aí se verifique não pode deixar de ser assacada ao condutor que aí realiza a manobra de ultrapassagem, sem prejuízo da culpa do outro interveniente.
Isto porque, como se escreveu no sumário do Ac. STJ de 21-10-2010, "podendo e devendo o (...) condutor do veículo ultrapassante ter previsto a possibilidade de o réu, condutor do veículo ultrapassado efectuar a manobra de mudança de direcção para a esquerda no entroncamento por onde circulavam, como acabou por executar, ainda que de modo inesperado, sem qualquer sinalização e sem que a faixa que atravessou estivesse livre, dando-se então o embate entre os veículos, deve concluir-se que ambos os condutores contribuíram para o sinistro”.
Considerando a proibição de ultrapassagem nos entroncamentos consagrada no cit. art.º 41.º, n.º 1, al. c), do Código da Estrada, não podemos deixar de concordar com esta posição, que seguimos quanto ao caso dos autos.
É para nós certo que o arguido violou o dever geral de cuidado porque não sinalizou que pretendia mudar de direcção para a esquerda e não se certificou previamente de que podia efectuar tal manobra com segurança (sem causar perigo ou embaraço no trânsito) e, por tais razões, não se apercebeu de que da realização de tal manobra resultava o perigo, que se concretizou, de embater no assistente (que realizava a manobra de ultrapassagem).
O arguido omitiu, pois, as cautelas que lhe eram exigíveis para uma condução segura e com respeito pelos demais usuários da via.
Mas não podemos deixar de assinalar que o assistente violou também o dever de cuidado. Na verdade, o assistente devia ter previsto (dada a razão de ser da proibição de ultrapassagem num entroncamento) a possibilidade de o arguido, condutor do veículo que ultrapassava, efectuar, como efectivamente efectuou, a manobra de mudança de direcção para a esquerda no entroncamento por onde circulavam.
O comportamento do assistente contribuiu, assim, para a causação do sinistro.
Contudo, o resultado – ofensa à integridade física - não pode deixar de ser imputado à conduta do arguido, já que ao não cumprir as referidas regras estradais (de não sinalizar a manobra de mudança de direcção e não realizar a mesma manobra sem previamente se certificar de que o fazia em segurança e sem perigo de colidir com os veículos que circulavam à sua rectaguarda) criou e incrementou o risco de produção desse resultado concreto, que se veio a verificar.
Podemos então concluir que estamos perante um caso de causalidade cumulativa pois cada uma das acções (do arguido e do assistente), embora não seja causa única de produção do resultado, incrementou o risco dessa produção (é a chamada teoria da conexão do risco, ou teoria do incremento do risco)2.
Para esta teoria, haverá imputação objectiva do resultado à conduta do agente quando este, com a sua ação, tenha criado um risco não permitido, ou tenha aumentado um risco já existente, e que esse risco tenha conduzido à produção do resultado concreto, que foi precisamente o que sucedeu no caso dos autos.”

Esta Relação subscreve por inteiro e por estas razões foi acertada a decisão de repartir a culpa em 50% para cada um, que assim se deve manter.
Improcedem nesta parte os recursos.

Recurso da D…- Impugnação dos montantes indemnizatórios.

Da compensação dos danos não patrimoniais.

Alega que a 1ª instância arbitrou ao demandante a quantia de € 40.000,00 como compensação dos seus danos não patrimoniais, indo até além do que lhe foi solicitado pelo demandante a esse título.
A recorrente considera que esse valor é excessivo, pois fixa-se muito acima dos valores atribuídos pelos tribunais superiores em casos similares.
Vejamos.

O quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser, não irrelevante ou simbólico, mas significativo, visando propiciar compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais atualizados.
Os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496º nº 1 do CCivil).

Estes destinam-se a permitir que, com essa quantia monetária, o lesado encontre compensação para a dor, a fim de restabelecer um desequilíbrio no âmbito da felicidade humana, o que impõe que o seu montante deva ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, conforme assente entre nós “as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida”, em conformidade com o preceituado no nº 3 daquele art. 496º do CCivil.
Para balizar essa operação existem indicações sistemáticas que são essenciais.
Os primeiros decorrem do art. 494º, do CC., que se limita a enunciar: o montante dos danos causados; as circunstâncias do caso concreto; o grau de culpabilidade do agente e a situação económica do lesado, que no caso não revela.
Importante será também os casos análogos nacionais por forma a ser obtida uma aplicação o mais uniforme possível do direito. Com efeito, o artigo 8.º do CC impõe, que se tenha em consideração, nas decisões a proferir, todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Depois, notem-se os seguintes casos análogos:
• Ac da RE de3.11.2016, 718/12.5T2STC.E1 (Manuel Bargado). Considerando a idade do autor, a natureza das lesões sofridas, os períodos de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica com tendência a agravar-se com a idade, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo atropelante sem qualquer parcela de responsabilidade do autor, tem-se por justificada e equitativa uma compensação pelo danos não patrimoniais no montante de € 20.000,00.

• Ac do TRC de 22.11.2019, nº 342/17.6T8CBR.C1 (MOREIRA DO CARMO) No que respeita ao dano moral, provando-se que a A. ficou curada em cerca de 400 dias, sendo de 35 dias o período de défice funcional temporário total, que a mesma sofreu um quantum doloris médio de grau 4/7 e dano estético de grau médio-baixo de 2/7, além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável de 7 pontos, bem como repercussão permanente nas actividades de lazer de grau médio de 4/7, ponderando tais elementos (…), considera-se justo e équo a indemnização no valor de 20.000 €.

• Ac do TRG de 30.5.2019, nº1760/16.2T8VCT.G1, MARGARIDA SOUSA (desceu a indemnização de 20 mil para 15 mil num caso em que a cura das lesões demandou um longo período de tempo (205 dias no total), com imobilização do membro superior esquerdo durante um período de seis semanas e a inerente alteração da sua vida pessoal, familiar e profissional, sendo o período de repercussão temporária na atividade profissional total de 150 dias, que o quantum doloris se situou acima da média (4 numa escala de 0 a 7), que as dores e as dificuldades acrescidas na realização das tarefas quotidianas (traduzidas no défice funcional de 4 pontos) o acompanharão ao longo de toda a sua vida, bem como, que o Autor ficou a padecer de um dano estético permanente fixável no grau 2.
• Ac do STJ de 20.11.2014, nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1 (Teresa Beleza) fixou em € 10.000,00 os demais danos não patrimoniais – dor, submissão a exames médicos, insónias e pesadelos durante um ano num lesado que sofreu além de traumatismo craneano e do punho esquerdo, traumatismo do joelho esquerdo, e tendo sido em exame posterior detectado lesão traumática da rótula esquerda, com rotura dos ligamentos, laxidão meniscal e rasgadura capsular, estas lesões têm de ser consideradas consequência do acidente. Foi fixado um quantum doloris de grau 3, e uma incapacidade permanente geral de 10 pontos devido ao stress pós traumático resultante do atropelamento, criando ansiedade e medo quando tem de atravessar uma passadeira.

Ora, considerando que:
- o assistente sofreu lesões que tiveram e terão graves consequências na sua vida quotidiana;
- que foi submetido a duas intervenções cirúrgicas e esteve 42 dias internado em estabelecimento hospitalar;
- se submeteu a tratamentos, mormente de fisioterapia;
- esteve 372 dias de incapacidade para o trabalho e que durante e após o período de incapacidade sofreu e sofre dores;
- que lhe foi fixado um quantum doloris de grau 6 de uma escala de gravidade crescente de 7 graus;
- que ficou com o membro inferior esquerdo desfigurado, amiotrofia da coxa;
- que ficou com a perna mais curta;
- que terá de recorrer a ajudas técnicas (mormente próteses e palmilha);
- tem várias cicatrizes, (tendo o dano estético permanente sido fixado no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente);
- que viu afetada a sua vida social, as suas atividades de desporto e de lazer (sendo que a repercussão nestas atividades foi fixada no grau 4 num escala de 7 graus de gravidade crescente);
- que viu até a sua atividade sexual ficar afetada (a repercussão nesta âmbito foi fixada no grau 2);
- que ficou portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 11% que o limita nas suas atividades diárias não profissionais e o impede do exercício da atividade profissional habitual, uma vez que não apresenta força e destreza suficiente do membro inferior esquerdo.
- Teve infeção, ficou defeitos físicos, sente vergonha por coxear, apresenta marcha claudicante, sentiu e sente dores, sente-se triste e desconfortável com as cicatrizes, tem angústia, sentiu-se incapaz, reduziu o convívio com os amigos, sentiu abalo psicológico, vive com desgosto e baixa autoestima.
- que tinha 25 anos na data do acidente.
Considerando que pelos tribunais superiores em casos similares como são exemplo os seguintes acórdãos:
- “…o autor, à data do acidente, tinha 25 anos de idade e que em consequência do mesmo ficou em estado de coma, tendo sofrido lesões várias, como traumatismo crânio-encefálico grave, hematoma epidural occipital direito, parésia do VI par craniano direito, lesão axonal grave na coxa, distal à direita e próxima à esquerda desta, fractura do acetábulo esquerdo e fractura da bacia, as quais determinaram o seu internamento e a sujeição a uma intervenção cirúrgica e a tratamentos diversos, fazendo com que passasse a ter problemas de visão, sensoriais (olfacto e paladar) e ortopédicos, e a esquecer-se dos recados que lhe dão, das obrigações que tem de cumprir e a olvidar factos do passado, deve concluir-se que a quantia de € 20 000 é ajustada e equitativa para a reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor. 17-06-2010 - Revista n.º 1433/04.9TBFAR.E1.S1 - 2.ª Secção – Oliveira Vasconcelos (Relator), Serra Baptista e Álvaro Rodrigues”
- “…à data do acidente tinha 42 anos de idade e era uma pessoa saudável, sentindo-se agora frustrado, desgostoso e diminuído; sofreu fractura do terço médio distal da tíbia e perónio da perna esquerda, o que implicou o recurso a quatro intervenções cirúrgicas, num período de cerca de 22 meses, ficando a padecer de edema vespertino do terço inferior da perna esquerda acompanhada de dor e desvio da perna e do apoio do pé em varo; ficou a padecer de uma IPP de 7%, acrescida de mais 5% a título de dano futuro, e de um quantum doloris, correspondente ao sofrimento físico e psíquico vivido pelo sinistrado durante o período de incapacidade temporária, fixável no grau 6 numa escala de 7 graus; o dano estético é fixável no grau 4 da mesma escala; julga-se conforme à equidade fixar a compensação dos danos não patrimoniais em € 25.000.”
Afigura-se assim que a indemnização devida para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado foi algo excessiva fixando-a em € 30.000,00 valor que se mostra equitativo e de acordo com o que vem sendo arbitrado em situações aproximadas.

Indemnização pela privação do uso do veículo.
Alega a D… Relativamente a esta matéria, vem provado apenas que “o ofendido usava com frequência aquele motociclo, o que lhe dava prazer” e que “em virtude do acidente, o ofendido viu-se impedido de usar o motociclo até à presente data, mais precisamente durante o período de 1184 dias”.
Não vem alegado, nem foi provado, que necessidades é que o demandante deixou de satisfazer por não utilizar o motociclo nem que perturbações na sua vida isso lhe causou. O mesmo refere apenas que o usava, não constantemente, mas apenas com alguma frequência, e que disso retirava prazer.
Por outro lado, foi fixada uma indemnização ao demandante por utilização de viatura própria para deslocações para tratamentos ao longo dos anos de 2015 e 2016 (artigo 69º da matéria de facto provada), o que significa que era titular de outro veículo que foi por si utilizado para as suas necessidades de deslocação.
Em presença de todos estes factos, a douta sentença decidiu atribuir ao demandante uma indemnização de € 7,50 por cada dia de privação de uso do motociclo o que se mostra inaceitável, pois o demandante não logrou provar ter suportado qualquer dano decorrente da falta de uso do motociclo, sendo certo que a indemnização visa o ressarcimento de um dano.
Sem prescindir, dir-se-á ainda que o valor de € 7,50 arbitrado é manifestamente excessivo, pois que esse valor vem sendo fixado para ressarcimento da privação de uso de veículos em situações de necessidade diária de deslocações para o trabalho e de gestão das deslocações dos núcleos familiares devidamente comprovadas. No caso concreto, e caso essa indemnização fosse devida, o que não acontece, o valor equitativo a atribuir deveria corresponder a metade do que foi fixado pela douta sentença recorrida, ou seja € 3,75/dia.

Resultou da prova produzida que o assistente usava com frequência o motociclo e que isso também lhe dava prazer.
E resultou provado que o assistente viu-se impedido de usar o motociclo durante um período de 1184 dias e que o mesmo, à data do pedido de indemnização, ainda não se encontrava reparado e apto a circular.
O Tribunal a quo já reduziu em metade o quantitativo diário peticionado pelo assistente por se tratar de um motociclo e portanto com uma capacidade de utilização mais limitada do que um veículo automóvel.
Por sua vez, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto onde se decidiu fixar a quantia de dez euros por cada dia de paralisação do motociclo pela privação do seu uso quando mais não se prova do que uma utilização, pelo proprietário, nas suas deslocações pela cidade. - Ac. TRP, processo nº 1784/19.8T8PNF.P, datado de 08/10/2020 e cujo Relator é Filipe Caroço.
Quanto ao valor da privação de uso, conforme decidiu, por exemplo, o STJ, no acórdão de 5 de julho de 2007 (Dr. Santos Bernardino), disponível em www.dgsi.pt, a mera privação de uso do veículo é suscetível de fundar obrigação de indemnizar.
Há posições para todos os gostos, como é comum acontecer no mundo do Direito, mas entendemos que o dano da privação do veículo é ressarcível só por si desde que se prove que o mesmo era utilizado habitualmente pelo lesado.
A indemnização a fixar será por equidade, sendo que será menor se o lesado teve outro veículo que pode utilizar.
A este propósito neste acórdão da Relação de Lisboa de 11.12.2019, do Desemb Carlos Castelo Branco cujo sumário transcrevemos: I) A privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, um dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa.
II) A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem, todas as suas utilidades, constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação.
III) A privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efectivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº 3 do C.Civil para fixar o valor da respectiva indemnização.
IV) O dano ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a actividade (lucrativa, benemérita ou de simples lazer) a que o veículo estava afecto e o mesmo não se anula pela utilização de um outro veículo, o qual apenas proporciona a utilidade inerente à deslocação que, nele, é correspondentemente efectuada.
V) Se é certo que tal utilização não erradica o dano consistente na impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, ainda assim, tal utilização deverá, ser atendida na fixação do quantum indemnizatório, chegando-se à conclusão que tal montante será inferior face aos casos em que o sinistrado não tenha outro veículo com o qual possa suprir a utilidade decorrente da realização de viagens.
VI) À míngua de outros elementos, com recurso à equidade, afigura-se ser razoável atribuir ao autor o quantitativo de € 9,00 (nove euros) diário, desde a data do acidente, devendo a ré assumir a responsabilidade por esse dano que o autor sofreu, de privação do uso do veículo sinistrado, não integralmente compensado pela utilização de um outro veículo.”

Em face do exposto qualquer redução do valor de € 7,5 diários para indemnizar a privação do uso do motociclo traduzir-se-á num manifesto desequilíbrio, numa injustiça e é desadequado no caso concreto, pelo que tal valor deve manter-se.

Indemnização por perda de capacidade de ganho durante o período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho.

Alega a D… que não foram alegados factos donde possa ficcionar-se que o lesado pudesse entrar no mercado de trabalho, tenho apenas sido alegado: “Incapacidade Temporária Absoluta: 372 dias - € 7.812”, o que significa que a sentença violou o princípio do dispositivo previsto no artigo 5º do Código de Processo Civil pois invocou factos que não foram alegados e, por isso, também não foram objeto do contraditório por parte da demandada, o que torna a decisão nula (artigo 615º, nº a, al d) do Código de Processo Civil).
Assim sendo, deve ser revogada a decisão que condenou a recorrente a pagar ao recorrido a indemnização por virtual perda de capacidade de ganho durante o período da sua incapacidade absoluta para o trabalho.
O artigo 564º do Código Civil reporta-se aos danos de natureza patrimonial, isto é, aos que são suscetíveis de serem avaliados em dinheiro e nele são previstos vários “tipos” de prejuízos: os danos emergentes, que correspondem “ao prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão (A. Varela, op. citada, pág. 525), e ao lucro cessante e danos futuros, que abrangem os “benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito.” (idem).
Estes danos deverão ser reparáveis mediante a reconstituição da situação anterior à lesão ou pela atribuição de um valor pecuniário quando essa reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os prejuízos ou seja excessivamente onerosa para o lesante. Quando a indemnização for fixada em dinheiro, dever ter por valor a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente e aquela situação que teria caso não tivesse sofrido a lesão, reservando-se ainda o recurso à equidade apenas para os casos em que não seja possível determinar o valor exato dos danos (artigo 566º do Código Civil).
O tribunal a quo decidiu arbitrar ao demandante uma indemnização de € 7.737,50 para ressarcimento de danos patrimoniais decorrentes da “perda de capacidade de ganho durante o período de incapacidade absoluta para o trabalho”. Apesar de reconhecer que à data do acidente o demandante estava desempregado, ficcionou que poderia encontrar trabalho nos “tempos seguintes e passar a auferir o salário mínimo nacional.
Quando o reclamante da indemnização pela perda de capacidade aquisitiva futura se encontra desempregado, à data do acidente ajuizado, ter-se-á em conta como rendimento mensal a considerar, o salário mínimo nacional, tal como vem sendo decidido pela nossa jurisprudência.
De facto, a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores vem entendendo, e bem, que esta perda da capacidade de ganho que se pretende valorar, não depende da efetiva perda ou diminuição de remuneração por parte do lesado (por exemplo por ser menor, ou se encontrar desempregado, ou não exercer qualquer profissão remunerada), compreendendo antes este dano patrimonial uma ideia de frustração de utilidades futuras e de frustração de expectativas de aquisição de bens.
Logo, a indemnização arbitrada pelo douto Tribunal a quo não foi fixada com base em virtualidades, foi antes, e no mínimo, fixada com base num critério real, concreto, legal e jurisprudencial.
Relativamente ao dispositivo, não tem razão a recorrente já que a menção feita aos 372 dias e seu valor de €7.812,00, reporta-se aos factos alegados associados ao período de doença e convalescença, veja-se ponto 42 da P.I.
Bem andou o Tribunal a quo bem andou ao decidir fixar o montante indemnizatório pela perda da capacidade de ganho durante o período em que se encontrou em incapacidade temporária absoluta e nos termos em que o fez.

Indemnização por perda da capacidade de ganho.

Diz a D… No que respeita a esta matéria, o demandante do pedido de indemnização civil alegou apenas o seguinte:
“Incapacidade permanente parcial: Ainda, é evidente que o ofendido ficou com uma incapacidade permanente parcial, a qual implica esforços acrescidos, desde logo porque o ofendido vai coxear atá ao fim da sua vida, pelo que estes danos nunca devem ser indemnizados em quantia inferior a € 65.000,00”.
Também aqui, a douta sentença não se limita ao alegado pelo interessado na indemnização, indo muito mais longe na decisão sobre factos que não lhe foram trazidos pelas partes. Na verdade, suporta essa decisão, exclusivamente, no que vem referido no relatório da perícia médico legal, factos esses que não estão alegados, quer no momento da apresentação do pedido de indemnização civil, quer em momento posterior, nomeadamente, por uma qualquer ampliação da causa de pedir.
Ora, o artigo 5º do Código de Processo Civil consagra um princípio, nos termos do qual cabe ao autor o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, atribuindo assim às partes o exclusivo sobre os limites da causa de pedir, estando vedado ao juiz acrescentar factualidade essencial e com base nesses factos por si introduzidos no processo decidir a causa.
Reitera-se que o demandante, notificado do relatório pericial podia e devia ter vindo aos autos ampliar a causa de pedir inicial, trazendo ao processo, por sua iniciativa, a factualidade de que se quisesse aproveitar daquele relatório, mas não o fez, mantendo assim a causa de pedir inicial, cujos factos foram os únicos sujeitos ao contraditório por parte da recorrente.
A decisão que arbitrou ao demandante uma indemnização por “perda futura da sua capacidade de ganho” é, assim, nula, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, nulidade que deve ser declarada.
Sem prescindir, sempre se dirá que da perícia médico legal resulta que o demandante ficou afetado com um défice funcional e permanente de 11 pontos, e que as sequelas resultantes do acidente limitam de forma acentuada o exercício da sua profissão habitual de mecânico de motas, mas são compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional.
O demandante não ficou propriamente lesado por uma perda futura do seu rendimento pelo trabalho, mas de uma diminuição parcial somática e funcional, que o obriga a despender maior esforço na realização de tarefas laborais e da sua vida pessoal, o que constitui um dano biológico, indemnizável como dano patrimonial futuro.
A lei não prevê regras destinadas à fixação da indemnização pelo dano futuro, pelo que deve o julgador calcular a indemnização segundo critérios de equidade e atendendo aos valores arbitrados para casos similares, no respeito pelo princípio da uniformização do direito.

Relativamente ao princípio do dispositivo.
Cumpre dizer o seguinte:
A relação jurídica material, tal qual o demandante a apresentou no pedido de indemnização cível, funda-se na ocorrência do acidente de viação cuja responsabilidade imputa ao condutor do veículo segurado na demandada, no nexo de causalidade entre esse acidente e os danos por si sofridos; e, quanto a estes, concretamente do tipo de danos em causa.
Atente-se que o demandante alega danos irreversíveis e que o irão acompanhar até ao fim da sua vida o que, de resto, já resultava de toda a documentação clínica junta aos autos.
Assim, tendo o demandante alegado todos os factos/danos essenciais e principais dos quais decorre a peticionada indemnização pela perda da capacidade que alegou ter sofrido em consequência do acidente, com repercussão em toda a sua vida futura, o tribunal deve ter em conta para além da alegação explícita também a alegação implícita, isto é, todos os factos concretizadores da extensão do dano alegado pelo demandante quanto à repercussão do acidente na sua vida pessoal e profissional.
Analisado o teor da petição cível no título danos e não só são mencionadas as consequências futuras quanto à perda da capacidade de ganho, veja-se ponto 65, 67, 78, 82, 83, 84, 99, 100, 101, 102, 103.
E, sempre se dirá que, resultando da instrução da causa, tais factos devem ser considerados na decisão como complementares ou concretizadores dos factos essenciais principais alegados, porquanto se integram no objeto do litígio, integram o pedido e sustentam-se numa causa de pedir.
Convém salientar que a demandada e o arguido foram notificados da mencionada perícia e, conforme decorre da Ata de discussão e julgamento, datada de 16/10/2020, quer aquela quer aquele prescindiram de prazo para solicitar esclarecimento ou a realização de segunda perícia.
Portanto, o arguido e demandada conformaram-se a aceitaram o resultado da perícia realizada na pessoa do demandante.
Não obstante, trata-se duma situação em que, mercê da complexidade técnica da avaliação em causa, o legislador atribui a especialistas específicos nas respetivas áreas, o cálculo dos fatores determinantes para a posterior fixação pelo tribunal da indemnização justa e equitativa.
Ao tribunal incumbe retirar as devidas ilações de toda a matéria de facto provada, e tendo resultado provado todos os danos sofridos pelo demandante, quer os patrimoniais quer os não patrimoniais, bem andou o douto Tribunal a quo em considera-los.
Além disso, se no momento do pedido indemnizatório não forem conhecida a extensão das lesões e danos corporais, por não se conhecer ainda do resultado da perícia legal solicitada ao IML, nada impede que o julgador, atento os factos já alegados no pedido de indemnização e na acusação esteja em condições de apurar o quantum indemnizatório referente aos danos patrimoniais futuros, uma vez que foi entretanto junta aos autos o resultado daquela perícia e que a recorrente teve conhecimento, tendo oportunidade de exercer o seu direito do contraditório, o que não fez, como efetivamente terá ocorrido em audiência.
Não tem razão a recorrente quanto à alegada violação do dispositivo.

Alega ainda a demandada que embora com sequelas que limitam acentuadamente o exercício da sua profissão de mecânico, o demandante não ficou impedido de exercer outras profissões e o que terá havido uma diminuição parcial somática que o obriga a maiores esforços o que constitui dano biológico indemnizável como dano patrimonial futuro e não como perda futura do seu rendimento pelo trabalho, concluindo pela redução em cerca de metade do valor fixado.
Vejamos, o tribunal a quo a este respeito referiu que No que concerne à perda futura da sua capacidade de ganho, ficou provado, com relevo para esta questão, que as lesões sofridas pelo demandante traduzem-se num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11 pontos, sendo que as sequelas resultantes do acidente limitam de forma muito acentuada o exercício da actividade profissional habitual, mas são compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional.
No cálculo da indemnização pela perda futura da capacidade de ganho, deve ter-se em consideração, como tem vindo a entender a jurisprudência, o tempo provável da vida activa do lesado, os seus rendimentos anuais e a incapacidade sofrida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até ao fim desse período, defendendo alguns a utilização de tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a uma taxa de juros (neste sentido, entre outros, Acs. do STJ de 6-7-00, Col. Jur. 2000, II, 144 e da Relação de Coimbra de 4-5-1995, Col. Jur. 1995, II, 26).
Nesta conformidade, deve-se considerar uma idade de aproximadamente 70 anos como limite da vida activa e da capacidade de ganho do lesado.
Haverá que atender também a uma esperada melhoria das condições de vida no futuro, bem como um aumento de produtividade e de ganhos em função da progressão profissional e a esperança média de vida. Além disso, deve-se ponderar a incapacidade permanente de que o lesado ficou a padecer, que o irá inabilitar (parcialmente) não só para a sua vida profissional, mas também para todos os actos da vida principalmente para aqueles que demandem esforço físico.
Como se refere no Ac. do STJ de 01/12/2007, acima referido, as linhas vectoriais da jurisprudência reinante, em matéria de indemnização por IPP, assenta de forma bastante generalizada, nas seguintes ideias: a) o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), por forma a que seja possível determinar qual o capital necessário, produtor do rendimento, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida activa do lesado, proporcione à vítima o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou a compense pelo maior grau de esforço desenvolvido; b) a esse valor deve ser deduzido uma parte correspondente àquela que o lesado já despendia consigo próprio antes da lesão; c) é preciso ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras dá-nos porém um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um factor que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade. Daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa. Em termos de danos futuros previsíveis, a equidade terá a palavra decisiva, correctora, ponderando todos os factores atrás enunciados.- art. 566.º-3 do CC. Ao fazer intervir a equidade, não poderá ainda o Juiz de deixar de atender à natureza da responsabilidade (se ela é objectiva, se fundada na mera culpa, na culpa grave ou no dolo), à eventual concorrência de culpas, à situação económica do lesante e do lesado, e, por fim, às indemnizações jurisprudencialmente atribuídas em casos semelhantes.
No caso dos autos, ficou provado que o A. tinha 25 anos na data do acidente.
O A. estava desempregado mas era expectável que viesse a auferir mensalmente, pelo menos, o correspondente ao valor do salário mínimo nacional, que era em 2015 de € 505, o que equivale a um rendimento anual de, pelo menos, de € 7070.
Considerando a idade de reforma aos 70 anos, o rendimento anual de € 7070, a incapacidade de que o demandante é portador, a esperança média de vida actual, que se situa perto dos 80 anos para os homens (segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística), a possível melhoria das condições de vida do demandante, o aumento de produtividade e de ganhos profissionais, as repercussões negativas da incapacidade permanente nos actos da vida do demandante, principalmente para aqueles que demandem esforço da perna esquerda, e o facto de o demandante ainda poder exercer outra actividade profissional (que não a habitual), pensamos que o valor de € 65.000 peticionado a título de indemnização por este dano é adequado.
Assim sendo, fixo em € 65.000 a indemnização pela perda da capacidade de ganho futura do demandante.

Vejamos.
Conforme referido no processo nº 1477/18.3T8PVZ.P1, deste tribunal da Relação, o dano biológico foi criado na década de setenta do século passado pela jurisprudência Italiana, visando proteger alguns lesados que até então viam ameaçado o direito fundamental à saúde sem que houvesse uma resposta adequada à tutela dos seus interesses no campo da responsabilidade civil. Porque, nesse ordenamento, os danos não patrimoniais só poderiam ser ressarcidos nos casos tipificados na lei. Para evitar esse constrangimento legal e com o fundamento na “ampla tutela da saúde” esse dano passou a ser indemnizado a título de dano patrimonial, apesar de, não existir perda de qualquer vantagem económica.
No nosso ordenamento não existia ou existe qualquer limitação à indemnização de danos não patrimoniais (nos termos da cláusula geral do art. 496º, do CC), daí que a “importação” do conceito de dano biológico tenha sido aparentemente desnecessária, porque as situações para o qual foi criado já mereciam entre nós a tutela da ordem jurídica desde que se considerasse que o dano fosse “sério, e por isso ressarcível.
Mas, depois, da sua aplicação jurisprudencial, o dano biológico foi consagrado pelo legislador no Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro, e concretizada na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho, precisamente com natureza subsidiária para as situações em que existia um dano físico sem afetação da capacidade de ganho.
O dano biológico surge logo no preâmbulo, onde se prevê que “ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”.
O legislador reservou para o conceito de dano patrimonial futuro aquelas situações em que o lesado fique incapacitado para “prosseguir a sua profissão habitual ou qualquer outra”.
Daí que existam posições que incluem o dano biológico como uma realidade dos danos não patrimoniais; uma indemnização patrimonial ou um tertium generus autónomo.
Mas, face à sua transplantação para a ordem jurídica nacional parece mais correto enquadrar essa realidade como um dano evento que pode ser indemnizado no caso concreto em diferentes conceções, sendo em regra, quando não exista afetação da capacidade de ganho, de forma autónoma face aos diferentes danos não patrimoniais existentes.
Neste sentido a jurisprudência mais recente integra essa situação nos danos patrimoniais, admitindo porém que a influência no quadro dos danos não patrimoniais como dano-evento.
Consideramos, assim de acordo com a jurisprudência maioritária, que:
1. O dano biológico consiste na perda de capacidades físicas e intelectuais nos campos laboral, recreativo, social, sexual ou sentimental. Por isso é ressarcido enquanto dano patrimonial.
2. Quando não há perdas económicas imediatas provocadas pela lesão, o dano biológico é valorado na perda dos lucros que eventualmente o lesado irá ter no futuro (aqui reconduzido aos lucros cessantes);
3. Nos casos em que essas perdas não sejam previsíveis admite-se que o dano biológico seja apenas o esforço acrescido que o lesado tem de suportar em todas as atividades da vida.
Idêntico entendimento foi perfilhado pelo acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2010, quando refere que a “compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.
Tal dano biológico não se reporta apenas ao período temporal subsequente à alta clínica, devendo, por maioria de razão, abranger o período em que o facto incapacitante foi mais intenso (incapacidade temporária absoluta) e é indemnizável ainda que o lesado à data do evento lesante não exercesse atividade laboral remunerada.

Da fixação do dano.

Quanto ao dano biológico a duração do mesmo não é a vida ativa mas sim a esperança de vida atualmente no caso do sexo masculino de cerca de 78 anos. Porque o que se indemniza aqui é a dificuldade de ação e não a perda de rendimentos.

Depois, como salienta o Ac do STJ de 6.12.2017 nº, 559/10.4TBVCT.G1.S1 (Maria Graça Trigo): “estando em causa danos patrimoniais resultantes do denominado “dano biológico” – entendidos como “as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais” – não pode ser aceite o procedimento da 1.ª instância ao utilizar como critério-base para o cálculo do montante indemnizatório uma das tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade (neste caso parcial) para o exercício da profissão habitual, presumindo que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos (resultante dos factos provados) corresponderia a uma taxa de incapacidade laboral parcial permanente de 2%”.
E, por fim, como afirma, entre outros, o Ac do STJ de 18.10.2018 nº 3643/13.9TBSTB.E1.S1: “No que ao dano biológico concerne, na medida em que o critério último, obrigatório e decisivo, é a equidade, tem, inclusive, a jurisprudência fixado, quase sem excepção, valores indemnizatórios excedentes aos que resultariam da simples e “automática” aplicação desses referentes da dita Portaria”.

Por isso, o montante do dano biológico deve ser fixado segundo juízos de equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC), em função de vários fatores, entre os quais:
(i) a idade do lesado;
(ii) o seu grau de incapacidade geral permanente;
(iii) as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou atividade económica alternativa, aferidas, em regra pelas suas qualificações; e
(iv) todos os restantes que relevem casuisticamente, nomeadamente a sua profissão.
Acresce que a nossa jurisprudência além de admitir a ressarcibilidade desta verba tem fixado valores, em casos análogos e mais recentes entre escassos milhares a várias dezenas de milhar de euros dependendo, quer do pedido concreto formulado em cada processo e do grau de afetação causado.

In casu, o assistente nasceu em 18.03.1990 e ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente de 11 pontos.
Em primeiro lugar temos de notar que esses esforços acrescidos situam-se num grau acentuado para o exercício da sua atual profissão. Segundo Pedro Brito Monteiro, “deverá o julgador ponderar sempre se, no caso submetido a apreciação, os esforços suplementares em questão são “ligeiros, moderados ou consideráveis”.
Depois, tendo em conta a esperança de vida masculina (78 anos), e o valor do salário mínimo nacional à data do acidente (505 euros mensais) esse valor seria de 7070 (505x14) euros (smnx 14 meses x 53 anos x 11% de incapacidade). Se ao mesmo descontarmos um fator de 0,25 por implicar o recebimento de uma quantia total que por isso pode produzir rendimento (dedução de uma percentagem de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem por antecipação do capital), atingimos o valor de 30.913,58. É certo que o juízo a aplicar é com base na equidade, mas esta não pode deixar de ser balizada pelos resultados da aplicação análoga caso o mesmo dano desse causa a uma incapacidade de ganho. Note-se, que a adoção do dano biológico não visa tratar de forma mais favorável um lesado, que sofre um dano corporal sem afetação da capacidade de ganho, face aquele que sofre essa afetação.
Ver a propósito Ac RP de 29-04-2021 in wwwdgsi.pt

Se ajustarmos esse valor com base na equidade, sendo os esforços exigidos consideráveis, considerarmos justo e proporcional o montante de € 42,000,00.

Logo, o valor fixado na decisão ora recorrida mostra-se algo exagerado, ultrapassando em muito cálculos aritméticos.

Procede, parcialmente esta questão.
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
-Alterar a matéria fáctica não provada, passando a prova a descrita em m), o), p) e u).
-Julgar:
Parte crime.
-Totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido B….
-Parcialmente procedente o recurso interposto pela demandada D… quanto a matéria de facto, embora sem influência para a decisão.
-Manter a decisão a quo quanto a condenação crime de que foi alvo o arguido B….

Parte cível.

-Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela demandada D… arguido.
-Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo assistente C….
-Em consequência alterar o montante do pedido cível na vertente danos não patrimoniais, fixando- se a quantia em € 30.000,00;
-Manter o montante fixado a título de privação do uso do veículo.
-Manter a quantia fixada a título de danos patrimoniais decorrentes da perda de capacidade de ganho durante o período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho;
-Alterar o montante concernente à perda futura da capacidade de ganho/Dano biológico, reduzindo-o para o valor de € 42.000,00.

Nessa medida dada a concorrência de culpas fixada em 50% para cada um dos intervenientes no acidente, fixa-se a indemnização final total em €45.738,75, (quarenta e cinco mil, setecentos e trinta e oito euros e setenta e cinco cêntimos) mantendo no demais o estipulado no dispositivo da decisão a quo relativamente aos juros e sua contagem e outras despesas e tratamentos.

Custas crime a cargo do arguido que fixo em 4Ucs (arts. 513.º, n.º 1, do CPPenal).
Custas cíveis suportadas por demandante e demandada na proporção dos respetivos vencimentos.

Sumário:
(Da exclusiva responsabilidade do relator)
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Porto, 07 de julho de 2021
(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2007 [Cons. Armindo Monteiro], processo 3193/06 – 3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
[3] [Conselheiro Raul Borges, processo 07P4833, in www.dgsi.pt, acedido em Novembro de 2008].
[4] Proc. n.º 28/07 - 5.ª Secção Simas Santos (relator):
[5] Cfr. Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal-O novo Código de Processo Penal, pág. 228 e segs.