Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1148/16.5T8OVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL SOARES
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RP201703081148/16.5T8OVR.P1
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º711, FLS.114-116)
Área Temática: .
Sumário: I - A notificação para a audiência de julgamento em processo de recurso de contraordenação tem de ser feita na pessoa do arguido, através de contacto pessoal ou por carta registada com aviso de recepção.
II - Tendo aquela carta registada com A/R sido devolvida com indicação de não reclamada, não é admissível notificar o impugnante por carta registada sem A/R para pagar a taxa de justiça acrescida da multa nem dar sem efeito o recurso se não for feito esse pagamento no prazo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1148/16.5T8OVR
Comarca de Aveiro
1ª Secção do Juízo Local Criminal do Tribunal de Ovar

Acórdão deliberado em conferência

1. Relatório
1.1. Decisão recorrida
Por despacho proferido em 11OUT2016 o tribunal, por falta de pagamento atempado da taxa de justiça, desconsiderou a apresentação de recurso de impugnação contra a decisão da autoridade administrativa, desconvocou o julgamento e ordenou a devolução do processo.

1.2. Recurso
O arguido B… interpôs recurso do despacho pedindo a sua revogação e alegando em suma que nunca foi notificado para pagar a taxa de justiça e que ao verificar que o julgamento estava designado procedeu imediatamente ao seu pagamento.

1.3. Resposta
O Ministério Público respondeu pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso por considerar em resumo que o arguido foi notificado e o pagamento foi efectuado fora de prazo, não merecendo acolhimento a alegação de que não foi notificado visto ter-lhe sido enviada carta registada e incumbir-lhe a si garantir que recebia a correspondência que lhe era dirigida.

1.4. Parecer no Ministério Público na Relação
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, alegando em síntese que a primeira notificação foi devolvida e que nessa altura o tribunal deveria ter ordenado a notificação pessoal do arguido; quanto à segunda notificação, não há prova de ter sido recebida, devendo determinar-se a averiguação sobre a sua efectiva recepção.

2. Questões a decidir
A única questão que temos de decidir é a de saber se a notificação do arguido para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa se pode considerar validamente efectuada e se, consequentemente, não foi respeitado o prazo para esse pagamento e o recurso deve ser considerado sem efeito.

3. Fundamentação
3.1 Os factos processuais relevantes
Os factos relevantes a considerar são os seguintes:
- O arguido apresentou em 6ABR2016 um recurso contra a decisão da Agência Portuguesa do Ambiente que o condenou no pagamento de uma coima por uma contraordenação;
- O recurso foi enviado para o Ministério Público que o apresentou ao tribunal recorrido, vindo a ser autuado e distribuído como processo de recurso de contraordenação em 8JUN2016;
- Concluso o processo ao juiz, em 15JUN2016 foi admitido o recurso, designada a data para julgamento e ordenada a notificação do arguido para os termos e efeitos do disposto no artigo 8º nº 8 do Regulamento das Custas Judiciais;
- Enviada carta registada com aviso de recepção para notificar aquele despacho ao arguido, veio a mesma a ser devolvida ao tribunal com a indicação de não reclamada em 29JUN2016;
- Oficiosamente, a secretaria judicial enviou ao arguido uma carta registada com a notificação para pagar até 6SET2016 a taxa de justiça em falta, acrescida de multa de igual valor;
- Não foi efectuado esse pagamento e no dia 11OUT2016, para o qual estava para as 14:00h designada a audiência de julgamento, o tribunal proferiu o despacho agora sob recurso;
- No mesmo dia 11OUT2016, às 14:16, o arguido juntou procuração a favor de advogado e demonstrou ter pago a taxa de justiça às 12:01 e a multa às 13:5? (a fotocópia de fls. 106 não permite ver o último dígito).

3.2 Análise do mérito do recurso
O regime processual específico da contraordenação pelo qual o arguido foi condenado, que consta na Lei nº 50/2006 e no Decreto-Lei nº 433/82, não contém normas que regulem expressamente a forma da notificação para pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso de contraordenação. Também o artigo 8º nº 8 do Regulamento das Custas Processual não prevê uma notificação para o pagamento da taxa de justiça, limitando-se a dispor que a mesma é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da marcação da audiência de julgamento. O que quer dizer que se aplicam a tal notificação, subsidiariamente e com as devidas adaptações, as regras do código de processo penal, por força da remissão operada pelo artigo 41º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82.
A notificação do arguido para a audiência de julgamento, que é o acto processual a partir do qual se inicia o prazo para o pagamento da taxa de justiça, tem de ser feita na pessoa do arguido (artigo 113º nº 10 do CPP) e por contacto pessoal ou por carta registada com aviso de recepção (artigo 113º nº 1 al. a) e b), ex vi artigo 313º nº 3, ambos do CPP). Não é aplicável em processo de contraordenação a excepção do referido artigo 313º nº 3 – envio de carta postal simples – porque não há inquérito ou instrução com autoridade policial ou judiciária perante quem o arguido pudesse indicar residência ou domicílio e também porque não são aplicáveis as regras previstas no artigo 196º nº 3 do CPP para a prestação de termo de identidade e residência.
Tendo a carta registada com aviso de recepção enviada ao arguido para o notificar da data da audiência de julgamento sido devolvida com indicação de não reclamada, fica já nítido que o mesmo nunca foi validamente notificado para essa audiência. E do mesmo modo não se pode dizer que se tivesse iniciado a contagem do prazo para pagar a taxa de justiça, uma vez que, como vimos, isso depende da validade da notificação para a audiência de julgamento.
A notificação oficiosa da secretaria para o pagamento da taxa de justiça acrescida da multa é também inválida. Em primeiro lugar porque só há lugar ao pagamento da sanção quando não é observado o dever de pagamento da taxa de justiça, o que pressupõe uma notificação válida que não foi feita. Em segundo lugar porque, ainda que o arguido devesse ser notificado para pagar a taxa de justiça acrescida de multa, não poderia sê-lo por carta registada simples. O artigo 113º nº 1 al. c) do CPP só admite essa forma de notificação quando expressamente prevista na lei, o que não é o caso. O código de processo penal não prevê expressamente a possibilidade de a primeira notificação do arguido para pagar a taxa de justiça devida pela interposição do recurso ser feita por correio postal simples. Nem tão pouco são aplicáveis ao caso as regras do processo civil, segundo as quais a notificação pode ser feita por via postal simples e se presume feita num determinado prazo a partir do registo do seu envio (artigo 249º nº 1 do CPC). Qualquer interpretação da lei que admitisse a possibilidade de preclusão do direito do arguido recorrer contra a decisão da autoridade administrativa, por falta de resposta a uma notificação por via postal simples para proceder ao pagamento da taxa de justiça, numa situação em que não tivesse ainda sido validamente notificado para a audiência de julgamento, constituiria uma violação do princípio constitucional do processo equitativo.
Portanto, não tendo o arguido sido validamente notificado para a audiência de julgamento e em consequência também para proceder ao pagamento da taxa de justiça, o despacho que desconsiderou a interposição do recurso com tal fundamento interpretou erradamente as normas que indicámos e não pode subsistir. A necessidade de o notificar para pagar a taxa de justiça mostra-se entretanto prejudicada, na medida em que depois do despacho recorrido o arguido procedeu ao seu pagamento (ao pagamento da multa, feito em excesso, terá de ser dado o tratamento processual considerado adequado). Terá portanto o tribunal de designar a data para o julgamento e notificar o arguido em conformidade.

3.3. Conclusões
A notificação para a audiência de julgamento em processo de recurso de contraordenação tem de ser feita na pessoa do arguido, através de contacto pessoal ou por carta registada com aviso de recepção.
Tendo a carta registada com aviso de recepção, que visava notificar o arguido para a audiência de julgamento, sido devolvida com indicação de não reclamada, não é admissível notificar o por carta registada sem aviso de recepção para pagar a taxa de justiça acrescida da multa nem dar sem efeito o recurso se não for feito esse pagamento no prazo.

4. Decisão
Pelo exposto, acordamos em julgar o recurso procedente e em revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que designe data para a audiência de julgamento e convoque os respectivos intervenientes.
Sem custas.

Porto, 8 de Março de 2017
Manuel Soares
João Pedro Nunes Maldonado