Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
726/13.9SMPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: RECURSO
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RP20141008726/13.9SMPRT.P1
Data do Acordão: 10/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: REJEITADO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não tem interesse em agir o recorrente [no caso, o Ministério Público] que aceita a decisão proferida mas discorda da sua fundamentação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº726.13.9SMPRT.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. Inquérito nº 726.13.9SMPRT a correr junto do Tribunal da Pequena Instancia Criminal do Porto em que é arguido
B…

Pelo MºPº foi proposta a suspensão provisória do processo mediante o cumprimento de diversas injunções
Presente o processo ao Mº Juiz, por despacho de 29/10/2013 o mesmo discordou da suspensão provisória do processo.

Interpôs recurso o MºPº o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
“- O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 16/2009 uniformizou jurisprudência no sentido de que “a discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para efeitos do disposto pelo artigo 281.º n.º 3 do Código de Processo Penal, não é passível de recurso”.
- Mas, como melhor se verá, o presente recurso não visa o despacho do Ex.mo Senhor Juiz a quo sobre a determinação do Ministério Público.
- Antes visa a decisão, aí contida, de não aplicação do artigo 281.º n.º 3 do Código de Processo Penal.
- O Ex.mo Senhor Juiz a quo recusou a aplicação do artigo 281.º n.º 3 do Código de Processo Penal;
- O Ex.mo Senhor Juiz a quo em nenhum momento ajuíza a presença dos pressupostos subjetivos e objetivos de que depende a suspensão provisória do processo, nem pondera a legalidade das concretas injunções propostas pelo Ministério Público e aceites pelo arguido;
- O Ex.mo Senhor Juiz a quo está vinculado à lei e somente pode recusar a sua aplicação com base na violação de norma constitucional, o que não ocorreu.
- A intervenção do Juiz de Instrução em sede de suspensão provisória do processo dirige-se ao controlo da verificação dos seus pressupostos formais e à apreciação da legalidade, no sentido de proporcionalidade, adequação e necessidade, das injunções aplicadas ao arguido naquela concreta situação.
- Mas na situação vertente nenhum argumento que se prenda com os pressupostos objetivos e subjetivos do caso concreto, ou com a legalidade das injunções impostas foi invocado.
- A discordância do Ex.mo Senhor Juiz de Instrução prende-se exclusivamente com a sua discordância com o artigo 281.º n.º 3 do Código de Processo Penal, em suma, da sua discordância com a lei.
- Nenhuma análise foi feita relativamente à presença ou ausência dos indícios da prática do crime, ou ao consentimento prestado pelo arguido, ou qualquer concreta ponderação relativa ao desajustamento da injunção proposta.
- O douto despacho recorrido limita-se a apreciar, em termos tão abstratos e gerais como a própria norma apreciada, o artigo 281 do Código de Processo Penal, sendo que em nenhum momento se refere à concreta situação posta nos autos ao arguido B….
- O artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio do Estado de Direito, o que significa que o Estado não só impõe o respeito pela lei mas que a observância da lei é também um encargo do próprio Estado.
- A recusa de aplicação de uma lei pelo tribunal somente pode fazer-se com base na sua inconstitucionalidade – artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa.
- Porém, no douto despacho recorrido tal inconstitucionalidade não é invocada, porquanto somente se cita o artigo 18 da Constituição, mas sem que se desenvolva um argumento firme e fundamentado de inconstitucionalidade da norma não aplicada, e sem que tal entendimento seja expresso.
- Donde a douta decisão recorrida é ilegal porque contrária à lei, e deve ser revogada, e substituída por outra que aplique o artigo 281 n.º 3 do Código de Processo Penal e que aprecie os concretos pressupostos de facto e de direito da suspensão provisória do processo.”

O arguido não respondeu.
O Mº Juiz não admitiu o recurso,
O MºPº apresentou reclamação contra tal despacho que foi deferida, na sequência do que o recurso foi admitido
Nesta Relação a ilustre Procuradora Geral Distrital emitiu parecer no sentido da: admissibilidade do recurso e da sua procedência.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência
Cumpre apreciar.
Consta do despacho recorrido (transcrição):
“Nos termos do artigo 9.º n.º 3 do Código Civil, na interpretação da lei, deve presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Se assim é, quando o legislador altera o artigo 281.ºdo Código de Processo Penal, introduzindo um novo n.º 3, prevendo que, em crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor, está implicitamente a reconhecer que a anterior redação do artigo 281.º do Código de Processo Penal não consagrava a solução mais acertada e por isso sentiu necessidade de a alterar. Ou seja, o legislador acabou por discordar da suspensão provisória de um número significativo de processos por si permitida quando da anterior alteração do artigo 281.º do C.P.P. (Lei 48/2007 de 29 de Agosto).
Mais, o legislador entendeu necessário impor obrigatoriamente ao arguido a injunção de “proibição de conduzir veículos com motor” nos casos que referiu, no que parece ser o reconhecimento do princípio da necessidade da pena e de particulares exigências de prevenção: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República).
Ora se a alteração introduzida pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto não foi a mais adequada, pode razoavelmente questionar-se se a solução da Lei 2072013 de 21 de Fevereiro é melhor que a anterior.
Se o legislador entendeu necessária a aplicação de proibição de conduzir, pena acessória prevista na lei, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, essa proibição só pode produzir pleno efeito no caso de condenação porque só a pena tema coercibilidade que lhe é dada pelo artigo 353.º do Código Penal.
Assim a entender-se que é necessária, por razões de prevenção geral e de tutela de outros interesses constitucionalmente protegidos, a imposição ao arguido da proibição de conduzir veículos automóveis, o que se concede, a mesma deve ter lugar em processo sumário ou em processo sumaríssimo se o Ministério público assim o entender, na medida em que uma injunção, e a sua natureza não coerciva não realizam satisfatoriamente os mesmos fins de uma pena acessória com o mesmo conteúdo. Além de que pode desnecessariamente ser motivo de dissensão como disso são exemplo as situações aludidas nos acórdãos da relação de Lisboa de 6/03/2012 e 6/6/2013, disponíveis em www.dgsi.pt).
São razões suficientes para discordarmos da pretendida suspensão provisória do processo.
Notifique o Ministério Público e devolva.”
+
São as seguintes as questões a apreciar:
- da recorribilidade da decisão de não concordância
+
O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12 - tal como, mas vista a decisão sob recurso, não se mostra que existam tais vícios e nulidades enquanto tais.
Por essa razão e nessa medida, quaisquer questões que sejam suscitadas fora da motivação do recurso, o seu conhecimento só é admissível se revestirem natureza oficiosa.

Da admissibilidade de recurso.
Está em causa o despacho do Mº Juiz que não deu a sua concordância à suspensão provisória do processo, prevista no artº 281º CPP.

Por regra as decisões judiciais são recorríveis (artº 399ºCPP), donde a sua irrecorribilidade terá de resultar da lei.
Nessa conformidade o artº 281º CPP (actual redacção da Lei 20/2013 de 21/2) no seu nº 6 que “A decisão de suspensão, em conformidade com o n.º 1, não é susceptível de impugnação.”, não se referindo à questão de recurso, e isto porque aquela decisão (que não é judicial nem reveste verdadeiro caracter administrativo) é uma decisão consensual entre os sujeitos processuais;
Nada diz sob a questão da recorribilidade (só admissível de acto judicial), no que apenas poderia estar em causa a não concordância do Mº Juiz.
Tal questão veio a ser objecto de acórdão uniformizador que decidiu: “A discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso.” - 2009, DR, I Série de 24-12-2009.

Para assim decidir, o STJ entendeu que a decisão de concordância ou não com a proposta de suspensão provisória do processo, apenas “… é um acto processual de natureza judicial, não decisório, que constitui o pressuposto formal, e substancial, da determinação do Ministério Publico de suspensão do processo…”, ou seja não se trata de uma decisão, e não sendo decisão judicial não integra os actos judiciais recorríveis.
Tal juízo afigura-se-nos correcto.
Tal entendimento foi reafirmado pelo STJ no seu Ac. de 12/05/2011, processo 481/08.4GBVNF.S1, in www.dgsi.pt do seguinte modo: “II - Ao firmar jurisprudência no Ac. n.º 16/2009, de 18-11-2009, no sentido de que “A discordância do Juiz de Instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do nº1 do artigo 281º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso”, entendeu o STJ que o acto de discordância do juiz de instrução em relação à determinação do MP, visando a suspensão provisória do processo, não tem características nem natureza de acto decisório.”

Sendo acto judicial não decisório, é-o (ou seja reveste essa natureza) qualquer que seja o conteúdo do acto ou da razão da concordância ou da discordância com a proposta de suspensão do MºPº, sendo irrelevante o seu conteúdo, e sendo assim será sempre irrecorrível.
Pretender-se que apenas é irrecorrível tal decisão quando o acto tem determinado conteúdo, é pretender alterar a natureza do mesmo acto, o que não nos parece admissível.
Sendo assim não são sindicáveis por via do recurso as razões da não concordância do Juiz com a proposta, por não ser recorrível o acto onde tais razões são expressas.
Citando Anabela rodrigues, o AFJ expressa que: “… a concordância do juiz é, assim uma mera formalidade essencial, embora de conformação (validade) daquela decisão (do Ministério Público) prevista pelo legislador em nome da ideia que fundamenta o instituto. Não se trata assim de uma decisão de que se possa recorrer.”

Cremos, também, como expressa a Relação de Lisboa que não existem razões para alterar tal entendimento, mesmo em face da nova redacção dada ao artº 281º CPP pela Lei 20/2013, ou para considerar caduca a Jurisprudência do acórdão, pois: “I. A decisão do Juiz de «não concordância» com a suspensão provisória do processo é irrecorrível, face ao estatuído nos artº281º; 399º e 97º, todos do CPP e jurisprudência resultante do Acórdão Uniformizador do STJ, nº16/2009, in DR, I Série de 24-12-2009.
II. Acresce que, a nova redacção do nº3 do artº 281º, do CPP, introduzida pela Lei nº20/2013, não modifica a jurisprudência fixada no mencionado acórdão uniformizador, atendendo a que aquela alteração legislativa não incidiu sobre a questão da recorribilidade da decisão de «não concordância». Decisão TRL de 4-06-2013 in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5022&codarea=57 acedido em 29/6/2014.

Aliás, atenta a natureza da suspensão provisória do processo, resultado de um principio da oportunidade, integrado nos actos de diversão inerentes ao movimento de desjudicialização e que constituem a denominada justiça penal negociada, que parte não apenas de consenso dos sujeitos interessados (ofendido /agressor) assente em ponderações e finalidades de realização de uma justiça restaurativa, mas onde a própria vitima é chamada a participar activamente na resolução do litigio, apenas se concebe a aplicação de tal instituto existindo um efectivo consenso entre todos o intervenientes que constitui o fundamento pelo qual o Estado renuncia ao exercício do seu poder punitivo, consenso que não sendo conseguido não pode ser imposto e muito menos por via do recurso.
Neste caso o juiz é agente do consenso, embora não o possa propor ou impor, aceitando-o ou recusando-o.
Admitindo-se que o consenso exigido para a concordância do juiz de instrução pudesse ser um acto imposto por via de recurso, não apenas não existiria consenso nem justiça negociada, como ruiriam pela base os pressupostos de tal instituto exigindo-se que pudessem ser questionados a aplicação e exercício do principio da oportunidade pelo Mº Publico ao determinar a suspensão provisória do processo. Nestas circunstancias seria intolerável que apenas fosse sindicável por via do recurso o acto judicial de consenso ou falta dele (e por essa via suprindo um consenso inexistente). Cremos assim que sendo a sua essência o acordo, nada pode ser imposto.
Se ao MºPº não pode ser imposto que proponha a suspensão provisória do processo, também aos restantes intervenientes (assistente, arguido ou Juiz) pode ser imposto que concordem, pois para além e não existir “consenso” todos se encontram numa situação paritária, como expressa o STJ no AFJ 16/2009 “… a lei processual penal salienta a necessidade de “concordância” do Juiz, mas não oferece qualquer critério interpretativo sobre o significado jurídico a atribuir a tal intervenção, antes a parificando, numa perspectiva literal, com a intervenção dos restantes sujeitos processuais, nomeadamente arguido e assistente. Aliás, uma análise mais fina da lei adjectiva inculca a ideia, já referida, de que estamos perante uma figura exógena aos princípios que informam aquela lei, e uma excrescência em termos dogmáticos, só explicável pela necessidade imperativa, sentida pelo legislador, de fazer face ao juízo de constitucionalidade sufragado pelo citado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 7/87.
Efectivamente, do contexto do instituto da suspensão provisória do processo penal apenas se pode afirmar que a “concordância” do Juiz de Instrução constitui, em paralelo com a concordância do arguido e do assistente, o pressuposto material de determinação do Ministério Público na suspensão provisória.”
Cremos ser essa a razão pela qual se diz também que “2. O instituto da suspensão provisória do processo é uma demonstração no processo penal do princípio da oportunidade efectuado pelo Magistrado titular do inquérito. 3. Como tal, a sua não aplicação (independentemente dos argumentos invocados) não é sindicável pelo juiz de julgamento, nem consubstancia qualquer nulidade ou irregularidade do processo.”- Ac.R.C. 1/6/2011 processo 159/10.9GBPMS.C1, in www.dgsi.pt
Por outro lado admitir a possibilidade de recurso de tais actos, era agir contra um dos vértices da desjudicialização: a celeridade processual, que em caso de recurso, era postergada.
Mas o ilustre recorrente, como refere na sua motivação aceita a decisão proferida “na parte em que não concordou com a suspensão provisória do processo”, que “não se pretende atacar” mas pretende recorrer do fundamento da decisão que em seu entender se traduz em recusar a aplicação do artº 281º3CPP no qual se estatui que “tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor.”

Antes de mais, cremos que também por esta via não é admissível recurso.
É que, cremos recorre-se de decisões, com as quais não se concorda e não com os fundamentos de tais decisões. Objecto de recurso é a decisão, não os seus fundamentos.
Não se pode aceitar a decisão, mas querer discutir os seus fundamentos (mesmo que reputados ilegais – e todos os recursos têm de um modo ou de outro por base uma apreciação no mínimo ilegal ou desconforme à lei) e por essa via afinal querer alterar a decisão.
Não se pode pretender alterar o que se aceitou, pelo que o ilustre recorrente carece de interesse em agir para interpor o presente recurso.
Neste sentido se expressou o Ac. R.P de 14/4/99 CJ XXIV, 2, 221 “O MºPº … não tem interesse em agir se, na motivação do recurso … declara que concorda com a absolvição deste, discordando apenas da fundamentação da sentença”, pois que objecto do recurso é a decisão (e não os seus fundamentos) única sobre a qual se forma o caso julgado (cf. A. Varela, et alli, Manuel de Proc Civil, 2ª ed. Coimbra ed.1985 pág.714)

E na verdade o interesse em agir, é avaliado a posteriori e em concreto (e não em abstracto) e de modo objectivo, e traduz-se na utilidade e imprescindibilidade daquele meio de impugnação para fazer valer um seu (do recorrente ou colocado sob sua protecção) direito ameaçado ou violado.
É que dispõe o artº 401º CPP “não pode recorrer quem não tiver interesse em agir” - nº2.
Assim para que possa recorrer é necessário ter legitimidade (artº 401-1 a) CPP) e interesse em agir, sendo por isso dois conceitos distintos.
O interesse em agir não se encontra definido no CPP e é um conceito civilístico do Código de Processo Civil, local onde se tem de ir encontrar o seu conteúdo, que de um modo geral, é preenchido nos seguintes termos pela Jurisprudência e pela Doutrina:
Ac. STJ 9/4/97, proc. nº 046277: O "interesse em agir", também conhecido por "interesse processual" ou necessidade de tutela jurídica", é o interesse em recorrer ao processo. A legitimidade, pensando agora no processo civil, é "uma posição do autor ou do réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objectivo do processo" (Castro Mendes), (…) O interesse em agir ou interesse processual, traduz-se na necessidade objectivamente justificada de recorrer à acção judicial, de usar do processo, de instaurar e fazer prosseguir a acção. Assim, situando-nos no processo civil, o autor tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontra necessite da intervenção do tribunal. O autor pode ser o titular da relação material litigada e ser consequentemente a pessoa que, em princípio, tem interesse na apreciação judicial dessa relação e não ter, todavia, em face das circunstâncias concretas que rodeiam a situação, necessidade de recorrer à acção. “
Ac. STJ 9/1/02, proc. nº 01P2751: “2-Consiste o interesse em agir na necessidade de apelo aos Tribunais para acautelamento de um direito ameaçado e necessitado de tutela, radicando, assim, na utilidade e imprescindibilidade de recurso aos meios judiciários para assegurar tal direito quando em perigo, pelo que se trata de uma posição objectiva perante o processo, a ser ajuizada "à posterior", que há que apreciar caso a caso (Ac. S.T.J. de 1.7.98 - proc. 517/98), sendo que "a legitimidade do assistente para recorrer tem de ser analisada caso a caso, para se apreender o interesse que o move e se esse lhe confere interesse em agir" (Ac. S.T.J. de 1.4.98 - proc. 149/98), ou é necessário verificar se tem "necessidade deste meio de impugnação para defender um seu direito" (Ac. STJ 7.12.99 - proc. 1081/99-3ª);
Ac. STJ 17/2/05, proc. nº 05P058: «(2) O interesse processual ou interesse em agir é definido, em termos de processo civil, como a necessidade do processo para o demandante em virtude de o seu direito estar carecido de tutela judicial. Há um interesse do demandante não já no objecto do processo (legitimidade) mas no próprio processo. (3) Em termos de recurso em processo penal tem interesse em agir quem tiver necessidade deste meio de impugnação para defender um seu direito» (Ac. do STJ de 7.12.99, proc. n.º 1081/99, Acs STJ VII, 3, 229).
«O interesse em agir é a necessidade concreta de recorrer à intervenção judicial, à acção, ao processo» (Acs. do STJ de 29-03-2000, Acs STJ VIII, 1, 234, de 9-1-02, Acs STJ X, 1, 160, de 20-3-02, proc. n.º 468/02-3 e de 11-10-01, proc. nº 2130/01-5)
«Enquanto pressuposto processual, o interesse em agir (também conhecido por interesse processual) consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. O recorrente tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontra necessita da intervenção dos tribunais» (Ac. dos STJ de 16-05-2002, proc. n.º 1672/02-5)

Simas Santos e Leal Henriques (Código de Processo Penal Anotado, 2.º volume, 2000, 682) dizem-nos que: “…necessário se torna também possuir interesse em agir, (...) que se reconduz ao interesse em recorrer ao processo, porque o direito do requerente está necessitado de tutela; não se trata, porém, de uma necessidade estrita nem sequer de um interesse vago, mas de qualquer coisa intermédia: um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, e que, assim, torna legítimo o recurso à arma judiciária; … a necessidade deste requisito é imposta pela consideração de que o tempo e a actividade dos tribunais só devem ser tomadas quando os direitos careçam efectivamente de tutela, para defesa da própria utilidade dessa actividade, e de que é injusto que, sem mais, possa solicitar tutela jurisdicional» (idem o Ac. do STJ de 03-10-2002, proc. n.º 1532/02-5) “
Gonçalves da Costa, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 412- Tem interesse em agir para efeitos de recurso (designadamente em processo penal, …) quem tiver necessidade deste meio de impugnação para defender um seu direito.
E tendo ainda presente que como se refere no Ac. STJ 1/3/06, proc. nº 06P113:
“Não é todavia fácil a caracterização do sentido a dar à expressão «interesse em agir» referida no n.º 2 do artigo 402.º do Código de Processo Penal.
O «interesse em agir» é um conceito oriundo do processo civil.
O Prof. Manuel Andrade, que preferia o uso da expressão «interesse processual», considerava que, por parte do demandante, esse interesse consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. «Trata-se (…) de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece.» (Noções Elementares de Processo Civil, pg. 79).
O Prof. Antunes Varela expende que a legitimidade, baseada na posição (subjectiva) da pessoa perante a relação controvertida, se distingue do interesse em agir, que se traduz na necessidade de objectivamente justificada de recorrer à acção judicial (Manual de Processo Penal, 2.ª ed., pg. 134).
E que exige utilidade na decisão a proferir pois como refere o Ac. STJ 22/6/06, proc. nº 06P1426: “3 – … para que o recorrente tenha interesse em agir é necessário que vise qualquer efeito útil que não possa alcançar sem lançar mão do recurso …”

Do exposto, cremos ser possível extrair o seguinte:
- A averiguação do interesse em agir compete aos tribunais caso a caso, e depende da existência de uma situação de carência a necessitar da intervenção dos tribunais, para defesa de um direito concreto e próprio do interveniente;
- sendo o prosseguimento do processo o único modo de obter essa tutela de um modo eficaz;
- o interesse que o move seja legalmente tutelável, e não possa ser satisfeito de outro modo;
- a decisão pretendida tenha um efeito útil;

Se os conceitos civilísticos transpostos para o direito penal devem ser reinterpretados ou adequados, não podem ser adulterados sob pena de o conceito jurídico ficar sem conteúdo útil e adequado a regular a vida social para que foi criado.
Assim é que é partindo desse conceito civil, reinterpretado pela Jurisprudência dos interesses, que o interesse em agir do recorrente deve ser preenchido.
Por isso estamos com o Ac. STJ 18/10/2000 proc. 2116/00 adiante citado, quando entende que o interesse em agir “… radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo. Trata-se, … de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada “a posteriori” e que deve ser analisado em concreto
O que pressupõe desde logo analisar o caso dos autos.
Da motivação do recurso do MºPº não é alegada um qualquer interesse jurídico concreto, que envolva uma pretensão material com efeito no processo, antes se nos afigura que estamos perante um mero interesse doutrinal, cuja resolução não cabe aos tribunais, a quem compete apenas decidir pretensões.
Na verdade é aceite expressamente a decisão de não concordância, e não sendo esta objecto do recurso, não pode o tribunal revogar tal decisão, pelo que nenhuma utilidade resulta do recurso.
Aliás sendo a razão de ser dos recursos o de modificar a decisão de que se recorre, se esta é aceite expressamente pelo recorrente que dela não recorre, torna-se evidente que o recurso é inútil e nenhum interesse tem para o processo, pelo que a actividade jurisdicional pedida é destituída de sentido, já que o tribunal não pode separar ou cindir o despacho em causa em face da única decisão ali proferida (artº 403º1CPP)

O ilustre recorrente apenas acha que o Juiz com os fundamentos (em seu entender ilegais) que expressou não devia ter proferido tal decisão, mas o certo é que não põe em causa esta, pelo que não tem interesse no recurso, pois o tribunal não pode proferir outra decisão, e se não pode alterar tal decisão é inútil e sem interesse o recurso, pelo que faz sentido concluir que inexiste interesse em agir do MºPº na interposição do recurso, pois que “…o “ interesse em agir” … consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado que precisa de tutela e só por essa via se logra obtê-la. Portanto o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo. Trata-se, … de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada “ a posteriori” Ac. STJ 18/10/2000 proc. 2116/00 3ª secção, e citado in M. Gonçalves, CPP, 16ª ed. pág. 852., e em face da aceitação da decisão deve ser negada a legitimidade para recorrer - ac. STJ 7/12/99 proc. 1098/99, in M. Gonçalves obra cit. pág.852 - por ausência de interesse em agir.
Assim por falta de utilidade do recurso deve ser negado o interesse em agir, pois que o efeito útil do recurso (v.g. em caso de revogação da decisão) não existe, e também por esta via, ser rejeitado o recurso.

Assim sendo todas as questões suscitadas, ficam prejudicadas na sua apreciação.
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Ao abrigo dos artºs 401º2, 420º 1b), 414º2 CPP rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Publico
Sem custas.
Notifique.
Dn
+
Porto, 08-10-2014
José Carreto
Paula Guerreiro