Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22377/16.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO
JUSTA CAUSA
RESCISÃO
IMEDIATA E PRÁTICA
IMPOSSIBILIDADE DE SUBSISTÊNCIA
RELAÇÃO DE TRABALHO
COMUNICAÇÃO POR ESCRITO
Nº do Documento: RP2017110622377/16.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º263, FLS.313-340)
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de serviço doméstico está sujeito a um regime especial – regulado no DL n.º 235/92, de 24 de outubro –, cuja especificidade reside na forma particular como a atividade é prestada, que assenta numa relação de proximidade e de confiança de tipo quase familiar.
II - Como resulta do artigo 9.º do CT2009 – e antes, no CT2003, do seu artigo 11.º –, são-lhe aplicáveis “as regras gerais deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade.”.
III - O legislador estabeleceu, para este particular contrato, especificidades em relação ao regime geral constante do CT, assim no que diz respeito aos efeitos do despedimento ilícito, mas também, ainda, quanto ao regime da rescisão do contrato, estabelecendo um bloco normativo que, no confronto com a lei geral, apresenta visível e significativa especificidade, resultando dos artigos 28.º, n.ºs 1 e 4, e 29.º do DL n.º 235/92, não só que o conceito de justa causa é adaptado à natureza especial da relação em causa, como também que a própria apreciação em concreto da justa causa deverá ser efetuada tendo em atenção o caráter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço.
IV - Não obstante o que se estabelece no n.º 1 do artigo 29.º, assim que constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, não existe exata correspondência entre a previsão das alíneas c) e d) do artigo 28.º e o que consta em geral para a cessação do contrato de trabalho na lei geral (CT), sendo que apenas encontramos, quanto à alínea d), real identidade com o que estabelece a alínea b) do artigo 343.º do CT/2009 e mesmo quanto a esta, de modo não exatamente equivalente, daí resultando, como a própria redação das normas evidencia, que o legislador, por decorrência das especificidades que este tipo de contrato comporta, não é tão exigente, não exigindo que a impossibilidade superveniente de o empregador receber o trabalho seja absoluta e definitiva e sim, apenas, que se demonstre que seja imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
V - A lei exige, no caso de rescisão com justa causa no serviço doméstico, a mesma forma de comunicação, para o empregador e o trabalhador, que exige para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador de outras profissões: comunicação, “por escrito”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 22.377/16.6T8PRT.P1
Autora: B…
: C…

Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rita Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. A Autora, B… instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra C…, pedindo que se declare a ilicitude do seu despedimento e a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €6.160,00, a título de indemnização pelo despedimento ilícito, e a retribuição de férias e de subsídio de férias, proporcionais ao trabalho prestado em 2016, na importância de €426,67, tudo acrescido de juros de mora.

Alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré, em 14-05-1997, mediante contrato meramente verbal para exercer as funções de empregada doméstica, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, e na residência desta, competindo-lhe, no desempenho de tais funções, efetuar a limpeza da casa, proceder ao tratamento das roupas (lavar e passar a ferro) e preparar refeições, cumprindo um horário de trabalho de 4 horas diárias, às segundas, terças, quintas e sextas-feiras, da parte da tarde, num total de 16 horas semanais, auferindo a retribuição fixa, semanal e regular de €80,00, que corresponde ao montante mensal de cerca de €320,00, quantia que recebeu em numerário e sem emissão de recibos até 2009, altura em que a Ré iniciou os descontos para a Segurança Social. Mais alegou que no dia 31-08-2016, véspera do seu retorno ao trabalho, após o gozo de férias, a Ré a convocou para comparecer na sua residência, cerca das 18h30, comunicando-lhe para não voltar ao trabalho, pois prescindia dos seus serviços, a partir desse dia, sendo que lhe pagou a quantia de €420,00 referente á retribuição de agosto (€360,00), a dois dias de setembro (€40,00) e a contribuições devidas á segurança social (€20,00), complementando posteriormente o pagamento do mês de setembro (€320,00), pagando-lhe o subsídio de Natal (€360,00) e depositando a quantia de €680,00 na sua conta, mas não pagou a remuneração de férias, nem o subsídio de férias, proporcionais ao trabalho prestado em 2016, no montante €426,67, sendo que, diz ainda, contando ela na data da cessação do contrato 19 anos e 3 meses de antiguidade, sendo ilícito o seu despedimento, por não se ter fundamentado em justa causa, lhe deve ser paga uma indemnização por despedimento, bem como a retribuição de férias e subsídio de férias, proporcionais ao trabalho prestado em 2016, no total de €426,67.

1.1. Realizada a audiência de partes e frustrada que se mostrou a conciliação, foi a Ré notificada para contestar, o que fez, por impugnação, alegando uma versão dos factos parcialmente diversa da apresentada pela Autora, à qual diz ter pago tudo o que lhe era devido, para concluir pela improcedência da ação.

1.2. Após resposta da Autora veio a ser proferido despacho saneador tabelar, fixando-se ainda o valor da causa em €6.645,14.

1.3. Prosseguindo os autos os seus termos, realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
Assim e nos termos expostos, julgo a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente:
a) declaro ilícito o despedimento da autora B…, levado a cabo pela ré C… em 31 de agosto de 2016;
b) condeno a ré C… a pagar à autora B… as seguintes quantias:
i. 6.400,00€ (seis mil e quatrocentos euros) de indemnização por despedimento ilícito;
ii. 426,67€ (quatrocentos e vinte e seis euros e sessenta e sete cêntimos) de proporcionais de férias do ano de 2016;
sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data de vencimento de cada quantia até integral pagamento, à taxa legal de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril).
Custas pela ré – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Ré recurso de apelação, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª - Os pontos 1, 3, 4, 6, 7, 9, 10, 11, 13, 14 e 20 dos factos provados e os pontos i) a vi) e viii) a xx) dos factos não provados foram incorretamente julgados.
2ª - A Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou (…) impuserem decisão diversa” – art. 662º do NCPC.
3ª – Relativamente ao ponto 1 dos factos provados, não foi feita prova de que a autora tenha sido admitida ao serviço da ré em 14-05-1997.
4ª – O Tribunal recorrido desvalorizou a prova documental junta aos autos de fls. 87 a 116 e de 121 a 130 e os depoimentos prestados (D… (4:01 a 10:07), E… (3:30 a 7:30 e 10:18 a 11:19), F… (3:15 a 6:10), que comprovam que o contrato de serviço doméstico iniciou em janeiro de 2009.
5ª – E fundamentou a sua convicção única e exclusivamente nas declarações de parte prestadas pela autora, sem qualquer prova documental ou testemunhal que a apoiasse.
6ª – Apesar do art. 466º CPC consagrar as declarações de parte como um novo meio de prova, não podemos ignorar de que se tratam de afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto em litígio, que tem um discurso muito provavelmente pouco objetivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente já teve oportunidade de expor nos seus articulados.
7ª - O Ponto 1 dos factos provados deverá ser alterado para a seguinte redação:
“1 – A autora foi admitida ao serviço da Ré, mediante contrato verbal, para exercer as funções de empregada doméstica, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, e na residência desta, acima indicada”.
8ª - Em face do ponto 22 dos factos provados e das declarações de fls. 87 a 116 como os extratos de remunerações de fls. 121 a 130 e do depoimento prestado pela testemunha G… (3:30 a 9:45) impõe-se alterar este ponto para passar a ter a seguinte redação:
“3 - Cumprindo, até 2014, um horário de trabalho de 4 horas diárias, às segundas, terças, quintas e sextas-feiras, da parte da tarde, no total de 16 horas semanais.”
9ª - O ponto 4 está em clara contradição com o ponto 17 dos factos provados. No ponto 4 é referido que auferia uma retribuição fixa, semanal e regular de €80,00, que corresponde ao montante mensal de cerca de €320,00. No ponto 17, é referido que mensalmente, a Ré entregava à autora o montante correspondente às horas de trabalho prestado.
10ª – Pelo que, entende a recorrente que o ponto 4 deverá ser eliminado ou considerado como não provado, mantendo-se o ponto 17 dos factos provados.
11ª – O ponto 6 deverá ser julgado como não provado, uma vez que apenas se baseou nas declarações da autora não sustentadas em qualquer outro meio probatório.
12ª – Relativamente ao ponto 7 também não foi feita qualquer prova deste facto, nem sequer a autora o referiu em declarações de parte, pelo que deverá ser julgado como não provado.
13ª – Também o ponto 9 apenas se baseou nas declarações da autora não sustentadas em qualquer outro meio probatório.
14ª – Além do mais, está em contradição com o ponto 22 dos factos provados, onde se refere ter havido uma redução do horário de trabalho da autora o que certamente determinou equivalente redução da retribuição.
15ª – Por outro lado, tendo o contrato cessado em 31-08-2016, não faz sentido que a ré tivesse pago antecipadamente dois dias de um mês em que a autora já iria trabalhar.
16ª - Aceitando por confissão que, em 31-08-2016, a autora recebeu da ré a quantia de 420,00€, não ficou demonstrado a que se reportaram tais valores, pelo que se impõe a alteração deste ponto, para passar a ter a seguinte redação:
“9 – Em 31-08-2016, a Ré pagou à A. a quantia de €420,00.”
17ª – Por igual razão, impõe-se a alteração do ponto 10 para a seguinte redação:
“10 – Em 28-09-2016, a ré depositou a quantia de 680,00€ na conta da autora.”
18ª – E deverá ser retirada a expressão “efetivamente” do ponto 11 dos factos provados.
19ª – Tendo a autora declarado ter recebido da ré, em 31-08-2016, a quantia de 420,00€, considerando como assente no ponto 22 da matéria de facto ter existido uma redução do horário de trabalho e, consequentemente, uma redução da retribuição devida à autora, deverá considerar-se que o montante pago naquela data incluía igualmente a remuneração de férias e subsídio de férias proporcionais a 2016.
20ª - Considerando que a autora recebia uma média de 140,00€/mês, como alegou a ré e ficou demonstrado nos autos designadamente pela prova documental de fls. 87 a 116 e de fls. 121 a 130, a verdade é que, em 31-08-2016, a ré pagou à autora o equivalente a três remunerações (140,00 x3 = 420,00€).
21ª - Pelo que este facto terá de ser alterado para a seguinte redação:
13 – A ré pagou à A. a remuneração de férias e o subsídio de férias, proporcionais ao trabalho prestado em 2016, no montante de €426,67.
22ª - Tendo em conta a prova documental constante de fls. 87 a 116 e 121 a 130 e os depoimentos das testemunhas D… (4:01 a 10:07), E… (3:30 a 7:30 e de 10:18 a 11:19) e F… (3:15 a 6:10), é manifesto que a data de admissão da autora ocorreu em janeiro de 2009 e, como tal, na data da cessação do contrato, a autora contava apenas com 7 anos e 7 meses de antiguidade.
23ª - O ponto 14 da matéria de facto provada deve ser alterado para a seguinte redação:
“Na data da cessação do contrato, a A. contava 7 anos e 7 meses de antiguidade.”
24ª - Em face da prova documental constante dos autos (fls. 87 a fls. 116 e 121 a 130), dos depoimentos prestados, designadamente das testemunhas D… (10:30 a 11:50), G… (3:30 a 9H45), F… (7:04 a 8:15), resulta que, a partir de janeiro de 2014, a autora acordou com a ré não só reduzir para metade a contribuição para a segurança social mas o próprio tempo de serviço.
25ª – Como, aliás, resulta do ponto 22 dos factos provados, pelo que o ponto 20 deverá passar a ter a seguinte redação:
“20 – A partir de janeiro de 2014 a autora acordou com a ré reduzir para metade o horário de trabalho e o valor da contribuição para a segurança social, montante que a Ré continuou a entregar mensalmente à Autora para esta o declarar e pagar junto daquela entidade.”
26ª – Como consequência lógica da alteração da matéria de facto provada e, com base na prova documental e testemunhal, deverá igualmente ser alterada a matéria de facto considerada não provada.
27ª – O ponto i) deverá ser dado como provado através dos documentos de fls. 87 a fls. 116 e de fls. 121 a 130 e dos depoimentos das testemunhas D… (4:01 a 10:07), E… (3:30 a 7:30 e de 10:18 a 11:19) e F… (3:15 a 6:10), com a seguinte redação:
A Autora começou a prestar regularmente serviços domésticos na residência da Ré, e mediante uma contrapartida financeira regular, em janeiro de 2009;
28ª - O ponto ii) deverá ser dado como provado através dos depoimentos prestados pelas testemunhas E… (10:18 a 11:19) e da testemunha F… (5:45 a 6:10):
Antes dessa data, o apoio prestado pela autora à ré foi meramente ocasional, apenas ficando com as filhas menores em situações de doença, ou sempre que a Ré necessitava de fazer alguma limpeza extraordinária na sua habitação.
29ª – O ponto iii) deverá ser dado como provado pelo depoimento da testemunha D… (5:20 a 5:35 e 7:00 a 7:15), com a seguinte redação:
A autora era frequentadora habitual não só da casa da ré (quando não estivesse em funções) como da casa da mãe desta.
30ª – O ponto iv) deverá ser dado como provado pelo depoimento da testemunha D… (5:20 a 5:35 e 22:35 a 23:00), com a seguinte redação:
Tais serviços ocasionais eram prestados não só pela Autora como também pela irmã desta, D. H… e pela empregada doméstica que trabalhava na casa dos pais da Ré, D. I…, dependendo da respetiva disponibilidade de cada uma.
31ª – O ponto v) deverá ser dado como provado pela testemunha D… (7:50 a 8:30) e coincide com as próprias declarações prestadas pela autora, com a seguinte redação:
Foi a própria Autora a negar-se a fazer serviços de forma regular, alegando que tinha a correr um processo de impugnação de despedimento contra os Tribunais Comuns do Porto e enquanto essa ação judicial não estivesse resolvida não pretendia assumir qualquer vínculo laboral com ninguém.”
32ª - O ponto vi) deverá ser dado como provado, do depoimento prestado por D… (4:01 a 10:07) e F… (3:15 a 6:10), com a seguinte redação:
Foi apenas no final do ano de 2008, quando a filha J…, então com 14 anos, deixou de frequentar o ATL, que a Ré sentiu necessidade de contratar alguém da sua confiança que pudesse realizar as atividades domésticas e confecionasse as refeições e em simultâneo fizesse companhia à filha.
33ª – O ponto viii) deverá ser dado como provado, do depoimento prestado por D… (9:05 a 11:00) e das próprias declarações da autora, que apenas divergiu quanto à hora de saída, que indicou como sendo as 18H00, enquanto a ré alegou ser às 17H30, convergindo no demais (dias da semana), com a seguinte redação:
Nessa altura foi ajustado que a autora passaria a trabalhar a partir de janeiro de 2009, 14 horas por semana, distribuídas por 4 dias, correspondente a 3h30m, por dia, no seguinte horário: 2ª feira, 3ª feira, 5ª feira e 6ª feira, das 14H00 às 17H30.
34ª – O ponto ix) deverá ser dado como provado do depoimento prestado por D… (9:05 a 11:00), com a seguinte redação:
Tendo ficado estabelecido que a Autora recebia 5,00€ à hora, o que equivalia a 70,00€, por semana.
35ª - O ponto x) deverá ser dado como provado em consonância com o ponto 22 dos factos provados, e dos depoimentos prestados por D… (10:30 a 11:50), G… (3:30 a 9H45), F… (7:04 a 8:15) bem como da prova documental de fls. 87 a 116 e de fls. 121 a 130, com a seguinte redação:
Houve alteração das condições contratuais em 2014, altura em que a Ré, por ser funcionária pública e ter sofrido cortes salariais e também porque as filhas já eram mais crescidas e autónomas, acordou com a Autora a redução do seu horário de trabalho, passando a esta a trabalhar apenas 7 horas por semana, distribuídas por dois dias da semana, no seguinte horário: 3ª e 5ª feira, das 14h00 às 17h30.
36ª - O ponto xi) deverá ser dado como provado porque a retribuição de 5,00€/hora foi aceite por acordo das partes e a redução do valor a metade decorre do facto provado 22, dos documentos de fls. 87 a 116 e de 121 a 130 e do depoimento de D… (10:50 a 11:00), com a seguinte redação:
Nestas novas condições laborais manteve-se a mesma retribuição de 5,00€/hora, equivalente a 35,00€ por semana.
37ª - O ponto xii) deverá ser dado como provado porque resulta do ponto 22 dos factos provados, dos documentos de fls. 87 a 116 e de 121 a 130 e do depoimento de D… (10:50 a 11:00), com a seguinte redação:
A partir de janeiro de 2014, a remuneração da Autora foi reduzida para metade,”
38ª – O ponto xiii) é conclusivo, mas mesmo que seja considerado, em face dos pontos 23 a 27, conjugados com o ponto 21 dos factos provados, deverá ser alterado para a seguinte redação
Com as despesas acrescidas com a educação das filhas, a Ré não tinha condições financeiras para continuar a manter a Autora ao seu serviço;
39ª - No ponto xiv) deverá ser dado como provado que a comunicação foi verbal porque a própria autora confirmou nas suas declarações de parte (14.20 a 14:35), com a seguinte redação:
Em agosto de 2016, a Ré comunicou à Autora verbalmente as razões que a impediam de continuar a manter o serviço doméstico, designadamente a incapacidade financeira para assegurar o pagamento da remuneração devida pelo seu trabalho.
40ª – O ponto xv) deverá ser dado como provado porque resulta dos depoimentos prestados por D… (14:04 a 17:29) e por F… (12:20 a 12:55), com a seguinte redação:
Com a saída da filha mais velha de casa e tendo a filha mais nova atingido os 17 anos de idade, a Ré deixou de ter necessidade dos serviços da Autora;
41ª – O ponto xvii) deverá ser dado como provado pelo depoimento de D… (21:15 a 21:30), com a seguinte redação:
A Autora manifestou compreender as razões apresentadas pela Ré e aceitou a cessação do contrato.
42ª – O ponto xviii) deverá ser dado como provado porque a autora reconheceu ter recebido 420,00€ em 31-08-2016 e, tendo o contrato de trabalho cessado nessa data, como foi pacificamente aceite por ambas as partes, o valor de 680,00€ terá de ser configurado como uma compensação pela cessação do contrato de trabalho e proporcionais do subsídio de Natal, com a seguinte redação:
O montante de 680,00€ configurou uma compensação pela cessação do contrato, incluindo os proporcionais do subsídio de Natal.
43ª – Quanto ao ponto xix), resulta do depoimento prestado por K… (26:50 a 28:00), testemunha da autora e oficial de justiça que, sabendo em que termos deveria ser redigida a declaração de fls. 10, sugeriu o texto da declaração e aconselhou a autora a dirigir-se à ré para obter a respetiva confirmação e assinatura.
44ª – Tendo a autora deliberadamente se deslocado ao serviço da ré na Câmara Municipal L…, na hora de trabalho, (e não à residência desta como seria normal), onde a pressionou para assinar a declaração, num contexto completamente adverso a uma ponderada leitura e reflexão sobre o seu conteúdo.
45ª – Pelo que deverá ser dado como provado com a seguinte redação:
O documento 3, junto com a p.i. foi obtido à falsa fé, não representando a realidade;
46ª - Os pontos xxi, xxii, xxiii dos factos não provados são factos conclusivos e ilações de direito e, como tal, não deveriam constar da fundamentação de facto e o ponto xxv é repetição do ponto xiv dos factos não provados.
47ª - Um dos princípios basilares, em termos de apreciação de prova, é o da liberdade de julgamento, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e decide apenas com base na sua prudente convicção acerca de cada facto (art.s 396º CC e 607º, nº 5 CPC).
48ª - Contudo, na reavaliação de facto, o tribunal superior deve controlar a convicção do julgador na primeira instancia quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, havendo neste caso, erro de julgamento.
49ª - O Tribunal recorrido valorizou alguns documentos como foi o caso das fotografias juntas, desvalorizando por completo os documentos de fls. 87 a 116 e 121 a 130, não deu credibilidade aos depoimentos das testemunhas arroladas pela ré porque denotaram “algum comprometimento com a tese da ré”, mas valorizou o depoimento prestado pelas únicas duas testemunhas arroladas pela autora que, estranhamente e por coincidência, são ambas oficiais de justiça que a conheceram no Tribunal.
50ª – Na falta de prova, o tribunal a quo invocou as regras de experiência para fundamentar a sua decisão, quando tais regras apontam em sentido contrário.
51ª - Face à supra indicada alteração da matéria de facto, impõe-se necessariamente, a prolação de decisão diversa da que consta da douta sentença recorrida, com absolvição da ré do pedido.
52ª - Mesmo que assim não se entenda, a matéria só por si, já considerada provada pelo tribunal a quo, impunha também decisão diversa da que consta da douta sentença recorrida.
53ª - O serviço doméstico encontra-se regulado pelo Dec. Lei 235/92 de 24 de outubro.
54ª – Cabia à autora recorrida provar que foi admitida ao serviço da recorrente em 14-05-1997, nos termos do disposto no art. 342º, nº 1 CC.
55ª - Não tendo a autora logrado fazer prova de tal facto e resultando da prova documental e testemunhal, que a autora apenas começou a prestar regularmente serviços domésticos na sua residência, e mediante uma contrapartida financeira regular, em janeiro de 2009, terá de se concluir que a relação laboral que vinculou a autora à ré foi apenas de 7 anos e 7 meses.
56ª – Do próprio ponto 22 dos factos provados, conjugada com a prova documental e testemunhal supra indicada) resulta que, a partir de 2014, ocorreu uma redução do horário de trabalho, de 4 tardes para 2 tardes, por semana.
57ª - A redução do horário de trabalho necessariamente importou uma redução para metade da retribuição auferida pela autora.
58ª - Não tendo a autora feito prova de que o horário de trabalho diário fosse das 14H00 às 18H00, como lhe competia, pois nenhuma das testemunhas que apresentou tinha conhecimento direto desse facto, terá de ser considerado o horário das 14H00 às 17H30, alegado pela ré.
59ª – Em face dos pontos 23 a 27 dos factos provados, e tendo em consideração a remuneração média mensal auferida pela ré (ponto 21), é manifesto que, a partir de setembro de 2016, ocorreu uma alteração substancial das circunstâncias da vida familiar da ré que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho e que a grande acumulação de despesas causou manifesta insuficiência económica do empregador, superveniente à celebração do contrato.
60ª – O que determinou a caducidade do contrato de trabalho, nos termos das al. c) e d) do artº 28º do citado diploma legal.
61ª - Mas, mesmo que assim não se entenda, sempre teriam de ser revistos os valores da condenação.
62ª – Auferindo a autora cerca de 140,00€/mês, o contrato de trabalho teve início em janeiro de 2009 e seu termo em 31-08-2016, atinge-se a antiguidade de 7 anos e 7 meses, pelo que, e por aplicação do disposto no art. 31º do Dec. Lei 235/92, o valor a pagar seria apenas de 1.120,00€ (140€ x 8 anos).
63ª – Uma vez que a ré pagou à Autora, em 28-09-2016, a quantia de 680,00€ e tendo em atenção o valor de 93,33€, a título de proporcional de subsídio de Natal, resulta que a ré já pagou à autora a quantia de 586,67€, por conta da indemnização que viesse eventualmente a ser devida. Mesmo considerando a referida indemnização de 1.120,00€, deduzindo o montante já pago, o valor a pagar seria apenas de 533,33€.
64ª – Uma vez que, em 31-08-2016, a autora recebeu da ré a quantia de 420,00€, e resultando provado que a autora auferia apenas a retribuição média mensal de 140,00€, terá de se considerar que, para além da retribuição do mês de agosto, foi igualmente paga a retribuição de férias e subsídio de férias, proporcionais ao trabalho prestado em 2016.
65ª – A douta sentença recorrida, violou, entre outros, o disposto nos artºs 342º do C. Civil, o art. 28º, al. c) e d) e artº 31º, todos do Dec. Lei 235/92 de 24 de outubro.
Termos em que, deve o recurso merecer procedência e revogar-se a sentença proferida, assim se fazendo, JUSTIÇA.

2.1. Contra-alegou o Ministério Público, em representação da Autora, formulando as conclusões que se seguem:
1. Entende a recorrente que os pontos 1, 3, 4, 6, 7, 9, 10, 11, 13, 14 e 20 dos factos provados e os pontos i) a vi) e vii) a xx) dos factos não provados foram incorretamente julgados;
2. E considera que existe manifesta contradição entre o ponto 4 e o ponto 17, ambos dos factos provados e entre o ponto 3 e o ponto 22 dos factos provados e entre estes e os pontos x) e xii) dos factos não provados.
3. Na fixação do ponto 1, o Tribunal estribou-se, essencialmente, nas declarações da Autora que, na sua perspetiva, foram emotivas, pormenorizadas, coerentes e prestadas de forma espontânea, séria e convincente, confirmadas pelo depoimento da testemunha K…, que, por ser amiga da autora há mais de 20 anos, acompanhou de perto a relação laboral estabelecida entre as partes, bem como das fotos juntas aos autos (doc. 2)
4. Pelo contrário, os demais depoimentos de sentido contrário, apresentados pelas testemunhas indicadas pela Ré, foram, na perspetiva do tribunal pouco espontâneos e evidenciaram sempre, com maior ou menor intensidade, comprometimento com a tese da Ré.
5. Se é certo que a prova por declarações de parte tem que ser analisada com especial cuidado e espírito crítico, também é certo que o tribunal é livre de lhe conferir a credibilidade, se lhe parecer merecida.
6. A Recorrente entende haver contradição entre o ponto 3 e o ponto 22, que foi transcrito da contestação da Ré, no extrato do texto onde a mesma invoca alegadas dificuldades económicas com que se pretendeu justificar o despedimento da Autora.
7. A Ré referiu as reduções salariais verificadas entre 2011 e 2013 para os funcionários públicos, juntando na mesma frase os cortes salariais e a redução do horário, sem especificar que os cortes salariais eram seus e a redução do horário era (alegadamente) da Autora.
8. Esta forma de articulação gerou um equívoco interpretativo do Tribunal que, pensamos nós, considerou que a Ré tinha sofrido cortes salariais e, ainda, redução do horário.
9. Toda a demais factualidade constante da exposição dos factos vai de encontro a este nosso ponto de vista, dada a clareza da redação do ponto 3 dos factos provados por confronto com os pontos viii) a xii) dos factos não provados, onde se exclui, de forma categórica, qualquer superveniente redução do horário de trabalho ou da retribuição da Autora:
10. Importante para este apuramento é o conteúdo da declaração subscrita pela Ré (doc. nº3 da PI) onde consta a retribuição semanal da Ré como sendo de €80,00, perfeitamente compatível com um horário de 16 horas semanais e a retribuição hora de €5,00 e completamente incompatível com a redução para um horário de 7 horas semanais, distribuídas por dois dias da semana.
11. A Recorrente entende, também, que o ponto 4 está em contradição como ponto 17 dos factos provados, mas o que resulta da sua análise comparada é que o ponto 4 retrata o critério de fixação da retribuição (€80,00/semana) e o ponto 17, o da periodicidade do respetivo pagamento (mensalmente).
12. O cálculo das retribuições tinha por base a semana de trabalho e a retribuição de €80,00, paga mensalmente com os valores das contribuições para a segurança social.
13. Já a contestada fixação dos pontos 10 e 11 resulta da análise conjugada das declarações prestadas pela Autora e dos documentos 5 e 6 juntos com a PI, ou seja uma foto de SMS enviado pela Ré e um extrato bancário onde consta um depósito feito em conta da Autora, no montante de €680,00, ocorridos em dias consecutivos.
14. E a descriminação dos valores pagos é matematicamente comprovada: o mês de setembro de 2016 teve 4 semanas completas e mais dois dias úteis (quinta e sexta), pelo que a retribuição devida era de €360,00. A Ré já pagara €40,00 á Autora conforme se assentou no ponto 9, pelo que estava em dívida, a quantia de €320,00.
15. Já o mês em que deveria ser pago o subsídio de Natal – dezembro de 2016, tinha precisamente a mesma configuração – 4 semanas completas mais 2 dias úteis (quinta e sexta feira) – a que corresponderia a retribuição de €360,00.
16. As demais e subsequentes alterações reclamadas pela Recorrente têm assento na sua perspetiva quanto á forma como a prova deveria ter sido valorada, ou seja, com desvalorização das declarações de parte e do depoimento da testemunha K…, com reservas acerca dos documentos juntos pela Autora, com especial relevo para o documento 3.
17. Conforme se viu, não foi este o entendimento do tribunal e, por conseguinte, a matéria de facto fixada resulta da livre apreciação da prova realizada pelo tribunal, com respeito pelas regras da lógica e da experiência, com exaustiva e coerente fundamentação, que não merece qualquer reparo,
18. Tal como não merece crítica a solução da questão jurídica suscitada no recurso: a de saber se ocorreu uma situação de caducidade do contrato de serviço doméstico.
19. Entendeu o tribunal que os fundamentos invocados pela Ré como impedimento para a manutenção da relação contratual com a Autora não integram os pressupostos de que o art. 28º nº 1 c) e d) do DL 235/92 de 24-10 faz depender a caducidade do contrato.
20. Tanto no que concerne á verificação de “manifesta insuficiência económica” (al. c)) como de “alteração substancial das circunstâncias de vida familiar do empregador, que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho” (al. d)).
21. Na verdade, no que se refere á primeira situação, o facto de a Ré ter sofrido uma redução de salário (que já remontava a 2011) e ter aumentado as despesas com a educação das filhas, sendo estas temporárias, não consubstancia uma situação de “manifesta insuficiência económica”, tanto mais contextualizada com a realização de férias no exterior e obras na habitação.
22. Do mesmo modo, a deslocação de uma das filhas para o estrangeiro, com a duração de um semestre académico, e portanto temporária, não pode ser visto com uma alteração substancial das circunstâncias de vida da família.
23. Nenhuma destas circunstâncias configura uma impossibilidade absoluta e definitiva de prestar/receber trabalho, salientada na doutrina e jurisprudências citadas na sentença, como pressuposto da pretendida caducidade.
24. Assim, também neste aspeto defendemos a correção da posição assumida na douta sentença.
25. Defendemos ainda que o despedimento da Autora sempre estaria sujeito a forma escrita, por aplicação das regras gerais estabelecidas no regime da cessação do contrato de trabalho previsto no Código do Trabalho.
26. Nesta perspetiva, consideramos que também a ausência de forma escrita na formalização do despedimento da autora implicaria sempre, e independentemente do demais, a ilicitude do respetivo despedimento.
27. Assim sendo, entendemos que a decisão recorrida ao considerar ilícito o despedimento da Autora e ao condenar a Ré no pagamento da indemnização calculada com base na antiguidade de 19 anos 10 meses e 26 dias, ou seja 20 anos, e demais créditos laborais, não merece qualquer reparo.
Pelo que se deve ser mantida nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso.
V. Excias, porém, farão a costumada JUSTIÇA!

2.2 Subidos os autos a esta Relação, dado o patrocínio da Autora pelo Ministério Público, não foi emitido o parecer a que alude o n.º 3 do artigo 87.º do CPT.
*
Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
*
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) reapreciação da matéria de facto; (2) O Direito: (2.1.) Enquadramento; (2.2) Da existência ou não de justa causa de rescisão; (2.3.) Demais objeto de recurso.
***
III – Fundamentação
A) De facto
1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
1 – A autora foi admitida ao serviço da Ré, em 14-05-1997, mediante contrato meramente verbal, para exercer as funções de empregada doméstica, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, e na residência desta, acima indicada.
2 - No desempenho de tais funções, competia à A. efetuar a limpeza da casa, proceder ao tratamento das roupas (lavar e passar a ferro) e preparar refeições;
3 - Cumprindo um horário de trabalho de 4 horas diárias, às segundas, terças, quintas e sextas-feiras, da parte da tarde, no total de 16 horas semanais.
4 - Como contrapartida, auferia a retribuição fixa, semanal e regular de €80,00, que corresponde ao montante mensal de cerca de €320,00.
5 - Recebia em numerário e sem emissão de recibos.
6 - Apesar de a Autora ter iniciado o seu trabalho em 14-05-1997, isto é, ainda antes do nascimento da segunda filha da Ré, e sendo a primeira filha muito pequena.
7 - A Ré só iniciou os descontos para a Segurança Social em 2009, quando precisou do depoimento da A. como testemunha, num processo pendente no Tribunal de Família.
8 - No dia 31-08-2016, véspera do retorno da A. ao trabalho, após o gozo de férias, a Ré convocou-a para comparecer na sua residência cerca das 18h30 e, nessa ocasião e lugar, disse-lhe para não voltar ao trabalho, pois prescindia dos seus serviços, a partir desse dia. (acordo) – doc. 3 e 4
9 - A Ré pagou á A. a quantia de €420,00 referente á retribuição de Agosto (€360,00) a dois dias de Setembro (€40,00) e a contribuições devidas á segurança social (€20,00).
10 - Posteriormente completou o pagamento do mês de Setembro (€320,00) e pagou-lhe o subsídio de Natal (€360,00), depositando a quantia de €680,00 na conta da A.
11 - Efetivamente, em 27/09/2016 enviou a mensagem escrita a pedir o NIB da autora.
12 - E, em 28/09/2016, fez o depósito na conta da Autora do referido valor, como consta no doc. 6.
13 - No entanto, não pagou à A. a remuneração de férias, nem o subsídio de férias, proporcionais ao trabalho prestado em 2016, no montante €426,67.
14 - Na data da cessação do contrato, a A. contava 19 anos e 3 meses de antiguidade.
15 - A Autora e seus irmãos tinham uma boa relação com a família da Ré.
16 - A autora teve pendente uma Acão de natureza laboral no Tribunal de Trabalho do Porto, que culminou com a sua reintegração em 2001, na sequência da qual continuou a prestar serviços de limpeza no Tribunal, mas apenas na parte da manhã.
17 - Mensalmente, a Ré entregava à Autora o montante correspondente às horas de trabalho prestado bem como o valor respeitante à contribuição para a segurança social que a própria Autora declarava e pagava.
18 - Para além dos referidos valores, a Ré pagava à Autora o correspondente subsídio de férias e de Natal.
19 - Sendo que, anualmente, a Ré emitia a declaração de rendimentos que a Autora auferia para efeitos de IRS.
20 - A partir de Janeiro de 2014 a autora acordou com a ré reduzir para metade o valor da contribuição para a segurança social, montante que a Ré continuou a entregar mensalmente à Autora para esta o declarar e pagar junto daquela entidade.
21 - A Ré aufere uma remuneração média mensal de €1.300,00 – fls. 37 22.
22 - Apesar das dificuldades financeiras designadamente as decorrentes dos cortes salariais, com a redução do horário de trabalho, a Ré foi conseguindo manter a Autora ao seu serviço.
23 - Contudo, no Verão de 2016, a Ré apercebeu-se que os custos com a educação escolar das filhas iriam agravar-se de forma substancial a partir de setembro de 2016, inclusive.
24 - Por um lado, a filha mais velha J… foi admitida no Programa Erasmus, no âmbito do mestrado em M… e, em Setembro do corrente ano, foi estudar para N…, na República Checa, o que implica elevadas despesas com estadia e deslocações.
25 - Por outro lado, a filha mais nova, O…, no 12º ano, decidiu alterar o percurso académico que havia escolhido o que a obrigava a ter explicações para poder fazer exame final de acesso à faculdade, a uma disciplina que não havia frequentado.
26 - Para além de ter de frequentar um curso P…, o qual é indispensável para o curso que pretende seguir.
27 - Assim, e desde o início de Setembro/2016 e até à presente data, a Ré teve de suportar as seguintes despesas extraordinárias com a educação das filhas:
- curso P…………………………………………….................754,00€
- explicações………………………………………...............330,00€
- Propinas Mestrado………………………………........301,80€
- viagens de avião…………………………………..........362,76€
- despesas estadia na Rep. Checa…………1.998,72€
28 - Em data que não recorda do mês de setembro, no início do horário de trabalho, a Ré foi chamada à portaria do seu local de trabalho, porque a Autora ali se encontrava e insistia para falar urgentemente com ela.
29 - Quando a Ré se aproximou da Autora, esta mostrava-se muito nervosa, dizendo que o lar onde o marido tinha sido inscrito, mas não chegara a ingressar por entretanto ter adoecido e falecido no Hospital, estava a exigir o pagamento de um elevado valor que ela não podia pagar.
30 - A Autora trazia na mão uma declaração por si manuscrita e solicitou à Ré que a confirmasse pois necessitava de fazer prova de que já não estava a trabalhar e não tinha meios de pagar.
31 - A Ré confirmou e assinou a declaração.
32 - No Verão de 2016, a ré fez obras de reparação no telhado da sua habitação.
33 - No Verão de 2016, a ré ausentou-se da sua habitação, tendo tido uns dias de férias com as suas filhas.
2. Como “Factos Não Provados”, fez-se constar o seguinte:
Não resultaram provados outros factos com relevo para a decisão da causa.
Não se provou, designadamente, que:
i) A Autora apenas tenha começado a prestar regularmente serviços domésticos na residência da Ré, e mediante uma contrapartida financeira regular, em Janeiro de 2009;
ii) Antes dessa data, o apoio prestado pela autora à ré fosse meramente ocasional, apenas ficando com as filhas menores em situações de doença, ou sempre que a Ré necessitava de fazer alguma limpeza extraordinária na sua habitação.
iii) A autora fosse frequentadora habitual não só da casa da ré (quando não estivesse em funções) como da casa da mãe desta.
iv) Tais serviços ocasionais fossem prestados não só pela Autora como também pela irmã desta, D. H… e pela empregada doméstica que trabalhava na casa dos pais da Ré, D. I…, dependendo da despectiva disponibilidade de cada uma.
v) Tenha sido a própria Autora a negar-se a fazer serviços de forma regular, alegando que tinha a correr um processo de impugnação de despedimento contra os Tribunais Comuns do Porto e enquanto essa Acão judicial não estivesse resolvida não pretendesse assumir qualquer vínculo laboral com ninguém, sem prejuízo do que demais se deu como assente.
vi) Tenha sido apenas no final do ano de 2008, quando a filha J…, então com 14 anos, deixou de frequentar o ATL, que a Ré tenha sentido necessidade de contratar alguém da sua confiança que pudesse realizar as atividades domésticas e confecionasse as refeições e em simultâneo fizesse companhia à filha.
vii) E que a autora apenas nessa tenha aceite trabalhar para a ré, uma vez que já tinha sido resolvida a questão judicial;
viii) Nessa altura tenha sido ajustado que a autora passaria a trabalhar a partir de janeiro de 2009, 14 horas por semana, distribuídas por 4 dias, correspondente a 3h30 m, por dia, no seguinte horário: 2ª feira, 3ª feira, 5ª feira e 6ª feira, das 14H00 às 17H30, sem prejuízo do que supra se deu como assente.
ix) E tivesse ficado estabelecido que a Autora recebia 5,00€ à hora, o que equivalia a 70,00€, por semana, sem prejuízo do que demais se deu como assente.
x) Tenha havido alteração das condições contratuais em 2014, altura em que a Ré, por ser funcionária pública e ter sofrido cortes salariais e também porque as filhas já eram mais crescidas e autónomas, tenha acordado com a Autora a redução do seu horário de trabalho, passando esta a trabalhar apenas 7 horas por semana, distribuídas por dois dias da semana, no seguinte horário: 3ª feira e 5ª feira, das 14h00 às 17H30.
xi) E que nestas novas condições laborais se tenha mantido a mesma retribuição de 5,00€/hora, equivalente a 35,00€ por semana.
xii) A partir de janeiro de 2014, a remuneração da Autora tenha sido reduzida para metade,
xiii) Apesar das despesas acrescidas com a educação das filhas, a Ré não tenha condições financeiras para continuar a manter a Autora ao seu serviço;
xiv) Em Agosto de 2016, a Ré tenha comunicado à Autora por escrito as razões que a impediam de continuar a manter o serviço domestico, designadamente a alegada incapacidade financeira para assegurar o pagamento da remuneração devida pelo seu trabalho.
xv) Com a saída da filha mais velha de casa e tendo a filha mais nova atingido os 17 anos de idade, a Ré tenha deixado de ter necessidade dos serviços da Autora.
xvi) A Autora tenha manifestado compreender as razões apresentadas pela Ré e aceite a cessação do contrato.
xvii) O montante de 680,00€ tenha configurado uma compensação pela cessação do contrato, incluindo os proporcionais do subsídio de Natal.
xviii) O documento 3, junto com a p.i., tenha sido obtido à falsa fé, não representando a realidade;
xix) Surpresa com a situação, perante o estado de nervosismo da Autora, incomodada por estar a tratar um assunto pessoal no seu local de trabalho e perante várias pessoas que entravam ao serviço, a Ré tenha assinado a declaração, sem a ler com a devida atenção, sem prejuízo do que demais se deu como assente.
xx) A Ré se tenha agora apercebido de que foi enganada e que o único propósito da Autora quando se deslocou ao seu local de trabalho, tenha sido obter uma “confissão” de que auferia um valor de 80 euros por semana, e que tal valor fosse superior ao real, com vista a aumentar o seu pedido nesta ação.
xxi) No caso dos autos tenha ocorrido caducidade do contrato justificado por insuficiência económica do empregador e alteração substancial das circunstâncias da vida familiar do empregador;
xxii) A ser devida compensação à Autora, a mesma sempre corresponderia apenas à retribuição de um mês por cada três anos de serviço, até ao limite de cinco nos termos nº 3 do art. 28º do DL 235/92.
xxiii) A autora auferisse uma média de 140,00€/mês, pelo que, com a cessação do contrato, apenas tivesse direito aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, no montante de €280,00 (140,00 /12 x8 x3).
xxiv) A ré, para além do trabalho na CML…, realize projetos, em casa, para clientes particulares, auferindo honorários pelos serviços prestados;
xxv)A ré tenha comunicado, por escrito, à autora, a caducidade do contrato de trabalho.
***
B) Discussão
1. Reapreciação da matéria de facto
Em sede de recurso, vem a Apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.
Apreciando, porque consideramos suficientemente cumpridos pela Apelante os ónus estabelecidos nos artigos 639.º e 640.º do CPC, nada obsta pois ao conhecimento, nos termos previstos no artigo 662.º do mesmo Código, o que faremos de seguida, pela ordem indicada nas conclusões do recurso, sem prejuízo de associarmos na análise os pontos que tenham direta ligação.
1.1. Pontos 1, 6 e 7, da factualidade provada, e alíneas i), ii), iii), iv), v) e vi), da factualidade não provada:
Tais pontos e alíneas, cuja matéria está sem dúvidas diretamente relacionada (versões que se contrariam), têm a redação seguinte:
Ponto 1: “A autora foi admitida ao serviço da Ré, em 14-05-1997, mediante contrato meramente verbal, para exercer as funções de empregada doméstica, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, e na residência desta, acima indicada.”
Ponto 6: “Apesar de a Autora ter iniciado o seu trabalho em 14-05-1997, isto é, ainda antes do nascimento da segunda filha da Ré, e sendo a primeira filha muito pequena.”
Ponto 7: “A Ré só iniciou os descontos para a Segurança Social em 2009, quando precisou do depoimento da A. como testemunha, num processo pendente no Tribunal de Família.”
Alínea i): “A Autora apenas tenha começado a prestar regularmente serviços domésticos na residência da Ré, e mediante uma contrapartida financeira regular, em janeiro de 2009.
Alínea ii): “Antes dessa data, o apoio prestado pela autora à ré fosse meramente ocasional, apenas ficando com as filhas menores em situações de doença, ou sempre que a Ré necessitava de fazer alguma limpeza extraordinária na sua habitação.
Alínea iii): “A autora fosse frequentadora habitual não só da casa da ré (quando não estivesse em funções) como da casa da mãe desta.
Alínea iv): “Tais serviços ocasionais fossem prestados não só pela Autora como também pela irmã desta, D. H… e pela empregada doméstica que trabalhava na casa dos pais da Ré, D. I…, dependendo da respetiva disponibilidade de cada uma.
Alínea v): “Tenha sido a própria Autora a negar-se a fazer serviços de forma regular, alegando que tinha a correr um processo de impugnação de despedimento contra os Tribunais Comuns do Porto e enquanto essa ação judicial não estivesse resolvida não pretendesse assumir qualquer vínculo laboral com ninguém, sem prejuízo do que demais se deu como assente.
Alínea vi): “Tenha sido apenas no final do ano de 2008, quando a filha J…, então com 14 anos, deixou de frequentar o ATL, que a Ré tenha sentido necessidade de contratar alguém da sua confiança que pudesse realizar as atividades domésticas e confecionasse as refeições e em simultâneo fizesse companhia à filha.”

Defende a Apelante que não foi feita “prova de que a autora tenha sido admitida ao serviço da ré em 14-05-1997”, sustentando que o Tribunal a quo, fundamentando a sua convicção “única e exclusivamente nas declarações de parte prestadas pela autora, sem qualquer prova documental ou testemunhal que a apoiasse”, “desvalorizou a prova documental junta aos autos de fls. 87 a 116 e de 121 a 130 e os depoimentos prestados (D… (4:01 a 10:07), E… (3:30 a 7:30 e 10:18 a 11:19), F… (3:15 a 6:10), que comprovam que o contrato de serviço doméstico iniciou em janeiro de 2009.”
Defendendo a exclusão dos pontos 6 – uma vez que apenas se baseou nas declarações da autora não sustentadas em qualquer outro meio probatório – e 7 – com o argumento de que não foi feita qualquer prova deste facto, nem sequer a autora o referiu em declarações de parte –, sustenta, quanto ao ponto 1 dos factos provados, que o mesmo deverá ser alterado para a seguinte redação: “1 – A autora foi admitida ao serviço da Ré, mediante contrato verbal, para exercer as funções de empregada doméstica, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, e na residência desta, acima indicada”.
Por sua vez (conclusões 27.ª a 34.ª), defende que:
- a alínea i) da factualidade não provada deverá ser dado como provado – com base na supra indicada prova, com a seguinte redação: “A Autora começou a prestar regularmente serviços domésticos na residência da Ré, e mediante uma contrapartida financeira regular, em janeiro de 2009”;
- a alínea ii) deverá ser dada como provada através dos depoimentos prestados pelas testemunhas E… (10:18 a 11:19) e da testemunha F… (5:45 a 6:10), nos termos seguintes: “Antes dessa data, o apoio prestado pela autora à ré foi meramente ocasional, apenas ficando com as filhas menores em situações de doença, ou sempre que a Ré necessitava de fazer alguma limpeza extraordinária na sua habitação”;
- da alínea iii) dos factos não provados – com base no depoimento da testemunha D… (5:20 a 5:35 e 7:00 a 7:15) – deverá ter-se como provado: “A autora era frequentadora habitual não só da casa da ré (quando não estivesse em funções) como da casa da mãe desta”;
- da alínea iv) – pelo depoimento da testemunha D… (5:20 a 5:35 e 22:35 a 23:00) – deverá considerar-se provado que “Tais serviços ocasionais eram prestados não só pela Autora como também pela irmã desta, D. H… e pela empregada doméstica que trabalhava na casa dos pais da Ré, D. I…, dependendo da respetiva disponibilidade de cada uma”;
- da alínea v) – pela testemunha D… (7:50 a 8:30) que coincide com as próprias declarações prestadas pela autora –, o seguinte: “Foi a própria Autora a negar-se a fazer serviços de forma regular, alegando que tinha a correr um processo de impugnação de despedimento contra os Tribunais Comuns do Porto e enquanto essa ação judicial não estivesse resolvida não pretendia assumir qualquer vínculo laboral com ninguém.”
- da alínea vi) deverá ser dado como provado – com base nos depoimentos prestados por D… (4:01 a 10:07) e F… ((3:15 a 6:10) – que “Foi apenas no final do ano de 2008, quando a filha J…, então com 14 anos, deixou de frequentar o ATL, que a Ré sentiu necessidade de contratar alguém da sua confiança que pudesse realizar as atividades domésticas e confecionasse as refeições e em simultâneo fizesse companhia à filha”.
Nas contra-alegações, faz o Ministério Público apelo ao modo como foram prestados os depoimentos tidos em conta pelo Tribunal recorrido – fazendo desde logo alusão ao facto de as declarações prestadas pela Autora terem sido consideradas “emotivas, pormenorizadas, coerentes e prestadas de forma espontânea, séria e convincente, confirmadas pelo depoimento da testemunha K…, que, por ser amiga da autora há mais de 20 anos, acompanhou de perto a relação laboral estabelecida entre as partes, bem como das fotos juntas aos autos”, o que não se verificou com os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pela Recorrente –, frisando ainda, quanto às declarações de parte, que “o tribunal é livre de lhe conferir a credibilidade, se lhe parecer merecida”.
Da fundamentação da matéria de facto, por referência ainda aos meios de prova invocados, fez-se constar nomeadamente o seguinte:
O tribunal considerou provados e não provados os factos acima constantes com base na prova por declarações de parte e testemunhal produzida em audiência e na prova documental junta aos autos, do modo que seguidamente se descreve. (…)
As partes estavam de acordo quanto à existência de uma relação laboral, quanto à natureza das funções exercidas, e quanto ao termo das mesmas, acordo esse que já ressaltava da análise dos articulados.
Não obstante, divergiam nos seguintes aspectos: data de admissão ao serviço, carga horária e eventual redução da mesma em 2014, e motivação para o termo da relação contratual.
B…, autora, em declarações de parte, sustentou trabalhar para a ré, desde maio de 1997, tendo referido as duas moradas onde prestou serviços. (…)
Também afirmou que o pagamento era sempre feito em numerário. Os descontos para a Segurança Social apenas começaram em 2009, quando a ré precisou que fosse testemunhar no tribunal de família. No dia do despedimento a ré entregou €20,00, €400,00 (do mês de agosto), mais 2 dias do mês de Setembro. Não lhe entregou proporcionais de férias e subsídio de férias. (…)
As suas declarações foram emotivas, pormenorizadas e coerentes. Apesar do inegável interesse no desfecho da causa, prestou declarações de forma espontânea, séria e convincente, justificando prontamente e de forma plausível todas as questões colocadas, circunstância que reforçou a sua credibilidade.
(…) K…, oficial de justiça, aposentada, referiu conhecer a autora há vários anos (desde 1982) de quem é amiga, sendo que também moram em residências muito próximas. Esta testemunha baseou-se essencialmente em comentários da autora, sendo que, no entanto, no caso dos autos, foram tomadas declarações à autora, o que permite uma confirmação de tais afirmações.
No entanto, devido a circunstâncias de vida equivalentes (o marido da autora ficou doente ao mesmo tempo que o pai da testemunha, tendo ficado internados no mesmo hospital, na mesma ala), é natural que esta testemunha revele um conhecimento mais sedimentado das condições de vida da autora.
Neste contexto, referiu saber que a autora trabalhou para uma Sr.ª arquitecta, e que “falava muito das meninas, como se fossem dela e de dois gatinhos que tinham, ela nunca teve filhos.”(sic)
Quando começou a trabalhar, o casal só tinha uma filha, depois tiveram outra, moraram na Prelada e depois mudaram para a Constituição (a arquitecta e as meninas). (…)
Prestou um depoimento coeso, consistente, assumidamente apoiado naquilo que lhe foi transmitido pela autora, mas demonstrando que o trabalho prestado por esta na casa da ré era um pilar da sua existência, quer em termos económicos, quer até em termos afectivos, salientando a ligação que tinha às filhas da ré. O facto de não ser testemunha presencial directa não lhe retira, contudo, credibilidade e relevância. Na verdade, esta testemunha foi crucial para a sedimentação da convicção do Tribunal porque demonstrou um conhecimento aprofundado e real do pedaço de vida da autora que compete ao tribunal apreciar.
D…, mãe da ré, começou por referir que a neta mais velha ficou com uma tia e uma sogra, até ir para o Infantário. Já a O… (neta mais nova) ficou com uma empregada sua – I…. Alegou que a autora está a trabalhar na casa da filha desde que a J… foi para o ATL. Confrontada com as fotografias juntas com a PI, referiu que a autora e irmãs iam frequentemente a casa, e a autora aparecerá na fotografia apenas porque ia lá ajudar pontualmente.
Interpelada, sustentou que a autora não podia, nem queria trabalhar na casa da filha, porque isso poderia interferir num processo de trabalho que tinha então pendente.
Asseverou que a autora apenas começou a trabalhar com mais regularidade na casa da filha há cerca de 8 anos e que tal aconteceu “para fazer companhia às filhas e para ajudar”(sic).
Sustentou esta testemunha que a ré pagou durante algum tempo €70,00 e depois passou para metade (reduziu o tempo de serviço e reduziu a quantia), justificando tal com os cortes nos vencimentos. (…)
Muito embora tenha confirmado os rendimentos mensais da filha e destacado as dificuldades económicas desta, prestou um depoimento genérico, sendo que a proximidade afectiva demonstrada legitimaria um conhecimento mais aprofundado da matéria em discussão nos autos.
No entanto, esta testemunha acabou por evidenciar algum comprometimento com a tese da ré, que lhe retirou credibilidade. (…)
Inversamente, F… prestou um depoimento minucioso, asseverando que antes de 2009 apenas via a autora nas festas de aniversário e que só começou a trabalhar com mais regularidade na casa da ré quando a filha mais velha foi para o 9.º ano, porque era necessário “vigiar melhor as meninas”(sic). No mais, identificou o valor da remuneração/hora (€5,00), a redução para metade em 2014, para duas tardes por semana, devido às dificuldades advenientes dos cortes salariais.
Ora, mesmo sendo esta testemunha amiga e vizinha da ré denotou um conhecimento demasiado preciso sobre aspectos que não lhe dizem directamente respeito, o que suscitou estranheza na apreciação do seu depoimento. Não é normal, mesmo num contexto de amizade, que tais pormenores sejam transmitidos, mas sobretudo que fiquem guardados de forma tão impressiva na memória de alguém que não lida directamente com a questão.
Também E…, colega e amiga da ré prestou um depoimento de contornos similares, insistindo recordar-se que trabalhou conjuntamente com a ré num projecto que se desenrolou entre 1996 e 1998, acontecendo trabalharem alternadamente na casa de uma ou de outra, não se recordando de aí ver a ré trabalhar com regularidade.
Afirmou que o serviço doméstico seria realizado de forma pontual, apenas recordando de ver a autora nas festas. Ora, esta versão dos factos não se afigura muito credível. Por um lado, atento o hiato temporal decorrido, não é plausível uma memória tão vívida quanto à regularidade com que via a autora – e está assente que admitiu que a via – na casa da ré e mais uma vez relativamente a uma matéria que em nada lhe diz respeito. Por outro lado, a autora apenas começou a trabalhar na casa da ré em maio de 1997 e o projecto decorreu entre 1996 e 1998. Pode muito bem ter acontecido que a parte preponderante do trabalho tenha decorrido antes de maio de 1997 e seja essa a realidade que a testemunha vivenciou. Ou que depois dessa data tenham optado por se encontrar maioritariamente na casa da testemunha. Certo é que a esta distância temporal não é possível um depoimento muito seguro a respeito de tal matéria. (…)
O tribunal valorou, ainda, as fotografias juntas, o teor da sms de fls. 12, o recibo de vencimento da ré de fls. 37 e os demais documentos de fls. 38 a 62 e ainda o documento de fls. 76.
Aqui chegados, e passando a uma análise crítica da prova produzida, são os seguintes os factores que descredibilizam a tese da ré:
- alusão à existência de uma acção laboral que se apurou não ter qualquer interferência com a relação contratual laboral entre autora e ré e que, de todo o modo, se decidiu em 2001 e não em 2009;
- os depoimentos das testemunhas arroladas pela ré revelam um conteúdo muito similar e coincidente, denotando algum comprometimento com a tese da ré;
- inversamente, a autora indicou por exemplo como testemunha Q…, que revelou total distanciamento e até desconhecimento do objecto do litígio;
- o argumento de que antes de 2009 a autora só recorria aos serviços da ré em caso de doença ou quando precisava de efectuar uma limpeza extraordinária é inverosímil, porquanto é do conhecimento do senso comum que é precisamente nas idades mais jovens que as crianças potenciam o trabalho doméstico, quer ao nível da limpeza das roupas, arrumação da habitação e gestão das refeições domésticas;
- na mesma ordem de raciocínio, não faz muito sentido que precisasse mais dos serviços da autora quando a filha mais velha fez 14 anos, já que se apurou que a autora foi contratada para a prestação de serviços domésticos (o que não foi posto em causa pela ré) que não abrangem, nem sequer residualmente, o pretendido acompanhamento da filha.
- a ré alegou que quem a apoiava nas tarefas domésticas eram a irmã da autora (H…) e uma empregada doméstica da mãe, de nome I…, mas nenhuma destas foi arrolada como testemunha para confirmar tal versão; (…)
Paralelamente, são os seguintes os factores que credibilizam a tese da autora:
- alusão a pormenores que credibilizam a sua tese, e que foram confirmados no decurso da audiência de julgamento (por exemplo, a testemunha D… confirmou que o seu marido faz anos a 14 de maio, facto que tinha sido indicado pela autora para justificar a memória da data do início do contrato laboral com a ré);
- o início da actividade em 1997 é mais crível porque coincide com a data em que a ré tinha uma criança pequena, preparando-se para ter mais uma filha, sendo esse momento da vida conhecido, de acordo com as regras da experiência comum, como aquele em que as necessidades domésticas aumentam exponencialmente, e a necessidade de auxílio externo, pelo menos em pais que trabalhem, acaba por ser a regra;
- não oferece qualquer credibilidade que a ré, pessoa licenciada, habituada a lidar com documentos, não tivesse lido uma Declaração escrita à mão pela empregada doméstica cujos serviços acabara de dispensar, tendo tal Declaração apenas uma dezena de linhas, e sendo esta solicitação da autora uma situação pouca habitual, já que resultou de forma unânime da prova produzida que não era habitual que a ré fosse abordada por esta no seu local de trabalho;(…)

Importando apreciar, ouvidos que foram nesta sede – integralmente, diga-se – os depoimentos prestados em audiência, todos eles aliás – não pois apenas os indicados pela Apelante –, não encontramos razão para afastar a convicção firmada em 1,ª instância, que fundamentou de modo claro, incluindo quanto às razões por que deu maior relevância, na formação da sua livre convicção, às declarações de parte da Autora face ao que foi depois referido por testemunhas, assim as indicadas pela Recorrente.
Tendo por base os normativos legais aplicáveis – assim em particular o que se dispõe nos artigos 607.º, n.º 5, e 662.º do CPC –, a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[1] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPCivil[2].
Assim o relembramos pois que, estando em causa a formação da livre convicção a que se alude no indicado normativo – resulta do n.º 5 do artigo 607.º do CPC: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” –, sendo as declarações de parte livremente apreciadas, nada impede que nelas se funde a convicção do julgador, desde que prudente, acerca da verificação de determinado facto.
Ou seja, insurgindo-se a Ré contra a valorização feita pelo Tribunal recorrido das declarações prestadas pela Autora em audiência de discussão e julgamento, desde já se avança que nada obsta a que assim ocorra, relativamente à factualidade agora reapreciada pois que, decorrendo do disposto no artigo 466.º, n.º 1 do CPC que “As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto”, tais declarações, enquanto também meio de prova, ficam sujeitas à livre apreciação do tribunal, nos termos do supra citado n.º 5 do artigo 607.º, podendo assim o julgador nessas “fundamentar a prova de factos cujo ónus de prova incumba à própria parte que presta estas declarações”[3].
Nada impedindo pois que a convicção se baseie total ou parcialmente nas declarações de parte, avançando então na análise, o que se constata no caso é que a Recorrente, baseando-se noutras provas produzidas, têm uma diversa convicção sobre o que deveria ter sido considerado ou não como provado, pretendendo que esta Relação acompanhe essa sua convicção afastando aquela que, fundadamente aliás, foi firmada em 1.ª instância.
Sendo naturalmente legítimo que forme tal convicção, não a acompanhamos porém, pelas razões seguintes.
Desde logo, consideramos que das declarações prestadas pela Autora, que ouvimos integralmente como se disse já – e que, abrangendo os demais, contrariamente ao que diz a Recorrente referiu expressamente o que se fez constar do ponto 7 –, evidenciam também para nós a convicção de que, não obstante a emotividade, foram pormenorizadas e coerentes, como ainda, acrescente-se, como o refere o Tribunal recorrido, apesar do inegável interesse no desfecho da causa, quanto à espontaneidade que revelou, dando assim assento à afirmação, do mesmo Tribunal, de que tenha considerado que essas declarações foram prestadas “de forma espontânea, séria e convincente, justificando prontamente e de forma plausível todas as questões colocadas, circunstância que reforçou a sua credibilidade”. Para além disso, acresce ainda outra prova, em particular o depoimento da testemunha K…, que também ouvimos integralmente, o qual, muito embora baseado no essencial em comentários da Autora, evidencia que esses diziam respeito a factos e circunstâncias da vida da própria Ré (assim relacionadas com as filhas) que, para além de estarem em conformidade com o que a Autora relatara em audiência, ressaltaram ainda de outra prova, assim de outros depoimentos prestados, incluindo as testemunhas referidas pela Recorrente para sustentar a alteração.
Sendo inegável que as testemunhas indicadas pela Recorrente contrariam de algum modo – assim o dizemos por entendermos que o não contrariam completamente, pois que acabam por admitir que a Autora muito, embora esporadicamente, faria serviços na casa da Ré – a posição assumida pela Autora e pela supra referida testemunha em audiência, importa porém ter em devida conta, também, o uso feito pelo julgador das regras da experiência comum na análise crítica da prova, desde logo, e particularmente, face ao que foi referido por algumas das testemunhas, quanto às explicações que deram para o facto de a Autora ser vista na casa da Ré, como ainda as fotografias juntas aos autos. Aliás, com relevância, a verdade é que todas essas testemunhas acabam por referir esse facto, não obstante ter-se passado afinal há longos anos, o que, por si só, na análise crítica que se impõe fazer, acaba por dar sustentação às próprias declarações da Autora. De resto, quanto à menção de que se trataria de situações pontuais e esporádicas, fica em aberto o que deve entender-se como tal, no pressuposto, que temos por normal, de que o passar dos anos fará cair no esquecimento pormenores que não assumam relevância especial para as pessoas. As mesmas regras da experiência também permitem, mais uma vez como o afirma o Tribunal a quo, melhor aceitar que o apoio da Autora fosse mais justificado quando as filhas da Ré tinham tenra idade, como ocorre em geral caso os pais desempenhem atividade profissional que os obrigue a estar fora de casa durante o dia e mesmo de acompanharem como desejariam as necessidades dos filhos, não permitindo dar maior apoio em casa. E, acrescentamos ainda, também dão nota de que, em muitas dessas situações, se cria afinal uma ligação mais próxima com as pessoas que, como a Autora, acabam por estar presentes na realização dessas tarefas, justificando mesmo a respetiva presença em datas de festividade, como o sejam aniversários. Por último, a existir tal relação de proximidade que nas palavras de algumas testemunhas justificaria a presença da Autora em datas festivas, como ainda o que é visível nas fotografias juntas aos autos – assim as indicadas pela Recorrente para alterar as respostas que se apreciam –, aquela não seria também compatível com o incómodo que, nas palavras da testemunha S…, a Ré mostraria quando aquela a procurou no seu local de trabalho aquando da assinatura da declaração junta a fls. 10 dos autos.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de junho de 2016[4], “a prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objeto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerum que accidit] e de conhecimentos científicos. Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, diretamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido[5]. (…) O uso, pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum, é um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, mas não na interpretação e aplicação de normas legais[6], que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica que, consequentemente, não pode ser sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a menos que, excecionalmente, através da necessária objetivação e motivação, se alcance, inequivocamente, que foi usado, para além do que é consentido pelas regras da experiência comum de vida, fundando, assim, uma conclusão inaceitável, o que não se encontra demonstrado. (…) Por outro lado, a definição da hierarquia dos meios de prova de livre apreciação, pelo tribunal, e bem assim como a consideração de certas provas, em detrimento da desconsideração de outras, ou de determinados depoimentos, em primazia de outros, sustenta-se ainda no aludido princípio da convicção racional, que não afeta o princípio da igualdade processual das partes[7]. (…)”
Daí que, vista a fundamentação plasmada pelo Tribunal recorrido, aplicando ao caso tais princípios, da conjugação crítica da prova produzida, à luz também das aludidas regras da experiência comum, não ocorra razão para infirmar a sua convicção. Ou seja, não ocorre fundamento bastante para, afastando essa, se opte por aquela que a Recorrente defende, por entendermos que os fundamentos/razões que indica não o justificam. Dito de outro modo, não sendo nos termos expostos colocados em causa verdadeiramente os fundamentos em que assentou a convicção do Tribunal a quo (sem esquecermos também que beneficiou das vantagens da imediação da prova), que merecem aliás em geral a nossa concordância, não ocorre razão para este Tribunal de recurso aquela afastar, de tal modo que, sem fundamento que tal suporte, formasse uma qualquer outra, assim em particular a pretendida pela Recorrente.
Improcede pois o recurso nesta parte, claudicando as correspondentes conclusões.
1.2. Pontos 3 e 20 da factualidade provada e alíneas viii) e x) a xii) da factualidade não provada:
Ponto 3 da factualidade provada: “Cumprindo um horário de trabalho de 4 horas diárias, às segundas, terças, quintas e sextas-feiras, da parte da tarde, no total de 16 horas semanais.”
Ponto 20 da factualidade provada: “A partir de janeiro de 2014 a autora acordou com a ré reduzir para metade o valor da contribuição para a segurança social, montante que a Ré continuou a entregar mensalmente à Autora para esta o declarar e pagar junto daquela entidade.”
Alínea viii) dos factos não provados: “Nessa altura tenha sido ajustado que a autora passaria a trabalhar a partir de janeiro de 2009, 14 horas por semana, distribuídas por 4 dias, correspondente a 3h30 m, por dia, no seguinte horário: 2ª feira, 3ª feira, 5ª feira e 6ª feira, das 14H00 às 17H30, sem prejuízo do que supra se deu como assente.”
Alínea x) dos factos não provados: “Tenha havido alteração das condições contratuais em 2014, altura em que a Ré, por ser funcionária pública e ter sofrido cortes salariais e também porque as filhas já eram mais crescidas e autónomas, tenha acordado com a Autora a redução do seu horário de trabalho, passando esta a trabalhar apenas 7 horas por semana, distribuídas por dois dias da semana, no seguinte horário: 3ª feira e 5ª feira, das 14h00 às 17H30.”
Alínea xi) dos factos não provados: “E que nestas novas condições laborais se tenha mantido a mesma retribuição de 5,00€/hora, equivalente a 35,00€ por semana.”
Alínea xii) dos factos não provados: “A partir de janeiro de 2014, a remuneração da Autora tenha sido reduzida para metade.”
Sustenta a Recorrente (conclusão 8.ª) que, em face do ponto 22 dos factos provados e das declarações de fls. 87 a 116, como os extratos de remunerações de fls. 121 a 130 e do depoimento prestado pela testemunha G… (3:30 a 9:45) impõe-se alterar este ponto para passar a ter a seguinte redação: “3 - Cumprindo, até 2014, um horário de trabalho de 4 horas diárias, às segundas, terças, quintas e sextas-feiras, da parte da tarde, no total de 16 horas semanais.”
Ou seja, nesta parte do recurso, a divergência apontada pela Recorrente centra-se apenas na circunstância de entender que o horário que se deu como provado apenas se manteve até 2014.
Porém, contrariando afinal essa sua posição, ao impugnar a alínea viii) da factualidade não provada (conclusão 33.ª), sustenta – com base no depoimento prestado por D… (9:05 a 11:00) e nas próprias declarações da autora, que apenas divergiu quanto à hora de saída, que indicou como sendo as 18H00, enquanto a ré alegou ser às 17H30, convergindo no demais (dias da semana) –, indica como redação a dar ao novo facto provado o seguinte: “Nessa altura foi ajustado que a autora passaria a trabalhar a partir de janeiro de 2009, 14 horas por semana, distribuídas por 4 dias, correspondente a 3h30m, por dia, no seguinte horário: 2ª feira, 3ª feira, 5ª feira e 6ª feira, das 14H00 às 17H30.” Ou seja, quanto ao horário de trabalho, toma diversa posição no que diz respeito ao número de horas total semanal e ao número de horas diárias, assim respetivamente 14 em vez de 16 horas semanais e 3h30m em vez de 4 horas diárias.
Já sobre o ponto 20 da factualidade provada (conclusões 24.ª e 25.ª) e alíneas x) a xii) da factualidade não provada (conclusões 35.ª a 37.ª) – com base nos depoimentos prestados por D… (10:30 a 11:50), G… (3:30 a 9H45), F… (7:04 a 8:15) bem como da prova documental de fls. 87 a 116 e de fls. 121 a 130, bem como, ainda, diz, em consonância com o ponto 22 dos factos provados – entende dever considerar-se provado:
- Quanto à alínea x): “Houve alteração das condições contratuais em 2014, altura em que a Ré, por ser funcionária pública e ter sofrido cortes salariais e também porque as filhas já eram mais crescidas e autónomas, acordou com a Autora a redução do seu horário de trabalho, passando a esta a trabalhar apenas 7 horas por semana, distribuídas por dois dias da semana, no seguinte horário: 3ª e 5ª feira, das 14h00 às 17h30”.
- Quanto à alínea xi): “Nestas novas condições laborais manteve-se a mesma retribuição de 5,00€/hora, equivalente a 35,00€ por semana.
- Quanto à alínea xii): “A partir de janeiro de 2014, a remuneração da Autora foi reduzida para metade.”
- Sobre o ponto 20: “A partir de janeiro de 2014 a autora acordou com a ré reduzir para metade o horário de trabalho e o valor da contribuição para a segurança social, montante que a Ré continuou a entregar mensalmente à Autora para esta o declarar e pagar junto daquela entidade.”
Sem deixarmos de dar nota também de que estão em causa os mesmos factos – o que justificaria que a Recorrente tivesse tido um especial cuidado no sentido de evitar repetições, juntando pois os argumentos e formulando quanto a cada facto uma única resposta alternativa –, entrando diretamente na apreciação, importa ter presente, em primeiro lugar, no que diz respeito à alínea viii) da factualidade não provada, que a sua factualidade já foi afinal objeto da nossa análise, assim quanto a saber se a relação se iniciou como o sustenta a Recorrente apenas em 2009, sendo que concluímos, como resulta do ponto anterior, que essa se iniciou em 14-05-1997.
Ficando pois por saber apenas qual o horário de trabalho da Autora e se em 2014, como o sustenta a Ré, esta (“por ser funcionária pública e ter sofrido cortes salariais e também porque as filhas já eram mais crescidas e autónomas) “acordou com a Autora a redução do seu horário de trabalho, passando esta a trabalhar apenas 7 horas por semana, distribuídas por dois dias da semana, no seguinte horário: 3ª e 5ª feira, das 14h00 às 17h30”, quanto à primeira parte – assim sobre o horário de trabalho que a Autora cumpriu até 2014 –, apreciando a questão nos termos indicados, valem afinal aqui as mesmas razões já apontadas anteriormente (“1.1.”) sobre a valoração feita e a fazer sobre as declarações da Autora e os depoimentos das testemunhas indicadas pela Recorrente, sendo que, como então, nenhuma razão encontramos para não acompanharmos a convicção do Tribunal recorrido, assente no essencial nas declarações prestadas pela Autora, de forma expressa e sem hesitação, afirmou que sempre trabalhou 4 horas diárias, às segundas, terças, quintas e sextas-feiras, da parte da tarde, no total de 16 horas semanais.
O mesmo se diga também a propósito do pretenso acordo ocorrido em 2014 no sentido da redução do horário de trabalho, pois que perguntada expressamente a Autora sobre tal aspeto, a mesma negou perentoriamente que tenha ocorrido qualquer redução, explicando as razões por que passou a constar das declarações valor inferior, assim para redução dos valores a pagar à segurança social, com o argumento de que não aguentava as despesas, continuando porém a trabalhar as mesmas horas – e por vezes mesmo mais – e a receber o mesmo montante semanal.
Ou seja, do que se trata é mais uma vez da valoração a fazer das declarações da Autora, em confronto com os documentos juntos aos autos (assim os indicados pela Recorrente no recurso), sem esquecermos o teor do que se encontra a fls. 10, assinado pela Ré, em que se refere que deixou de receber “80 euros por semana”, em contrapondo com o que, contrariando essas declarações, foi referido pelas testemunhas a que alude a Recorrente, no sentido de que teria ocorrido uma redução em 2014 das horas de trabalho prestadas pela Autora.
Ora, cumprindo reapreciar, desde já se consigna que não encontramos razão para afastarmos, com base na prova indicada pela Recorrente, a convicção que foi firmada pelo Tribunal a quo, com base essencialmente nas declarações prestadas pela Autora – transparecendo da audição que fizemos que essas declarações se apresentam como espontâneas e sem hesitação que as infirme, relatando a Autora, com o pormenor exigível, o que se passou ao longo dos anos e explicando, de um modo que se nos afigura como perfeitamente aceitável de acordo com as regras da experiência e mesmo da lógica, sem contradição, cada um dos factos sobre os quais depôs, face ao que lhe foi sendo perguntado –, mas sem esquecermos também o teor da própria declaração assinada pela Ré, junta a fls. 10 dos autos, sendo que, à semelhança do que concluiu o Tribunal a quo, não nos parece colher sustentação a versão da Ré dirigida à impugnação do seu conteúdo – refere-se na fundamentação, o que acompanhamos, o seguinte: “Analisando agora a prova documental e começando por este documento de fls. 10, afigura-se que não é de todo credível que uma pessoa com a qualificação académica e profissional da ré não pudesse, mesmo pressionada por estar no seu local de trabalho, aferir rapidamente do teor das linhas manuscritas que compõem o documento. Ainda para mais, o mesmo está escrito numa linguagem simples, acessível e a letra é perfeitamente compreensível. Pelo que não colhe, de todo, o argumento de que apenas com esta ação se inteirou do conteúdo do mesmo”.
Do exposto resulta, pois, que, com base na prova produzida, não acompanhamos a Recorrente na sua pretensão de ver alterado os pontos 3 e 20 da factualidade provada e de dar como provado, quanto às alíneas viii), x), xi) e xii) da factualidade não provada, a factualidade que refere (a última, aliás, claramente conclusiva).
Não obstante, num aspeto tem razão a Recorrente ao fazer apelo ao que se deu como provado no ponto 22 da factualidade, assim a menção que desse consta “com a redução do horário de trabalho”, por se poder entender que essa possa ser contraditória com a não prova da redução do horário que consta da alínea x) da factualidade não provada. Na verdade, nessa perspetiva, não tendo sido alegada outra, poderá perguntar-se a que redução do horário de trabalho se refere afinal o aludido ponto 22.
Nas contra-alegações o Ministério Público avança com uma tentativa de explicação (conclusões 7 a 10).
Ora, independentemente dessa, constata-se que da fundamentação da matéria de facto, muito embora nada se refira expressamente quanto ao aludido ponto (22), se retira sem dúvidas a conclusão de que a convicção do Tribunal a quo foi no sentido de que não ocorreu a invocada redução do horário de trabalho da Autora em 2014, tendo por base as declarações por essa prestadas e o teor da declaração junta a fls. 10 dos autos, conclusão essa que, como referimos anteriormente, não há fundamento para afastarmos, o que nos permite, fazendo uso dos poderes desta Relação na reapreciação da matéria de facto (artigo 662.º do CPC), alterar oficiosamente o ponto 22 da factualidade provada de modo a excluir-se tal expressão, passando o mesmo a ter a redação seguinte:
22 - Apesar das dificuldades financeiras designadamente as decorrentes dos cortes salariais, a Ré foi conseguindo manter a Autora ao seu serviço.

1.3. Ponto 4 da factualidade provada e alínea ix) da factualidade não provada:
O aludido ponto tem a redação seguinte:
“4 - Como contrapartida, auferia a retribuição fixa, semanal e regular de €80,00, que corresponde ao montante mensal de cerca de €320,00.”
Por sua vez, consta da alínea ix): “E tivesse ficado estabelecido que a Autora recebia 5,00 € à hora, o que equivalia a 70,00 €, por semana, sem prejuízo do que demais se deu como assente.”
Sustenta a Recorrente que o ponto 4 está em clara contradição com o ponto 17 dos factos provados, devendo pois aquele ser eliminado (conclusão 10.ª).
Por sua vez, quanto à analisada alínea dos factos não provados, sustenta (conclusão 34ª) que deverá ser dado como provado – indicando o depoimento prestado por D… (9:05 a 11:00) – com a seguinte redação: Tendo ficado estabelecido que a Autora recebia 5,00€ à hora, o que equivalia a 70,00€, por semana.
Ora, analisando, em primeiro lugar, como bem refere o Tribunal a quo na sua fundamentação, “a divergência não respeitava ao valor hora, mas ao número de horas que a autora trabalharia” (para além de que da declaração de fls. 10 resulta “que o valor de 80€ coincide com um horário de 16 horas semanais a 5 euros à hora”), sendo que este aspeto já foi por nós apreciado anteriormente, para onde remetemos pois.
Ficando por apreciar, em segundo lugar, a invocada contradição, a verdade é que, salvo o devido respeito, referindo-se no ponto 4 que a Autora “auferia a retribuição fixa, semanal e regular de €80,00, que corresponde ao montante mensal de cerca de €320,00”, não se vislumbra em que tal colida com o que resulta do ponto 17, assim de que “mensalmente, a Ré entregava à Autora o montante correspondente às horas de trabalho prestado bem como o valor respeitante à contribuição para a segurança social que a própria Autora declarava e pagava”. De facto, não resultando deste último sequer que o número de horas prestado fosse diverso de semana para semana, o que se retira é que, em conformidade afinal com o ponto 4, a Ré entregava à Autora o montante correspondente às horas de trabalho prestado bem como o valor respeitante à contribuição para a segurança social que a própria Autora declarava e pagava, ou seja, afinal correspondente ao que consta daquele ponto.
Improcede pois, sem necessidade de outras considerações, o recurso nesta parte.
1.4. Ponto 9 da factualidade provada:
O aludido ponto tem a redação que se segue:
“9 - A Ré pagou á A. a quantia de €420,00 referente á retribuição de agosto (€360,00) a dois dias de setembro (€40,00) e a contribuições devidas á segurança social (€20,00).”
Sustenta a Recorrente (conclusões 13.ª e 16.ª) que, para além de se basear apenas “nas declarações da autora não sustentadas em qualquer outro meio probatório”, o analisado facto está em contradição com o ponto 22 dos factos provados, onde se refere ter havido uma redução do horário de trabalho da autora, o que certamente determinou equivalente redução da retribuição, para além de que, tendo o contrato cessado em 31-08-2016, não faz sentido que a ré tivesse pago antecipadamente dois dias de um mês em que a autora já não iria trabalhar. Daí que, aceitando por confissão que, em 31-08-2016, a autora recebeu da ré a quantia de 420,00€, não ficou demonstrado a que se reportaram tais valores, pelo que se impõe a alteração deste ponto, para passar a ter a seguinte redação: “9 – Em 31-08-2016, a Ré pagou à A. a quantia de €420,00.”
Ora, por decorrência da exclusão oficiosa, supra decidida, da expressão “com a redução do horário de trabalho” do ponto 22, afastada fica a invocada pretensa contradição desse ponto com o que agora se analisa.
Quanto ao mais, tendo por base o que foi a esse propósito referido expressamente pela Autora nas suas declarações, torna-se evidente que a mesma sem dúvidas mencionou o que se fez constar da resposta, assim de que a Ré lhe pagou tal valor, referente às contas que lhe apresentou do mês de agosto, a dois dias do mês de setembro e ao valor a pagar à segurança social. Ou seja, tendo ainda presente o que resulta do ponto 8 da factualidade provada, assim de que a Ré convocou a Autora, no dia 31-08-2016 (véspera do seu retorno ao trabalho, após o gozo de férias) para comparecer na sua residência cerca das 18h30 e que nessa ocasião e lugar lhe disse para não voltar ao trabalho, pois prescindia dos seus serviços a partir desse dia (ponto 8 da factualidade provada), nada invalida, fazendo assim sentido, até pelo facto de essa comunicação ser afinal repentina, que tivesse decidido pagar à Autora os dois primeiros dias imediatamente seguintes.
Não obstante improceder a pretensão da Recorrente, sendo as referidas declarações que estão na base da convicção formada quanto a esse facto, justifica-se que a sua redação dê correspondência a esse facto, ou seja que o valor pago decorreu do que foi então referido pela Ré à Autora. Assim, por alteração oficiosa, a redação do ponto 9 passa a ser a seguinte:
9 - A Ré pagou á A. a quantia de €420,00, referindo-lhe que €320,00 diziam respeito às contas do mês de agosto, €40,00 a dois dias de setembro e €20,00 a contribuições devidas á segurança social.
1.4. Pontos 10 e 11 da factualidade provada:
Tais pontos têm a redação seguinte:
“10 - Posteriormente completou o pagamento do mês de setembro (€320,00) e pagou-lhe o subsídio de Natal (€360,00), depositando a quantia de €680,00 na conta da A.
11 - Efetivamente, em 27/09/2016 enviou a mensagem escrita a pedir o NIB da autora.”
Defende a Recorrente (conclusões 17.ª e 18.ª), com base nos mesmos argumentos invocados a propósito do ponto anterior, que se impõe retirar a expressão “efetivamente” do ponto 11 e alterar o ponto 10 para a seguinte redação: “10 – Em 28-09-2016, a ré depositou a quantia de 680,00€ na conta da autora.”
Apreciando, remetemos para o que mencionámos a propósito da resposta ao ponto 9 da factualidade pois que, face às declarações prestadas pela Autora – a mesma refere nas suas declarações que a Ré lhe transmitiu que posteriormente lhe pagaria o resto do mês de setembro (que lhe “dava” o mês de setembro) e o subsídio de Natal –, a factualidade em causa resulta afinal dessas mesmas declarações, aceites como se viu na formação da convicção do Tribunal, estando ainda de acordo com o facto 11 provado, sem prejuízo da exclusão da expressão “efetivamente” porque desnecessária e de algum modo conclusiva, como ainda com o ponto 12: “E, em 28/09/2016, fez o depósito na conta da Autora do referido valor, como consta no doc. 6.
Deste modo, justifica-se que o facto dê correspondência ao que se passou, alterando-se o ponto 10 em conformidade com o que se disse, bem como ainda excluindo a menção “efetivamente” do ponto 11.
Passam assim os aludidos pontos a ter a redação seguinte:
10 – A R. disse à A. que lhe daria o resto do mês de setembro e que complementaria posteriormente o pagamento desse mês, bem como que lhe pagaria o subsídio de Natal (€360,00), depositando na sua conta a quantia de €680,00.
11- Em 27/09/2016 enviou a mensagem escrita a pedir o NIB da autora.
1.5. Ponto 13 da factualidade provada:
Do referido ponto consta: “No entanto, não pagou à A. a remuneração de férias, nem o subsídio de férias, proporcionais ao trabalho prestado em 2016, no montante €426,67.
Sustenta a Recorrente (conclusões 19.ª a 21.ª) que, tendo a autora declarado ter recebido da ré em 31-08-2016 a quantia de 420,00€, considerando como assente no ponto 22 da matéria de facto ter existido uma redução do horário de trabalho e, consequentemente, uma redução da retribuição devida à autora, deverá considerar-se que o montante pago naquela data incluía igualmente a remuneração de férias e subsídio de férias proporcionais a 2016, pelo que, considerando que a autora recebia uma média de 140,00€/mês, como alegou a ré e ficou demonstrado nos autos designadamente pela prova documental de fls. 87 a 116 e de fls. 121 a 130, a verdade é que, em 31-08-2016, a ré pagou à autora o equivalente a três remunerações (140,00 x3 = 420,00€), pelo que este facto terá de ser alterado para a seguinte redação: “13 – A ré pagou à A. a remuneração de férias e o subsídio de férias, proporcionais ao trabalho prestado em 2016, no montante de €426,67.”
Caindo a argumentação da Ré no que se refere à invocada redução do horário de trabalho, nos termos antes afirmados, carecem também de qualquer sustentação, por direta decorrência, os argumentos agora apresentados, baseados afinal naquela, não atendida, prova dessa redução, o que basta para concluir, sem necessidade de outras considerações, pela improcedência do recurso também nesta parte.
Não obstante, oficiosamente, impõe-se expurgar desse facto a referência ao valor – “no montante €426,67” –, por ter a natureza de facto conclusivo que envolve também aplicação do direito. De facto, saber o que é ou não devido a esse título será decorrente da aplicação das normas legais aplicáveis aos factos, sendo que só estes e já não aquele juízo, que se assume como facto.
Por assumir tal natureza, mesmo em sede de recurso, no âmbito dos poderes da Relação no que diz respeito à apreciação da matéria de facto, acentuados com a Reforma de 2013 do CPC (artigo 662.º), não obstante a revogação com a mesma reforma do anterior artigo 646.º, em que se previa que no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito – solução que como é entendimento doutrinário e jurisprudencial se aplica, por analogia, às respostas que constituam conclusões de facto, designadamente quando as mesmas têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem[8] –, deve continuar a entender-se, como se afirma entre outros no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de setembro de 2014[9], que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual.
Estando em causa a questão de saber qual a distinção entre matéria de facto e de direito, uma das mais controversas da doutrina processualista e que mais problemas de fronteira coloca, escreve-se no citado Acórdão a esse respeito[10]:
“O problema da distinção entre questões de facto e de direito tem sido tratado principalmente a propósito da linha de demarcação entre a competência dos tribunais de instância e a competência do Supremo Tribunal de Justiça, a qual está restringida a matéria de direito.
(...) Na formulação de Alberto dos Reis, «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei».
Segundo Karl Larenz, a “questão de facto” reporta-se ao que efectivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica.
Existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos.
Há que partir, portanto, da unidade do caso jurídico decidindo e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o fundamento e o critério do juízo e com o próprio e concreto juízo decisório – questão de direito. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos.
Contudo, a tradição do nosso pensamento jurídico, no seguimento de Alberto dos Reis, considera que a actividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo, apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos. Continua o autor, afirmando que «tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória».
Se na resposta a determinado quesito houver matéria de facto e matéria de direito, deve aproveitar-se a decisão na parte relativa à primeira e considerar-se não escrita na parte relativa à segunda.
Tem-se entendido, na jurisprudência e na doutrina, que as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados.
Para Teixeira de Sousa, «A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (cfr. STJ – 13/12/1983, BMJ 332, 437).
Abrantes Geraldes defende que “devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem”.
Em consequência, devem ser eliminadas da matéria de facto, quer a matéria de direito, quer a conclusão de facto ou expressões conclusivas que traduzam juízos de valor e que excedam a resposta de facto.
Os juízos ou conclusões de facto situam-se numa zona intermédia entre os puros factos e as questões de direito e encontram-se incluídos na legislação como parte integrante da hipótese legal de numerosas normas jurídicas, podendo nuns casos aproximarem-se mais de uma questão de facto e noutros de uma questão de direito.
Como se tem defendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal, «A linha divisória entre matéria de facto e matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta. A nível do julgamento da matéria de facto só são proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-09-1997, Processo n.º 151/97, Relator: Conselheiro Sousa Inês). O que num caso pode ser facto ou juízo de facto, noutro pode ser juízo de direito.
A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso o facto conclusivo deve ser havido como não escrito, nos termos do art. 646.º, n.º 4 do CPC. No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito.»

Sobre a mesma questão podem ver-se também, de entre outros, os Acórdãos do mesmo Tribunal de 29 de Abril de 2015 e 28 de Janeiro de 2016, como também o recente Acórdão de 15 de setembro de 2016[11], em que se reafirma que, «pese embora não se encontrar no Novo CPC preceito legal que corresponda ao art. 646º, nº 4, do anterior CPC, que impunha, como consequência, para as respostas sobre matéria de direito que as mesmas fossem consideradas “como não escritas”, actualmente o Juiz não fica dispensado de efectuar “o cruzamento entre a matéria de facto e de direito”, evitando formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam directamente ao objecto da acção.»
Do exposto resulta, pois, concluindo, a exclusão do analisado facto da expressão “no montante €426,67”, passando esse a ter a seguinte redação:
13 - No entanto, não pagou à A. a remuneração de férias, nem o subsídio de férias, proporcionais ao trabalho prestado em 2016.
1.6. Ponto 14 da factualidade provada:
Redação do ponto 14: “Na data da cessação do contrato, a A. contava 19 anos e 3 meses de antiguidade”.
Sustenta a Recorrente (conclusões 22.ª a 23.ª) que – como base na prova documental constante de fls. 87 a 116 e 121 a 130 e nos depoimentos das testemunhas D… (4:01 a 10:07), E… (3:30 a 7:30 e de 10:18 a 11:19) e F… (3:15 a 6:10), é manifesto que a data de admissão da autora ocorreu em janeiro de 2009 e, como tal, na data da cessação do contrato, a autora contava apenas com 7 anos e 7 meses de antiguidade. Daí que, diz, o ponto 14 da matéria de facto provada deve ser alterado para a seguinte redação: “Na data da cessação do contrato, a A. contava 7 anos e 7 meses de antiguidade.”
Estando a questão do momento do início da relação já definida anteriormente, momento em que se afastou a pretensão da Recorrente no sentido de que esse tivesse sido em janeiro de 2009, nada mais importa referir agora a esse propósito.
Não obstante, mais uma vez oficiosamente, impõe-se excluir o que consta do ponto 14 por se tratar de menção meramente conclusiva e que envolve ainda um juízo de direito, nos termos configurados anteriormente – 1.6., paro onde remetemos. Na verdade, apara além de envolver um juízo normativo (o que é a antiguidade neste âmbito), o saber se a antiguidade é a que se fez constar ou diversamente qualquer outra é conclusão que haverá de resultar dos factos provados, assim o momento do início da relação laboral, sendo este e já não aquela, que se configura como facto.
Exclui-se pois o que consta do ponto 14 da factualidade provada.
1.7. Alínea xiii) dos factos não provados:
Destra alínea consta: “Apesar das despesas acrescidas com a educação das filhas, a Ré não tenha condições financeiras para continuar a manter a Autora ao seu serviço.”
Sustenta a Recorrente (conclusão 38ª) ser conclusivo o que consta da aludida alínea, mas mesmo que seja considerado, em face dos pontos 23 a 27, conjugados com o ponto 21 dos factos provados, deverá ser alterado para a seguinte redação: “Com as despesas acrescidas com a educação das filhas, a Ré não tinha condições financeiras para continuar a manter a Autora ao seu serviço.”
Tem razão a Recorrente quando sustenta tratar-se de menção meramente conclusiva e, enquanto tal, não atendível enquanto verdadeiro facto, nos termos afirmados anteriormente.
Daí que, sem necessidade de outras considerações, não seja de atender a qualquer redação alternativa, assim a proposta pela Ré, que aliás se traduz, do mesmo modo, em menção meramente conclusiva.
1.8. Alínea xiv) dos factos não provados:
Esta alínea tem a redação seguinte: “Em agosto de 2016, a Ré tenha comunicado à Autora por escrito as razões que a impediam de continuar a manter o serviço domestico, designadamente a alegada incapacidade financeira para assegurar o pagamento da remuneração devida pelo seu trabalho.”
Defende a Recorrente (conclusão 39ª) que deverá ser dado como provado que a comunicação foi verbal – porque a própria autora confirmou nas suas declarações de parte (14.20 a 14:35) –, propondo a seguinte redação: “Em agosto de 2016, a Ré comunicou à Autora verbalmente as razões que a impediam de continuar a manter o serviço doméstico, designadamente a incapacidade financeira para assegurar o pagamento da remuneração devida pelo seu trabalho."
Das declarações da Autora – ponto indicado pela Recorrente – resulta de facto, mas apenas, que a Ré lhe disse que a filha mais velha ia para fora e que já tinha combinado com a filha mais nova para fazer a limpeza da casa e que prescindia dos seus serviços.
Constando já do ponto 8 da factualidade provada que “no dia 31-08-2016, véspera do retorno da A. ao trabalho, após o gozo de férias, a Ré convocou-a para comparecer na sua residência cerca das 18h30 e, nessa ocasião e lugar, disse-lhe para não voltar ao trabalho, pois prescindia dos seus serviços, a partir desse dia”, apenas importa acrescentar, diversamente do que entende a Ré, tendo presentes as referidas declarações da Autora, o seguinte: Aquando do referido em 8, a R. disse à A. que a filha mais velha ia para fora e que já tinha combinado com a filha mais nova para fazer a limpeza da casa.
Adita-se em conformidade, sob o n.º 8-A, um novo ponto, com a referida redação.
1.9. Alínea xv) dos factos não provados:
A referida alínea tem a redação seguinte: “Com a saída da filha mais velha de casa e tendo a filha mais nova atingido os 17 anos de idade, a Ré tenha deixado de ter necessidade dos serviços da Autora.”
Sustenta a Recorrente (conclusão 40ª) – porque resulta dos depoimentos prestados por D… (14:04 a 17:29) e por F… (12:20 a 12:55) – dever ser considerado provado que “Com a saída da filha mais velha de casa e tendo a filha mais nova atingido os 17 anos de idade, a Ré deixou de ter necessidade dos serviços da Autora.”
Tratando-se mais uma vez de mera conclusão (juízo conclusivo) a retirar dos factos, em sede de matéria de facto só estes importam e já não, como se afirmou, as meras conclusões. Ou seja, saber se da saída da filha mais velha de casa e do facto de a filha mais nova ter atingido os 17 anos de idade decorre a referida desnecessidade dos serviços da Autora é apenas uma mera conclusão e não pois um facto atendível nesta fase em que apenas se aprecia o juízo sobre a prova de factos.
Improcede pois o recurso também nesta parte.
1.10. Alínea xvii) dos factos não provados:
Tem a referida alínea a redação seguinte: “O montante de 680,00€ tenha configurado uma compensação pela cessação do contrato, incluindo os proporcionais do subsídio de Natal.”
Sustenta a Recorrente (conclusão 41ª) que, com base no depoimento de D… (21:15 a 21:30), deve dar-se como provado: “A Autora manifestou compreender as razões apresentadas pela Ré e aceitou a cessação do contrato.”
Ora, salvo o devido respeito, não se percebendo qual a ligação entre a redação da analisada alínea e o facto que a Recorrente pretende ver provado – esta alínea não comporta este –, aceitando-se que decorre de lapso de indicação, querendo a Recorrente referir-se à alínea xvii (que tem a seguinte redação: “A Autora tenha manifestado compreender as razões apresentadas pela Ré e aceite a cessação do contrato”), a verdade é que, ainda assim, tendo presentes as declarações prestadas pela Autora, com facilidade se afastará qualquer conclusão no sentido apontado pela Recorrente, sendo que aquela, pelo contrário, mostrou claro inconformismo.
Improcede pois o recurso nesta parte.
1.11. Alínea xviii) dos factos não provados:
A referida alínea tem a redação seguinte: “O documento 3, junto com a p.i., tenha sido obtido à falsa fé, não representando a realidade.”
Sustenta a Recorrente (conclusão 42ª) que “o ponto xviii) deverá ser dado como provado porque a autora reconheceu ter recebido 420,00€ em 31-08-2016 e, tendo o contrato de trabalho cessado nessa data, como foi pacificamente aceite por ambas as partes, o valor de 680,00€ terá de ser configurado como uma compensação pela cessação do contrato de trabalho e proporcionais do subsídio de Natal, com a seguinte redação: “O montante de 680,00€ configurou uma compensação pela cessação do contrato, incluindo os proporcionais do subsídio de Natal.”
Mais uma vez só se percebe minimamente o alegado no pressuposto de que tenha ocorrido lapso de indicação na alínea, querendo a Recorrente referir-se, em vez de xviii), à alínea xvii), que tem a redação seguinte: “O montante de 680,00€ tenha configurado uma compensação pela cessação do contrato, incluindo os proporcionais do subsídio de Natal.”
Ora, ainda que assim se entenda, não colhe sustentação o proposto que, para além de conclusivo, está diretamente relacionado com os factos 10 a 12 da factualidade provada, apreciados supra no ponto “1.4” da nossa análise, sendo que, face ao que então se fez constar, não colhe sustentação na prova o que se propõe.
1.12. Alínea xix) dos factos não provados:
Desta alínea consta: “Surpresa com a situação, perante o estado de nervosismo da Autora, incomodada por estar a tratar um assunto pessoal no seu local de trabalho e perante várias pessoas que entravam ao serviço, a Ré tenha assinado a declaração, sem a ler com a devida atenção, sem prejuízo do que demais se deu como assente.”
Entende a Recorrente (conclusões 43.ª a 45.ª) resultar do depoimento prestado por K… (26:50 a 28:00), testemunha da autora e oficial de justiça que, sabendo em que termos deveria ser redigida a declaração de fls.10, sugeriu o texto da declaração e aconselhou a autora a dirigir-se à ré para obter a respetiva confirmação e assinatura, pelo que, tendo-se a autora deliberadamente deslocado ao serviço da ré na Câmara Municipal L…, na hora de trabalho (e não à residência desta como seria normal), onde a pressionou para assinar a declaração, num contexto completamente adverso a uma ponderada leitura e reflexão sobre o seu conteúdo, deve ser dado como provado com a seguinte redação: “O documento 3, junto com a p.i. foi obtido à falsa fé, não representando a realidade.”
Ora, independentemente do que possa resultar a propósito dessa matéria da factualidade provada, sem dúvidas que o que é proposto configura uma mera ilação ou conclusão, envolvendo ainda juízo valorativo de direito, a retirar de factos, sendo que não é a estes que a Recorrente faz apelo.
Porque assim é, remetendo-se mais uma vez para o que referimos anteriormente a propósito desse tipo de menções, o que se propõe não pode ser considerado nesta sede, neste momento, em que está em reapreciação apenas a matéria de facto, improcedendo deste modo, nesta parte, também o recurso.
1.13. Alíneas xxi), xxii), xxiii) e xxv) dos factos não provados:
Tais alíneas têm a redação seguinte:
“xxi) No caso dos autos tenha ocorrido caducidade do contrato justificado por insuficiência económica do empregador e alteração substancial das circunstâncias da vida familiar do empregador;
xxii) A ser devida compensação à Autora, a mesma sempre corresponderia apenas à retribuição de um mês por cada três anos de serviço, até ao limite de cinco nos termos nº 3 do art. 28º do DL 235/92.
xxiii) A autora auferisse uma média de 140,00€/mês, pelo que, com a cessação do contrato, apenas tivesse direito aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, no montante de €280,00 (140,00 /12 x8 x3).
xxv) A ré tenha comunicado, por escrito, à autora, a caducidade do contrato de trabalho.”
Sustenta a Recorrente (conclusão 46ª) que o que consta destas alíneas é conclusivo e ilação de direito e, como tal, não deveriam constar da fundamentação de facto, sendo o ponto xxv, por sua vez, repetição do ponto xiv dos factos não provados.
Não se compreende, mais uma vez, o que pretende a Recorrente obter com o que refere na analisada conclusão pois que, dirigindo-se o recurso necessariamente a obter do Tribunal superior uma qualquer pronúncia que tenha pelo menos um mínimo de utilidade para a apreciação daquele, assim quanto às pretensões que se desejam alcançar, não é disso que se trata, limitando-se a dizer que que estamos perante menções conclusivas e ilações de direito. Mas, ainda que enquanto tais, não constando as mesmas do elenco factual dado como provado, não tem qualquer utilidade o que se pretende, sendo absolutamente desnecessária pronúncia por parte deste Tribunal superior.
1.2.
Do exposto resulta, pois, na apreciação das conclusões dirigidas à reapreciação da matéria de facto – assim as já antes mencionadas mas também as demais que lhe são dirigidas, entre as quais pois ainda, designadamente, as conclusões 54.ª a 58.ª –, que a base factual a considerar, nos termos anteriormente decididos (transcrevendo-se aqui, assinalando as alterações, apenas a parte afetada), passa a ser a seguinte:
“(…)
8.A – Aquando do referido em 8, a R. disse à A. que a filha mais velha ia para fora e que já tinha combinado com a filha mais nova para fazer a limpeza da casa”. (aditado)
9 - A Ré pagou á A. a quantia de €420,00, referindo-lhe que €320,00 diziam respeito às contas do mês de agosto, €40,00 a dois dias de setembro e €20,00 a contribuições devidas á segurança social. (alterado)
10 - A R. disse à A. que lhe daria o resto do mês de setembro e que complementaria posteriormente o pagamento desse mês, bem como que lhe pagaria o subsídio de Natal (€360,00), depositando na sua conta a quantia de €680,00. (alterado)
11- Em 27/09/2016 enviou a mensagem escrita a pedir o NIB da autora. (alterado)
12 - E, em 28/09/2016, fez o depósito na conta da Autora do referido valor, como consta no doc. 6.
13 - No entanto, não pagou à A. a remuneração de férias, nem o subsídio de férias, proporcionais ao trabalho prestado em 2016”. (alterado)
14 – (excluído)
(…)
22 - Apesar das dificuldades financeiras designadamente as decorrentes dos cortes salariais, a Ré foi conseguindo manter a Autora ao seu serviço (alterado).
(…)”
2. O Direito do caso
2.1. Enquadramento.
No dizer do Direito, numa primeira linha de argumentação, invoca a Apelante (conclusões 58.ª a 60.ª) que, em face dos pontos 23 a 27 dos factos provados, e tendo em consideração a remuneração média mensal por si auferida (ponto 21), é manifesto que, a partir de setembro de 2016, ocorreu uma alteração substancial das circunstâncias da sua vida familiar que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho e que a grande acumulação de despesas causou manifesta insuficiência económica do empregador, superveniente à celebração do contrato, o que determinou a caducidade do contrato de trabalho, nos termos das al. c) e d) do artigo 28.º do Dec. Lei 235/92. Depois, numa segunda abordagem (conclusões 61.ª a 64.ª), para a eventualidade de assim se não entender, questiona os valores a que chegou a sentença recorrida, por entender que deve ser considerado o salário mensal de € 140,00 e uma antiguidade de 7 anos, na consideração de que o contrato teve início em janeiro de 2009 e o seu termo em 31-08-2016, mais acrescentando que, face aos valores que pagou de acordo com a factualidade provada, se encontra paga a indemnização devida bem como a retribuição de férias e subsídio de férias proporcionais ao trabalho prestado em 2016.
Consta da sentença recorrida, a esse propósito (transcrição):
“São as seguintes as questões a decidir nestes autos:
I – Da duração do contrato de trabalho (data da sua celebração e horário correspondente e subsequente retribuição);
II – Da verificação dos pressupostos para a caducidade do contrato de trabalho da autora
Que autora e ré estiveram vinculadas por um contrato de trabalho, tal como definido no art.º 1152.º do Código Civil - “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta” - e no art.º 11.º do Código do Trabalho, nenhuma dúvida resta e as partes não o põem em causa, tal como não põem em causa que tal contrato tenha cessado em 31 de agosto de 2016.
A divergência das partes respeita à data do início das funções, número de horas de serviço prestadas e consequente valor da retribuição e se existe, ou não fundamento para a entidade empregadora invocar a caducidade do Contrato de trabalho.
Verificada a existência de um contrato de trabalho, vejamos dos pedidos deduzidos pela autora.
O contrato de trabalho que se provou ter vigorado entre autora e ré é um contrato de trabalho de serviço doméstico, regulado no Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro, que o define no art.º 2.º, n.º 1 como “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com caráter regular, sob a sua direção e autoridade, atividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar, ou equiparado, e dos respetivos membros, nomeadamente: a) confeção de refeições; b) lavagem e tratamento de roupas; c) limpeza e arrumo de casa; d) vigilância e assistência a crianças, pessoas idosas e doentes; e) tratamento de animais domésticos; f) execução de serviços de jardinagem; g) execução de serviços de costura; h) outras atividades consagradas pelos usos e costumes; i) coordenação e supervisão de tarefas do tipo das mencionadas neste número; j) execução de tarefas externas relacionadas com as anteriores”.
I – Da duração do contrato de trabalho (data da sua celebração e horário correspondente e subsequente retribuição);
A primeira questão prende-se com a data do início da atividade da autora.
Quanto à natureza das funções exercidas, as partes estavam de acordo que seriam tarefas domésticas, enquadráveis nas que foram agora referidas.
Quanto à data de início, (…) provou-se que a relação laboral se iniciou em 14/05/1997, passando a autora a trabalhar ainda nesse ano quatro tardes por semana, num total de 16 horas semanais, e sendo a retribuição semanal, à data do despedimento de €80,00 (oitenta euros).
II – Da verificação dos pressupostos para a caducidade do contrato de trabalho da autora
Provou-se que no dia 31 de agosto de 2016 a ré comunicou oralmente à autora que prescindia definitivamente dos seus serviços e que, por isso, não mais trabalhava para si.
Argumentou a ré que o fundamento para prescindir dos serviços habitualmente prestados residia na circunstância de ter constatado, no verão de 2016, que os custos com a educação escolar das filhas iriam agravar-se de forma substancial a partir de setembro de 2016, inclusive. Neste contexto, argumentou que a filha mais velha foi admitida no Programa Erasmus, tendo ido estudar para N…, na República Checa, o que implica elevadas despesas com estadia e deslocações e que, a filha mais nova, no 12º ano, decidiu alterar o percurso académico que havia escolhido o que a obrigava a ter explicações para poder fazer exame final de acesso à faculdade, a uma disciplina que não havia frequentado. Assim, em face das despesas acrescidas com a educação das filhas, constatou que não teria condições financeiras para continuar a manter a Autora ao seu serviço, pretendendo a cessação do contrato por caducidade, por manifesta insuficiência económica do empregador, superveniente à celebração do contrato e por alteração substancial das circunstâncias de vida familiar do empregador que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (cfr. art.º 28.º, n.º 1, al. c) e d) do DL n.º 235/92).
Impõe-se, antes de mais, densificar os conceitos de “manifesta insuficiência económica do empregador” e de “alteração substancial das circunstâncias de vida familiar do empregador que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
A este propósito, o STJ, em acórdão de 10/7/2013 (proferido no processo nº 101/12.2TTABT.S1, Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS acessível em www.dgsi.pt), considerou (embora respeitem a preceito análogo do CT, mas que aqui logram inteira aplicação):
“A caducidade entendida como a extinção de um direito decorrente da verificação de facto concreto a que o sistema jurídico atribui esse efeito é assumida pela alínea a) do artigo 340.º do Código do Trabalho como uma das formas de cessação do contrato de trabalho.
Resulta do disposto no artigo 343.º daquele diploma que o «contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente», «b) por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber».
A lei equipara deste modo a impossibilidade de o trabalhador prestar o seu trabalho à impossibilidade da entidade empregadora o receber, sendo ambas fundamento da caducidade do contrato de trabalho.
A impossibilidade a que se refere aquele dispositivo, conforme tem sido entendido pela jurisprudência desta Secção, deve ser entendida nos termos gerais, isto é, em moldes similares ao regime comum da impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor constante nos artigos 790.º e seguintes do Código Civil, designadamente no artigo 795.º do Código Civil, para que remete aquele artigo 343.º e à luz do qual essa impossibilidade é caracterizada como superveniente, absoluta e definitiva”.
Também o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 25 de setembro de 2013, disponível no mesmo site, considerou que “«Para que se opere a caducidade do contrato de trabalho, é necessário que a situação de impossibilidade seja: superveniente, pois se a impossibilidade ocorre no momento da celebração o contrato é nulo; absoluta, porque não basta o simples agravamento ou a excessiva onerosidade da prestação para que se dê a caducidade do contrato de trabalho; e definitiva, uma vez que impossibilidade temporária não extingue o vínculo, mas apenas o suspende».
A superveniência da impossibilidade a que se refere esta norma é referenciada ao início do contrato, porque a ocorrer no momento em que o mesmo é celebrado desencadeia a respetiva nulidade. Assim, o facto que desencadeia a impossibilidade há de ter surgido já depois da celebração do contrato e do início da respetiva execução.
Por seu turno, o caráter absoluto da impossibilidade incide sobre o objeto da prestação acordada pelo trabalhador vista na sua globalidade, ocorrendo impossibilidade absoluta quando a prestação seja atingida no seu núcleo fundamental e já não seja possível a respetiva efetivação, mesmo em parte.
A impossibilidade será ainda absoluta, quando não se esteja perante uma simples dificuldade ou excessiva onerosidade de efetivação da prestação ou da sua receção por parte da entidade empregadora, mas quando ocorra uma situação em que a entidade empregadora está efetivamente impedida de receber a prestação ou o trabalhador de a prestar.
Finalmente, a definitividade contrapõe-se à transitoriedade, situação a que o sistema jurídico reage pela via da suspensão do contrato.
Deste modo, a impossibilidade será definitiva quando se tenha tornado evidente que a efetivação da mesma já não será possível em termos razoáveis.”
Importa, pois, decidir, face à factualidade provada, se o facto de a ré passar a ter, a partir de setembro de 2016, e conforme se provou, um acréscimo com as despesas de educação das duas filhas, uma por ter integrado o Programa Erasmus, passando a residir em N…, na República Checa, e outra por estar no 12.º ano e pretender seguir um curso que exige explicações (por não ter frequentado uma determinada disciplina) configuram uma “alteração substancial das circunstâncias da vida familiar do empregador que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”(sublinhado nosso).
Segundo VAZ SERRA, citado no acórdão supra referido, “a impossibilidade será definitiva, «não só quando de antemão, se exclui com segurança toda a previsão de que desapareça o obstáculo que se opõe à prestação, mas também quando o seu desaparecimento só pode ter lugar em virtude de um facto cuja probabilidade é tão remota que, racionalmente, não é de esperar que se realize» e prossegue referindo, «o que equivale a dizer que se considera definitiva a impossibilidade quando possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar».
Como afirmava ABÍLIO NETO, «no que toca especificamente ao contrato de trabalho, nem toda e qualquer impossibilidade, seja para o trabalhador prestar o seu trabalho, seja para a entidade empregadora o receber, constitui causa determinante da caducidade: esta só ocorrerá se essa impossibilidade for, simultaneamente, superveniente, absoluta e definitiva. Será superveniente, quando a causa determinante só se verificar depois da constituição do vínculo laboral, e não quando já existisse à data em que o mesmo se constituiu; será absoluta, quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade patronal não estejam em condições de, respetivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho; será definitiva, quando, face a uma evolução normal e previsível, nunca mais seja viável a prestação ou o recebimento».
Efetuadas estas considerações teóricas e volvendo ao caso concreto, impõe-se concluir que o agravamento das despesas com a educação das filhas da autora é transitório, prevendo-se que perdurará, nos moldes que se apuraram, apenas alguns meses.
Sendo assim, e até no que respeita à filha mais velha, concluídos os meses de integração no Erasmus, é previsível que a mesma regresse a casa, cessando as despesas invocadas.
Também a necessidade de explicações da filha mais nova durará apenas alguns meses.
Do que vem sendo dito resulta que as dificuldades alegadas pela ré (além de não consubstanciarem uma impossibilidade) serão meramente temporárias.
Pelo que o fundamento da cessação do contrato não poderá ser a alteração substancial das circunstâncias da vida familiar do empregador, na medida em que os pressupostos legais para a sua verificação não estão preenchidos.
Paralelamente, também não se provou uma “manifesta insuficiência económica do empregador”.
Muito embora se tenha apurado o rendimento mensal da ré, o acréscimo com as despesas das filhas, não se provou qualquer circunstância definitiva (desemprego de longa duração, por exemplo) que tornasse impossível o cumprimento da contraprestação a cargo do empregador, e que é a retribuição.
Pelo contrário, até se apurou que a ré no verão de 2016 fez obras de reparação de um telhado na sua habitação e esteve ausente vários dias, em férias com as suas filhas, o que evidencia uma realidade económica relativamente desafogada, que não se compagina com a insuficiência económica legitimadora da cessação do contrato, por caducidade.
Por ser assim, nos termos do disposto no art.º 381.º, alínea b) do Código do Trabalho, tem tal despedimento de ser considerado ilícito, como pretende a autora na petição inicial.
A ilicitude do despedimento confere à autora o direito ao recebimento de uma indemnização correspondente a um mês de retribuição por cada ano completo de serviço ou fração, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento (art.º 31.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro). Tendo a autora sido admitida em 14/05/1997 e tendo sido despedida em 31/08/2016, têm de ser considerados 20 anos de antiguidade (19 anos, 10 meses e 26 dias) pelo que tem a autora direito ao recebimento da peticionada quantia de €6.400,00 (320,00€ X 20 anos).
Além da indemnização por despedimento, peticiona ainda a autora a retribuição de férias e subsídio de férias, proporcionais ao trabalho prestado em 2016, no total de €426,67 (quatrocentos e vinte e seis euros e sessenta e sete cêntimos) não tendo a ré logrado demonstrar o pagamento de tal quantia.”
2.2. Da (in) existência de justa causa de rescisão
Cumprindo decidir, por referência ao quadro legal aplicável, temos por adequada a solução afirmada pelo Tribunal a quo, quanto à apreciação que fez sobre a não verificação dos motivos invocados pela Ré para a justa causa.
Vejamos porquê:
Face às conclusões da Apelante, não se questiona que estamos in casu perante um contrato de trabalho de serviço doméstico, o qual, como sabemos, se encontra sujeito a um regime especial, regulado no DL n.º 235/92, de 24 de outubro.
Daí que, tal como resulta do artigo 9.º do CT2009 – e antes, no CT2003, do seu artigo 11.º –, lhe sejam aplicáveis “as regras gerais deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade.”.
Também como tem sido assinalado, a especificidade deste contrato reside desde logo na particularidade de a atividade ser prestada numa relação de proximidade e confiança estabelecida em ambiente quase familiar[12]. De facto, a natureza da relação é aqui eminentemente pessoal, pois que o trabalhador presta o seu trabalho na habitação do empregador, sem estar assim inserida numa atividade lucrativa deste.
Precisamente por assim ser, o legislador estabeleceu, para este particular contrato, no aludido DL n.º 235/92, especificidades em relação ao regime geral constante do CT, assim no artigo 31.º no que diz respeito aos efeitos do despedimento ilícito – que neste caso implica ter o trabalhador apenas direito à indemnização por antiguidade, salvo se houver acordo quanto à sua reintegração, razão pela qual, no que ao caso importa, em que não se provou ter existido acordo quanto à reintegração da Autora, a consequência de tal despedimento, a ser tido como ilícito, se traduza tão só no direito à indemnização que à mesma assiste[13] – mas também, ainda, quanto ao regime da rescisão do contrato, estabelecendo um bloco normativo que, no confronto com a lei geral, apresenta visível e significativa especificidade.
Isso mesmo resulta do que se estabelece no artigo 29.º:
1. Constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico.
2. Ocorrendo justa causa, qualquer das partes pode pôr imediatamente termo ao contrato.
3. No momento da rescisão do contrato devem ser referidos pela parte que o rescinde, expressa e inequivocamente, por escrito, os factos e circunstâncias que o fundamentem.
4 – A existência de justa causa será apreciada tendo sempre em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço.
Na verdade, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2009[14], citando o Acórdão desse mesmo Tribunal e Secção de 9 de Março de 2004[15], face ao que resulta dos citados n.ºs 1 e 4 do preceito, “não só o conceito de justa causa é adaptado à natureza especial da relação em causa, como também a própria apreciação em concreto da justa causa deverá [ser] efectuada [tendo] em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço”. E acrescenta: “Isto significa que os motivos para o despedimento terão de ser avaliados num contexto específico, em que sobreleva a particular relação de confiança que deverá existir entre as partes e que – supõe-se – deverá pautar-se por um maior grau de exigência no cumprimento dos deveres de lealdade e de fidelidade e que além do mais, deverá revelar-se, não apenas no plano objectivo, mas também no plano subjectivo” (sublinhado nosso).”
Sem esquecermos tais ditames, importando descer então ao caso que se decide, tendo em vista a análise dos fundamentos invocados para a cessação do contrato e o que a esse respeito se considerou na decisão recorrida, por direto apelo às conclusões da Apelante que delimitam em primeira linha a nossa análise – assim as conclusões 59.ª e 60.ª –, dispõe-se no artigo 28.º, sob a epígrafe “Cessação do contrato por caducidade”:
1 - O contrato de serviço doméstico caduca nos casos previstos neste diploma e nos termos gerais de direito, nomeadamente:
(…)
c) Verificando-se manifesta insuficiência económica do empregador, superveniente à celebração do contrato;
d) Ocorrendo alteração substancial das circunstâncias de vida familiar do empregador que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
(…)
3 - No caso previsto na alínea d) do n.º 1, o trabalhador terá direito a uma compensação de valor correspondente à retribuição de um mês por cada três anos de serviço, até ao limite de cinco, independentemente da retribuição por inteiro do mês em que se verificar a caducidade do contrato. (…)
Sustenta a Recorrente que, “em face dos pontos 23 a 27 dos factos provados, e tendo em consideração a remuneração média mensal auferida pela ré (ponto 21), é manifesto que, a partir de setembro de 2016, ocorreu uma alteração substancial das circunstâncias da vida familiar da ré que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho e que a grande acumulação de despesas causou manifesta insuficiência económica do empregador, superveniente à celebração do contrato”, o “que determinou a caducidade do contrato de trabalho, nos termos das al. c) e d) do artº 28º do citado diploma legal”.
Não lhe assiste, porém, razão, como se afirma na decisão recorrida, explicitando o direito do caso, precisamente com base nos factos invocados pela Apelante.
De facto, sem embargo de a Recorrente não apresentar em sede de recurso efetivos argumentos jurídicos que permitam infirmar aqueles que naquela sentença se afirmaram – diversamente, limita-se a Recorrente a retirar de tais factos diversa ilação, quanto ao preenchimento das alíneas que indica –, como ainda de não acompanharmos integralmente a fundamentação de direito expressa pelo Tribunal a quo como veremos de seguida, à mesma solução chegamos.
Explicitemos o nosso entendimento:
Como ponto de partida, importa ressalvar que, não obstante o que se estabelece no n.º 1 do artigo 29.º, assim que constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico, não existe depois, na nossa ótica, exata correspondência entre a previsão das alíneas c) e d) do artigo 28.º e o que consta em geral para a cessação do contrato de trabalho na lei geral (CT), sendo que apenas encontramos, quanto à alínea d), real identidade com o que estabelece a alínea b) do artigo 343.º do CT/2009 e mesmo quanto a esta de modo não exatamente equivalente, pois que se nesta se faz alusão a uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o empregador receber o trabalho, já naquela, por referência à ocorrência de alteração substancial das circunstâncias de vida familiar do empregador, apenas se exige que essa torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Ou seja, como a própria redação das normas evidencia, no caso da cessação do contrato de serviço doméstico por caducidade, o legislador, sem dúvidas por decorrência das especificidades que este tipo de contrato comporta e a que anteriormente aludimos, não é afinal tão exigente, não exigindo que a impossibilidade superveniente de o empregador receber o trabalho seja absoluta e definitiva e sim, apenas, que se demonstre que seja imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
O que se referiu anteriormente encontra a sua justificação no facto de na sentença recorrida a análise ter sido efetuada por apelo à previsão da alínea a alínea b) do artigo 343.º do CT/2009, assim quanto ao que deve entender-se, por apelo à Doutrina e Jurisprudência aí citada, por impossibilidade superveniente, assim que o deve ser “em moldes similares ao regime comum da impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor constante nos artigos 790.º e seguintes do Código Civil, designadamente no artigo 795.º do Código Civil, para que remete aquele artigo 343.º e à luz do qual essa impossibilidade é caracterizada como superveniente, absoluta e definitiva”.
Na verdade, em particular, acompanhando-se o entendimento afirmado nessa sentença quanto ao regime geral estabelecido na alínea b) do artigo 343.º do CT/2009, já não se acompanha na parte em que acaba por ter esse como estabelecido também exatamente no DL 235/92. É que, salvo o devido respeito, na citada alínea do seu artigo 28.º não se exige que a impossibilidade seja absoluta, pois que, diversamente, o preenchimento da previsão da norma pode ocorrer em casos em que essa não ocorra, assim em situações em que a alteração substancial das circunstâncias de vida familiar do empregador torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Ou seja, a exigência é deste modo algo menor neste último caso, bastando-se o preenchimento da previsão da norma com a verificação de um quadro que torne muito difícil, mas já não absolutamente impossível, a subsistência da relação de trabalho. Dito de outro modo, não sendo aceitáveis para o efeito meras circunstâncias que tornem mais difícil a manutenção da relação, já o serão dificuldades que, pela sua efetiva relevância, tornem excessivamente onerosa essa manutenção, não sendo pois de exigir, diversamente do que se refere na sentença recorrida, que ocorra “uma situação em que a entidade empregadora está efetivamente impedida de receber a prestação ou o trabalhador de a prestar.” Na verdade, a ter sido essa a intenção do legislador, não teria utilizado, como utilizou, a expressão “praticamente impossível”, fazendo constar então uma redação equivalente à que consta desde logo da alínea b) do artigo 343.º do CT/2009, assim o uso da expressão “absoluta”.
O que referimos anteriormente, tendo por base os factos provados, não nos leva, porém, a afirmar solução diversa daquela a que chegou o Tribunal a quo quanto à ilicitude da cessação do contrato de serviço doméstico objeto dos autos.
De facto, acompanhando-se aqui a decisão recorrida, a factualidade em causa permite desde logo “concluir que o agravamento das despesas com a educação das filhas da autora é transitório, prevendo-se que perdurará, nos moldes que se apuraram, apenas alguns meses”, como ainda que, “sendo assim, e até no que respeita à filha mais velha, concluídos os meses de integração no Erasmus, é previsível que a mesma regresse a casa, cessando as despesas invocadas”. Do mesmo modo, também se concordando com a afirmação de que “a necessidade de explicações da filha mais nova durará apenas alguns meses”, daí resulta, como mais umas vez na sentença se afirma, a conclusão de que as dificuldades alegadas pela Ré serão “meramente temporárias”.
Neste quadro circunstancial, fazendo pois apelo ao que afirmámos anteriormente a propósito da previsão da alínea b) do artigo 28.º do normativo aplicável, por referência aos factos em que a Ré pretende alicerçar a conclusão de que ocorreu uma alteração substancial das circunstâncias da sua vida familiar, aceitando-se que esses sejam de molde a poder considerar-se que tonaram mais onerosa/difícil a subsistência da relação de trabalho da Autora, já não permitem afirmar, noutros termos, como exigido afinal pela norma, quer pela sua relativa relevância quer ainda pela sua transitoriedade, que tenham tornado, imediata e praticamente impossível, a subsistência dessa relação.
O mesmo entendemos a propósito da ocorrência de uma situação de “manifesta insuficiência económica do empregador”, valendo quanto a este fundamento, porque bastantes, os argumentos que constam da sentença, para onde remetemos pois, sem necessidade de outras considerações, pois que a factualidade provada não configura, salvo o devido respeito, sequer uma situação de insuficiência económica do empregador – veja-se que do artigo 22 da factualidade se refere que, “apesar das dificuldades financeiras designadamente as decorrentes dos cortes salariais, a Ré foi conseguindo manter a Autora ao seu serviço” –, muito menos pois manifesta, como pressuposto da norma.

Uma nota final se justifica, ainda, a propósito da afirmação, constante das contra-alegações – conclusões 25 e 26 –, no sentido de que teria ocorrido, também, preterição por parte da Ré de formalidades exigidas para a comunicação, questão a que não se fez expressa referência na decisão recorrida.
Sendo a rescisão do contrato por qualquer das partes com fundamento em justa causa, como se viu anteriormente, uma das formas de cessação do contrato de trabalho de serviço doméstico, neste caso, e como exceção ao regime geral, segundo Carlos Alegre[16], não é necessária a elaboração de um processo disciplinar, constituindo a única formalidade a observar, sob pena de a rescisão poder vir a ser considerada nula, a comunicação por escrito de duas coisas: a) os factos e circunstâncias que constituem justa causa e, por isso, fundamentam a rescisão; b) a decisão de rescindir o contrato de forma expressa (não subentendida) e inequívoca de forma a não deixar duvidas no seu destinatário. Por outro lado, podendo o despedimento assumir-se também como declaração negocial rescisória e recetícia, carece essa de ser dada a conhecer a um destinatário (neste caso o trabalhador despedido), tornando-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dela conhecida[17].
A propósito desta questão pode ler-se no Acórdão desta Relação e Secção de 29 de fevereiro de 2016[18] que “(…) a lei exige, no caso de rescisão com justa causa no serviço doméstico, a mesma forma de comunicação, para o empregador e o trabalhador, que exige para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador de outras profissões: comunicação, “por escrito”. No mesmo sentido, o Acórdão desta mesta Secção de 21 de fevereiro de 2011[19], afirmando ainda que, exigindo o legislador «escrito» onde constem os fundamentos da rescisão com alegação de justa causa”, se trata aqui de uma formalidade ad substantiam, pois que “(…) se a indicação dos motivos para fundamentar a rescisão com justa causa tem que ser escrita – equivalente à decisão final do artigo 418º, nº3 do C. do Trabalho de 2003 – tal só pode significar que sem essa formalidade, e no que respeita apenas ao empregador, a rescisão é ilícita (seria nula se outra consequência a lei não prescrevesse – artigo 220º do C. Civil).”
Da aplicação do entendimento antes afirmado, no que ao caso importa, resultaria assim que a declaração de ilicitude do despedimento da Autora poderia ainda ter sido fundada, o que não foi considerado pelo Tribunal a quo, na ausência de comunicação escrita de despedimento por parte da Ré – resultou apenas provado (facto 8) que a Ré convocou a Autora para comparecer na sua residência e, nessa ocasião e lugar, “disse-lhe para não voltar ao trabalho, pois prescindia dos seus serviços, a partir desse dia.” –, tal como defendido nas contra-alegações do recurso.
Porém, independentemente dessa questão, como se afirmou supra, por não colherem sustentação as correspondentes conclusões, o recurso improcede quanto às questões que são seu objecto.
2.3. Demais objeto de recurso
Nas suas conclusões 62ª a 64.ª defende a Apelante que sempre teriam de ser revistos os valores da condenação.
Ora, baseando-se essa pretensão em pressupostos que não se demonstraram – assim de que a Autora auferisse cerca de 140,00€/mês, o contrato de trabalho tivesse tido início em janeiro de 2009 e seu termo em 31-08-2016 –, daí decorre, natural e necessariamente, tendo presente o regime que decorre do artigo 31.º do DL 235/92, que carece de qualquer fundamento essa sua pretensão, não ocorrendo assim razão para alterar o decidido, nesse âmbito, pelo Tribunal a quo – ao ter sido utilizado como base de cálculo o valor da remuneração provada, computando ainda a antiguidade em conformidade com a duração da relação laboral.
Improcede pois o recurso também nesta parte.
*
Decaindo, a Recorrente suporta as custas (artigo 527.º do CPC).
***
IV - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, procedendo parcialmente quanto à alteração da matéria de facto, em julgar no mais improcedente o recurso.
Custas pela Recorrente.
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Anexa-se sumário - artigo 663.º, n.º 7, do CPC.
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Porto, 6 de novembro de 2017
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
______
[1] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[2] Cf. Ac. STJ de 28 de maio de 2009, in www.dgsi.pt
[3] António Martins, in Código de Processo Civil, Comentários e anotações práticas, 2013, 3ª Ed. Almedina, pág. 212.
[4] Relator Conselheiro Hélder Roque, disponível em www.dgsi.pt.
[5] [3] STJ, de 6-7-2011, Revª nº 3612/07.OTBLRA.C2.S1, 1ª secção, deste mesmo Relator e do atual Exº 1º Adjunto, www.dgsi.pt.
[6] [4] STJ, de 1-10-96, Pº nº 96B053, www.dgsi.pt
[7] [5] STJ, de 18-5-2004, Pº nº 04A1417, www.dgsi.pt
[8] Ver Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2°, 605.
[9] Disponível em www.dgsi.pt.
[10] Excluindo-se aqui as notas de rodapé.
[11] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[12] O D.L. n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969, previa, no seu artigo 5.º da sua parte preambular, a possibilidade de, mediante decreto regulamentar, ser tornado extensível aos contratos de serviço doméstico, no todo ou em parte, e com as alterações impostas pela sua específica natureza, o regime constante do seu artigo 1.º, ou seja, o regime do contrato individual de trabalho. Este propósito veio assim a ser concretizado através do D.L. n.º 508/80, de 21 de outubro, o qual veio a ser substituído pelo D.L. n.º 235/92, de 24 de outubro (com as alterações introduzidas pela Lei nº 114/99, de 3 de agosto), ainda em vigor, sendo que, para justificar a necessidade de um novo tratamento legislativo sobre esta matéria, o proémio do D.L. n.º 235/92 sublinha que “(...) a circunstância de o trabalho doméstico ser prestado a agregados familiares e, por isso, gerar relações profissionais com acentuado caráter pessoal que postulam um permanente clima de confiança, exige, a par da consideração da especificidade económica daqueles, que o seu regime se continue a configurar como especial em certas matérias”.
[13] Ou seja, diversamente do que sucede nos contratos de trabalho regulados diretamente pelo CT, a declaração de ilicitude do despedimento não produz quaisquer efeitos retroativos, não repondo pois em vigor o contrato de trabalho a que o empregador, sem fundamento, pôs cobro, não operando ainda a restauração natural – não existe nesses casos direito à reintegração do trabalhador nem sequer ao recebimento dos salários de tramitação - Veja-se, Ac. RP de 26/04/2010, em www.dgsi.pt, Relatora Albertina Pereira.
[14] Disponível em www.dgsi.pt, Relator Sousa Grandão.
[15] Revista n.º 3781/03
[16] Cf. Contrato de Serviço Doméstico, Direito e Ciência Jurídica, vega universidade, 1ª edição, 1994, p. 49.
[17] Art. 224º, nº 1, do CC
[18] Disponível em www.dgsi.pt, Relator Domingos Morais.
[19] Disponível em www.dgsi.pt, Relatora Maria Fernanda Soares.
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Sumário – a que alude o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
I – O contrato de serviço doméstico está sujeito a um regime especial – regulado no DL n.º 235/92, de 24 de outubro –, cuja especificidade reside na forma particular como a atividade é prestada, que assenta numa relação de proximidade e de confiança de tipo quase familiar.
II - Como resulta do artigo 9.º do CT2009 – e antes, no CT2003, do seu artigo 11.º –, são-lhe aplicáveis “as regras gerais deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade.”.
III - O legislador estabeleceu, para este particular contrato, especificidades em relação ao regime geral constante do CT, assim no que diz respeito aos efeitos do despedimento ilícito, mas também, ainda, quanto ao regime da rescisão do contrato, estabelecendo um bloco normativo que, no confronto com a lei geral, apresenta visível e significativa especificidade, resultando dos artigos 28.º, n.ºs 1 e 4, e 29.º do DL n.º 235/92, não só que o conceito de justa causa é adaptado à natureza especial da relação em causa, como também que a própria apreciação em concreto da justa causa deverá ser efetuada tendo em atenção o caráter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço.
IV - Não obstante o que se estabelece no n.º 1 do artigo 29.º, assim que constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, não existe exata correspondência entre a previsão das alíneas c) e d) do artigo 28.º e o que consta em geral para a cessação do contrato de trabalho na lei geral (CT), sendo que apenas encontramos, quanto à alínea d), real identidade com o que estabelece a alínea b) do artigo 343.º do CT/2009 e mesmo quanto a esta, de modo não exatamente equivalente, daí resultando, como a própria redação das normas evidencia, que o legislador, por decorrência das especificidades que este tipo de contrato comporta, não é tão exigente, não exigindo que a impossibilidade superveniente de o empregador receber o trabalho seja absoluta e definitiva e sim, apenas, que se demonstre que seja imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
V - A lei exige, no caso de rescisão com justa causa no serviço doméstico, a mesma forma de comunicação, para o empregador e o trabalhador, que exige para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador de outras profissões: comunicação, “por escrito”.

Nelson Fernandes