Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
57/13.4TTMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CATEGORIA PROFISSIONAL
MUDANÇA
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RP2014063057/13.4TTMAI.P1
Data do Acordão: 06/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Embora a lei não o explicite, mostra-se subjacente ao conceito geral de justa causa de resolução, a ideia de "inexigibilidade" que enforma igualmente a noção de justa causa disciplinar consagrada no domínio da faculdade de ruptura unilateral da entidade patronal.
II – A mudança de categoria que não corresponda a uma normal progressão ou promoção na carreira equivale a uma modificação substancial do contrato que só pode produzir efeitos se for aceite pelo trabalhador, ainda que as novas funções correspondam a uma categoria do mesmo nível, com identidade de estatutos retributivos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 57/13.4TTMAI.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B…, intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho no Tribunal do Trabalho da Maia contra “C…, S.A.”, pedindo que se declare a “procedência da justa causa subjacente à resolução do contrato de trabalho do A.” e se condene a R. a pagar-lhe “uma indemnização pela resolução com justa causa do seu contrato de trabalho nos termos previstos no art.º 396º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho/09 e calculada em função do valor da retribuição da A. e do grau de ilicitude do comportamento da R., no montante de € 24.745,38”, acrescida juros à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que a R. se dedica, além do mais, ao comércio por grosso de produtos farmacêuticos, e admitiu ao seu serviço, em 1 de Junho de 1992; que o A. desempenhava as funções de motorista – que consistiam em conduzir veículos automóveis, zelando pela sua boa conservação e pela carga que transportava e distribuía pelos clientes da R. – encontrando-se categorizado desde sempre pela R. como "motorista de ligeiros"; que auferia em 2012, o vencimento base mensal de € 771,76, acrescido de 4 diuturnidades de € 9,50 mensais cada; que a R. é associada da D… e o A. é sócio do E…, o qual resultou da fusão de diversos Sindicatos, entre eles o F…, encontrando-se ambos filiados na G…; que desse modo, a relação jurídico-laboral entre as partes era regulada pela CCT para os armazenistas de produtos farmacêuticos publicado no BTE nº 8, de 28 de Fevereiro de 2011 e pela PE publicada no BTE nº 20/11; que o A. exerceu regularmente as suas funções de motorista até 16 de Setembro/2012 e em 17 de Setembro/2012, foi informado pela R. de que, a partir desse dia, deveria passar a exercer funções no sector de expedição do respectivo estabelecimento comercial (armazém), que nada tinham a ver com a categoria profissional de Motorista; que tal decisão foi complementada com a retirada de todos os instrumentos de trabalho que o A. tinha ao dispor para o exercício das funções de Motorista (PDA, carro, cartão de combustível e telemóvel); que em consequência daquela decisão, deixou de ser assegurado ao A. o transporte de que sempre usufruiu gratuitamente ao longo de todo o período em que prestou serviço para a R. nas suas deslocações de casa para o trabalho e vice-versa, tendo ainda sofrido uma modificação o seu horário de trabalho: até 17.09.2012, o A. trabalhava das 10h às 12h e das 13h às 19h, de segunda a sexta feira, tendo passado a trabalhar das 10h00 às 14h00 e 16h00 às 20h00, também de segunda a sexta Feira; que em 05 de Setembro de 2012, altura em que o A. estava de férias, a R. efectuou reunião com os restantes motoristas informando-os que, a partir do dia 17 seguinte, a distribuição iria ser entregue a empresas externas, dando a oportunidade aos motoristas da casa de concorrerem às respectivas rotas ficando a trabalhar para a R., por conta própria, como prestadores de serviços, mas o mesmo não foi informado ao A.; que em face de tudo isto remeteu à R. uma carta na qual exarou um protesto; que lhe remeteu nova carta, reiterando o seu protesto, vindo a comunicar-lhe, posteriormente, por carta datada de 15 de Outubro de 2012, a decisão de resolver com justa causa, o contrato de trabalho que a ambos vinculava porque se tornou imediata e praticamente impossível a continuação da actividade para a R..
Realizada a audiência de partes, e não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação da R. para contestar, vindo a mesma a apresentar contestação em que confirma os factos alegados pelo A., no sentido da alteração das funções e da categoria que lhe estavam atribuídas e justifica essa modificação com a necessidade de reorganização do modelo de negócio e da actividade da empresa, tendo ainda assim procurado evitar o despedimento dos trabalhadores e disponibilizado ao A. uma categoria profissional com um nível equivalente e dentro do mesmo grupo profissional. Alega também que os instrumentos de trabalho que estavam confiados ao A. serviam exclusivamente para o exercício da função de motorista e não para fins pessoais e refuta que o A. não conhecesse a reestruturação levada a cabo pela empresa, sustentando que a formação específica para o exercício das novas funções sempre teria de ocorrer no período inicial de actividade, o que o A. não deu tempo de acontecer.
Foi proferido despacho saneador (fls. 73 e ss.), fixado à causa o valor de € 24.745,38, e foi dispensada a fixação da matéria de facto assente, bem como da organização da base instrutória.
Realizado o julgamento, o Mmo. Julgador a quo proferiu sentença que concluiu com o seguinte dispositivo:
«[…]
Pelo exposto, decido:
- julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência,
- declarar que o A. resolveu, com justa causa, o contrato de trabalho celebrado com a R;
- condenar a R. a pagar ao A. a quantia de 16.494,70€ (dezasseis mil quatrocentos e noventa e quatro euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
[…]»

1.2. A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“A. Vem a ré, ora apelante apresentar as suas alegações de Recurso por não se conformar com a douta sentença proferida pelo tribunal "a quo", que, concluiu por (…) condenar a R. a pagar ao A. a quantia de16.494,70€ (dezasseis mil quatrocentos e noventa e quatro euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.”
B. Entendeu o Tribunal de 1.ª Instância, em síntese, que a “(….) alteração de funções e categoria determinada pela R. foi ilícita”, e no mesmo sentido, “(…) em relação ao horário e á retribuição do A. (…).
C. Na nossa modesta opinião, não se afigura adequado o entendimento do Tribunal “a quo”, porquanto a douta decisão de condenação da apelante a pagar uma indemnização se subsume apenas à alteração de funções e categoria do autor e no facto deste passar a trabalhar mais uma hora por dia.
D. Da análise do artigo 118º do CT, pôde a apelante retirar que, a entidade patronal pode encarregar o trabalhador de desempenhar outras funções para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenha afinidade ou ligação funcional, desde que tal não implique desvalorização profissional.
E. Não obstante, o disposto nos artigos 119º e 120º do CT, quando estes tenham uma aplicação ao caso concreto, o que, neste caso entendeu a apelante, nunca poderiam ter, porquanto e assim como foi defendido em sede de contestação no artigo 52º, e que ficou provado, o autor não sofreu uma mudança para uma categoria inferior tendo-se mantido no mesmo grupo (grupo VIII do CCT, publicado no BTE nº 8 de 28.11.2011), nem a alteração das funções a que fora sujeito, não o foram a titulo temporário.
F. Na verdade, as circunstâncias que levaram à alteração das funções de “motorista” para “operadores de logística II”, foram o facto de ter existido no seio da organização da apelante uma necessidade de reorganização do modelo de negócio e da atividade da empresa, onde houve a necessidade de redução de custos que passou pela entrega a empresas externas da distribuição, mantendo, os postos de trabalho, de todos os motoristas.
G. Assim, a ora apelante, em função da supressão das funções de motoristas no seio da sua empresa, proporcionou aos motoristas, nomeadamente ao autor, a manutenção do posto de trabalho como “operadores de logística II”, garantido a permanência no mesmo grupo ou carreira profissional, a antiguidade, a remuneração e subsídio de turno.
H. Quanto à função a desempenhar pelo autor, entendeu a ora apelante que a alteração a que o mesmo foi sujeito, tem na sua essência os requisitos exigidos no Anexo I da CCT, publicado no BTE nº 8 de 28.11.2011, a qual descreve in fine que uma das funções que o motorista pode desempenhar é “(…) orientar a sua carga e descarga.” e uma das funções do operador de logística II é “(…) Responsável pelas operações de entrada, transito e saída de mercadorias (...) ou expedição.”
I. Ora, existe uma ligação funcional entre o exercício da função de “motorista” e de “operador de logística II”, as quais seriam para o autor desempenhadas nos armazéns da apelante, onde sempre realizou as suas funções de motorista no sector da expedição, funções essas que face aos anos que o autor esteve ao serviço da apelante conhecia bem, conforme ficou provado na prova feita pelos depoimentos das testemunhas.
J. Funções, essas, para as quais o autor tinha qualificação e capacidade, os quais não consubstanciam qualquer desvalorização profissional, antes pelo contrário, foi dito por várias testemunhas que a alteração às funções seria mais um motivo prestigiante.
K. E, que enquanto “motorista” o autor na maioria das vezes “orientava as cargas e as descargas” no sector da expedição, que está situado no armazém da apelante, “zelava pela conservação e pela carga”.
L. Pelo que, não se suscitam dúvidas que tais funções se enquadram na categoria de “operador de logística” e que os direitos do autor foram devidamente salvaguardados pela apelante, quanto mais não seja o direito ao trabalho, constitucionalmente consagrado nº 1 do artigo 58º da Constituição da República Portuguesa.
M. Não optando a apelante pelo despedimento coletivo, ou até mesmo conforme sugere o tribunal “a quo” pelo despedimento por extinção do posto de trabalho, porque na verdade havia no sector onde estava inserido o autor, no armazém, lugar para este trabalhador e para os outros que nas mesmas circunstâncias viram alteradas as suas funções.
N. Mais, não pôde a ora apelante aceitar que o tribunal “a quo”, considerasse motivo justificativo para a resolução do contrato e competente indemnização o facto de o autor passar a “(…) trabalhar mais uma hora por dia, mantendo o mesmo vencimento, o A. evidentemente acabaria por ver reduzida a sua retribuição.”
O. Uma vez que, não houve nenhuma alteração nas horas de trabalho efetivo do autor, mantendo as mesmas as 40 horas semanais, correspondente a 8 horas por dia, factos dados como provados, não pode o tribunal “a quo” fundamentar a sua decisão no acréscimo de horas de trabalho e na consequente redução na sua retribuição.
P. Vejamos, a existência ou não de fundamento “justa causa”, para resolver o contrato, pois é este o cerne da questão em apreço,
Q. Ocorrendo justa causa pode de imediato o trabalhador fazer cessar o seu contrato de trabalho nº 1 do artigo 394º do CT., tais situações devem ocorrer quando existam infrações aos deveres contratuais por parte da entidade patronal, enunciando o nº 2 do referido preceito, diversos comportamentos culposos, susceptíveis de constituir justa causa, com direito a indemnização.
R. Por sua vez, constitui, ainda, justa causa (objetiva) de resolução do contrato de trabalho, sem direito a indemnização a al. b) o nº 3 do mencionado preceito, “alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício licito dos poderes do empregador.”
S. A declaração de resolução, de acordo com o nº 1 do artigo 395º do CT, deve ser feita por escrito e com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos, e apenas são esses os atendíveis para justificar judicialmente a resolução.
T. Por sua vez, a verificação da “justa causa” pressupõe com as necessárias adaptações ao prescrito no nº 4 do artigo 394º ex vi nº 3 do artigo 351º, ambos do CT. Assim é necessário para além da verificação do elemento objetivo e subjetivo, se conclua a impossibilidade da manutenção da relação laboral.
U. A verificação da justa causa pressupõe a verificação dos seguintes elementos: a) objetivo – facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 394º do CT; b) subjetivo – existência do nexo de imputação desse comportamento, por ação ou omissão, a culpa exclusiva da entidade patronal; c) causal – que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras da boa-fé, que o trabalhador permaneça ligado á empresa por mais tempo, pelo período fixado para o aviso prévio.
V. O tribunal “a quo”, perante toda a factualidade invocada pelo autor, e para efeitos de sentença, apenas considerou como ilícita a alteração de funções e categoria determinada pela ora apelante, chamando, para os mesmos efeitos, á colação o acréscimo de horas de trabalho (de uma hora), e a consequente redução da retribuição, que não foi objeto de fundamento de “justa causa” alegado pelo autor.
W. Ora, por sentença já transitada em julgado pelo Tribunal de Trabalho de Matosinhos, no processo 103/13.1TTMTS, 1º Juízo, em que foi autor H..., que teve na sua essência os mesmos factos, a ora apelante foi absolvida do pagamento da indemnização ao autor, por não se verificar justa causa subjetiva para a resolução do contrato.
X. Perante, todos os motivos invocados no presente Recurso, a apelante mantem a sua posição em considerar legitima a alteração da categoria profissional do autor, não implicando aquela uma despromoção profissional.
Y. Mantendo a convicção que o tribunal, “a quo” perante os factos e a prova produzida deveria ter decidido pela improcedência dos invocados fundamentos
Z. A ora apelante, reconhece que as alterações das condições de trabalho do autor o foram impostas no âmbito do exercício lícito de poderes de direção e organização.
AA. Pelo que, se conclui que não existiu por parte da apelante qualquer comportamento culposo, susceptível de juízo de censura, não estando preenchidos os requisitos da “justa causa”, previstos no nº 1 e al b) do nº 2 do artigo 394º do CT, para resolver o contrato.
BB. O mesmo será dizer que, constituindo “justa causa” objetiva de resolução do contrato de trabalho com fundamento na al. b) do nº 3 do artigo 394º, os factos provados, referentes à alteração de funções, horário de trabalho e remuneração, nos termos invocados na douta decisão do tribunal “a quo” e ora apresentada a discordância no presente Recurso, não são idóneos a concluir pela demonstração dos pressupostos (fácticos) constitutivos da justa causa subjetiva de resolução do contrato de trabalho.
CC. Face ao exposto, deve atender-se à não verificação da justa causa subjetiva para a resolução do contrato, devendo ser considerado improcedente, a condenação da apelante no pagamento da indemnização fixada pelo douto tribunal “a quo”.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V/Ex.ª Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação, e por vias dele revogar-se a Douta Decisão proferida pelo Mm.º Juiz a quo, considerando que deve a ora Apelante ser absolvida do pagamento da indemnização fixado pelo Tribunal “a quo” e consequentemente julgar a presente ação parcialmente improcedente nesta parte.”
1.3. O A. recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela manutenção da sentença.
Concluiu do seguinte modo:
“I. Cabia à Ré, no uso legitimo dos poderes que lhe assistem enquanto titular da empresa respetiva, o direito de decidir unilateralmente terminar, a partir de 17 de Setembro/2012, com a atividade exercida pelos seus motoristas, entregando-a a empresas exteriores que para o efeito contratou.
II. Porém, estava-lhe vedada a possibilidade de, sem o respetivo acordo prévio, atribuir ao Autor e aos restantes colegas em idêntica situação, a partir daquela data, funções absolutamente distintas das que efetivamente por ele sempre foram desempenhadas enquanto detentor da categoria profissional de motorista de ligeiros (funções essas indicadas na alínea d) da relação de factos provados) e que caracterizavam o núcleo essencial dessa categoria profissional.
III. A isso obsta quer o disposto no artº 118º do Código do Trabalho quer, sempre e em qualquer caso, o estipulado na clª 7ª nº 3 do IRCT para o setor na parte em que refere que uma eventual atribuição ao trabalhador de atividades com afinidade ou ligação funcional às funções normais só é permitida desde que o desempenho das funções inerentes à sua categoria profissional normal se mantenha como atividade principal do trabalhador, o que não sucedeu nem iria suceder no caso vertente pois que o decidido pela R. visou uma clara "reconversão profissional" daquele, o que implicaria deixar definitivamente de exercer qualquer uma das funções que na prática sempre exercera bem como de desempenhar funções inerentes, sequer minimamente, à sua categoria profissional de motorista de ligeiros.
IV. Assim, a decisão de extinção do posto de trabalho do A. pelas razões invocadas pela Ré não legitimou a ordem que, na sequência dessa decisão, esta deu para que aquele passasse a desempenhar funções que eram francamente distintas das anteriormente por ele sempre exercidas enquanto motorista de ligeiros, sendo que tal ilegitimidade e desconformidade com a lei era ou devia ser do conhecimento da ora Recorrente.
V. Esta tinha por isso a obrigação de ter em conta esse facto (o de que não seria legítima e violaria a lei a imposição ao Autor de funções por ele não contratadas) quando decidiu extinguir o respetivo posto de trabalho de motorista de ligeiros por razões do seu interesse e bem assim a obrigação de recorrer aos mecanismos da extinção de posto de trabalho ou de despedimento coletivo relativamente aos trabalhadores que não deram o seu acordo à "reconversão profissional" por ela pretendida, como foi o caso do A.
VI. De resto, mesmo cabendo à Ré o direito de, no âmbito do seu poder de gestão, decidir pelo encerramento duma parte da sua atividade, entregando a sua execução a terceiros, certo é que estava também adstrita, enquanto empregadora, a um dever de proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das suas obrigações como decorre do disposto no artº 126º do C.T., o que, no caso dos autos, também não sucedeu.
VII. E a sua obrigação era, como se disse, a de respeitar o direito do Autor a não ter que exercer funções que não foram por ele contratadas e que não tinham a ver com o núcleo essencial da categoria de motorista de ligeiros tal como se encontra definida no IRCT para o setor.
VIII. Ao impor-lhe o exercício de novas funções nos termos em que o fez sem qualquer acordo prévio com ele, a Ré atuou em clara violação da lei como não podia desconhecer.
IX. Por isso o seu comportamento tem de ser considerado culposo para todos os devidos efeitos e, nomeadamente, para o de se entender integrada a hipótese prevista no artº 394º nº 1-b) do Código do Trabalho, razão pela qual se verificou, no caso dos autos, justa causa subjetiva para a resolução do contrato de trabalho operada pelo A. em 15 de Outubro de 2012, a este assistindo em consequência o direito à correspondente indemnização.
X. Ao julgar como julgou, o Meritíssimo Juiz "a quo" apreciou adequadamente o quadro factual em presença, aplicando-lhe corretamente o direito, pelo que a sentença proferida não merece censura.”
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 145.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso em douto Parecer a que as partes não responderam.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[1], de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se deve reconhecer-se ao A. ora recorrido justa causa para a resolução contratual que operou.
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3. Fundamentação de facto
Consta da sentença recorrida a seguinte decisão de facto:
«[...]
A – FACTOS PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, considero demonstrados os seguintes factos:
a) A R. dedica-se ao comércio por grosso de produtos farmacêuticos (CAE …..), ao comércio a retalho de produtos cosméticos, em estabelecimentos especializados (CAE …..) e ao comércio por grosso de perfumes e de produtos de higiene (CAE…..);

b) Possui e explora por sua conta e risco um estabelecimento comercial sito na Rua …, no Porto;

c) No exercício da respetiva atividade comercial admitiu em 1 de Junho de 1992 o A. ao seu serviço, o qual, sob as suas ordens, direção e fiscalização, sempre exerceu com zelo e assiduidade a sua atividade profissional, prestando serviço no âmbito da empresa da R.;

d) O A. desempenhava as funções de motorista que consistiam em conduzir veículos automóveis, zelando pela sua boa conservação e pela carga que transportava e distribuía pelos clientes da R.;

e) Estava categorizado desde sempre pela R. como motorista de ligeiros;

f) A R. é associada da D….

g) O A. é sócio do E…, o qual resultou da fusão de diversos Sindicatos, entre eles o F…;

h) Tal Sindicato, como de resto já sucedia com o F…, está filiado desde sempre na G…;

i) A relação jurídico-laboral entre as partes era regulada pela CCT para os armazenistas de produtos farmacêuticos publicado no BTE nº 8, de 28 de Fevereiro de 2011 e PORTARIA DE EXTENSÃO publicada no BTE nº 20/11.

j) O A. exerceu regularmente as suas funções de motorista até 16 de Setembro de 2012;

k) A partir de setembro de 2012, por decisão unilateral da R., foram alteradas as funções que o A. sempre desempenhara ao serviço da empresa daquela e que eram as correspondentes à aludida categoria profissional de motorista de ligeiros;

l) Na sequência dessa decisão, ao A. foram retirados os instrumentos de trabalho que tinha ao dispor para o exercício das funções de Motorista (PDA, carro, cartão de combustível e telemóvel);

m) Em 17 de Setembro/2012, primeiro dia de atividade após o gozo de 10 dias úteis de férias, o A. foi informado pela R. de que, a partir desse dia, deveria passar a exercer funções no sector de expedição do respetivo estabelecimento comercial (Armazém);

n) Foi-lhe determinada a execução de tarefas consubstanciadas em separar tabuleiros para lavar, outros para serem reparados e outros para serem utilizados nas linhas, limpando-os bem como colocar nas rampas das respetivas rotas os contentores com encomendas que vêm das diversas delegações e outras tarefas semelhantes e indiscriminadas;

o) Ainda em consequência daquela decisão, o A. deixou de ter o transporte de que sempre usufruiu gratuitamente ao longo do período em que prestou serviço para a R. nas suas deslocações de casa para o trabalho e vice-versa.

p) A R. alterou também de forma unilateral, a partir de 18 de Setembro de 2012, o horário de trabalho do A.;

q) Tal horário, até 17 de Setembro de 2012, era das 10h00 às 12h00 e das 13h00 às 19h00, de Segunda a Sexta-feira;

r) Passou a ser, a partir de 18 de Setembro de 2012, das 10h00 às 14h00 e 16h00 às 20h00, também de Segunda a Sexta-feira;

s) Em face disto, o A. remeteu à R., em 18 de Setembro de 2012, por correio registado com aviso de receção, a carta junta a fls. 19 e 20, cujo teor aqui de dá por reproduzido, na qual exarou o respetivo protesto face àquelas decisões da R.;

t) Tal carta suscitou a resposta da R., junta a fls. 22 e 23, reiterando a decisão anteriormente tomada, determinando que o A. se apresentasse no dia 08.10.2012, no Armazém do Porto, a fim de iniciar as novas funções, declarando ainda que “iria administrar a formação apropriada” ao seu exercício;

u) Perante o teor dessa resposta o A. remeteu-lhe em 7 de Outubro de 2012, por correio eletrónico e, em 8 de Outubro 2012, de novo por correio registado com aviso de receção, a comunicação junta a fls. 24 e ss., cujo teor se dá por reproduzido na qual reafirmou o protesto que já anteriormente tinha exarado face às decisões tomadas unilateralmente pela R. e solicitou a inversão da posição por ela assumida e a reposição da situação profissional que sempre deteve até 16 de Setembro de 2012;

v) A R. não alterou as decisões que tomou relativamente ao A.;

w) Por carta datada de 15 de Outubro de 2012, junta a fls. 28 e ss., que aqui se dá por reproduzida, remetida nesse mesmo dia via fax e por correio registado com aviso de receção, a qual foi recebida pela R., o A. comunicou-lhe a decisão de resolver, com efeitos imediatos, o contrato de trabalho que os vinculava nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 395º do Código do Trabalho;
x) O A. fundamentou e justificou essa decisão na ocorrência dos seguintes factos que relatou na aludida carta:

a) Terem-lhe sido retiradas com caráter definitivo, a partir do dia 17 de Setembro/2012, por decisão unilateral da R., as funções de motorista que sempre desempenhou desde que iniciou em 1 de Julho de 1992 a respetiva atividade profissional para a empresa e atribuídas funções que nada têm a ver com aquela categoria profissional já que consubstanciadas em separar tabuleiros para lavar, outros para serem reparados e outros para serem utilizados nas linhas, limpando-os.
b) Terem-lhe sido também retirados todos os instrumentos de trabalho que tinha ao seu dispor para o exercício das funções de motorista (PDA, automóvel, cartão de combustível e telemóvel).
c) Ter-lhe sido retirado, em consequência daquela decisão, o transporte que sempre usufruiu gratuitamente ao longo de todo o período em que prestou serviço para a empresa da R. nas deslocações de casa para o trabalho e vice-versa, o que significava que não tinha que despender qualquer quantitativo para esse efeito.
d) Ter sido unilateralmente alterado por decisão da R. o respetivo horário de trabalho.
e) Não se ter verificado, apesar de protesto que exarou em 18 de Setembro de 2012 relativamente a tais decisões unilaterais e no âmbito do qual reclamou a reposição das funções correspondente à sua categoria profissional de motorista que sempre desempenhou, qualquer alteração na posição da R., antes lhe tendo sido determinado, por carta datada de 28 de Setembro de 2012, que, a partir de 8 de Outubro/2012, deveria comparecer no armazém da empresa para iniciar, com caráter definitivo, novas funções de operador de logística no horário correspondente a essa função sendo que lhe seria alegadamente dada formação para esse efeito, o que tudo motivou a reafirmação do protesto que havia exarado no dia 18 de Setembro/2012.
f) Apesar disso, não lhe foi dada qualquer formação específica sobre as tarefas a realizar, sendo que foi colocado, a partir daquele dia 8 de Outubro/2012, num autómato a encher canais e a arrumar mercadoria por ordem do responsável dessa secção.
g) Ter sido obrigado a cumprir naquele dia 8 de Outubro/2012 e durante toda a semana um horário das 10h00 às 14h00 e das 16h00 às 20h00 e ter-lhe sido dito pelo responsável da secção que na semana seguinte o horário seria das 12h00 às 22h00 com intervalo de 2 horas.
h) Ter necessidade de prestar apoio ao filho menor nas atividades a que o mesmo está ligado, o que não se coadunava com os horários que pretendiam impor-lhe.
i) Ter já despendido e ter de continuar a despender montantes mensais elevados (pelo menos 120,00€/mês pela utilização do respetivo transporte particular, sendo que, se tivesse de utilizar transportes públicos, isso implicaria, além de dispêndio pecuniário também relevante, o gasto de pelo menos uma hora em cada uma das viagens de casa para o trabalho e vice versa já que teria de utilizar em cada uma dessas viagens dois transportes distintos) para se deslocar de casa para o trabalho e vice versa quando anteriormente, tal como referido na antecedente alínea c), nunca teve qualquer dispêndio desse género, sendo que nenhuma contrapartida económica lhe foi paga até à data nem nada nesse sentido lhe foi sequer transmitido na sequência do protesto que exarou em 18 de Setembro/2012, o que tudo implicava uma evidente diminuição dos meus créditos salariais líquidos.

y) No dia 5 de Setembro/2012, altura em que o A. estava de férias, a R. efetuou reunião com os restantes motoristas que se encontravam a trabalhar a quem informou que, a partir do dia 17 desse mês, a distribuição iria ser entregue a empresas externas mas, no entanto, dava oportunidade aos motoristas da casa de concorrerem às respetivas rotas ficando assim a trabalhar por sua conta para a C…, S.A. como prestadores de serviços;

z) O A. despendeu e continuaria a despender, mensalmente, quantia não apurada pela utilização do transporte particular ou dos transportes públicos, implicando estes últimos uma deslocação mais demorada entre a sua residência e as instalações da empresa e vice-versa;

aa) A R., em 2012, decidiu restruturar a atividade da sua empresa;

bb) Por questões de redução de custos, deixou de prestar o serviço de transporte, distribuição e recolha de medicamentos e outras mercadorias, extinguindo a categoria de motorista de ligeiros;

cc) Nesse sentido, com vista a evitar o seu despedimento, disponibilizou a todos os motoristas de ligeiros a categoria de operador de logística II, mantendo a remuneração, antiguidade, e acrescendo um subsídio de turno;

dd) As funções desempenhadas por um operador de logística II não são aptas a ferir a suscetibilidade do A. ou a diminuir as suas capacidades técnicas ou intelectuais;

ee) A mudança de categoria traria ao A. a possibilidade de progredir na carreira, possibilidade que enquanto motorista lhe estava vedada;

ff) O veículo, o cartão de combustível, o telemóvel, o PDA e o dispositivo via verde foram entregues ao A. para, enquanto motorista, desempenhar as suas funções;

gg) A R. nunca autorizou o A. a utilizar o veículo, o telemóvel e o cartão de combustível para fins pessoais;

hh) A utilização do veículo por parte do A., para fins pessoais, resultou de tolerância de quem dela tinha conhecimento, nunca a tendo comunicado a outros responsáveis da R.;
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B - FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram outros factos, em contradição com estes ou para além deles, designadamente, que:
- ao A. não foi dada formação para o exercício das funções de operador de logística;
- a R. assumiu, perante o A. a obrigação de lhe proporcionar gratuitamente, no veículo da empresa que lhe estava atribuído, as deslocações entre a sua residência e as instalações da empresa e vice-versa;
- o A. tinha despendido e continuaria a despender pelo menos 120€ pela utilização do transporte particular;
- ao A. não foi dado conhecimento que a distribuição iria ser entregue a empresas externas mas, no entanto, dava oportunidade aos motoristas da casa de concorrerem às respetivas rotas ficando assim a trabalhar por sua conta para a C…, S.A. como prestadores de serviços;
- as funções de operador de logística II não diferem muito das de motorista.
[…]»

[...]».
Estes os factos a atender para resolver as questões postas no recurso.
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Ao exercício do direito de resolução, aplica-se o regime jurídico do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em face do que prescreve o art. 7.º, n.º 1 da Lei Preambular, e uma vez que, quer o acto desvinculatório, quer os actos invocados para o fundamentar, tiveram lugar em plena vigência deste Código (entre Setembro e Outubro de 2012).
O artigo 394.º, n.º 1 do Código do Trabalho possibilita a desvinculação contratual por declaração unilateral do trabalhador sem necessidade de observar o período de aviso prévio previsto no art. 400.º do Código do Trabalho em situações que considera serem anormais e particularmente graves, em que deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio. O preceito abarca duas espécies de justa causa de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador: a justa causa subjectiva (n.º 2) e a justa causa objectiva (n.º 3).
Estabelece o art.º n.º 2 do referido artigo 394.º, que “[c]onstituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) 0fensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante legítimo.”
A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artigo 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho) e, nos termos do n.º 3 do art.º 398.º, na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do art.º 395.º.
Ou seja, dessa indicação depende a atendibilidade dos factos invocados pelo trabalhador para justificar a cessação imediata do contrato[2].
Como escreve o Professor João Leal Amado[3] relativamente à justa causa subjectiva de demissão, elencada nas diversas alíneas do n.º 2 em termos meramente exemplificativos (“nomeadamente”), esta “refere-se a comportamentos ilícitos e culposos do empregador, analisando-se naquilo que muitas vezes se designa de despedimento indirecto, isto é, abrange casos em que a ruptura contratual, conquanto desencadeada pelo trabalhador, tem como verdadeiro e último responsável o empregador, o qual viola culposamente os direitos e garantias daquele”.
De acordo com o art. 394.º, nº 4 do Código do Trabalho, a justa causa de resolução imediata por parte do trabalhador, tem de ser apreciada pelo tribunal nos termos do nº 3 do art. 351º do mesmo diploma, com as necessárias adaptações, ou seja, deve o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes e verificar se é de concluir pela impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho que o contrato pressupõe.
Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar inexigível a subsistência da relação de trabalho[4].
Há assim uma aproximação ao conceito de justa causa consagrado pelo art. 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho, como já antes sucedia relativamente aos artigos 396.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003 e 9.º do D.L. nº 64-A/89 de 27 de Fevereiro, e era também entendimento generalizado na vigência da anterior Lei dos Despedimentos de 1975, considerando-se que, embora a lei não o explicitasse, se achava subjacente ao conceito geral de justa causa, a ideia de "inexigibilidade" que enforma igualmente a noção de justa causa disciplinar consagrada na lei no domínio da faculdade de ruptura unilateral da entidade patronal[5].
Acrescente-se todavia que, como observa Júlio Gomes[6], na apreciação da justa causa de resolução o limiar da gravidade do incumprimento do empregador que justifica a resolução pode situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica o despedimento.
Existindo embora um núcleo comum aos dois conceitos de justa causa, pois em ambos está presente uma noção de inexigibilidade, eles não são absolutamente simétricos ou idênticos, nomeadamente quanto ao grau de intensidade que a violação concreta dos direitos da contraparte tenha de atingir para se considerar inexigível a continuação da relação num e noutro caso. Enquanto o empregador dispõe de outros meios de auto tutela do seu interesse, nomeadamente as sanções de natureza conservatória, o trabalhador não dispõe de outro mecanismo que não seja o da resolução do contrato.
4.2. No caso sub judice, o A. fundou a resolução operada nos já indicados factos que imputou à R. na carta referida na alínea x) da matéria de facto que, na sua perspectiva, preenchem os fundamentos de resolução previstos no art. 394°, n.ºs 1 e 2, als. b) e e) do Código do Trabalho, ou seja, traduzem “violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador” e “lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador”.
A sentença recorrida entendeu que a alteração de funções do recorrido no caso em apreço não se prende com o instituto do “ius variandi” regulado no artigo 120º do Código do Trabalho de 2009, por não estar em causa o exercício temporário de funções não compreendidas na actividade contratada, mas uma alteração definitiva que a R. pretendia introduzir ao nível da categoria profissional do A.
E veio a concluir que a modificação funcional preconizada pela R. é ilegítima, com base, resumidamente, na seguinte argumentação:
– a R. impôs ao A., unilateralmente, o exercício de funções típicas de uma categoria que não correspondia àquela para que foi contratado;
– a actividade contratada – nos termos do artigo 118.º, n.º 1 do CT – compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional;
– consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional e as categorias de motorista de ligeiros e de operador de logística II devem considerar-se afins ou funcionalmente ligadas pois encontram-se enquadradas no mesmo grupo (cfr. BTE n.º 8 de 28 de Fevereiro de 2011, p. 709), pelo que à luz do CT nada obstaria à atribuição de novas funções e nova categoria ao A.;
– mas a cláusula 7ª da Convenção Colectiva de Trabalho aplicável, só permite a faculdade de o empregador encarregar o trabalhador de desempenhar outras actividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da categoria respectiva, se o desempenho das funções inerentes à sua categoria profissional normal se mantiver como actividade principal do trabalhador, não podendo, em caso algum, as actividades exercidas acessoriamente determinar a sua desvalorização profissional ou a diminuição da sua retribuição (n.º 3 da cláusula);
– pelo que no caso concreto, não obstante a afinidade ou ligação funcional entre as categorias de motorista e de operador de logística (meramente formal, por ambas as categorias estarem enquadradas no mesmo grupo), a modificação de funções operada pela R. não permitiria ao A. continuar a desempenhar, como actividade principal, as funções inerentes à categoria de motorista (conduzir um veículo e distribuir a carga que transporta pelos clientes) e é ilegítima a modificação funcional preconizada pela R. por violadora da cláusula 7.ª da CCT aplicável.
No que diz respeito à conclusão pela verificação da justa causa, o Mmo. Juiz a quo entendeu que a alteração ilícita das funções do A. foi também culposa e ponderou, ainda, que a alteração traz mudanças visíveis no estatuto do A., mexendo com aquilo que constitui o núcleo essencial da prestação do trabalho (a categoria e as funções concretamente exercidas pelo A., que a R, decidiu modificar de forma unilateral) e que em relação ao horário e à retribuição do A. este passou a trabalhar mais uma hora por dia, mantendo o mesmo vencimento. Afirmou, também, que a pretexto preservação do posto de trabalho, não podem as entidades empregadoras violar as disposições legais destinadas a proteger os direitos e interesses dos trabalhadores, como são as relativas à dimensão funcional, à irredutibilidade da retribuição, ou à modificação do horário de trabalho e concluiu nos seguintes termos:
“No contexto em causa e perante a atuação da ré, suscetível de se enquadrar na al. b) do n.º 2, do art.º 394º do CT, afigura-se-nos que não era ao A. exigível, por representar sacrifício injusto e penoso, manter o contrato de trabalho, sendo que não nos podemos esquecer que, ao contrário do que sucede com o empregador que dispõe de um leque sancionatório para as situações de violação dos deveres laborais cometidas pelo trabalhador, este não o tem. Por outro lado, é também necessário ter em conta que o trabalhador, perante a violação dos deveres laborais por parte do empregador, apenas dispõe de 30 dias para acionar o direito de resolução do contrato de trabalho. Entendemos, por isso, nos termos do art.º 394º, nºs 1 e 2, al. b), ocorrer justa causa para o A. resolver o contrato de trabalho.”
A recorrente dissente deste entendimento alegando, essencialmente:
- que lhe era lícito encarregar o A. de desempenhar outras funções para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional, desde que tal não implique desvalorização profissional, como não existiu, pois o A. não sofreu uma mudança para uma categoria inferior tendo-se mantido no mesmo grupo VIII do CCT, e a desempenhar uma das funções que o motorista pode desempenhar;
- que salvaguardou os direitos do A. designadamente o direito ao trabalho e não optou pelo despedimento colectivo porque havia lugar para o A. no armazém;
- que o tribunal a quo considerou motivo justificativo para a resolução do contrato o facto de o autor passar a “trabalhar mais uma hora por dia, mantendo o mesmo vencimento” e que “evidentemente acabaria por ver reduzida a sua retribuição”, quando não houve nenhuma alteração nas horas de trabalho efectivo do autor, mantendo as mesmas 40 horas semanais, correspondente a 8 horas por dia;
- que o acréscimo de uma hora de trabalho e a correspondente diminuição da retribuição não foi fundamento da justa causa invocada pelo A.;
- que as alterações das condições de trabalho do autor foram impostas no âmbito do exercício lícito de poderes de direcção e organização; e
- que, constituindo “justa causa” objectiva de resolução do contrato de trabalho com fundamento na al. b) do nº 3 do artigo 394º, os factos provados, referentes à alteração de funções, horário de trabalho e remuneração, não são idóneos a concluir pela justa causa subjectiva de resolução do contrato de trabalho.
4.3. Comecemos por abordar a alteração de funções do recorrido verificada em Setembro de 2012 e a sua conformidade com o regime jurídico aplicável.
A categoria profissional traduz-se basicamente num modo de identificação, por referência a uma fórmula ou a um “nomen”, das funções que um trabalhador pode ser obrigado a realizar[7]. A protecção legal da categoria profissional manifesta-se em vários princípios, sendo um dos mais relevantes o princípio geral da correspondência entre a actividade exercida e a categoria contratual do trabalhador (com a inerente garantia da invariabilidade da prestação relativamente às funções para que o trabalhador foi contratado), o que pressupõe um princípio de efectividade, ou seja, a categoria profissional corresponde ao conjunto de tarefas que efectivamente o trabalhador realiza e não a uma determinada designação formal, sendo que, em caso de divergência, é a função efectiva que deve prevalecer.
Este princípio encontrava-se consagrado no art. 22º, n.º 1 do Decreto-Lei n.° 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), na redacção da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho
No Código do Trabalho de 2003, o princípio da invariabilidade da prestação encontrou arrimo no artigo 151.º, n.º s 1 e 5, embora aí referindo a “actividade contratada” em vez da referência à categoria profissional.
A denominada mobilidade funcional (correspondente ao ius variandi) foi prevista no artigo 314.º como uma vicissitude contratual e passaram a incluir-se no conceito de actividade contratada as “funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas” (artigo 151.º, n.º 2), permitindo ao empregador exigir ao trabalhador uma prestação de trabalho mais vasta ou complexa[8], sem limite de tempo e sem direito a reclassificação pelo desempenho das funções acessórias quando as mesmas correspondam a uma categoria profissional superior.
O Código do Trabalho de 2009 mantém essencialmente o regime de 2003. De acordo com o seu artigo 118.º:
«1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.
2 - A actividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
3 - Para efeitos do número anterior e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
4 – (…).
5 - (…).»
O princípio da invariabilidade da prestação mostra-se consagrado no artigo 118.º, n.º 1, também com referência à actividade contratada
As funções afins ou funcionalmente ligadas à actividade nuclear que correspondam a outras actividades compreendidas “no mesmo grupo ou carreira profissional do trabalhador”, para que o trabalhador tenha qualificação e que não impliquem a sua desvalorização profissional, podem ser exercidas acessoriamente a esta (artigo 118.º, n.ºs 2 e 3) e integram a “actividade contratada em sentido amplo”, não conferindo o direito de reclassificação.
E pode também o trabalhador ser chamado a desempenhar temporariamente funções não compreendidas na função que lhe foi atribuída nas situações limitadas da mobilidade funcional reguladas no artigo 120.º do mesmo Código.

4.4. Atenta a actividade exercida pela recorrente empregadora [facto a)] e a sua filiação na D…, bem como a filiação sindical do A. no E…, o qual resultou da fusão de diversos Sindicatos, entre eles o F… e está filiado na G…; a relação jurídico-laboral entre as partes era regulada pela Convenção Colectiva de Trabalho para os armazenistas de produtos farmacêuticos publicada no BTE nº 8, de 28 de Fevereiro de 2011 e Portaria de Extensão publicada no BTE nº 20/11[9], o que, aliás, as partes não questionam.

Como é jurisprudência uniforme, estando uma categoria institucionalizada (isto é, prevista na lei ou instrumento de regulamentação colectiva), o empregador está obrigado a observar essa institucionalização[10].
À luz do referido CCT as funções correspondentes à categoria de “Motorista de Ligeiros” na qual o A. se encontrava integrada pela R. – que assim o categorizava [alínea e) da matéria de facto] e o designou no certificado de trabalho constante de fls. 17, são definidas nos seguintes termos:
«[c]onduz veículos automóveis; zela pela sua boa conservação e pela carga que transporta e distribui, podendo também, se necessário, orientar a sua carga e descarga.»
Por seu turno o conteúdo funcional do “Operador(a) de logística” mostra-se descrito no mesmo CCT nos seguintes termos:
«[r]esponsável pelas operações de entrada, trânsito e saída de mercadorias e outros materiais, executando ou fiscalizando os respectivos documentos; recebe e satisfaz as encomendas feitas pelos clientes; colabora com o seu superior hierárquico na organização material do armazém e responsabiliza -se pela arrumação, reposição e conservação das mercadorias e ou materiais, verificando também os respectivos prazos de validade; trata de toda a documentação inerente à actividade do armazém e colabora na execução de inventários. Confere mercadorias ou produtos, com vista ao seu acondicionamento ou expedição, podendo registar a sua entrada ou saída.».
4.5. Ora, perante os factos provados e fazendo o cotejo entre as funções descritas no instrumento de regulamentação colectiva como inerentes à categoria profissional de “motorista de ligeiros” que o A. há mais de 20 anos desempenhava e as funções correspondentes à categoria profissional de “operador de logística” que lhe foram determinadas, conclui-se que a modificação operada é substancial. Com efeito, ao invés do que afirma a recorrente, as tarefas que definem uma e outra categoria são claramente distintas, sendo residual a possível coincidência que a recorrente assinala haver no Anexo I da CCT, quando indica na primeira das categorias “in fine” que uma das funções que o motorista pode desempenhar é “orientar a sua carga e descarga” e uma das funções do operador de logística II é ser “responsável pelas operações de entrada, transito e saída de mercadorias (...) ou expedição”. Usando uma linguagem matemática, a intersecção de conteúdos com as funções do “operador de logística” reporta-se a um desempenho do motorista que é claramente residual e que não é, sequer, um desempenho necessário.
Mas se é assim ao nível do cotejo das descrições funcionais constantes do instrumento de regulamentação colectiva, ao nível do que efectivamente sucedeu com o A. a factualidade apurada é eloquente quanto à diversidade entre as funções que o A. desempenhou regularmente ao longo de mais de 20 anos ao serviço da R. e até 16 de Setembro de 2012 – o A. desempenhava as funções de motorista que consistiam em “conduzir veículos automóveis, zelando pela sua boa conservação e pela carga que transportava e distribuía pelos clientes da R.” – e aquelas de que a R. o incumbiu em 17 de Setembro de 2012, primeiro dia de actividade após o gozo de 10 dias úteis de férias, quando o informou de que, a partir desse dia, deveria passar a exercer funções no armazém do estabelecimento comercial – e lhe determinou a execução de tarefas consubstanciadas em “separar tabuleiros para lavar, outros para serem reparados e outros para serem utilizados nas linhas, limpando-os bem como colocar nas rampas das respectivas rotas os contentores com encomendas que vêm das diversas delegações e outras tarefas semelhantes e indiscriminadas” [als. d), e), j), k), m) e n) da matéria de facto].
Embora a alteração funcional determinada não implique uma desvalorização profissional ou despromoção [als. cc), dd) e ee) da matéria de facto], é manifesto que se trata de categorias distintas e com conteúdos funcionais que, à luz da CCT aplicável, apenas coincidem em termos residuais e hipotéticos.
Acresce que – e aqui divergimos da perspectiva expressa na sentença da 1.ª instância – entendemos que não pode considerar-se a actividade de “operador de logística” incluída na actividade contratada nos termos prescritos no artigo 118.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
Na verdade, este preceito estabelece que “[a] actividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional”.
Para este efeito – sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho – “consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional” (n.º 3 do artigo 118.º).
No caso concreto, as categorias de motorista de ligeiros e de operador de logística II encontram-se efectivamente enquadradas no mesmo grupo VIII do instrumento de regulamentação colectiva (cfr. BTE n.º 8 de 28 de Fevereiro de 2011, p. 709), mas os diversos grupos delimitados na Convenção Colectiva de Trabalho em causa reportam-se a um mesmo nível “salarial”, como indica o recorrido nas suas contra-alegações, mas comportam algumas categorias que não têm qualquer afinidade “funcional” entre si, como sucede com as categorias em cotejo nestes autos (e também, p. ex., com o “delegado comercial” e o “técnico de informática” que se encontram, ambos, no grupo V e têm funções substancialmente bem distintas).
Seja como for, e ainda que pudesse considerar-se, como a sentença da 1.ª instância, que as funções de “operador de logística” podem qualificar-se como funções afins ou funcionalmente ligadas às de “motorista de ligeiros” por se encontrarem enquadradas no mesmo grupo VIII, a alteração de funções não observa os pressupostos da denominada polivalência funcional – artigo 118.º, n.ºs 2 e 3 – pois que o trabalhador iria deixar pura e simplesmente de desempenhar as funções de motorista de que estava incumbido há mais de 20 anos e passaria a exercer “ex novo”, e de modo exclusivo, as tarefas inerentes à categoria profissional de “operador de logística” [vide as alíneas k), l), m), aa) e bb) da matéria de facto]. Ou seja, a nova actividade seria exercida a título principal, ou melhor, a título exclusivo (não a título acessório), deixando o A. totalmente de conduzir veículos o que constitui a essência das funções de motorista.
Ora, como refere Maria do Rosário Palma Ramalho[11], as funções afins devem ser exercidas a título acessório da actividade nuclear do trabalhador e não a título substitutivo daquela actividade. Sob pena de se desvirtuar a tutela dos direitos à actividade contratada (art. 151º, nº 1) e ao exercício das funções correspondentes à categoria profissional, não pode o empregador, a título definitivo, alterar as funções do trabalhador, privando-o do exercício das funções que constituem o núcleo essencial dessa actividade e da correspondente categoria, cometendo-lhe, por exemplo, tão-só a execução de determinadas funções apenas acessórias ou funcionalmente ligadas, mas sem que correspondam ao seu núcleo essencial.
Assim, se o trabalhador exerce há 20 anos tarefas que se reconduzem à categoria profissional de “Motorista” e detém, por consequência, a respectiva categoria, que lhe é também reconhecida pelo empregador, consistindo o núcleo essencial dessa actividade em “conduzir veículos automóveis, zelando pela sua boa conservação e pela carga que transportava e distribuía pelos clientes da R” [vide o facto d) e a descrição constante do CCT], não é lícito ao empregador cometer-lhe, exclusivamente, a execução de tarefas enquadráveis na categoria profissional de “operador de logística”, ainda que pudessem estas qualificar-se como afins ou funcionalmente ligadas às primeiras.
Cremos que assim se deve concluir, logo à luz do Código do Trabalho e da interpretação que a doutrina vem fazendo do regime nele enunciado, sem necessidade de lançar mão das prescrições do instrumento de regulamentação colectiva aplicável.
De todo o modo, é absolutamente pertinente a alusão que a sentença da 1.ª instância faz ao instrumento de regulamentação colectiva, devendo dizer-se que, em bom rigor, a recorrente não refuta na apelação a fundamentação que o tribunal a quo adiantou a este propósito.
Com efeito, a cláusula 7.ª da identificada Convenção Colectiva de Trabalho dispõe nos seguintes termos:
“Desempenho de funções
1. O trabalhador deve exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado.
2. A entidade empregadora pode encarregar o trabalhador de desempenhar outras actividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da categoria respectiva, desde que o exercício das mesmas não implique a sua desvalorização profissional.
3. A faculdade prevista no número anterior só é permitida se o desempenho das funções inerentes à sua categoria profissional normal se mantiver como actividade principal do trabalhador, não podendo, em caso algum, as actividades exercidas acessoriamente determinar a sua desvalorização profissional ou a diminuição da sua retribuição.
4. No caso de às actividades acessoriamente exercidas corresponder retribuição mais elevada, o trabalhador terá direito a esta enquanto o exercício de tais actividades se mantiver
5. Salvo estipulação em contrário, a entidade empregadora pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de funções não compreendidas na actividade contratada, desde que a ordem de alteração seja justificada, com indicação do tempo previsível e tal alteração não implique diminuição da retribuição, nem modificação substancial da posição do trabalhador.
6. Quando às funções temporariamente desempenhadas, nos termos do número anterior, corresponder um tratamento mais favorável, o trabalhador terá direito a esse tratamento.”.
Esta cláusula, depois de reproduzir o artigo 118.º do Código do Trabalho, dispondo que o trabalhador deve exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado (n.º 1) e de admitir que o empregador pode encarregar o trabalhador de desempenhar outras actividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da categoria respectiva (n.º 2), é expressa a explicitar que tal faculdade só é permitida se o desempenho das funções inerentes à sua categoria profissional normal “se mantiver como actividade principal” do trabalhador, não podendo, em caso algum, as actividades exercidas acessoriamente determinar a sua desvalorização profissional ou a diminuição da sua retribuição (n.º 3).
No caso concreto, e como assinala o Mmo. Julgador a quo, não obstante a afinidade ou ligação funcional que considera existir entre as categorias de motorista e de operador de logística (afinidade que não deixa de sublinhar ser “meramente formal”, pois deriva apenas de ambas as categorias estarem enquadradas no mesmo grupo), a modificação de funções operada pela R. não permitiria ao A. continuar a desempenhar, como actividade principal, as funções inerentes à categoria de motorista (conduzindo um veículo automóvel e zelando pela sua boa conservação e pela carga que transportava e distribuía junto dos clientes), pelo que não encontra guarida nesta norma convencional.
O que nos conduz à afirmação de que a modificação funcional unilateralmente determinada pela recorrente é ílicita, por violadora das garantias concedidas ao trabalhador nos regimes legal e convencional aplicáveis.
A esta conclusão não obstam as circunstâncias de estar provado que a mudança de categoria traria ao A. a possibilidade de progredir na carreira, a qual lhe estava vedada enquanto motorista e de a R. ter disponibilizado ao A. a categoria de operador de logística, mantendo a remuneração, antiguidade, e acrescendo um subsídio de turno, com vista a evitar o seu despedimento [factos cc), ee), dd)].
Com efeito, um dos princípios que a doutrina tem assinalado, como inerente à protecção da categoria profissional é o da proibição da mudança unilateral e definitiva de categoria, ainda que esta se não traduza numa baixa de categoria, como resulta dos princípios gerais dos contratos (a pacta sunt servanda - artigo 406.º, n.º 1 do Código Civil). Como escreve Jorge Leite, “a mudança de categoria que não corresponda a uma normal progressão ou promoção na carreira equivale a uma modificação substancial do contrato, modificação que só pode produzir efeitos se for aceite pelo trabalhador”[12]. E Monteiro Fernandes observa que se as novas funções corresponderem a uma categoria do mesmo nível, com identidade de estatutos retributivos, ainda aqui o trabalhador pode opor-se[13].
Decidindo a recorrente alterar a forma como procedia à distribuição dos produtos que comercializava, entregando-a a entidades externas em vez de proceder à distribuição por intermédio dos motoristas que tinha ao seu serviço – decisão económica e de gestão que se situa no âmbito dos seus poderes empresariais – não podia deixar de o fazer com respeito pelas garantias legais e convencionais dos seus trabalhadores, observando, designadamente, as disposições que protegem o seu estatuto profissional e proíbem a alteração unilateral das suas funções.
Se a externalização do serviço de transporte, distribuição e recolha de medicamentos e outras mercadorias que decidiu operar não integrava uma transmissão de parte da empresa ou estabelecimento que constituisse uma unidade económica, com os efeitos previstos no artigo 285.º do Código do Trabalho, ou se a recorrente entendia que não tinha fundamento para proceder a um despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho (artigos 359.º e ss e 367.º e ss. do Código do Trabalho), poderia, sem dúvida, propor ao recorrido a alteração da sua categoria profissional, pondo à consideração deste as alterações do estatuto funcional e profissional que entendia adequadas.
E, se se verificassem os pressupostos legais daqueles institutos jurídicos que culminam com a cessação das relações contratuais – ou por via da transmissão da posição contratual para o adquirente ou cessionário, ou por via do despedimento – poderia também procurar o consenso do trabalhador no âmbito dos procedimentos que os precedem, assim logrando manter o contrato com uma alteração da categoria profissional.
Em qualquer destas hipóteses, caso o empregador desse ao trabalhador a possibilidade de ponderar se a alteração da categoria lhe interessava – designadamente para evitar um despedimento, ou porque a mudança lhe traria a possibilidade de progredir na carreira (que lhe estava vedada enquanto motorista) ou porque a mesma não constituía uma despromoção e manteria a remuneração, antiguidade, acrescendo ainda um subsídio de turno – e alcançasse o acordo do trabalhador, nada obstaria a uma reconfiguração contratual.
O que não podia a recorrente era, sem esse consenso e substituindo-se aquele contraente na ponderação das vantagens e inconvenientes da alteração do contrato, ainda que por muito boas razões, impor-lhe unilateralmente um contrato com uma nova configuração, fora dos limites legais e convencionais do seu poder de direcção.
Diga-se ainda que a referida alteração de funções não observa, igualmente, os pressupostos do ius variandi ou mobilidade funcional constantes do artigo 120.º do Código do Trabalho, pois nada demonstra – pelo contrário [vide os factos constantes das alíneas k), aa), bb) e cc)] – que deva entender-se como “temporária” a ordem de alteração de funções transmitida ao trabalhador, sendo certo que a recorrente não questiona directamente esta vertente da decisão recorrida.
Não se mostram, pois, preenchidos os pressupostos, quer da polivalência funcional tal como a mesma se mostra enunciada no art. 118.º, n.ºs 2 e 3 do Código do Trabalho, quer da mobilidade funcional ou ius variandi, por não preenchidos os pressupostos do art. 120.º do mesmo Código, sendo de reputar claramente ilícita a determinação unilateral da recorrente no sentido da alteração de funções do recorrido nos termos que ficaram apurados, por violadora das garantias plasmadas nos regimes legal e convencional aplicáveis e do artigo 406.º do Código Civil.
4.6. No que diz respeito à verificação da justa causa de resolução, cabe dizer que subscrevemos também o juízo final emitido pela 1.ª instância, na medida em que a factualidade apurada e as circunstâncias que dela emergem preenchem, efectivamente, os fundamentos de resolução previstos no art. 394°, n. 2, alínea b) do Código do Trabalho, ou seja, traduzem “violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador”, embora não integrando a hipótese da alínea e) do mesmo preceito.
Relembremos que a noção de justa causa para estes efeitos e a aferição da inexigibilidade da subsistência da relação de trabalho não pode ser perspectivada nos exactos termos em que o é a justa causa de despedimento.
Como refere Júlio Manuel Vieira Gomes “poder-se-á pensar que a noção de justa causa deveria ser aqui simétrica à do n.º1 do artigo 396.º [do Código do Trabalho de 2003]; no entanto, é duvidoso que assim seja já que, enquanto que o empregador dispõe de outras sanções disciplinares e deve recorrer aos meios ou sanções conservatórias, a não ser em casos extremos em que se justifica o recurso ao despedimento, de tal possibilidade não beneficia, obviamente, o trabalhador que pode, quando muito, advertir o empregador para que este, por exemplo, deixe de violar direitos contratualmente acordados ou lançar mão em certos casos da auto-tutela (designadamente, da excepção de não cumprimento do contrato). Contudo, se a violação desses direitos, por exemplo, persistir, o trabalhador pouco mais poderá fazer do que optar entre tolerar a violação ou resolver o contrato. Além disso, e em segundo lugar, ao decidir da justeza e da oportunidade de um despedimento disciplinar promovido pelo empregador tem-se em conta, não apenas factores individuais – como o grau de culpa, em concreto, daquele trabalhador ou o seu processo disciplinar – mas também as consequências do comportamento do trabalhador na organização em que normalmente está inserido, a perturbação da “paz da empresa”, e inclusive, até certo ponto, considerações de igualdade ou proporcionalidade de tratamento. Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação, o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica do despedimento»[14].
Ora no caso vertente:
● face à ilícita alteração definitiva e substancial das funções que o trabalhador desempenhava há mais de 20 anos nos termos já assinalados;

● face ao condicionalismo que envolveu tal alteração da categoria profissional, com reflexos também nos próprios instrumentos de que o recorrido dispunha diariamente para o exercício das funções de motorista (a recorrente retirou-lhe o carro, o cartão de combustível, o telemóvel e o “PDA”);

● face à concomitante alteração, também de forma unilateral, do horário de trabalho do A. que até 17 de Setembro de 2012, era das 10h00 às 12h00 e das 13h00 às 19h00, de segunda a sexta-feira e passou a ser, a partir de então, das 10h00 às 14h00 e 16h00 às 20h00, também naqueles dias;

● face à própria atitude assumida pelo recorrido de começar por alertar a recorrente para a ilegalidade da ordem e de protestar relativamente aquelas decisões da recorrente;

● face à reiteração por parte da recorrente da decisão anteriormente tomada;

● face ao pedido que, logo após, o recorrido formulou de inversão da posição por ela assumida e de reposição da situação profissional que sempre deteve, e

● face à reiteração da conduta da recorrente, apesar daquela segunda interpelação,
é considerar que não era exigível ao recorrido a subsistência por mais tempo da relação laboral que mantinha com a R. recorrente e que, de modo tão substancial, via unilateralmente alterada, sendo compreensível que se tenha sentido desconsiderado enquanto parte do contrato com esta violação das suas garantias legais que, nos termos do preceituado no artigo 799.º do Código Civil, se presume culposa.
Embora nem todo os factos que o A. alegou na missiva resolutória constem da matéria de facto provada – o que acontece com o direito a usufruir transporte nas deslocações entre a sua casa e o trabalho, com o facto de os horários novos contenderem com a alegada necessidade de apoio ao filho menor e com a alegação de ter de passar a despender € 120,00 por mês pela utilização do transporte particular –, entendemos que a alteração contratual verificada trouxe mudanças muito relevantes no desempenho profissional do A. no seu dia a dia, contendendo com o aquilo que constitui o núcleo essencial da sua prestação do trabalho há tão longo tempo (a categoria e as funções concretamente exercidas pelo A., que a R, decide modificar de forma unilateral) e com o próprio enquadramento temporal da prestação.
A despeito de se não poder considerar, como diz a sentença, que o A. passaria a trabalhar mais uma hora por dia mantendo a mesma retribuição, pois que efectivamente o número de horas /dia manter-se-ía nas 8 horas [vide as alíneas p) a r) da matéria de facto], a verdade é que, sabida a importância que o horário de trabalho assume (ou pode assumir) para o trabalhador e, especificamente, para a compatibilização entre a sua vida profissional e a sua vida familiar e social, pelo menos a alteração da hora de saída das 19 para as 20 horas é susceptível de implicar relevantemente com a vertente não profissional da sua vida, justificando o desagrado do trabalhador.
A esta conclusão não obsta a circunstância de o recorrido passar a auferir subsídio de turno, sendo de notar que, por definição, este se destina a compensar o incómodo específico inerente a uma concreta forma de prestação de trabalho que é mais penosa para o trabalhador.
Assim, perspectivando o devir do contrato, e apesar do pouco tempo ter decorrido desde que foi alterado o status quo profissional do recorrido, é absolutamente justificado que, perante a conduta unilateral, ilegal e culposa da R. recorrente perante um seu trabalhador com cerca de 20 anos de antiguidade – violando a garantia do trabalhador de exercer as funções para que foi contratado ao retirar-lhe as funções que sempre exerceu e correspondem à sua categoria profissional (art. 118.°, n.º 1 do Código do Trabalho e cláusula 7.ª do CCT), alterando-lhe o horário de trabalho e reiterando a sua conduta apesar dos imediatos protestos e pedidos do trabalhador, o que denota que iria persistir na sua atitude violadora das garantias legais e convencionais do trabalhador –, o recorrido considerasse inexigível a persistência da relação de trabalho firmada.
No contexto em causa e perante o comportamento ilícito e culposo da recorrente, susceptível de se enquadrar na al. b), do n° 2, do art. 394°, não era exigível ao trabalhador manter o contrato de trabalho, assistindo-lhe justa causa subjectiva para o resolver.
Pelo que é de reconhecer ao recorrido, como o Mmo. Julgador a quo, o direito a receber da recorrente uma indemnização nos termos do artigo 396.º do Código do Trabalho.
Assim, embora divergindo parcialmente da fundamentação da douta sentença, convergimos com o juízo decisório nela contido que, assim, se confirma.
5.5. As custas do recurso interposto deverão ser suportadas pela recorrente, porque nele decaiu (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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6. Decisão
Em face do exposto nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão final constante da sentença da 1.ª instância.
Custas pela recorrente.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 30 de Junho de 2014
Maria José Costa Pinto
João Luís Nunes
António José Ramos
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[1] Preceito a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, por força dos arts. 5.º a 8.º da Lei Preambular do Código de Processo Civil de 2013.
[2] Vide Joana Vasconcelos, in “Código do Trabalho Anotado”, com Pedro Romano Martinez e outros autores, 8ª edição, 2009, p. 1023. Embora o Código do Trabalho de 2009 (como o de 2003) não contenha norma absolutamente idêntica ao art. 34.º, n.º 3 da LCCT (que se reporta aos factos atendíveis para justificar judicialmente a rescisão), vem no n.º 3 do seu art. 398.º a prescrever que na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no nº 1 do artigo 395º.
[3] In Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 444.
[4] Neste sentido, e no âmbito do Código do Trabalho de 2003, vide os Acs. do STJ de 2007.05.22 (Rev. n.º 52/07) e de 2007.09.26 (Rev. n.º 1932/07), ambos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[5] Vide Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, 1985, p.272.
[6] In “Direito do Trabalho”, I, Coimbra, 2007, pp. 1044-1045. Vide ainda sobre este assunto João Leal Amado, in Revista do Ministério Público, 1992, n.º 51, p. 159, a propósito da então denominada rescisão pelo trabalhador com justa causa e Albino Mendes Baptista, “Notas sobre a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador”, in A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra, 2004, pp. 546-547.
[7] Vide Jorge Leite, in Direito do Trabalho e da Segurança Social, Lições ao 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra 1982, p. 278 e Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, 1985, p. 71.
[8] Vide Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 13.ª edição, Coimbra, 2006, pp. 207 e ss.
[9] Afirmação esta que, não podemos deixar de o notar, constitui uma afirmação de direito que não devia constar – como consta – do elenco dos factos provados [alínea i)].
[10] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.05.16, proferido na Revista nº 707/01 da 4ª Secção e de 2000.10.25, proferido na Revista nº 1809/00 da 4ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[11] In “Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, Coimbra, 2006, pp. 445 e ss. No mesmo sentido Monteiro Fernandes, in ob. citada, p. 215, precisando que tal implica que as actividades acessórias fora da categoria “ocupem no horário de trabalho menos tempo do que a principal”.
[12] In Direito do Trabalho, vol II, Coimbra, 1999, p. 150. À luz da LCT, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.07.06, Revista n.º 1169/05, da 4.ª Secção.
[13] In ob. citada, p. 208, nota 1.
[14] In ob. citada, p. 1044.