Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
113/13.9TBSJP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: CASO JULGADO
ÓNUS DE CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
Nº do Documento: RP20141125113/13.9TBSJP.P1
Data do Acordão: 11/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando a decisão define um efeito jurídico, este efeito fica coberto pelo caso julgado, mas há que entender que o "contrário contraditório" (kontradiktorisches Gegenteil) desse efeito também fica abrangido pelo caso julgado.
II - Basta a condenação do demandado na primeira acção para bloquear qualquer decisão posterior incompatível, mesmo que esta pudesse ter por fundamento um facto sobre o qual não se formou caso julgado material.
III - A solução é a mesma quer o demandado tenha alegado a excepção e perdido, quer nem sequer a tenha invocado: em ambas as situações esgotaram-se, em relação ao objecto apreciado na acção, os efeitos que poderiam decorrer da excepção.
IV - O ónus de concentração da defesa consagrado no artigo 573.º, n.º 1, CPC, significa isto que ficam precludidos todos os meios de defesa que poderiam ter sido invocados na contestação e não o foram, preclusão que opera tanto no próprio processo como fora dele.
V - Apesar de a nulidade das cláusulas contratuais gerais poder ser invocada a todo o tempo, não tendo essa nulidade sido invocada na contestação os embargos de executado, não pode sê-lo posteriormente em acção autónoma por tal faculdade se encontrar precludida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 113/13.9TBSJP.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B… intentou acção declarativa de simples apreciação contra a C…, pedindo a declaração de nulidade da cláusula 7.ª, n.ºs 2 e 3 do Documento 1, e da cláusula 8.ª n.º 2 do Documento n.º 2, bem como os n.ºs 1 e 2 da cláusula 7.ª do Documento n.º 3, todos juntos com a petição inicial e configuradores de contratos de mútuo com fiança e hipoteca ou com aval celebrados pelas partes enquanto outorgantes dos mesmos.
Alega para tanto, em síntese, que tais contratos de mútuo com fiança e hipoteca (no caso dos Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial) ou com aval (no caso do Documento n.º 3 junto com o mesmo articulado) foram dados à execução, tendo dado origem, respectivamente, aos processos executivos n.ºs 156/12.0TBSJP, 168/12.3TBSJP e 194/12.2TBSJP, nos quais aquele é executado e a ora R. figura como exequente.
Mais alega ter deduzido oposição à execução em todos os referidos processos executivos, tendo, no âmbito dos proc. n.ºs 156/12.0TBSJP e 168/12.0TBSJP, o Tribunal proferido decisão final no sentido de julgar aquela improcedente e encontrando-se o proc. n.º 194/12.2TBSJP a aguardar decisão de recurso interposto pela ora R. de decisão desfavorável proferida em primeira instância.
Diz ainda que as referidas cláusulas, melhor identificadas nos artigos 8.º e 9.º da petição inicial e cuja nulidade pretende seja declarada, constam de clausulados elaborados de antemão pela R. anexos a contratos individualizados, razão pela qual não pôde influenciar o respectivo teor.
E que a R. incumpriu o dever que lhe incumbia de lhe comunicar o teor das referidas cláusulas, informando-o sobre o respectivo significado, razão pela qual as mesmas teriam de ser consideradas não escritas nos termos do disposto no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, por violação do vertido nos respectivos artigos 5.º e 6.º, dos quais derivaria a obrigação por parte da ora R. de comunicar ao ora A. o teor das aludidas cláusulas contratuais gerais, bem como de o informar de o respectivo conteúdo.
Por último, e ainda que assim não fosse, sustenta que tais cláusulas violariam o disposto nos artigos 18.º, alínea f), e 19.º, alínea i), do aludido Decreto-Lei, razão pela qual teriam de ser consideradas proibidas à luz das referidas disposições legais.
Contestou a R., pugnando pela validade das cláusulas contratuais gerais válidas à luz do disposto no artigo 640.º, alínea a), do Código Civil, para além de terem sido objecto de comunicação ao A. aquando da celebração dos aludidos contratos de mútuo.
A fls. 150 e ss., foi proferido despacho em que, analisando-se a possibilidade de se verificar a ocorrência das excepções dilatórias de caso julgado (no que concerne as oposições à execução deduzidas nos processos executivos n.º 156/12.0TBSJP e 168/12.3TBSJP já com sentença transitada em julgado) e de litispendência (no que respeita os embargos de executado deduzidos no processo executivo n.º 194/12.2TBSJP), se ordenou a junção de certidão da petição inicial apresentada nos aludidos embargos, bem como das sentenças proferidas nessa sede (com nota de trânsito em julgado, no caso dos dois primeiros processos).
Mais se determinou nessa sede a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a verificação (ou não) das referidas excepções dilatórias.
Nessa sequência o A. formulou redução do pedido deduzido, passando a a acção prosseguir para conhecimento apenas da seguinte pretensão: “Que seja declarada nula a cláusula oitava, n.º 2, do Documento n.º 2, que deverá ser entendida no sentido de, para os fiadores, entre os quais o Autor, serem demandados pelo incumprimento total do contrato ou pela sua resolução, deverão ser sempre interpelados para cumprir nos termos da mutuária; Que seja ainda excluída desse contrato a parte que impede os fiadores, nomeadamente o ora A. de fazer ou invocar qualquer excepção ou oposição.”
E concluiu que assim reduzido o pedido não viola o caso julgado formado no âmbito da oposição à execução deduzida no proc. n.º 168/12.0TBSJP, porquanto os factos concretos nos quais baseou a presente acção de simples apreciação seriam totalmente diferentes dos factos invocados nos embargos deduzidos naquele processo executivo, sendo que, caso não pudesse invocar a nulidade dos contratos nos termos em que o pretende agora fazer, se violaria o disposto nos artigos 286.º e 289.º do Código Civil, na parte em que pressupõem que tal vício possa ser invocado a todo o tempo por qualquer interessado.
Mais sustentou não haver qualquer repetição da pronúncia do Tribunal no que concerne os meios de defesa deduzidos, no que respeita à mesma relação contratual controvertida, na medida em que, na referida oposição à execução, não havia invocado a nulidade das cláusulas contratuais gerais constantes do aludido contrato, razão pela qual o Tribunal nunca chegou a pronunciar-se, em sede de embargos, sobre tal questão.
Foi proferida decisão julgando a acção improcedente.
Inconformado apelou o A., apresentando as seguintes conclusões:
«1ª) O Recorrente, anteriormente a esta acção, deduziu oposição à execução no processo que com o nº 168/12.3TBSJP corre os seus termos no Tribunal Judicial de S. João da Pesqueira.
2ª) Considerou o Meritíssimo Juiz a quo que os presentes autos ofendem o caso julgado já produzido no âmbito do apenso de oposição à execução, apenso “B”, nesse processo, relativamente à obrigatoriedade de interpelação dos fiadores para cumprir a obrigação nos termos da devedora originária.
3ª) E, relativamente à nulidade das cláusulas do contrato de mútuo anexo à PI com a designação de documento nº 02 e cuja declaração pode ser requerida a todo o tempo, decidiu o Meritíssimo Juiz a quo que o não poderá ser em violação do caso julgado produzido nos referidos embargos de executado, mais ainda, quando tal cláusula contratual – nessa sede, não considerada inválida pelo Tribunal – serviu de fundamento da decisão de improcedência da oposição à execução, por se entender que a mesma dispensava a Recorrida, de proceder à interpelação do fiador.
4ª) Ora, nos presentes autos constitui causa de pedir a existência de cláusulas, nos contratos de mútuo, violadoras de normas contidas no Dec. Lei 446/85, de 25,10, cuja declaração de nulidade é pedida.
5ª) Como bem se poderá verificar pelas três certidões das oposições juntas ao processo, as respectivas causas de pedir e pedidos nada têm a ver com os presentes autos, pelo que a relação jurídica aqui em apreço é diferente daquelas a que se reportam as três certidões juntas, uma vez que os factos concretos nos quais o A. baseia o seu pedido nesta acção são totalmente diferentes dos factos invocados nas oposições.
6ª) E, se se não permitisse a invocação da nulidade dos contratos, mesmo após as referidas oposições, estar-se-ia a violar o regime legal das nulidades delineado nos art.ºs 286º e 288º (este à contrario senso) do Código Civil e os seus efeitos (previstos no art.º 289º) que permitem que a nulidade seja invocável a todo o tempo e por qualquer interessado e não é sanável pelo decurso do tempo nem por confirmação.
7ª) Pelo que, sendo o objecto e os factos jurídicos da relação jurídica em apreço absolutamente diferentes daqueles constantes dessas oposições, não viola esta acção o princípio do caso julgado.
8ª) Não estando em causa que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, já que esta concreta factualidade nunca foi anteriormente apreciada pelo Meritíssimo Juiz a quo.
9ª) Não estando aqui em questão a consideração ou não consideração da força de autoridade de caso julgado aos factos dados como provados nos processos cujas certidões foram juntas, uma vez que não se contradizem aqui quaisquer desses factos, não está em questão permitir que factos assentes nessoutro processo sejam aqui alterados!
10ª) O Recorrente alegou nesta acção factos absolutamente novos, que nunca foram apreciados pelo Tribunal e cujo regime de invalidade permite a alegação a todo o tempo, por ser uma característica essencial do regime jurídico da nulidade.
11ª) Assim sendo, não tendo o Recorrente anteriormente alegado a nulidade das cláusulas em apreço, pela própria lógica do Instituto da Nulidade – passível de alegação a todo o tempo - o pode agora fazer.
12ª) Ainda assim e mesmo que se considerasse que a invocação da nulidade da cláusula em causa, na parte relativa à interpelação do Recorrente pela Recorrida, violaria o caso julgado já formado no âmbito do apenso de Oposição à Execução na Execução que com o nº 168/12.3TBSJP corre os seus termos no Tribunal Judicial de S. João da Pesqueira, não poderia o Meritíssimo Juiz a quo deixar de se pronunciar relativamente ao exposto no segundo parágrafo do pedido:
“COMO DEVERÁ SER EXCLUÍDA DESSE CONTRATO A PARTE QUE IMPEDE OS FIADORES, NOMEADAMENTE O ORA A., DE FAZER OU INVOCAR QUALQUER EXCEPÇÃO OU OPOSIÇÃO.”
13ª) Sobre este aspecto e como se pode aferir da Douta Sentença, o Meritíssimo Juiz a quo não se pronuncia.
14ª) A falta de pronuncia sobre esta específica questão, que foi alegada pelo Recorrente e sobre a qual o Meritíssimo Juiz a quo se não pronunciou, constitui nulidade da sentença, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d) e nº 4, do CPC
Termos em que deve o presente recurso ser julgado, procedente, por provado e, por via disso, decidir-se pela declaração de nulidade da cláusula oitava, nº 2, do documento nº 02 junto à PI, que deverá ser entendida no sentido de para os fiadores, entre os quais o aqui Recorrente, serem demandados pelo incumprimento total do contrato ou pela sua resolução, deverão sempre ser interpelados para cumprir nos termos da mutuária, como deverá ser excluída desse contrato a parte que impede os fiadores, nomeadamente o ora Recorrente, de fazer ou invocar qualquer excepção ou oposição; ou, quando assim se não entenda, deverá ser declarada nula e excluída do contrato o clausulado na parte que impede os fiadores, nomeadamente o ora Recorrente, de fazer ou invocar qualquer excepção ou oposição, tudo em conformidade com as conclusões.
Julgando-se a presente acção procedente, tudo com as legais consequências.
Todavia, V.ªs. Ex.ªs, decidindo, farão JUSTIÇA.»

2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou assentes, com base na petição inicial e respectivos documentos, bem como na certidão (cfr. fls. 197 e ss.) da oposição à execução apensa ao aludido processo executivo nº 168/12.3TBSJP os seguintes factos:
> No âmbito do processo executivo nº 168/12.3TBSJP foi dada à execução contrato de mútuo com hipoteca e fiança celebrado em 29/7/2009 (cfr. Doc. nº2 junto com a Petição Inicial) e que teve como outorgantes, enquanto mutuante, a aqui Ré, C… e, enquanto mutuária, a empresa, “D…, Lda.”, sendo ainda outorgante, na qualidade de fiador desta, para além de outros outorgantes, o aqui Autor, B….

> Do aludido contrato consta, sob a epígrafe “Fiança”, como cláusula oitava, a seguinte cláusula contratual:

“1- Os terceiros outorgantes (entre os quais o aqui Autor) prestam fiança a favor da C…, pelo que solidariamente assumem e garantem o bom e integral cumprimento de todas as obrigações da Mutuária, previstas ou decorrentes deste empréstimo, de cujos termos e condições têm cabal conhecimento, vinculando-se na qualidade de fiadores e principais pagadores, pelo respectivo pagamento, por qualquer prazo, prorrogação ou renovação, dando o seu acordo a quaisquer modificações das condições, incluindo da taxa de juro e de prazos, ou outras alterações, subsistindo a fiança até completa extinção das obrigações garantidas.
2 – Os terceiros outorgantes e fiadores comprometem-se a pagar imediatamente e sem qualquer reserva, as quantias que lhe forem reclamadas pela C…, logo após aviso desta para o efeito ou do incumprimento da Mutuária, além do que renunciam ao benefício da excussão e a qualquer outro ou prazo facultado por lei, bem como a fazer ou invocar qualquer excepção ou oposição.”

> Tendo sido citado no âmbito do aludido processo executivo nº 168/12.3TBSJP, o aí Embargante, aqui Autor, conjuntamente com os Executados, E… e F…, igualmente fiadores no aludido contrato, deduziu oposição à execução, alegando, em síntese, não ter sido interpelado, na qualidade de fiador, e nos termos do disposto no artigo 782º do Código Civil, para pagamento das prestações vencidas devidas pela Mutuária, nunca tendo sido interpelado no que se refere ao vencimento antecipado da dívida cuja execução a Mutuante, aqui Ré, requereu no âmbito daqueles autos executivos, razão pela qual, e quando muito, apenas poderia ser devedor no que se refere às prestações vencidas aquando da interpelação da Mutuária para o pagamento da totalidade da dívida, sendo o requerimento executivo quanto a tal matéria inepto, na medida em que não indicaria o número e o montante daquelas;

> No âmbito do apenso de oposição à execução nos autos executivos nº 168/12.3TBSJP foi proferida sentença, transitada em julgado em 5/3/2013 (cfr. fls. 197), nos termos da qual se decidiu julgar totalmente improcedentes os referidos embargos, determinando-se o prosseguimento dos autos executivos para pagamento da quantia exequenda de € 209.171,39.

> Pela presente acção pretende o Autor que: “Seja declarada nula a cláusula oitava, nº2, do Documento nº2, devendo ser esta entendida no sentido de que, para os fiadores, entre os quais o Autor, serem demandados pelo incumprimento total do contrato ou pela sua resolução, deverão aqueles ser sempre interpelados para cumprir nos termos da mutuária; Ser ainda declarada excluída desse contrato a parte que impede os fiadores, nomeadamente o ora A. de fazer ou invocar qualquer excepção ou oposição.”

> O contrato junto como Documento nº2 com a Petição Inicial nesta acção é o mesmo que foi dado à execução no âmbito do processo executivo nº 168/12.3TBSJP.

> Na oposição à execução deduzida no âmbito do processe executivo nº 168/12.3TBSJP o aí Oponente, aqui Autor, não invocou a nulidade da cláusula oitava, nº2 do aludido contrato aí dado à execução por violação do disposto nos artigos 19º alínea i) e 18º alínea f) do Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, tampouco tendo deduzido a excepção falta de comunicação da referida cláusula contratual geral ou de violação do dever de informação sobre o respectivo conteúdo, nos termos dos artigos 5º, 6º e 8º do mesmo diploma.

3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC ), consubstancia-se nas seguintes questões:
— nulidade da sentença;

— arguição de nulidade de cláusula do contrato que esteve na base da emissão da livrança cuja exequibilidade é questionada, ou seja, saber se, julgada improcedente oposição deduzida a uma execução baseada em livrança — designadamente por se considerar não ser necessária a prévia interpelação do fiador por haver convenção expressa nesse sentido—, pode este, em acção autónoma, arguir a nulidade da cláusula que impede os fiadores de invocarem o benefício da excussão prévia ou de fazer ou invocar qualquer excepção ou oposição.

3.1. Da nulidade da sentença

Segundo o apelante, a sentença recorrida é nula por não se ter pronunciado quanto ao segundo parágrafo do pedido «como deverá ser excluída desse contrato a parte que impede os fiadores, nomeadamente o ora A., de fazer ou invocar qualquer excepção ou oposição».
Recorde-se que o apelante pretendia obter a declaração de nulidade da cláusula 8.ª, n.º 2, do contrato de mútuo, do teor seguinte:
2 – Os terceiros outorgantes e fiadores comprometem-se a pagar imediatamente e sem qualquer reserva, as quantias que lhe forem reclamadas pela C…, logo após aviso desta para o efeito ou do incumprimento da Mutuária, além do que renunciam ao benefício da excussão e a qualquer outro ou prazo facultado por lei, bem como a fazer ou invocar qualquer excepção ou oposição.”
Apreciando:

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC, a sentença é nula, designadamente, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.

Este artigo tem de ser equacionado com o artigo 608.º, n.º 2, CPC, 1ª parte, CPC, que impõe que o juiz resolva todas as questões que as partes tenham posto à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Por «questões» entende-se «os pedidos deduzidos, toda as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cumpre [ao juiz] conhecer (art.660-2)» (Lebre de Freitas, Montalvão Machado, e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 2ª edição, pg. 704).

Nas palavras do acórdão do STJ, de 2005.01.13, Oliveira Barros, www.dgsi.pt.jstj, proc. 04B4251,

«… a omissão de pronúncia prevenida no art. 668º, nº 1º, al. d) [actual artigo 615.º, n.º 1, alínea d)], diz respeito às questões a que alude o nº 2 do art. 660º [actual artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte]
Trata-se aí do dever de conhecer por forma completa do objecto do processo.
Definido este pelo(s) pedido(s) deduzido(s) e respectiva(s) causa(s) de pedir, terão, por conseguinte, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, reconvenção -, e todos os factos em que assentam.
Bem assim deverão ser apreciados os pressupostos processuais desse conhecimento
- sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia das partes.
Como tudo melhor elucidado, com menção da pertinente doutrina, em Ac.STJ de 11/1/2000, BMJ 493/387-7».

Na síntese do acórdão do STJ, de 2011.02.08, Moreira Alves, www.dgsi.pt.jstj, proc. 842/04.8TBTMR.C1.S1,

«Por outro lado, como é jurisprudência unânime, não há que confundir questões colocadas pelas partes à decisão, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do Art.º 668 nº1 d) [actual artigo 615.º, n.º 1, alínea d)] do C.P.C., daí que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia».
Revertendo ao caso dos autos, entende o apelante que a sentença recorrida não se pronunciou sobre o segmento final da cláusula cuja nulidade arguiu:
A este propósito, escreveu-se na sentença:
Evidente ainda resulta que o Autor nesta acção não invocou enquanto meio de defesa no âmbito dos referidos embargos de executado, a nulidade da referida cláusula contratual que, no entendimento da sentença proferida nesses autos, dispensava a Mutuante de interpelar o Fiador para proceder ao pagamento das prestações vencidas antes de declarar o vencimento antecipado da obrigação, nos termos do artigo 782º do CC.
Também claro se torna que a sentença proferida nos autos de oposição à execução em apenso ao processo executivo nº 168/12.3TBSJP, pressupondo a validade da referida cláusula contratual, baseou-se na mesma enquanto fundamento lógico da respectiva decisão de julgar improcedentes os embargos de executado deduzidos e determinar o prosseguimento da acção executiva quanto à totalidade da dívida reclamada no requerimento executivo.
Assim sendo, dúvidas não subsistem quanto a serem as partes as mesmas em ambos processos, bem como quanto a ser a causa de pedir (o contrato no qual a aqui Ré, ali Exequente, baseou a respectiva pretensão de pagamento da dívida exequenda; o mesmo contrato, nesta sede, que o aqui Autor, ali Executado, pretende seja declarado nulo, no que respeita à cláusula contratual que justificou, no entender do Tribunal, a improcedência dos embargos de executado) idêntica em ambas as acções (cfr. artigos 480º e 481º do NCPC).
Por outro lado, e se a identidade de pedidos tem de ser averiguada de acordo com a pretensão deduzida em juízo, note-se que, muito embora ali se peticionasse a extinção da execução e aqui se pretenda a declaração da nulidade da referida cláusula contratual (mediante a dedução de pedido típico de acção de simples apreciação positiva), sempre em causa está a impugnação da obrigação exequenda, no sentido de se concluir pela respectiva existência apenas quanto às prestações vencidas aquando do vencimento automático das prestações, ou seja, em moldes diferentes daqueles que resultaram da sentença proferida, com trânsito em julgado, nos referidos embargos de executado.
A simples leitura deste trecho da sentença permite concluir que a cláusula foi apreciada na sua totalidade, embora, importa sublinhar, apenas o segmento relativo à prévia interpelação do fiador seja relevante na economia da acção, sendo certo que as sentenças não se destinam à discussão de questões académicas.
Improcede, pois, a arguida nulidade.

3.2. Arguição de nulidade de cláusula do contrato que esteve na base da emissão da livrança cuja exequibilidade é questionada
Importa apurar se, julgada improcedente oposição deduzida a uma execução baseada em livrança — designadamente por se considerar não ser necessária a prévia interpelação do fiador por haver convenção expressa nesse sentido—, pode este, em acção autónoma, arguir a nulidade da cláusula que impede os fiadores de invocarem o benefício da excussão prévia ou de fazer ou invocar qualquer excepção ou oposição.
Nas conclusões 4.ª e 5.ª, o apelante questiona existência de identidade de pedido e de causa de pedir, requisitos indispensáveis à verificação do caso julgado.
Com efeito, não se verifica identidade de pedido e de causa de pedir.
Na acção a que se reporta este recurso, a causa de pedir consiste na nulidade da cláusula 8.ª, n.º 2, do contrato de mútuo junto com a petição inicial, que dispensa a interpelação do fiador, enquanto nos embargos a causa de pedir era, no que aqui releva, ausência de comunicação / interpelação prévia do fiador relativamente à perda do benefício do prazo (cfr. artigo 782.º CC: a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia).
Trata-se de questões relacionadas mas não idênticas: nos embargos pretendia o executado ora apelante, a aplicação do regime estabelecido no artigo 782.º CC, abstraindo-se da existência da cláusula em apreço; nesta acção pretende a declaração de nulidade desta cláusula.
Tanto basta para que não se verifique a excepção de caso julgado, dependente da tríplice identidade enunciada no artigo 581.º CPC: identidade de partes, de pedido e de causa de pedir.
No entanto, a decisão proferida nos embargos de executado transitou em julgado.
Dispõe o artigo 619.º, n.º 1, CPC, a sentença transitada em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º [limites do caso julgado], sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º [recurso de revisão].
Em matéria de oposição à execução, rege o artigo 732.º, n.º 5, CPC, que pôs termo a longa controvérsia doutrinária, consagrando que, para além dos efeitos da instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
Ora, estando em causa na acção cuja decisão está sob recurso precisamente a (in)exigibilidade da obrigação exequenda, a decisão nos embargos de executado faz caso julgado material, tendo força fora do processo, projectando os seus efeitos neste processo, através da autoridade do caso julgado.
Na decisão dos embargos decidiu-se não ser de aplicar o artigo 782.º CC por existir convenção em contrário — precisamente a cláusula 8.ª, n.º 2, do contrato de mútuo, cuja declaração de nulidade constitui o objecto da acção cuja decisão está sob recurso.
Por outras palavras, a decisão dos embargos assenta no pressuposto da validade dessa cláusula, pretendendo o apelante a declaração da sua nulidade — precisamente o contrário do que resulta da decisão dos embargos.
A este propósito, escreve Miguel Teixeira de Sousa, Preclusão e "contrario contraditório", Cadernos de Direito Privado, n.º 41, pg. 24-5,
«O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem) impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade decaso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, repitam) o que foi decidido anteriormente (…).
Quando a decisão define um efeito jurídico, este efeito fica coberto pelo caso julgado, mas há que entender que o "contrário contraditório" (kontradiktorisches Gegenteil) desse efeito também fica abrangido pelo caso julgado. É a solução que decorre do disposto no art. 481.º, alínea c), do CPC [564.º, alínea c) CPC 2013](que, ao determinar que a citação inibe o réu de propor contra o autor acção destinada à apreciação da mesma questão jurídica, significa que o réu fica impedido de discutir, fora da acção proposta, algo contraditório com o que o autor pretende nela obter), e no art. 497.º, n.º 2, do CPC [580.º, n.º 2, CPC 2013] que atribui ao caso julgado o efeito de proibir qualquer contradição com a decisão transitada.»
Mais adiante acrescenta:
«… basta a condenação do demandado na primeira acção para bloquear qualquer decisão posterior incompatível, mesmo que esta pudesse ter por fundamento um facto sobre o qual não se formou caso julgado material. Não deixa também de ser curioso verificar que a solução é a mesma quer o demandado tenha alegado a excepção e perdido, quer nem sequer a tenha invocado: em ambas as situações esgotaram-se, em relação ao objecto apreciado na acção, os efeitos que poderiam decorrer da excepção».
Embora reportado ao anterior CPC, este comentário mantém plena actualidade, encontrando-se os artigos actuais assinalados entre parêntesis rectos, da nossa responsabilidade.
O artigo 573.º, n.º 1, CPC, consagrou o ónus de concentração da defesa ao determinar que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, salvo os incidentes que a lei mande deduzir em separado.
Significa isto que ficam precludidos todos os meios de defesa que poderiam ter sido invocados na contestação e não o foram, preclusão que opera tanto no próprio processo como fora dele.
Nas palavras de Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pg. 177, «o réu tem o ónus de fundamentação exaustiva da sua defesa».
Era, pois, nos embargos de executado que o apelante deveria ter arguido a nulidade da cláusula 8.ª, n.º 2, do contrato de mútuo, obstando o caso julgado que a decisão proferida nos embargos venha a ser contrariada por factos cuja invocação ficou precludida por não ter ocorrido na sede própria — os embargos de executado.
Nas palavras de Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pg. 324,
«Se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do Autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir (…). Neste sentido, pelo menos, vale a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível» ou «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat»
Como sublinha Miguel Teixeira de Sousa, loc. cit., pg. 26,
«Este ónus de concentração vale, indiscutivelmente, para todos os fundamentos da defesa, nomeadamente para todas as excepções peremptórias que o demandado queira opor à pretensão do demandante. O artigo 489.º, n.º 1, do CPC, impõe a concentração da defesa na contestação, pelo que qualquer excepção não invocada — como, por exemplo, a invalidade do negócio ou o pagamento da dívida — se considera definitivamente precludida».
Assim se responde à objecção suscitada pelo apelante decorrente da possibilidade
de a nulidade poder ser invocada a todo o tempo, nos termos dos artigos 286º e 289º CC.
A invocação da nulidade pode ser feita a todo o tempo enquanto não for intentada uma acção em que o fundamento (ou um dos fundamentos) da defesa possa ser essa nulidade, pois, nesse enquadramento, a nulidade tem necessariamente que ser invocada na contestação, sob pena de preclusão, sem prejuízo da possibilidade de conhecimento oficioso.
O regime geral das nulidades tem, pois, de ser equacionado com o princípio da concentração da defesa e com o instituto do caso julgado.
Improcede, pois, a pretensão do apelante.

4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 25 de Novembro de 2014
Márcia Portela
M. Pinto dos Santos
Francisco Matos