Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0833213
Nº Convencional: JTRP00041556
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: REGULAMENTO
ÂMBITO DE APLICAÇÃO
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP200806050833213
Data do Acordão: 06/05/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 762 - FLS 32.
Área Temática: .
Sumário: I – Não sendo a “C………., S. A.” uma instituição de crédito, nem podendo a compra e venda de selos e posterior depósito enquadrar-se em “qualquer serviço ou actividade de investimento”, nem incidindo sobre qualquer dos instrumentos financeiros – como aqueles previstos no Regulamento (CE) 1346/2000, do Conselho, de 29.05, sobre processo de insolvência –, encontra-se a mesma abarcada pelo âmbito de aplicação de tal Regulamento.
II – De acordo com o respectivo art. 4º, nº1, salvo disposição em contrário do Regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado-Membro em cujo território é aberto o processo.
III – Estando em causa acções pendentes, os efeitos do processo de insolvência regem-se, exclusivamente, pela lei do Estado-Membro em que a referida acção se encontra pendente – arts. 15º do Regulamento e 285º do CIRE.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
Notificada do decretamento da providência de arresto, requerida por B………. e outros e incidente sobre os bens identificados no auto de fls. 160 e ss., veio a requerida C………., S.A. deduzir oposição, pedindo que seja declarada a improcedência da providência.

Como fundamento, alegou em síntese que:
- a citação é nula por ter sido efectuada em local que não corresponde à sede da requerida;
- a requerida foi alvo de uma intervenção judicial cujos termos correm no Julgado Mercantil de Madrid, ali se discutindo uma questão de fundo sobre a natureza da actividade da requerida e da sua legalidade, estando a presente acção cautelar em estreita conexão com aquela, o que, nos termos do art. 28º do Regulamento (CE) n.º44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, determina que este tribunal se declare incompetente, ordenando a remessa dos autos para o Julgado Mercantil de Madrid;
- os valores filatélicos adquiridos pelos requerentes estão selados à guarda do Administrador Judicial em Madrid, sendo esse o único obstáculo à sua entrega aos seus titulares, correspondendo o seu valor ao anunciado aos requerentes;
- o arresto incide sobre bens de valor superior ao do crédito invocado;
- os bens móveis arrestados, com excepção dos quadros, pertencem à sociedade D………., Ldª, que não é parte na acção.
Os Requerentes responderam, concluindo pela improcedência da oposição.

Entretanto, a Requerida, agora com fundamento no Regulamento CE nº 1346/2000, do Conselho, de 29/5, veio requerer a suspensão dos actos promovidos no Tribunal recorrido por a mesma ser objecto de processo concursal aberto em Espanha, sendo a jurisdição espanhola a competente para conhecer as demandas e o referido assunto.
Os Requerentes opuseram-se a tal suspensão.
Esse requerimento foi indeferido com esta fundamentação:
Uma vez que à data em que foi proferida a decisão de arresto – 24.05.2006 – e executada a providência – 31.05.2006 – nenhum processo se encontrava em curso, no País ou no estrangeiro, que envolvesse, como consequência legal, a intangibilidade do património da Requerida, impõe-se, dando razão aos Requerentes, indeferir o requerido a fls. 490, porquanto se mostra praticado o acto cuja suspensão é requerida, não sendo conferida aos processos judiciais espanhóis eficácia retroactiva.
Discordando desta decisão, a Requerida interpôs recurso de agravo.

Foi depois designada data para audiência final, com inquirição das testemunhas arroladas pela requerida.
No início da audiência foi pela Requerida declarado que prescindia da arguição da nulidade da citação, cuja apreciação, em consequência, foi tida por prejudicada.

De seguida foi proferida decisão nestes termos:
- julgar inaplicável ao caso concreto a disposição do art. 28º do Regulamento (CE) n.º44/2001 mantendo-se a já declarada competência do tribunal;
- determinar o levantamento do arresto em relação aos bens móveis identificados a fls. 226, por tais bens não serem património da requerida;
- manter, quanto aos demais bens móveis, ao imóvel e ao saldo da conta bancária, a decisão de arresto proferida nos autos.

Mais uma vez inconformada, a Requerida interpôs recurso de agravo desta decisão.
Nos recursos interpostos, apresentou as seguintes conclusões:

1º agravo

A) Em 14 de Julho de 2006, o "Juzgado Mercantil nº ." de Madrid, declarou a Requerida em situação de concurso necessário, tendo designado uma administração concursal da mesma.
B) Nos termos do art. 200 da Lei 22/2003, de 9 de Julho, "Concursal", é à lei espanhola que compete determinar os pressupostos e efeitos dos concursos declarados em Espanha, e, portanto, haverá que observar ao que quanto à matéria disponha a Lei Concursal espanhola.
C) A atribuição da jurisdição espanhola está conforme o estabelecido nos art. 3° e 4° do Regulamento C.E. nº 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio, sobre processos de insolvência.
D) Prevendo o referido Regulamento que a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado-Membro em cujo território é aberto o processo, que determinará as condições de abertura, avanço e termo do processo de insolvência, e prevendo a Lei Concursal espanhola que não poderão iniciar-se execuções singulares, judiciais ou extra judiciais, nem seguir-se coacções administrativas ou tributárias contra o património do devedor, daqui decorre que não poderão correr termos processo cautelares de arresto.
E) Com efeito, no que toca aos procedimentos cautelares e executivos relativos a património de pessoas cujo procedimento concursal esteja a correr termos, e levados a efeito quer na jurisdição onde corre o procedimento concursal, quer em diferente jurisdição, existe impossibilidade legal de proceder a arrestos e outros actos coercivos sobre o património, e executar bens, por parte dos órgãos judiciais de Estados distintos daquele em que foi declarado o concurso, com fundamento no interesse reiteradamente demonstrado pela legislação internacional de salvaguardar o princípio "par conditio creditorum".
F) Se se permitisse tal possibilidade, os credores estrangeiros, em virtude de um título judicial cautelar ou executivo, estariam autorizados a conseguir e a assegurar a cobrança dos seus créditos através da virtualidade de tais arrestos e execuções, e os credores gerais do estado onde corre o concurso veriam frustradas a suas expectativas e direitos, a serem pagos, em igualdade de circunstâncias, sobre todo o património do devedor. E em cumprimento da legislação concursal.
G) Assim, à luz da legislação nacional do Estado onde decorre o concurso, e internacional, os actos judiciais promovidos neste Tribunal deverão ser suspensos, sendo a jurisdição espanhola a competente para conhecer as demandas e o referido assunto, e o "Juzgado Mercantil nº ." de Madrid o órgão judicial competente.

Agravo da decisão final

A) Em 14 de Julho de 2006, o "Juzgado Mercantil nº ." de Madrid, declarou a Recorrente em situação de concurso necessário, tendo designado uma administração concursal da mesma.
B) A atribuição da competência da jurisdição espanhola neste assunto está de acordo com o estabelecido no art. 3°, nº 1 do Regulamento C.E. nº 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio, sobre processos de insolvência, competindo à legislação espanhola, designadamente a Lei 22/2003, de 9 de Julho, "Concursal", reger os termos do processo.
C) Ora, a Lei Concursal, prevê no seu art. 55, nº 1, que: "Declarado o concurso, não poderão iniciar-se execuções singulares, judiciais ou extra judiciais, nem seguir-se coacções administrativas ou tributárias contra o património do devedor", do que decorre que não poderão correr termos processo cautelares de arresto, como os que estão apensos a estes autos.
D) E o nº 2 determina que: "Os actos que se encontrem em execução serão suspensos desde a data da declaração do concurso, sem prejuízo do tratamento concursal que caiba promover aos respectivos créditos";
E) Neste mesmo sentido, o art. 17°, nº 1 do referido Regulamento CE determina que: "A decisão de abertura de um processo referido no nº 1 do artigo 3º produz, sem mais formalidades, em qualquer dos demais Estados-Membros, os efeitos que lhe são atribuídos pela lei do Estado de abertura do processo, salvo disposição em contrário do presente Regulamento".
F) Por outro lado, no que toca aos procedimentos cautelares e executivos relativos a património de pessoas cujo procedimento concursal esteja a correr termos, e levados a efeito quer na jurisdição onde corre o procedimento concursal, quer em diferente jurisdição, existe impossibilidade legal de proceder a arrestos e outros actos coercivos sobre o património, e executar bens, por parte dos órgãos judiciais de Estados distintos daquele em que foi declarado o concurso, com fundamento no interesse reiteradamente demonstrado pela legislação internacional de salvaguardar o princípio "par conditio creditorum".
G) Se se permitisse tal possibilidade, os credores estrangeiros que exibissem tal interesse e o vissem reconhecido em virtude de um título judicial cautelar ou executivo, estariam autorizados a conseguir e a assegurar a cobrança dos seus créditos através da virtualidade de tais execuções, e os credores gerais do estado onde corre o concurso veriam frustradas a suas expectativas e direitos, a serem pagos, em igualdade de circunstâncias, sobre todo o património do devedor. E em cumprimento da legislação concursal.
H) Assim, à luz da legislação nacional do Estado onde decorre o concurso, e internacional, os actos judiciais promovidos neste Tribunal deveriam ser suspensos, sendo a jurisdição espanhola a competente para conhecer as demandas e o referido assunto, e o "Juzgado Mercantil nº . de Madrid o órgão judicial competente, e, em decorrência do princípio "par conditio creditorum", deveria o tribunal recorrido complementarmente ter ordenado que os bens arrestados para garantia do crédito ficavam à ordem do processo concursal, que é o tratamento concursal que cabe promover aos créditos.
I) Só assim se garante a unidade das soluções jurídicas encontradas.
J) Por outro lado, nos termos do disposto no art. 285° do CIRE os efeitos da declaração de insolvência sobre acção pendente relativa a um bem ou um direito integrante da massa insolvente regem-se pela lei do Estado em que a referida acção corra os seus termos.
K) Por aplicação da lei portuguesa, a falência da Recorrente determina a inutilidade superveniente da lide.
L) A providência cautelar decretada depende de uma acção de condenação, não uma acção de mera apreciação, mediante a qual o A. pretende que o Tribunal condene a Recorrente a satisfazer um direito de crédito, pagando uma determinada quantia susceptível de ser executada judicialmente para obter o cumprimento coercivo.
M) A utilidade da acção estará, portanto, em através da acção se obter uma decisão susceptível de por via executiva possibilitar o efectivo reembolso do direito de crédito.
N) Ao abrigo do art. 128°, n° 3 do CIRE, têm de ser objecto de reclamação no processo de insolvência todos os créditos, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter o pagamento.
O) Mesmo que o A. venha a obter a sentença pretendida está impedido de a executar, já que a liquidação do património da Recorrente só pode ser feito no âmbito do processo de insolvência e por acto do respectivo liquidatário, uma vez que a Recorrente falida se encontra inibida dos poderes de administração ou disposição do respectivo património.
P) A impossibilidade de executar bens por parte dos órgãos judiciais de Estados distintos daquele em que foi declarado o concurso tem fundamento no interesse da legislação internacional de salvaguardar o princípio "par conditio creditorum", já que, se se permitisse tal possibilidade, os credores estrangeiros que exibissem tal interesse e o vissem reconhecido em virtude de um título judicial executivo, estariam autorizados a conseguir a cobrança dos seus créditos através da virtualidade de tais execuções, e os credores nacionais veriam frustradas a suas expectativas para efeitos do devido cumprimento da legislação concursal.
Q) Deveria ter havido lugar a declaração de inutilidade superveniente da lide.
Termos em que, deve ser revogada a decisão recorrida e ser proferida outra que dê provimento ao recurso, nos seus termos.

Os Requerentes apresentaram contra-alegações que vieram a ser desentranhadas por extemporâneas.
O Sr. Juiz sustentou as suas decisões, fazendo-o quanto à segunda de forma tabelar.
No que respeita à primeira decisão acrescentou que:
(…) conforme resulta do teor do art. 1º, nº 2 do Regulamento [CE] n.º1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (diploma em cujos artigos 3º, n.º1 e 4º a recorrente apoia a sua posição), a disciplina do indicado Regulamento não é aplicável ao caso concreto, por se excluírem do seu âmbito de aplicação os processos referentes a “empresas de investimentos que prestem serviços que impliquem a detenção de fundos ou de valores mobiliários de terceiros (…)”.
Atenta a natureza e objecto social da recorrente, com suficiência documentados nos autos, não resta senão concluir que a lei concursal espanhola não se aplica ao caso concreto, por a disciplina regulamentar europeia que determinaria a sua aplicação estar excluída no caso concreto.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

Trata-se de saber se os termos do processo deveriam ser suspensos (1º agravo) e declarada a inutilidade superveniente da lide (2º agravo), estando subjacente em ambos os casos esta questão comum: competência da jurisdição espanhola e aplicação da lei concursal espanhola.

III.

Os factos a considerar são, para além dos que resultam do relatório precedente, os que constam das respectivas decisões da 1ª instância, para as quais se remete, nos termos do art. 713º nº 6 do CPC, uma vez que as mesmas não foram impugnadas, nem existe fundamento para a sua alteração.

IV.

1. A recorrente começou por defender a incompetência material do Tribunal recorrido por a presente acção cautelar estar em estreita conexão com a questão de fundo discutida no Juzgado Mercantil de Madrid, entendendo que o processo deveria ser remetido para este Tribuna espanhol, tendo em conta o disposto no art. 28º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000.
Esta questão foi decidida nestes termos:
(…) Importa começar por apreciar a questão da incompetência deste tribunal, que a requerida entende dever ser declarada com vista à apensação da acção aqui proposta à acção que corre termos no Julgado Mercantil de Madrid.
Funda a requerida a sua pretensão nas disposições do art. 28º do Regulamento (CE) 44/2001, do Conselho, de 22.10.2000.
Tal como adiantou a própria requerida no seu requerimento de fls. 488 e ss., que foi indeferido e objecto de recurso de agravo já sustentado supra, o processo que corre termos nos tribunais de Madrid tem incidência concursal, isto é, incide sobre a insolvência/falência da requerida.
O regulamento em que a requerida apoia a sua pretensão de alegada conexão entre as acções tem o seu âmbito de aplicação expressamente excluído em matéria de falências e processos análogos (art. 1º, nº 2, al. b) do Regulamento 44/2001).
Ora, ainda que este tribunal entendesse pela existência de uma estreita conexão entre as matérias em discussão, sempre a declaração de incompetência com vista à subsequente apensação encontraria um obstáculo inultrapassável: o de o tribunal espanhol poder legitimamente recusar a apensação da acção por o preceito legal citado não ter ali aplicação. Não sendo o Regulamento aplicável, está naturalmente vedada a este tribunal a remessa de um processo para um tribunal estrangeiro, sem competência internacional para o apreciar.
Por outro lado, não concretiza a requerida a factualidade em que faz assentar a sua conclusão de que a presente acção está em estrita conexão com a que corre termos em Espanha, não se antevendo de que modo a simples execução positiva dos contratos visada pelos requerentes na acção principal pode originar alguma contradição de julgados com a acção que corre termos em Espanha, cuja dimensão e abrangência é consideravelmente maior.
Não antevemos, assim, fundamento que gere, quer a aplicabilidade do Regulamento 44/2001 ao caso concreto, quer a conclusão de que existe uma estrita conexão entre as acções em curso, nem se antevê que da apensação resulte qualquer tipo de vantagem para a parte credora.
Conclui-se, assim, pela não declaração da incompetência do tribunal.

Podemos acrescentar que, mesmo que o entendimento sobre a aplicação do aludido Regulamento fosse diferente, nem assim se poderia concluir pela incompetência do Tribunal recorrido, uma vez que a competência deste não estava dependente da competência para conhecer da questão de fundo[1].
Com efeito, como se prevê no art. 31º do Regulamento, as medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer da questão de fundo.

2. Nos recursos, porém, a Recorrente deixou cair o fundamento analisado na referida decisão recorrida, invocando agora o Regulamento (CE) nº 1346/2000, do Conselho, de 29/5, sobre processo de insolvência.

Já se defendeu no processo que este Regulamento não teria aqui aplicação, nos termos do art. 1º nº 2, tendo em conta a actividade e o objecto social da Requerida, por se tratar de uma empresa de investimento que prestava serviços que implicavam a detenção de fundos ou de valores mobiliários de terceiros.
Sem razão, parece-nos.

As sociedades de investimento são, entre nós, instituições de crédito que têm por objecto exclusivo uma actividade bancária restrita à realização das operações financeiras e na prestação de serviços conexos definidos neste diploma – art. 1º do DL 260/94, de 22/10 (cfr. também o art. 3º al. f) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – DL 298/92, de 31/12).
No seu objecto incluem-se as seguintes operações e serviços (art. 3º): operações de crédito a médio e longo prazo, não destinadas a consumo(a); oferta de fundos no mercado interbancário (b); tomada de participações no capital de sociedades (c); subscrição e aquisição de valores mobiliários (d), etc.
Inicialmente consideradas como sociedades parabancárias, evoluíram no sentido de pequenos bancos de investimento.
Actualmente, como refere Menezes cordeiro, exigências comunitárias levaram as sociedades de investimento ao universo das instituições de crédito; foi, de resto, suprimida a antiga categoria de sociedades parabancárias[2].

A nível comunitário, destacam-se as Directivas 93/22/CEE, de 10/5 e 2004/39/CE, do Conselho, de 21/4.
A "empresa de investimento" é definida neste diploma como qualquer pessoa colectiva cuja ocupação ou actividade habitual consista na prestação de um ou mais serviços de investimento a terceiros e/ou na execução de uma ou mais actividades de investimento a título profissional (art. 4º nº 1. 1)).
Entende-se por "serviços e actividades de investimento" qualquer dos serviços e actividades enumeradas na Secção A do Anexo I (recepção e transmissão de ordens relativas a um ou mais instrumentos financeiros; execução de ordens por conta de clientes; negociação por conta própria; gestão de carteiras, etc.) e que incida sobre qualquer dos instrumentos enumerados na Secção C do Anexo I (valores mobiliários; instrumentos do mercado monetário; unidades de participação em organismos de investimento colectivo, etc.) – art. 4º nº 1. 2).
E por "valores mobiliários", as categorias de valores que são negociáveis no mercado de capitais, como por exemplo, acções de sociedades ou outros valores equivalentes; obrigações ou outras formas de dívida titularizada; quaisquer outros valores que confiram o direito à compra e venda desses valores mobiliários – art. 4º nº 1. 18).

Considerando as apontadas características, compreende-se a inclusão das empresas de investimento nas instituições não abrangidas pelo Regulamento 1346/2000 - empresas de seguros, instituições de crédito, empresas de investimento e organismos de investimento colectivo.
Como se explica no respectivo preâmbulo (considerando (9)), estas empresas não devem ficar abrangidas pelo presente regulamento por estarem sujeitas a um regime específico e dado que, em certa medida, as autoridades nacionais de fiscalização dispõem de extensos poderes de intervenção[3].

No caso, ficou provado (fls. 153; cfr. também o pacto social a fls. 328 e os contratos de fls. 20 e segs.) que a Requerida se dedica ao comércio de bens móveis de investimento, nomeadamente de valores filatélicos; e que, no âmbito da sua actividade comercial, celebrou com os Requerentes os contratos juntos, através dos quais estes adquiriram e confiaram à guarda da Requerida selos no valor global de 153.000,00€, ficando esta depositária até posterior alienação ou reaquisição, garantindo um elevado ganho resultante da valorização dos selos adquiridos.
Como parece evidente, a Requerida, quer institucionalmente, quer pelo objecto da sua referida actividade, não pode considerar-se uma "empresa de investimento", no sentido acima indicado, que é o acolhido no Regulamento 1346/2000. Com efeito, a Requerida não é uma instituição de crédito, nem a compra e venda de selos e posterior depósito pode enquadrar-se em qualquer "serviço ou actividade de investimento" dos acima indicados, nem incide sobre qualquer dos "instrumentos financeiros" também supra referidos.
Conclui-se, portanto, pela aplicação do Regulamento 1346/2000.

3. Nos termos do art. 3º nº 1 desse Regulamento, os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de falência. Presume-se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas colectivas é o local da respectiva sede estatutária.
De acordo com o art. 4º nº 1, salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado-Membro em cujo território é aberto o processo.
E conforme dispõe o art. 17º nº 1, a decisão de abertura de um processo referido no nº 1 do art. 3º produz, sem mais formalidades, em qualquer dos demais Estados-Membros, os efeitos que lhe são atribuídos pela lei do Estado da abertura do processo, salvo disposição em contrário do presente regulamento e enquanto não tiver sido aberto nesse outro Estado-Membro um processo referido no nº 2 do art. 3º.

No caso, não se suscitando qualquer dúvida de que o centro dos principais interesses do devedor e a sua sede estatutária se situam em Madrid, Espanha, é aplicável à insolvência da Requerida a Ley 22/2003, de 9 de Julho, Concursal (lex fori concursus), que dispõe[4]:
Art. 8º: Son competentes para conocer del concurso los jueces de lo mercantil. La jurisdicción del juez del concurso es exclusiva y excluyente en las siguientes materias:
1º Las acciones civiles con trascendencia patrimonial que se dirijan contra el patrimonio del concursado (…).
3º Toda ejecución frente a los bienes y derechos de contenido patrimonial del concursado (…).
4. Toda medida cautelar que afecte al patrimonio del concursado (…).
Sobre os efeitos do concurso, considerado, no âmbito internacional, como principal, dispõe o art. 10º que tendrán alcance universal, comprendiendo todos los bienes del deudor, estén situados dentro o fuera de España.
Nos termos do art. 49º, declarado el concurso, todos los acreedores del deudor, ordinarios o no, cualesquiera que sean su nacionalidad y domicilio, quedarán de derecho integrados en la masa pasiva del concurso (…).
E de harmonia com o art. 55º:
1. Declarado el concurso, no podrán iniciarse ejecuciones singulares, judiciales o extrajudiciales, ni seguirse apremios administrativos o tributarios contra el patrimonio del deudor (…).
2. Las actuaciones que se hallaran en tramitación quedarán en suspenso desde la fecha de declaración de concurso, sin perjuicio del tratamiento concursal que corresponda dar a los respectivos créditos.

Estando em causa acções pendentes, os efeitos do processo de insolvência regem-se, contudo, exclusivamente pela lei do Estado-Membro em que a referida acção se encontra pendente – art. 15º do Regulamento e 285º do CIRE.
É o caso dos autos, uma vez que o arresto foi requerido em data anterior à declaração de insolvência.
Importa assim averiguar os efeitos da declaração de insolvência no presente procedimento cautelar, à luz do disposto no último diploma referido.

Nos termos do art. 85º nº 1, declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência.
O juiz requisita ao tribunal competente a remessa, para efeitos de apensação, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente (nº 2).
Dispõe também o art. 88º que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência.
Como afirmam Carvalho Fernandes e João Labareda[5], a fórmula ampla usada pelo legislador permite considerar abrangidas na sua estatuição diligências compreendidas tanto em acções executivas, com processo comum, como com processo especial e em procedimentos cautelares.

Antes de prosseguirmos convém salientar que o arresto decretado foi efectuado em 31/05/2007, quanto aos bens móveis (fls. 160 e segs.), e em 29/05/2006, no que respeita ao imóvel (fls. 681).
A acção principal foi proposta a 28/06/2006 (fls. 195 e 197).
A decisão do Tribunal espanhol que declarou a insolvência foi proferida em 14/07/2006 (fls. 494 e segs.).

Temos assim que, na data em que foi declarada a insolvência, já se encontravam pendentes, quer o presente procedimento cautelar, quer a acção principal de que o mesmo é dependência.
Por outro lado, na data em que foi proferida aquela decisão, já havia sido efectuado o arresto aqui decretado.
Assim, cumprido o arresto, afigura-se-nos que ficou prejudicada a questão da suspensão prevista no art. 88º do CIRE. Não pode, com efeito, suspender-se uma diligência que já foi executada e concluída, não se suscitando qualquer dúvida sobre a competência do Tribunal que a decretou.
Nestes termos se pronunciou, no fundo, a decisão de fls. 548, e não parece que possa ser censurada.

Por outro lado, não existe razão para decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, como defende a Recorrente, com fundamento no facto de a sentença a proferir na acção principal não poder vir a ser executada.
É certo que, face ao disposto no citado art. 88º, não poderá ser instaurada execução contra a Requerida. Mas não é essa a fase em que nos encontramos.
O presente procedimento cautelar é dependência de uma acção, principal, declarativa de condenação, em que, se for caso disso, será reconhecido o direito dos aí autores, ora Requerentes.
A apensação ao processo de insolvência está prevista no art. 85º do CIRE, mas depende de requerimento nesse sentido do administrador da insolvência[6]. Até que esse requerimento seja formulado a acção pode prosseguir, devendo ocorrer apenas a substituição da insolvente pelo administrador (nº 3).
Assim, a acção principal pode prosseguir e este prosseguimento não é inútil.

Não existe, pois, fundamento quer para a suspensão deste procedimento, quer para sua extinção por inutilidade superveniente da lide.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões dos recursos.

V.

Em face do exposto, decide-se negar provimento aos agravos, confirmando-se as decisões recorridas.
Custas pela Agravante.

Porto, 5 de Junho de 2008
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes

_________________________
[1] Cfr. Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III, 158 e segs.
[2] Manual de Direito Bancário, 233 e segs; cfr. também, Calvão da Silva, Direito Bancário, 189 e segs e Augusto Athayde, Curso de Direito Bancário, Vol. I, 311 e segs e C. Costa Pina, A Estrutura do Sistema Financeiro Português, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor I. Galvão Teles, 628 e segs..
[3] Cfr. Maria Helena Brito, Falências Internacionais, em Estudos em Memória do Professor Doutor Dias Marques, 642. Como se refere no preâmbulo do DL 298/92, nos arts. 130º e segs estabelecem-se as bases necessárias para que seja possível passar a ser feita a supervisão das instituições de crédito em base consolidada (…). A nova lei passa a conter um elenco muito mais diversificado de medidas de intervenção, permitindo uma melhor adequação às necessidades de saneamento sentidas em cada caso. Cfr. a este propósito, A. Saraiva Matias, Supervisão Bancária, em Estudos citados, 565 e segs.
[4] Pode ser consultada em http://www.boe.es/g/es/
[5] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, 363; cfr. também Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, 2ª ed., 45 e 46.
[6] O regime da lei espanhola é, também neste ponto, idêntico – cfr. art. 51º.