Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
69/15.3GBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO
Descritores: NEGLIGÊNCIA
DEVER DE GARANTE
RESPONSABILIDADE DE ADMINISTRADOR DE EMPRESA
Nº do Documento: RP2021102869/15.3GBMTS.P1
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ao administrador de uma sociedade, só por essa razão, não incumbe sem mais agir no sentido de assegurar que os veículos ao seu serviço circulassem de forma segura, e para tanto acautelar a correta manutenção preventiva da viatura, da qual faria parte a supervisão e substituição das peças em causa, ação que seria adequada a evitar a produção do resultado típico - a morte da vítima.
II - Entre os deveres de garantia atinentes ao funcionamento da empresa, contam-se os de cuidar de que as instalações e todo o equipamento do estabelecimento cumpram as normas sobre segurança; alertar para a perigosidade das instalações e da atividade desenvolvida, sobretudo quando não sejam evidentes, mediante a colocação de avisos e condicionamento de acesso aos lugares perigosos; impedir ou condicionar a atividade dos seus trabalhadores que ponham em perigo os próprios trabalhadores ou terceiros, mediante a utilização de medidas de cautela adequadas aos riscos acrescidos; e evitar o uso de substâncias venenosas e bem assim a utilização de veículos e equipamentos da empresa contrariamente às normas regulamentares e prudenciais.
III - Mas, se a aplicação deste critério não oferece dificuldade em pequenas empresas, maior dificuldade oferece no quadro de estruturas empresariais complexas, dotadas de hierarquia e divisão, onde as tarefas se encontram funcionalizadas e divididas por setores ou departamentos específicos e especializados, como é o caso dos autos.
IV - Não é por ter certas obrigações funcionais estatutárias que o dirigente passa automaticamente a ser garante, nem da qualidade de garante decorre a exigibilidade pessoal de um qualquer dever. torna-se necessário indagar se estava nas competências específicas e nas capacidades fácticas de cada um dos garantes o cumprimento do dever em causa.
V - Assim, para que possa ser imputado um facto a um superior hierárquico, diretor ou administrador, ao julgador cabe determinar os seus deveres funcionais ou o quadro de competências como modo de delimitar o seu espaço individual de responsabilidade aferir da possibilidade de, no cumprimento desses deveres, o superior hierárquico dominar ou controlar os riscos proibidos criados (por exemplo) pelo trabalhador.
VI - No caso em apreço, a referência geral à qualidade do arguido na organização da atividade da empresa, vista a divisão do trabalho por várias pessoas, nada nos diz sobre a existência ou não do concreto dever funcional de garante por parte do seu administrador em matéria de planeamento, execução e fiscalização da manutenção, reparação e inspeção das viaturas, tarefas que naturalmente se incluem na gestão corrente da empresa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 69/15.3GBMTS.P1
Recurso penal

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO
Após realização da audiência de julgamento no Processo Comum Singular nº69/15.3GBMTS do Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz 3, foi em 14 de maio de 2021 proferida sentença, e na mesma data depositado, no qual se decidiu (transcrição):
“DECISÃO
Face ao exposto e, tendo em atenção as considerações expendidas e, as disposições legais citadas, julgo a pronúncia procedente, e em consequência:
- Condeno o arguido B…, pela prática, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nº1, do Código Penal, em conjugação com o disposto no art. 10º do mesmo diploma legal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão.
- De acordo com o preceituado nos artigos 50º, nºs 1 e 5, do Código Penal, suspendo a execução da pena de prisão aplicada, pelo período de 14 (catorze) meses”.
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido B…, para este tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:
I) O Recorrente foi pronunciado pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art. 137º, n.º 1, do Código Penal, em conjugação com o disposto no art. 10º, do mesmo diploma e realizada a audiência de julgamento, foi o Recorrente condenado pela prática, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, n.º 1, do Código Penal, em conjugação com o disposto no art. 10º do mesmo diploma legal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
II) Tendo presente a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo e dada como não provada, que aqui se dá como integralmente reproduzida por manifesta economia processual, foi proferida decisão, com a fundamentação dela constante e a subsunção jurídica a dar a estes factos.
III) Estas motivações pugnam pelo reexame da matéria de facto e de direito, dado que o Recorrente, entende que não resulta da produção de prova a prática do crime de homicídio por negligência, tendo a convicção da Julgadora, sido formada em indícios e probabilidades.
IV) A prova da prática do crime por parte do Recorrente assentou apenas, e essencialmente, na convicção do Tribunal a quo de que sobre o arguido impendia o dever de “exercer uma permanente vigilância sobre ela e, de modo preventivo, vigiando regularmente as componentes de maior risco, desde logo eixo, rodas, direcção e pneus”.
V) Entende-se que, não se pode concluir com certeza que o Recorrente não tenha acautelado a correta manutenção da viatura, até porque resulta, nomeadamente, do relatório pericial que a viatura era intervencionada, bem assim como a restante maquinaria.
VI) Ora, as intervenções mecânicas não eram realizadas ad hoc, como se procurará demonstrar, razão pela qual não poderia a Julgadora, para sustentar a condenação concluir o seguinte:
“No presente caso, vejamos se o arguido tinha, de algum modo, um dever jurídico que o obrigasse, pessoalmente, a agir (no sentido de assegurar a manutenção das peças do veículo pesado cuja danificação levou a que o rodado se soltasse e atingisse a vítima), para evitar um resultado que se veio a verificar (a sua morte).
Nos termos do art. 503.º, nº1, do Código Civil, aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.
…” (Sublinhado nosso)
VII) A responsabilidade decorrente do disposto no art. 503º, n.º 1, do CC, já foi apurada e atribuída civilmente, como consequência do acidente à Sociedade e não ao Recorrente, enquanto Administrador da Sociedade.
VIII) Assim, na decisão exige-se certeza, segurança na atribuição de responsabilidade, o que não decorre desta fundamentação que assenta em juízos tão vagos como, por exemplo, que “de algum modo” o Recorrente tinha um alegado dever.
Posto isto,
IX) O Recorrente entende que os pontos 6., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., dados como provados, deveriam ser dados como não provados pelas razões que se passarão a enumerar de seguida Considerando a matéria de facto dada como provada e acima transcrita, socorrendo-nos para o efeito dos depoimentos prestados pelos Sr.es Peritos, e pelas testemunhas C… e D…, cujos esclarecimentos foram considerados pela Julgadora como isentos, conhecedores e claros, bem assim como o relatório por aqueles junto aos autos.
X) No Direito Penal vigora um princípio basilar, que é o da presunção de inocência, exigindo-se para uma condenação a existência de prova validada e produzida em julgamento sem deixar qualquer dúvida na formulação da convicção do Julgador.
XI) A mera presunção de que, “em princípio, o Recorrente é culpado, até pelo incumprimento “de algum modo” de um dever que a Julgadora entendeu não saber a quem atribuir, acabando por atribuí-lo, em última instância, ao responsável máximo da sociedade, não pode justificar a condenação.
XII) Numa reparação/revisão/manutenção feita na marca ou noutro qualquer local, certo é que ninguém vai verificar se nas suas viaturas são utilizados os instrumentos devidos, porque se presume que o trabalho incumbido será realizado com zelo e diligencia.
Ora,
XIII) Estando nós no domínio um crime negligente, temos que apurar qual o grau do dever de previsibilidade, quer eventualmente até da pessoa que fez a manutenção, utilizando ferramentas improprias, quer do Recorrente, que segundo o raciocínio da Julgadora, não terá ordenado a realização da manutenção deste veículo, com esta natureza.
XIV) Dos depoimentos e dos documentos juntos aos autos resulta terem sido feitas reparações/revisões/manutenções, nomeadamente, na viatura em causa e que existiram ordens especificas para mudar diversos componentes e efetuar reparações/manutenções/revisões, quer nesta viatura, quer na restante maquinaria.
XV) No que concerne às intervenções na viatura em causa, elas foram efetivamente realizadas bastando para o efeito ter presente o depoimento do:
Perito E… (20191204142825_15435504_2871553 10:33), que em sede audiência e julgamento referiu ao Tribunal o seguinte:
00:04:43 E… que foi montada ou desmontada através de, da utilização de, de martelo e do algo cortante para conseguir fazer a própria rotação, por isso, não foi utilizado ferramentas apropriadas para a sua montagem e desmontagem.
Perito E… (20191204144623_15435504_2871553 59:33), ainda em sede audiência e julgamento, que referiu ainda:
00:19:28 E…
Partiu. E esta peça tava junto ao camião, não estava junto á roda, foi junto ao camião, ao eixo do camião. No meio da massa Perito F… (20191204154634_15435504_2871553 01:15:03) ainda em sede audiência e julgamento, referiu:
00:07:01 F…
Danificada, maltratada em termos digamos de montagem e desmontagem
00:16:36 F…
…esta porca não tenho dúvidas que foi usada várias vezes durante alguma manutenção que pode eventualmente ter sido feita, admito que tenha sido para ela estar neste estado.
00:17:31 F…
O estado, temos aqui marcas de ter sido apertada incorretamente
00:20:06 F…
…, não tinha falta de lubrificação.
00:21:28 F…
Essas peças teriam que ter sido substituídas e não foram, havia lubrificação porque ela esta aqui evidente, mas essa lubrificação pode ter sido metida já com as peças digamos não completamente neste estado, mas algo danificadas
XVI) Daqui se conclui que, os Peritos atestaram que efetivamente a viatura era intervencionada, dado que existia lubrificação, indícios de manutenção, montagem/desmontagem de peças.
Tenha-se ainda presente que,
XVII) Do depoimento da Testemunha C… (20200109155001_15435504_ 2871553 26:15), cujo depoimento foi julgado credível pela Julgadora, conclui-se que existia uma política de manutenção dos camiões e restante maquinaria existente na Sociedade:
00:14:54 C…
Existem empilhadores e uma pá carregadora
00:15:27 C…
A manutenção dos camiões era feita fora das instalações da empresa, relativamente aos empilhadores 90% dos casos, há uma empresa externa que vem fazer manutenção à fábrica, se for um caso ou outro que o técnico de manutenção ache que é necessário transportar o empilhador para as suas instalações, será feita
00:16:37 Mandatária do Arguido - Dra. G…
E sabe como faziam com os camiões ou?
00:16:44 C…
Com os camiões era sempre feita a manutenção fora da empresa, só excecionalmente estivesse um camião num período em que estivesse a fazer manutenção num empilhador, que chegasse um camião e que o motorista dissesse no momento que havia um problema, não sei referir, no camião, era dada essa indicação a essa oficina móvel, se conseguisse resolver muito bem se não conseguisse eram encaminhados para
00:17:59 C…
Eu recebo informação a partir dos manobradores que está a chegar a hora de fazer manutenção a este equipamento e a partir daí aciona-se
Acresce que,
XVIII) No que diz respeito ao desgaste e durabilidade das peças e intervenções, se compulsarmos o depoimento do:
Perito E… (20191204144623_ 15435504_2871553 59:33), resulta que:
00:02:54 Procuradora da República – Dra. H…
Confere, foi é visível que, que não estava lisa, certo, que estava desgastada, consegue concretizar quanto tempo é que desgaste tinha, aquela peça tinha, portanto, 5, 10, 15, 2 anos?
00:03:13 E…
Não é possível …
00:47:17 Meritíssima Juíza
... Também não é possível concretizar, quantos quilómetros teria este camião de fazer, de percorrer, para estas peças terem tido este desgaste.
00:47:41 E…
Num é, num é possível determinar tal coisa.
Perito F… (20191204154634_15435504_2871553 01:15:03) em sede audiência e julgamento, referiu:
00:06:00 F…
A porca estava em mau estado, mas aquilo que é chamado a rosca, o que é a rosca é aquilo a que é chamado o interior da porca que tem vários fios ficou, uns dentinhos que correspondem aos, exatamente aos mesmos que existem no eixo, um macho e outra fêmea e, portanto, a porca nesse aspeto não estaria em mau estado, é evidente que depois
00:07:31 F…
Isto tem um período, tem um período de manutenção eu não sei, mas eu creio que serão 120 ou 200 mil quilómetros
00:18:12 F…
eu admito que isto tenha sido apertado e ajustado enfim embora mais ou menos sem grande precisão.
00:20:03 Procuradora da República – Dra. H…
De quanto em quanto tempo é que isto deveria ter sido mudado?
00:20:06 F…
Eu não tenho a certeza se são 120 se são 200 mil quilómetros se são 80 mil o certo é que quando substituímos nessas digamos nestes intervalos isto sai com um ótimo aspeto e dá a ideia de que ainda pode ser utilizado e pode ter sido isso que aconteceu, isto o aspeto é bom vamos utilizar outra vez, porque isto deve ter feito muito mais do que esses quilómetros, não tinha falta de lubrificação.
00:25:18 F…
Sim, a anilha de freio poder ter partido ou já estava partida durante a montagem e numa das eventuais.
00:30:26 F…
… e então isto estava mesmo misturado com massa partiu, quando é que partiu?
Até pode ter sido partido aquilo até podia estar como a anilha foi usada várias vezes e endireitada com o martelo podia ter partido, no momento em que fizeram a revisão e apertaram as porcas, não sabemos, todos os indícios que lá estão já andou depois de aquilo ter partido
00:35:13 F…
Não tenho a certeza, mas eu acredito que tenham sido feitas revisões durante a vida deste camião em tempos corretos
Acresce que, XIX) No que diz respeito ao alegado responsável pela realização da manutenção, segundo a própria Julgadora:
“… ouvido o C…, encarregado de produção da I…, este declarou com espontaneidade e clareza que, as manutenções dos camiões eram da responsabilidade dos motoristas que as comunicavam ao Engenheiro J… que, por sua vez, dava andamento ao processo. Foi muito claro em referir que, os motoristas só lhe comunicavam que os camiões iam ser alvo de manutenção para que o mesmo não contasse com as viaturas, pois a esta testemunha cabia, além do mais, fazer o planeamento das entregas e carregamentos que os camiões iriam transportar.
…” (Sublinhado nosso)
XX) Daqui resulta que é a própria Julgadora que considera credível e claro um depoimento que atesta que era feita manutenção na viatura e que “as manutenções dos camiões eram da responsabilidade dos motoristas que as comunicavam ao Engenheiro J… que, por sua vez, dava andamento ao processo”
XXI) Convicção formada pela Julgadora com base no depoimento desta Testemunha C… (20200109155001_15435504_2871553 26:15), que referiu em sede audiência e julgamento:
00:03:42 Procuradora da República - Dra. H…
Olhe a nível de controlo por parte dos veículos, seja manutenções ou reparações, quem é que tinha o cargo de controlar estas coisas?
00:03:59 C…
Os motoristas eram eles que sabiam quando é que o carro tinha que fazer manutenção e no dia que tivessem de fazer manutenção eu era avisado pelo simples facto de não poder contar com aquele camião para o trabalho que estava designado
00:04:16 Procuradora da República - Dra. H…
Quem é que marcava a manutenção?
00:04:19 C…
Portanto, o motorista avisa-me a mim, e eu dizia ao senhor Engenheiro J…, era o senhor engenheiro J… que depois
00:04:23 Procuradora da República - Dra. H…
Quem é que depois comunicava ao senhor engenheiro? Era o senhor?
00:04:26 C…
Era o motorista
00:05:13 Procuradora da República - Dra. H…
Mas a autorização altruísta para se fazer algo, para se ir à oficina era dada por quem?
00:05:20 C…
Pelo senhor engenheiro
XXII) Ainda quanto a esta matéria a Testemunha D…, proprietário da K…, que a Julgadora considerou como “claro e preciso”, referiu que.
00:13:35 Mandatária do Arguido - Dra. G…
Portanto, quando é que lhe telefonava para essa reparação ao motor foi o senhor engenheiro J… é isso? Uma vez que a reparação que esse veículo nunca tinha ido á sua oficina é isso?
00:13:50 D…
Exatamente
XXIII) Daqui de depreende que as reparações/manutenções/revisões eram ordenadas pelo Engenheiro J… e não pelo Recorrente, como afirma a Julgadora.
XXIV) No entanto a Julgadora no seu ponto 13. decide que “D…, sócio gerente da K…, Lda, havia sido incumbido, num período não concretamente determinado, mas durante vários anos antes dos factos aqui em causa, pelo administrador da empresa comodatária I…, de levar a cabo reparações na viatura.”
XXV) O que configura uma clara contradição entre os factos e depoimentos prestados e este facto dado como provado, que permite ao Recorrente, em sede de recurso, invocá-la, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410º, n.º2, alínea b), c), do CPP.
Acresce que,
XXVI) Relativamente á alegada sobrecarga do camião:
Perito F… (20191204154634_15435504_2871553 01:15:03) ainda em sede audiência e julgamento, referiu:
00:22:50 F...
Não, pelas características do camião pois pelas características do camião com este tipo de eixos tem que transportar, são utilizados para transportar cargas muito pesadas
Testemunha C… (20200109155001_15435504_2871553 26:15) em sede audiência e julgamento resulta que:
00:09:38 C…
Sim, em termos de peso, não, o camião tinha que andar sempre com cargas que não ultrapassassem, no fundo o peso é calculado em função daquilo que o camião possa carregar
00:21:24 C…
Em termos de controlo de peso é igual nos dois em qualquer um dos carros é sempre feito, sempre que é feita a carga faz-se um levantamento do peso, mas por uma questão de não corrermos riscos no camião sair com peso excessivo, sempre, sempre vão à balança
XXVII) Estamos assim perante uma contradição entre o depoimento prestado e matéria dada como provada que aqui expressamente se invoca, dado que existia um cuidado constante em cumprir os limites de carga dos camiões.
Acresce que,
XXVIII) Já relativamente à existência de uma estrutura hierarquizada na Sociedade, se nos socorrermos do depoimento da Testemunha C… (20200109155001_15435504_2871553 26:15) em sede audiência e julgamento:
00:23:32 Mandatária do Arguido - Dra. G…
O senhor sempre que tem alguma coisa que reportar superiormente a quem é que reporta?
00:23:36 C…
Ao senhor engenheiro J…
00:24:04 Mandatária do Arguido - Dra. G…
Alguma vez alguém reporta ao senhor engenheiro B…?
00:24:06 C…
Não
XXIX) Do depoimento desta Testemunha, valorado pela Julgadora, ao contrário do que consta da sentença, resulta que efetivamente existia uma estrutura hierarquizada na empresa, o que consubstancia uma contradição entre o depoimento prestado e matéria dada como provada que aqui expressamente se invoca.
Acresce que,
XXX) Quanto á substituição ou não de peças e prazo para substituição, se atentarmos aos esclarecimentos prestados pelo:
Perito E… (20191204142825 _15435504_2871553 10:33):
00:07:54 Procuradora da República – Dra. H…
Há quanto tempo? Passado quanto tempo é que deveria ter sido, a, substituído?
00:07:58 E…
As boas práticas não, não têm uma data para quando é que tem de ser substituído. Tem uma boa prática de, olhando para o…
00:44:43 E…
Aquilo que está aqui descrito é uma reparação ao motor.
Perito E… (20191204144623_15435504_2871553 59:33), ainda em sede audiência e julgamento, referiu ainda:
00:45:20 Meritíssima Juíza
Quando se fazem as inspeções periódicas, não é a mesma coisa quando, aquelas inspeções dos camiões dos, dos carros ligeiros fazem, esses 30 a 100 pontos já não são verificados?
00:45:31 E…
Não lhe consigo confirmar porque, não é do meu, não é do meu âmbito.
Perito F… (20191204154634_15435504_2871553 01:15:03) ainda em sede audiência e julgamento, referiu:
00:05:59 Procuradora da República – Dra. H…
Olhe qual era o estado da porca?
00:06:00 F…
…, portanto, a porca nesse aspeto não estaria em mau estado, é evidente que depois
00:30:26 F…
…isto estava mesmo misturado com massa partiu, quando é que partiu? Até pode ter sido partido aquilo até podia estar como a anilha foi usada várias vezes e endireitada com o martelo podia ter partido, no momento em que fizeram a revisão e apertaram as porcas, não sabemos, todos os indícios que lá estão já andou depois de aquilo ter partido
00:37:28 F…
Não, isto é uma reparação especifica do motor, reparação de um órgão
00:38:01 F…
Temos aqui esta fatura da AJ… tem uma reparação no sistema de injeção,
00:39:02 F…
110 junta de cabeça do motor mais camisa, fazer limpeza
00:40:29 F…
Depois temos aqui a 115, 114 desculpe lâmpadas, um vidro do farolim, uma braçadeira
00:40:57 F…
115 não tem nada a ver é uma reparação, de um tubo, uma borracha
00:41:10 F…
Sim, sim de uma reparação, nº116 presumo que isto tenha a ver com (impercetível), uma manga (impercetível) é uma peça de fixação da roda da frente ao eixo e que permite que a roda gire
00:41:35 F…
… agora temos aqui mais uma (impercetível) da manga (impercetível) que é
perfeitamente normal substituir, um (impercetível) de folga e uma reparação no escape
00:41:54 F…
Sim reparação, 118 presumo que seja um cilindro de (impercetível), uma reparação,
00:42:52 F…
Não, 120, mais uma reparação aqui já vai um bocadinho para lá de uma revisão tem componentes de várias áreas, portanto é material de
00:43:22 F…
…da cabine, não, não tem nada a ver, um filtro de ar, mais uma coisa ou outra, mas nada a ver com o analisado, rebites, maxilas isto pode ser do travão, mais um tubo de escape, mais um pronto mais uma reparação, uma capa de volante, a seguir a 121 não tem nada a ver
00:43:49 F…
Depois tem aqui o mais um pneu, mais um pneu, dois pneus, portanto substituição de pneus, depois na 123 tem os calços de travão e maxilas de travão aqui á um redentor, um vedante do cubo da roda não sabemos de qual é massa de lubrificação, mas não tem a ver com substituição daquelas
00:44:37 Procuradora da República – Dra. H…
Não? 125
00:44:46 F…
Casquilhos, (impercetível), óleo, uma reparaçãozita, é mais uma reparação
01:12:15 Mandatária do Arguido - Dra. G…
… o senhor desconhece em bom rigor a manutenção que era dada aquele camião é isso?
01:12:37 F…
Exatamente
01:14:10 F…
Senhora Doutora ou mal feita, houve uma revisão, não houve, não tenho a certeza se houve uma revisão, houve uma revisão porque danificaram os componentes
O Perito F… (20180613111346_15134537_2871537 27:36) ainda em sede de instrução, referiu:
00:10:46 F…
…, ou seja, foi feita alguma manutenção mas não a correta, tinha lubrificação que é um aspeto importantíssimo neste tipo de componentes o que quer dizer que alguém lubrificou ….
XXXI) Do exposto, facilmente se pode concluir que existiam intervenções na viatura, substituição de peças, ou seja, era feita manutenção e reparações.
Acresce que,
XXXII) Importa ainda considerar que ficou provado que: “28. A I…, SA no ano de 2014 despendeu com o veículo MQ-..-.. a quantia de € 9.265,47, sendo €4.288,38 no mês de Dezembro.
XXXIII) Ora, o Perito F… (20191204154634_15435504_2871553 01:15:03) ainda em sede audiência e julgamento, que referiu ainda:
00:46:51 F…
Não consigo, não consigo, neste momento não consigo, peço-lhe perdão, mas não consigo, agora os componentes da roda em causa os rolamentos são caros e, portanto, tudo aquilo que seria necessário substituir eu penso que será superior a mil ou mil e quinhentos euros
XXXIV) Assim, está provado que a Sociedade despendeu só em 2014, cerca de dez mil euros, logo, seria natural, que tivesse despendido mil euros na reparação.
XXXV) Da prova produzida resulta que existiu uma intervenção recente (resultante dos vestígios de massa fresca), mas ficamos sem saber se a necessidade de intervenção foi reportada superiormente, e se o foi, se terá sido a intervenção mal realizada, ou se essa necessidade de intervenção não foi reportada superiormente.
XXXVI) Certo é que não existe nenhum facto que dê como provado que a necessidade e intervenção foi reportada ao Recorrente ou a qualquer outro responsável da sociedade e que não foi autorizada.
XXXVII) No entanto, existem factos que provam que toda a assistência à restante maquinaria era prestada, como se referiu supra.
Acresce que,
XXXVIII) Importa ter presente que o Recorrente mesmo que fosse um Administrador de facto, que não é o caso, certo é que poderia bem ser um outro elemento da equipe no ativo, entre outras competências/funções, a ter a responsabilidade de supervisão da manutenção de todas as máquinas/veículos que faziam parte da Sociedade á época, entre elas os camiões.
XXXIX) Do exposto supra resulta que as máquinas de grande porte cuja perigosidade na sua utilização para os manobradores é evidente, eram objeto de manutenções preventivas.
XL) Sendo o Recorrente um administrador reformado, com 73 anos, que a Julgadora considerou que iria uma vez por mês à empresa, somos levados a concluir que, forçosamente, estas tarefas teriam que estar delegadas, mas como a Julgadora não encontrou em quem, na dúvida, como ela bem própria refere, nos termos do art. 503º, do CC, condenou o Recorrente, porque está no topo da hierarquia e por é quem tira os dividendos, o que consubstancia uma inversão total do que se pretende no exercício do direito penal.
Acresce que,
XLI) Também quanto às eventuais causas do acidente encontramos contradições:
Perito E… (20191204142825_15435504_ 2871553 10:33):
00:05:53 E…
…, o dente interior tava ausente, e esse é uma …
00:06:22 E…
Tava quebrado e estava do, estava no eixo do, da viatura. Quebrou algures durante o tempo, muito provavelmente na altura do acidente.
Perito E… (20191204144623_15435504_2871553 59:33), em sede audiência e julgamento, referiu:
00:20:46 Mandatário do Assistente – Dr. M…
Tá certo este pronto, assim já entendi. A consequência remota foi o desgaste de todas essas peças que foram, foram pressionar esta, foram forçar esta, de maneira que esta pecinha era o tal freio travão
00:20:56 E…
Sim.
Perito E… (20191204142825 _15435504_2871553 10:33), em sede audiência e julgamento resulta que referiu ao Tribunal o seguinte:
00:05:17 Procuradora da República – Dra. H…
Mas ela demonstrava desgaste é isso que me está a dizer?
00:06:53 E…
Consigo concretizar que, o desgaste que aparentava sugeria que devia ter sido já ter sido substituído durante a vida útil mesmo, sugeri que poderia ser um dos componentes originais da viatura.
Perito E… (20191204144623_15435504_2871553 59:33), em sede audiência e julgamento, referiu:
00:02:54 Procuradora da República – Dra. H…
Confere, foi é visível que, que não estava lisa, certo, que estava desgastada, consegue concretizar quanto tempo é que desgaste tinha, aquela peça tinha, portanto, 5, 10, 15, 2 anos?
00:03:13 E…
Não é possível …
05:29:00 E…
A, neste pronto nesta porca, tem um binário blindado para fixar e tem de ter um controle claro, que é para a roda e todo o conjunto continuar também, o rolamento continuar a rodar. Se apertar de mais, o rolamento vai ficar a ser esmagado, contra o anel que estava deteriorado.
00:05:56 Procuradora da República – Dra. H…
E isso aconteceu, ou não aconteceu?
00:06:00 E…
Não é possível, não é fá…, não é, não, não consigo responder a isso, se aconteceu ou não a aconteceu com, com os dados que temos não lhe consigo dizer ao certo (impercetível)
00:46:22 Meritíssima Juíza
Estas peças que o senhor encontrou danificadas podem durar vinte e quatro anos e seis meses, com uma correta manutenção.
00:46:31 E…
Correta manutenção, essas peças falham.
Perito F… (20191204154634_15435504_2871553 01:15:03) em sede audiência e julgamento, referiu:
00:26:18 Procuradora da República – Dra. H…
Ou seja, nem foi com o embate?
00:26:19 F…
Não, não nem foi, não isto aconteceu, se fosse, creio que isto aconteceu, eu não estava no local,
00:27:27 F…
Senhora Doutora deixe-me sintetizar então o desgaste dos rolamentos, a desagregação de material provoca certas folgas em todo o conjunto quando o veículo roda para a esquerda ou para a direita provoca as axiais das rodas, portanto aquilo vai batendo, e ao bater o movimento da roda cria fricção na anilha e pode ter originado a rotura deste dente, isso, ou seja, a folga aumentou mais
00:28:02 Procuradora da República – Dra. H…
Isso num mês era possível ter acontecido?
00:28:04 F…
Sim era, era possível, era possível, depende do peso da carga transportada
No entanto,
O mesmo Perito E… (20191204144623_15435504_2871553 59:33), em sede audiência e julgamento, referiu:
00:21:11 E…
Se tiver uma curva demasiadamente acentuada e bate com o eixo, se tiver uma curva demasiadamente acentuada e não sei nem, nem, nem sei…
00:21:24 E…
E se vai a uma velocidade, a uma velocidade grande e bate com o eixo traseiro, há aqui um conjunto de fatores que num, num sei, mas á partida, á partida…
00:21:36 Mandatário do Assistente – Dr. M…
Tudo pode acontecer.
Perito F… (20191204154634_15435504_
2871553 01:15:03) ainda em sede audiência e julgamento, referiu:
00:13:46 F…
O que é que provocou a saída do conjunto foi esta, este dente que falta ali, ter-se separado.
Testemunha D…, proprietário da “K…, Lda.” (20200109120830_15435504_2871553 31:45) em Audiência e Julgamento, referiu:
00:10:12 Mandatário do Assistente - Dr. M…
Sim. O senhor percebeu perante o estado em que estava o camião. O senhor percebeu o que é que tinha acontecido concretamente, ou o porque que é que tinha acontecido a saída da roda?
00:10:22 D…
Oh senhor Doutor, isso é como eide explicar, sair uma roda é uma coisa comum, não é comum todos os dias, aquilo é material desgasto, (impercetível) saiu a circular na via pública não é verdade, e aquilo pelo que percebi, desapertaram as peças, as peças desapertaram, agora o porquê de elas se terem desapertado, não posso dizer nada como é verdade...
XLII) Daqui se conclui, que são apontadas enumeras razões para o sucedido, deixando no ar sérias dúvidas sobre a efetiva causa do acidente, até porque, este poderá ter acontecido porque o eixo traseiro, numa curva acentuada tocou no chão.
Acresce que,
XLIII) Concentrando-nos na possibilidade de a roda poder emitir ruido, ter folga ou trepidar:
Perito E… (20191204144623_15435504_2871553 59:33),
em sede audiência e julgamento, referiu:
00:22:29 E…
… Manutenção é um conjunto de verificações abalos provenientes e que aqui era e, era evidente que se deveria denotar alguma folga e algum ruido que se mexia diretamente na roda.
00:31:10 E…
Se tivesse levantado não encontraria defeitos. Se tivesse no chão poderia ouvir o ruido.
00:31:29 E…
Antes da porrada sair, poderia haver ali uma oscilação, poderia haver uma oscilação…
00:49:27 E…
Em condições normais o motorista tem alguns indícios e perceção de que pode haver gripagem de alguns componentes, …
00:52:07 E…
Através do rodar e abanar as rodas, vê que tem folga.
00:52:59 Meritíssima Juíza
Exatamente. Eh, esta pergunta, pronto, realmente eu não sou técnica de, de camiões nem de automóveis, as pergunto-lhe, no percurso normal, de um uso normal de uma viatura, como se deteta que temos um rolamento gripado? Ao conduzir a viatura, como é que detetamos?
00:53:29 E…
Ruido e vibração.
00:53:31 Meritíssima Juíza
Ruido e vi…vi…ruido e vi…. Que no caso em apreço ruido e vibração, que no aso em apreço voltando a uma das primeiras perguntas que lhe fez, se era percetível ao motorista, detetar isto, pesa, embora o ruido e a vibração poderia não ser percetível pelo facto de ser na roda traseira.
00:53:53 E…
Sim.
00:54:10 E…
Vibração, consegue detetar melhor no eixo traseiro do que o ruido, porque o ruido tá lá atrás.
00:54:40 Meritíssima Juíza
E também já, eu acho que já perguntei, esta se, se perguntei perdoe-me novamente a pergunta, quando este carro fez a inspeção periódica to…estes, estas partes não sa…acho que já, não sabe se são visíveis, se são vistoriadas pois não senhor engenheiro, não sabe?
00:55:00 E…
Não, não sei, nem sei se na inspeção periódica é feito com o eixo no chão ou o eixo no ar.
Perito F… (20191204154634_15435504_2871553 01:15:03) em sede audiência e julgamento, referiu:
00:08:05 Meritíssimo Juiz
E por último, se a avaria que detetaram nas peças não é, se ela emitiria sinais sonoros detetáveis.
00:08:15 F…
Exatamente, exatamente, precisamente poderiam ser detetados pelo condutor tem que ser perspicaz, tem que ser uma pessoa atenta neste caso por exemplo numa estrada boa, numa autoestrada, sobretudo descarregado este tipo de viaturas nem sempre andam carregadas não é, levam e carga e vêm vazias, daria para ouvir, atendendo a que se trata de um eixo, … mas com o camião vazio deveria ser percetível se o condutor
00:32:53 F…
Há uns que é aos 120 mil, outros aos 80 mil isso depende do veículo, mas isto está no manual do motorista, o motorista tem que saber isto, o motorista, isto é, do conhecimento de quem usa a viatura. Aliás pelo responsável da viatura
00:52:11 F…
…, isso normalmente é observado pelo motorista quando o veiculo está sem carga e rola numa estrada digamos boa, uma estrada sólida, que isso provoca um ruído um barulho acentuado.
00:52:58 F…
Mesmo sendo na roda traseira. Sem carga
Perito E… (20180613102358_15134537_2871537 21:25), em sede de Instrução, referiu ainda:
00:01:38 Mandatária do Arguido – Dra. G…
Eu pergunto ia lhe perguntar se para além dessa zoada, se era possível ao condutor aperceber-se de alguma outra forma, designadamente na própria condução, se deteta outros problemas do eixo.
00:01:49 E…
Vibração.
Poderia ter alguma vibração no, no, no camião. Agora, dada a idade da viatura, tendo presente os dados que nos deram agora, que era só de reparação, não tem nenhuma fatura que da, do descritivo, no descritivo não tem nenhuma a dizer que seja manutenção, só tem a dizer que são reparações. Será que havia outros componentes que também teriam desgaste? Não é, hã, possível, hã, saber, agora aquele tipo de anomalia, provoca zoada e alguma vibração sim.
XLIV) Tendo presentes estes depoimentos, impõe-se referir que numa normal inspeção periódica, onde são controlados todos os rodados, seria naturalmente detetada a tal vibração, ruido, oscilação, mas, no entanto, nenhuma menção foi feita em qualquer uma delas, nomeadamente, na que antecedeu o acidente.
XLV) Importa ainda ter presente que este ruido, vibração, oscilação, seria forçosamente percecionado, detetado pelo Motorista, como bem referem os depoimentos, mas dos autos, nenhuma prova resulta que tenha sido reportada pelo Motorista, profissional experiente, ao seu superior hierárquico, qualquer vibração, ruido, oscilação e consequentemente, a necessidade de manutenção.
Acresce que,
XLVI) Outro aspeto a ter em consideração e com relevância para o caso concreto é o facto de não terem sido “inspecionados” os outros rodados em sede de perícia, o que não nos permite saber se estavam em bom estado, se atestavam manutenção, se continham peças com elevado desgaste, se continham peças “maltratadas”, etc. - cfr. Perito E… (20191204144623_15435504_2871553 59:33), em sede audiência e julgamento, confirmou que:
00:25:09 Meritíssima Juíza
Não viram todos os rodados?
00:25:10 E…
Não, não.
Acresce que,
XLVII) Quanto às características do veículo importa ter presente os esclarecimentos do Perito E… (20191204144623_15435504_ 2871553 59:33), que em sede audiência e julgamento, referiu:
00:27:12 E…
Quando eles, quando eles saíram, por isso, estou mais habituado aos camiões mais modernos, hã, mas certamente que o meu colega F… poderá saber, que ele acompanhou este processo, destes camiões desde a sua juventude. Eu andava na faculdade quando estes camiões saíram por isso eu já não sei esses, essas especificidades deste tipo de, de camião.
Acresce que,
XLVIII) Outro aspeto a ter em consideração tem a ver com a questão de saber se, na substituição de calços se mexem nas peças em causa, dado que.
Perito E… (20180613102358_15134537_2871537 21:25), em sede de Instrução, referiu:
00:02:32 Mandatária do Arguido – Dra. G…
E em relação, hã, portanto já viu as faturas, viu as faturas dos trabalhos que foram levados a cabo aqui neste pesado, e eu pergunto-lhe, independentemente das faturas, quais são os trabalhos que podem eventualmente mexer com aquelas peças?
00:02:51 E…
Quando se tem de substituir o cubo de roda.
00:03:02 E…
Para substituir os calços ou polis, poderá também ter que se desmontar aquelas peças.
Perito F… (20180613111346_15134537_2871537 27:36) em sede de instrução, referiu:
00:18:18 F…
Não, não, só mesmo para fazer a manutenção e substituição dos rolamentos é que é necessário, se por exemplo for para substituir travões não necessita, os travões até estavam digamos que em bom estado e não é necessário essas peças têm uma manutenção bastante prolongada e não posso garantir se são 120 mil quilómetros se são 80 mil neste momento …
00:20:18 Mandatária do Arguido - Dra. G…
Mas por exemplo para os calços não é preciso mexer? Para mudar os calços
00:20:21 F…
Não, não essa digamos essa parte fica presa ao eixo e apenas sai a roda e um tambor onde esta colocado no interior e onde estão colocados os calços de travão ou cintas de travão, ….
XLIX) O que, evidencia uma contradição e cria serias dúvidas sobre o tipo de intervenções que foram feitas e sua abrangência.
Acresce que,
L) Importa ainda ter presente o depoimento prestado pela Testemunha D… (20200109120830_15435504_2871553 31:45), proprietário da K…, que a Julgadora considerou como “claro e preciso”.
00:01:56 D…
É assim nós em 2014, 2013, 2015 não posso precisar grande intervenção nos carros de hoje segunda operação no motor á altura acho que até, acho e tenho a certeza foi no carro em questão, foi no carro que houve esta situação, nessa viatura.
00:02:34 D…
Nessa viatura em questão reparei o motor uma vez como é lógico depois é assim, ainda mudei mais coisas, travões e coisas assim ...
00:04:13 D…
Não fiz (impercetível) as empresas normalmente têm quem faça isso está a perceber senhora Doutora...
00:07:59 D…
Depois do acidente fui eu que reparei a viatura.
00:14:40 D…
Senhora Doutora, nessa situação foi reparada a roda (impercetível) como também substituíram os rolamentos... e foi dada uma vistoria a todas as rodas do camião.
00:15:16 Mandatária do Arguido - Dra. G…
Oh senhor, oh senhor D…, como é que há uma coisa que o senhor referiu, peço só aqui ao meu colega, que os rolamentos que mudaram só tinha 30% de (impercetível)
00:15:59 D…
Tinha, tinha se a roda, senhora doutora, se a roda não tivesse saído, os rolamentos em até começar a fazer muito barulho, se a roda não se tivesse soltado os rolamentos...
00:20:48 D…
Na minha perspetiva, na minha maneira de ver as coisas daquilo. (impercetível) porque repare senhora Doutora, nós temos um rolamento encostado impercetível) o que é que acontece, o rolamento começa a ter tendências de rolar (impercetível) vai provocar o desgaste, ao provocar o desgaste o que é que vai acontecer a fêmea como está encostada ao eixo vai ficar cortado, como na roda é no lado direito a roda é do lado direito roda ela roda no sentido de desapertar, o freio não se aguentou, partiu e saiu. A minha a minha opinião é que se aquele rolamento tivesse lá um espaçador entre o rolamento e a fêmea nunca teria desapertado a roda, nem aquela nem nenhuma delas (impercetível) e se eu disse que é comum ter um destes (impercetível) peço desde já desculpa ao tribunal não é, se calhar ia dizer, não é comum mas pronto se o disse peço imensa desculpa porque me expressei mal, não é comum a roda sair mas isso acontece (impercetível) mas peço desculpa desde ao tribunal (impercetível) agora quanto á montagem do eixo (impercetível) mas se houvesse um espaçador entre o rolamento e a fêmea não havia fricção e não ia desgastar (impercetível) agora há muitas marcas de carros (impercetível)
LI) Este depoimento permite concluir que os restantes rodados estavam em condições de circulação e que, se aquele rolamento tivesse lá um espaçador entre o rolamento e a fêmea, não havia fricção e não ia desgastar e nunca teria desapertado a roda.
LII) Esta última afirmação da Testemunha poderá colocar dúvidas sobre a própria conceção do sistema pela Volvo, impondo uma averiguação sobre se as seguintes versões deste camião foram concebidas já com o tal espaçador, que permitiria ter evitado o acidente.
LIII) Estes factos eram do conhecimento dos Peritos e não foram trazidos aos autos, pese embora entenda o Recorrente que seria uma matéria de elevada importância para uma boa decisão da causa.
Posto isto,
LIV) E, apesar de tudo o supra exposto, deu a Julgadora como provados, nomeadamente, os pontos 6., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15, o que consubstancia uma clara contradição entre os factos (depoimentos das testemunhas e peritos) e a matéria dada como provada, bem assim como uma nulidade por falta de fundamentação.
LV) Sendo que, a Julgadora deu como provado o ponto 11., mas sem qualquer fundamentação que o sustente, o que consubstancia uma nulidade que aqui expressamente se invoca.
LVI) Termos em que, ainda por tudo o atrás exposto resulta que devem ser dados como não provados os factos 6., 9., 10, 11., 12., 13., 14., 15., nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412º, n.º 3, do CPP.
Sem prescindir
LVII) Decorre do princípio de livre apreciação da prova consagrado no art 127.º Código de Processo Penal, que, não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados.
LVIII) No entanto, esta presunção não poderá colidir com o princípio in dubio pro reo, visto que, este princípio de direito constitui uma regra legal de decisão em atéria de facto, segundo a qual o Tribunal deve decidir a favor do arguido se não se encontrar totalmente convencido da verdade ou falsidade de um facto, isto é, se permanecer em estado de dúvida sobre a realidade do mesmo.
LIX) Relativamente ao princípio in dubio pro reo, impõe-se desde já reafirmar que o mesmo implica que não possamos considerar provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal.
LX) Desta forma, sempre que o tribunal se depare com um facto pouco claro, que lhe levante dúvidas - non liquet - deverá em sede probatória, ser valorado a favor do arguido.
LXI) Condenar o Recorrente nos moldes em que o foi, é inverter este princípio, considerando-se num prisma oposto o princípio da presunção de culpa.
LXII) A lei define no art. 283º, n.º 2, do CPP, o que se considera indícios suficientes, ou seja, o conjunto de elementos dos quais resulte a probabilidade razoável de o arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
LXIII) Por seu turno, a prova é a certeza dos factos, tendo sempre de ser plena, conduzir à convicção e não à simples admissão de maior probabilidade.
LXIV) Só existirá negligência quando houver lugar a uma atividade suscetível de violar deveres de cuidado, destreza e atenção, atividade essa que, se tivesse em consideração esses deveres, evitaria a produção de resultados proibidos.
LXV) Nos termos do supra alegado e não tendo o Recorrente praticado o crime em que foi condenado, pugna-se pela revogação da parte da decisão ora em crise e por via disso deve o Recorrente ser absolvido da prática do crime de que vem acusado.
Sem prescindir
LXVI) Da análise da sentença, nomeadamente, dos factos 6., 7., que é dado como provado que:
“6. O eixo da viatura soltou-se do rodado da parte lateral esquerda traseira em virtude da sobrecarga e falta de manutenção das peças que o compunham, situação que levou a que a porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação, tivessem sido forçados a rodar por acção da gripagem existente no rolamento de fora e anel interior do rolamento de fora, até se soltarem completamente da parte roscada do eixo, culminando com a libertação da roda do eixo auxiliar traseiro do camião.
7. Para além disso, a porca de fixação possuía danos provocados pela utilização de uma ferramenta de impacto “afiada”, ferramenta imprópria para efectuar a operação de desaperto e/ou aperto da porca do cubo da roda.
LXVII) No entanto, no ponto dado como provado 11. “A viatura pesada não era sujeita a revisões periódicas, antes apenas a reparações pontuais de avarias que iam surgindo.
LXVIII) Do confronto destes factos dados como provados ficamos sem saber se a) Existiu manutenção;
b) Existiu manutenção, mas foi mal realizada;
c) Se não existiu manutenção.
LXIX) Se existiu manutenção, mas foi mal realizada, não vislumbramos como poderá o Recorrente ser responsabilizado criminalmente por isso.
LXX) Como poderia o Recorrente, como afirma a Julgadora:
a) Enquanto, administrador da comodatária do veículo em causa, acautelar a correta manutenção preventiva da viatura;
b) Como responsável da empresa comodatária, que mantinha a viatura em laboração, exercer uma permanente vigilância sobre ela e, de modo preventivo, vigiando regularmente as componentes de maior risco, desde logo eixo, rodas, direção e pneus.
LXXI) Quando existiram testemunhas, consideradas credíveis pela Julgadora que referiam ao Tribunal que as “manutenções dos camiões eram da responsabilidade dos motoristas que as comunicavam ao Engenheiro J… que, por sua vez, dava andamento ao processo”
LXXII) Entende o Recorrente que existe uma contradição clara na matéria de facto, o que consubstancia uma causa de repetição de julgamento nos termos do disposto no art. 426º, do CPP.
LXXIII) Estamos, por isso, perante uma contradição na matéria de facto dada como provada que permite ao recorrente, em sede de recurso, invocá-la, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410º, n.º 2 alínea b), do CPP.
Sem prescindir
LXXIV) E no que concerne à medida da pena aplicada, com esta matéria de facto dada como provada, e com a condenação, nos termos do artigo 137º, nº 1, do CP, pretende-se impugnar a moldura penal aplicada, pois peca por um absoluto exagero.
LXXV) Compulsada a fundamentação da Julgadora para encontrar a pena, que no seu entender, estaria certa para sustentar a condenação do Recorrente, concluímos, que a Julgadora, não trabalhou com os vários níveis de negligência e, dado que em vários pontos da sentença, encontramos a palavra “culpa”, como se de um crime, dessa estirpe estivéssemos a tratar.
LXXVI) Não foi ponderada pela Julgadora a possibilidade de absolvição do Recorrente pois, apesar de ter consciência que estava a julgar um arguido por um crime de caracter involuntário, em sede de sentença, tratou-o como culposo, não se aproximou do crime involuntário, por convicção é certo, logo, não ponderou a sua absolvição.
LXXVII) Está provado que se fazia manutenção ao camião, mas também está provado que o Recorrente não garantia que se fazia a correta manutenção, porque se prova no ponto 7º que a “porca de fixação possuía danos provocados pela utilização de uma ferramenta de impacto “afiada “ferramenta impropria para efetuar a operação de desaperto/ou aperto da porca do cubo da roda.”
LXXVIII) Feito este enquadramento, a Julgadora partiu de imediato para o encontro da medida da pena, em busca da moldura penal que o Legislador lhe coloca como possível para este tipo de crime, e fundamenta a sua opção entre o mínimo e máximo, de acordo com uma “moldura de prevenção geral”, “ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos”, “prevenção especial de socialização”…:
“Sendo função da culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena.
Prevalência no problema da escolha da pena não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
A prevenção geral sempre sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, surge como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização; quer dizer, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução de pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postos imediatamente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português…, cit., pág. 331, §497).
“In casu”, considerando o resultado morte, não se olvidando a postura do arguido em tentar, por tudo, eximir-se da sua responsabilidade, entendemos que, a satisfação das finalidades de punição só se alcança de forma adequada e suficiente com a aplicação de uma pena de prisão. Em nosso entendimento, só a pena de prisão, juntamente com o juízo de censura inerente à condenação, é suficiente para acautelar a reintegração daquele e as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, constituindo suficiente advertência para o afastar da criminalidade.
E as consideráveis exigências de prevenção geral que este tipo de crime acarreta só com a pena de prisão serão devidamente acauteladas e fazem sentir segurança à comunidade em geral.
A moldura penal aplicável no caso em apreço é, assim, de 1 mês a 3 anos de prisão (cfr. artigos 137º, nº 1 e 41º, nº 1, ambos do Código Penal).

LXXIX) Acontece que a Julgadora deveria ter considerado, no presente caso, o n.º 2, do artigo 71º, do CP e muito principalmente da sua alínea b), isto é, a intensidade da negligência e não da culpa (n.º 1).
LXXX) Estamos perante um erro na subsunção jurídica, cometido pela Julgadora, que a levou a decidir por uma moldura penal, que, a final, decidiu atribuir ao Recorrente.
LXXXI) A sentença, na sua fundamentação, contém uma parca referência ao que nos diz o artigo 71º, n.º 2, do CP, que se reveste de especial importância, para neste caso, em concreto, se encontrar uma moldura penal justa, dado que aponta os elementos indicados pelo legislador para se encontrar a medida da pena, e que terão de constar em sentença, o que não acontece, nomeadamente, no que refere a negligência (se a mesma porventura foi consciente, ou inconsciente, qual o grau do descuido e desatenção…)
LXXXII) Se estamos perante um crime cometido em sede de cadeia hierárquica, qual o grau de pormenor da negligencia que se impõe ao nível da cadeia hierárquica face á situação concreta?
LXXXIII) Se no caso concreto, está provado que o camião fazia as inspeções legais, e as manutenções, pese embora não com os instrumentos certos, seria de considerar que o Recorrente, na qualidade de administrador da empresa com dezenas de trabalhadores, deveria prever como um bom pai de família, com essa tal conduta, a morte de uma pessoa?
LXXXIV) Ter-se-ia que analisar o que nos diz o artigo 15º, do CP, ao qual esta sentença nenhuma referencia se encontra.
LXXXV) A determinação concreta da medida da pena faz-se de acordo com os critérios fixados no art. 71º, n.º 1 e 2, do CP, com a possibilidade de atenuação especial da pena.
LXXXVI) Pelo exposto, pugna-se, com o presente recurso, pelo reenquadramento jurídico e pela aplicação de pena de multa que se entender ser justa (art. 45º, n.º 1, do CP).
LXXXVII) Caso assim não se entenda, e se considere ser de aplicar pena de prisão, deverá esta ser no limite máximo de seis meses, sempre suscetível de ver a sua execução suspensa, atendendo:
a) Á idade do Recorrente (73 anos);
b) Ao tempo decorrido entre o acidente que deu origem ao processo e a data da sentença (art. 72º, n.º 2, d), do CP);
c) Á conduta do Recorrente anterior ao acidente;
d) Á conduta do Recorrente posterior ao acidente;
e) O Recorrente está perfeitamente integrado na sociedade;
f) O Recorrente através da I…, S.A., criou múltiplos postos de trabalho e formou quadros que se encontram hoje a liderar múltiplas empresas por todo o país.
g) O Recorrente tem o reconhecimento dos seus pares, pelo que é vice-presidente da N…;
h) O Recorrente tem forte intervenção em instituições que visam a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, principalmente dos mais desfavorecidos (crianças e idosos), pelo que é irmão das Santas Casas da Misericórdia de O… e P….
i) Faz parte do clube de Q….
j) É confrade da S….
k) Pela sua forma de estar na vida e em sociedade, é respeitado e reconhecido por todos que com ele lidam.
l) É respeitado e reconhecido pela comunidade onde está inserido.
m) O ressarcimento da vítima em sede civil.
LXXXVIII) Esta motivação assenta, por isso, no disposto no art. 410º, n.º 2, art. 412º, n.º 1 e n.º 2, do CPP.
««« »»»
TERMOS EM QUE,
Deve o presente ser julgado procedente nos termos formulados nas conclusões, e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o recorrente absolvido do crime em que foi condenado,
Sem prescindir, E para a eventualidade de assim não se entender deve ser repetido o julgamento;
Sem prescindir, E caso assim não se entenda, pugna-se pelo reenquadramento jurídico e pela aplicação de pena de multa que se entender ser justa (art. 45º, n.º 1, do CP).
Sem prescindir,
Caso assim não se entenda, e se considere ser de aplicar pena de prisão, deverá esta ser no limite de seis meses, mas sempre suscetível de ver a sua execução suspensa”.
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Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser admitido e julgado procedente, anulando-se a decisão recorrida, tudo com as necessárias consequências legais.”
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Por despacho proferido em 24.06.2021 foi o recurso apresentado pelo arguido regularmente admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Respondeu a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo às motivações de recurso vindas de aludir, entendendo que o recurso interposto pelo arguido deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão proferida.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, acompanhando os considerandos constantes da resposta do Ministério Público na 1ª instância, pugna pela improcedência do recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida.
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Na sequência da notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o arguido nada disse.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior - artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) [1].
O essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso” – cfr. Ac. do STJ, de 15.04.2010, in http://www.dgsi.pt. [2].
Posto isto,
as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal são:
1ª Da nulidade da sentença:
a) por falta de fundamentação (ponto 11 dos factos provados);
b) por omissão de pronúncia (pontos 55 e 56 da contestação).
2ª Do erro de julgamento da matéria de facto (art. 410°, nº2, do Código Processo Penal):
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3ª Da violação dos princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo
4ª Da escolha e medida da pena
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Com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa recordar
a fundamentação de facto da decisão recorrida, que é a seguinte (transcrição):
“1. No dia 27 de Janeiro de 2015 às 17:55h a viatura pesada de mercadorias de marca Volvo, com a matrícula MQ-..-.. circulava na Rua …, em …, concelho de Matosinhos, no sentido …-….
2. Quando efectuava uma curva à direita, o rodado da parte lateral esquerda traseira soltou-se do seu eixo, atrasando-se em relação ao pesado, que prosseguiu marcha, foi continuando aos saltos, pela parte traseira do pesado, em direcção ao passeio do lado direito da via de trânsito por onde a viatura circulava, e atento o sentido desta, acabando por embater no peão de seu nome T…, que transitava nesse passeio no mesmo sentido que a viatura pesada.
3. Com a violência do embate, a referida T… foi projectada para a frente, caindo no solo e embatendo com a cabeça no passeio, acabando por falecer no local devido às lesões traumáticas meningo-encefálicas, vertebro-medulares, torácicas, abdominais e pélvicas, descritas no relatório da autópsia, que o embate desse rodado lhe provocou.
4. No momento do sinistro, a viatura MQ-..-.. era conduzida por U… e era propriedade da empresa “V…, Lda.”.
5. Encontrando-se, todavia na posse da empresa “I…, SA”, em virtude de um contrato de comodato celebrado entre esta última e a “V…, Lda.”.
6. O eixo da viatura soltou-se do rodado da parte lateral esquerda traseira em virtude da sobrecarga e falta de manutenção das peças que o compunham, situação que levou a que a porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação, tivessem sido forçados a rodar por acção da gripagem existente no rolamento de fora e anel interior do rolamento de fora, até se soltarem completamente da parte roscada do eixo, culminando com a libertação da roda do eixo auxiliar traseiro do camião.
7. Para além disso, a porca de fixação possuía danos provocados pela utilização de uma ferramenta de impacto “afiada”, ferramenta imprópria para efectuar a operação de desaperto e/ou aperto da porca do cubo da roda.
8. A viatura MQ-..-.., à data do acidente, tinha 24 anos e 6 meses, e era alvo de utilização pela comodatária, servindo para transporte de várias toneladas, dado que era a única viatura ao serviço da empresa comodatária que possuía grua.
9. Ao arguido B…, administrador da comodatária do veículo em causa, pessoa que tomava e toma as decisões em representação da empresa, incumbia acautelar a correta manutenção preventiva da viatura, da qual faria parte a supervisão e substituição das peças aludidas em 6), designadamente, porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação.
10. Incumbia-lhe assegurar e incumbir terceiro, nisso especializado, de regular e periodicamente tratar da manutenção preventiva da viatura, da qual faria parte a supervisão ou vigilância e substituição das peças aludidas em 6), designadamente, porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação.
11. A viatura pesada não era sujeita a revisões periódicas, antes apenas a reparações pontuais de avarias que iam surgindo.
12. O arguido B…, como responsável da empresa comodatária, que mantinha a viatura em laboração, deveria exercer uma permanente vigilância sobre ela e, de modo preventivo, vigiando regularmente as componentes de maior risco, desde logo eixo, rodas, direcção e pneus.
13. D…, sócio gerente da K…, Lda, havia sido incumbido, num período não concretamente determinado, mas durante vários anos antes dos factos aqui em causa, pelo administrador da empresa comodatária I…, de levar a cabo reparações na viatura.
14. O arguido B…, administrador da I…, SA, não garantiu a cabal manutenção preventiva da viatura, tendo a obrigação, desde logo, porque ciente das necessidades especificas das viaturas pesadas e do desgaste que sofrem, de prever que ao descurar o rigor na manutenção das peças que compõem o eixo, estas deixariam de garantir a fixação devida dos rodados, e que tal acarretaria um aumento exponencial da possibilidade de acidente rodoviário.
15. Ao não tomar as precauções devidas, a sua atitude deu causa ao acidente que pôs termo à vida da falecida T….

Da contestação
16. A I…, S.A., é uma sociedade anónima, que tem a sua sede na Avenida …, nº .., Loja ., Maia.
17. A I…, S.A. tem por objecto: “Extracção, transformação e comercialização de rochas ornamentais e seus derivados; construção civil e obras públicas, importação e exportação, representação e projectos.”
18. A I…, S.A. foi constituída em 5 de Setembro de 1989, mantendo ininterruptamente até ao presente a sua actividade.
19. Para a prossecução do seu objecto social, a I…, S.A. tem o seu estabelecimento fabril, para transformação de granito e rochas ornamentais, em …, …, Vila Real.
20. Neste mesmo local aludido em 19), estão instalados os seus departamentos administrativo, financeiro, comercial e logística.
21. A I…, S.A. nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2018 foi distinguida pelo IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, como PME Líder.
22. Em 27 de Janeiro de 2015, a I…, S.A. tinha, tal como tem presentemente, ao serviço da sua actividade o veículo pesado de mercadorias da marca VOLVO, o MQ-..-...
23. A titularidade da propriedade do veículo MQ-..-.., estava em nome da empresa “V…, SA”, que o comodatou à empresa I…, S.A.” em 1 de Janeiro de 2008, pelo período de cinco anos “renovável por iguais e sucessivos períodos enquanto não for denunciado por qualquer uma das partes.”.
24. Este veículo MQ-..-.. tinha e tem as seguintes características, para além de outras: Data da Matrícula: 1990-07-27, Data Primeira Matrícula: 1990-07-27, Marca VOLVO, Modelo …, Cilindrada 9603, Categoria PESADO, Tipo MERCADORIAS, Situação Veículo: REGULAR, Peso Bruto: 32000.
25. À data de 27 de Janeiro de 2015, o veículo encontrava-se com as IPO - Inspecção Periódica Obrigatória em dia, realizada em “2014-07-28”, no “W…, SA”, tendo obtido como “Resultado de Inspeção: APROVADO”.
26. Desde o ano de 1995 o veículo com a matrícula MQ-..-.., realizou as IPO´s - Inspecções Periódicas Obrigatórias constantes de fls. 79, 195 e 196 e 1232 a 1234, cujo teor por brevidade aqui se dá por reproduzido.
27. O “IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.” em 30 de Setembro de 2015, no âmbito dos presentes autos e a pedido do Núcleo de Investigação de Crimes em Acidentes de Viação do Destacamento de Trânsito do Porto, enviou “CERTIDÃO” com o “registo informático de inspeções técnicas” do veículo com a matricula MQ-..-.., desde “1995-07-05” a “2015-05-21”, bem como as respectivas “Ficha de Inspecção”, constantes de fls. 193 a 221, cujo teor por brevidade aqui se dá por reproduzido.
28. A I…, SA no ano de 2014 despendeu com o veículo MQ-..-.. a quantia de €9.265,47, sendo €4.288,38 no mês de Dezembro.
29. Uma viatura com as características da viatura MQ-..-.., na sua vida útil percorre 1.000.000 (um milhão) a 2.000.000 (dois milhões) de Kms.
30. No ano de 2015 a fábrica Volvo continuava a produzir componentes para Marca VOLVO, Modelo …, Cilindrada 9603, Categoria PESADO, Tipo MERCADORIAS.
31. O arguido através da I…, S.A., criou múltiplos postos de trabalho e formou quadros que se encontram hoje a liderar múltiplas empresas por todo o país.
32. Tem o reconhecimento dos seus pares, pelo que é vice presidente da N…, que é uma associação empresarial e de utilidade pública, representativa das Pedreiras de Rocha Industrial e Ornamental quer na sua vertente Extractiva quer Transformadora dos Minerais Industriais.
33. Pugnando para que estas empresas cumpram a legislação em vigor, quer em termos laborais, ambientais, segurança rodoviária e demais normas que regulam as respectivas actividades.
34. Tem forte intervenção em instituições que visam a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, principalmente dos mais desfavorecidos (crianças e idosos), pelo que é irmão das Santas Casas da Misericórdia de O… e P….
35. Faz parte do clube de Q….
36. É confrade da S….
37. Pela sua forma de estar na vida e em sociedade, é respeitado e reconhecido por todos que com ele lidam.
38. E respeitado e reconhecido pela comunidade onde está inserido.
39. O arguido encontra-se actualmente reformado, auferindo uma pensão de €2.050,00 mensais, sendo a sua esposa administrativa e auferindo o vencimento mensal de €1.100,00. Tem três filhos, sendo que, dois maiores se encontram a viver autonomamente, vivendo consigo e com a sua esposa, o filho de 21 anos que é estudante universitário. O arguido e respectivo agregado familiar vive em casa própria.
40. O arguido é licenciado em engenharia civil.
41. Do registo individual do arguido nada consta.
42. Do Certificado do Registo Criminal do arguido nada consta.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou da contestação que:
a) A empresa I…, S.A. tem a sua estrutura devidamente organizada com as relações entre os diferentes departamentos claramente definidos e funções devidamente hierarquizadas.
b) À data do acidente, o quadro de pessoal da I…, S.A. era composto por 32 (trinta e dois) trabalhadores.
c) A I…, S.A, apesar da crise que assolou o país, bem como a europa e outras regiões do mundo, atravessou a mesma incólume, fazendo crescer a sua produção, bem como o seu quadro de pessoal o qual em Setembro de 2019 já era composto por 41 (quarenta e um) trabalhadores. E atravessou esta crise, com a sua situação contributiva e tributária sempre regularizada e com os pagamentos a trabalhadores e fornecedores em dia.
d) Em 27 de Janeiro de 2015, a I…, S.A. tinha, tal como tem presentemente, ao serviço da sua actividade o veículo pesado de mercadorias ..-OP-...
e) A I…, S.A. procedeu sempre às necessárias manutenções do veículo com a matrícula MQ-..-...
f) Que as quantias aludidas em 29) dos factos provados tivessem sido despendidas na manutenção da viatura MQ-..-...
g) As manutenções da viatura com a matrícula MQ-..-.. foram efectuadas em empresas/oficinas terceiras, nisso especializadas.
h) A viatura MQ-..-.. à data do acidente (27 de Janeiro de 2015), tinha percorrido apenas 185.181 Km (cento e oitenta e cinco mil cento e oitenta e um quilómetros).
i) As cargas transportadas na viatura MQ-..-.., destinada como o seu tipo indica a transportar mercadorias, nunca excederam o peso máximo autorizado por lei.
Ao demais que foi alegado na contestação não se responde, por conter matéria conclusiva, de direito e/ou irrelevante para a decisão da causa ou, em contradição com a factualidade provada.
MOTIVAÇÃO
O Tribunal formou a sua convicção apreciando de forma crítica o conjunto da prova produzida em audiência, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127° do Código de Processo Penal.
No que ao facto assente em 1) respeita, o mesmo não foi colocado em crise pelo arguido e, teve ainda amparo no depoimento prestado pela testemunha U…, motorista da viatura, facto este também corroborado por X… que, conduzia atrás desta viatura pesada.
Quanto à realidade física do local do acidente e sua dinâmica, o Tribunal encontrou no auto de exame directo ao local junto a fls. 43 um elemento precioso, destarte relevando-o, como relevando a propósito as declarações da testemunha U…, motorista da viatura nas circunstâncias de tempo e lugar dadas por assentes em 1), que declarou não se ter apercebido do rodado traseiro do pesado se ter soltado, tendo sido alertado por um condutor de um camião que circulava em sentido contrário e que lhe deu sinais de luzes, tendo parado e, surgindo-lhe um senhor que lhe disse que o camião havia perdido as duas rodas do lado traseiro esquerdo. Esta testemunha declarou ainda que o camião em causa nos autos era o único que possuía grua.
Ainda quanto à mesma questão, mais concretamente, quanto à causa que originou o acidente, o Tribunal considerou as declarações da testemunha Y…, GNR da Investigação Criminal e responsável pela investigação em causa nos autos, que declarou que, no dia e hora do acidente se encontrava de serviço e foi ao local, tendo sido quem elaborou o relatório fotográfico de fls. 47 a 74 e, devidamente confirmado em audiência de discussão e julgamento. A testemunha esclareceu o modo como ocorreu o acidente e assente em 2), explicitando ainda com rigor e precisão o auto de exame ao veículo constante de fls. 45 e 46, precisando que, aí se detecta que o eixo esquerdo não se apresentava normal, contrariamente aos demais eixos. A testemunha confirmou ainda o relatório final que elaborou e, constante de fls. 284 a 288, particularizando que, o rodado esquerdo traseiro tinha indícios de desgaste, explicando ainda que o rodado sai do lado esquerdo da viatura e vai colher a infeliz vítima no lado direito, pois que, devido a ter existido um atrito do pneumático no solo, fez com que o pneumático não tenha embatido no pesado e, tenha ido embater no peão. A testemunha, experiente na investigação deste tipo de sinistros, esclareceu que, segundo as regras da experiência, a sobrecarga acumulada nos transportes que o pesado efectuava, originou o desgaste do rodado, pese embora, no dia do sinistro o pesado não levasse carga em excesso e, daí o Tribunal tenha concluído que aquela sobrecarga levaram a que a porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação, tivessem sido forçados a rodar por acção da gripagem existente no rolamento de fora e anel interior do rolamento de fora, até se soltarem completamente da parte roscada do eixo, culminando com a libertação da roda do eixo auxiliar traseiro do camião.
Esta testemunha também explicou que, o eixo elevatório do pesado é utilizado quando o veículo circula com carga, precisando que, com carga, o eixo baixa e, sem carga o eixo sobe. A testemunha referiu ainda que, pelas facturas que visualizou em audiência e juntas aos autos, não existiu intervenção a este eixo. O seu depoimento mostrou-se claro e isento, logrando convencer o Tribunal.
O Tribunal ainda para concluir nos termos dados por provados em 2), para além da prova documental referida, considerou também as declarações da testemunha X…, que era o condutor da viatura que circulava atrás do pesado em causa nestes autos. Declarou que viu o rodado traseiro esquerdo a sair do pesado, indo embater nas costas da vítima mortal que circulava no lado direito da via, atento o sentido de marcha. Esclareceu que, o motorista só parou o camião na rotunda subsequente ao local do acidente, tendo buzinado em ordem a ver se o motorista e o peão ouviam, o que não se logrou e, como lhe transmitido pelo motorista, a testemunha U…. Esta testemunha foi a única presencial do ocorrido, sendo certo que nenhum outro elemento existe que o contrarie, designadamente as declarações da testemunha U…, que, repete-se, confirmou ser o condutor da viatura em causa, que não se apercebeu do soltar do rodado e do atingimento da vítima, até ser alertado por terceiros. Daqui também assente o facto aludido em 3), devidamente conjugado com o relatório de autópsia de fls. 168 a 175, documento este que atesta as lesões traumáticas por a vítima sofridas.
Já o facto provado em 4), foi devidamente confirmado pela testemunha U…, e também não contestado pelo arguido, como aconteceu com o facto provado em 5), que teve amparo no contrato de comodato junto aos autos a fls.264 a 266.
Quanto às razões da libertação da roda do eixo auxiliar traseiro do camião, e concretamente para prova do facto aludido em 6), para além do relatado pela testemunha Y…, também se considerou o relatório pericial constante dos autos a fls. 176 a 183 e respectivo DVD, a que alude também o relatório final de fls. 284 a 288, sendo visíveis nas fotos que acompanham aquele os danos nas peças que motivaram tal libertação. Tais elementos encontram-se ainda complementados pelas declarações prestadas pelos peritos E… e F…, peritos que elaboraram o relatório de fls. 176 a 183, que o esclareceram em audiência com muita precisão e rigor, aí concluindo que os danos analisados e evidentes na porca de afinação, anilha do freio e porca de fixação, foram forçados a rodar por acção da gripagem existente no rolamento de fora e anel interior do rolamento de fora, até se soltarem completamente da parte roscada do eixo, estando a partir desse momento criadas as condições para que a roda pudesse libertar-se do eixo auxiliar traseiro do camião, a qualquer momento.
Pelos peritos foi precisado ainda que, na Volvo, estas peças são fiscalizadas, pelo menos, anualmente, sendo que, de seis em seis meses, aquando da manutenção à viatura, tal também deve ser visto/verificado.
O perito E… foi claro e peremptório em referir que, com uma correcta manutenção à viatura, estas peças podem durar o tempo de vida que a viatura tinha, precisando ainda que, um camião como o dos autos pode fazer dois, três ou quatro milhões de quilómetros, dependendo do uso que é dado ao mesmo, designadamente, a carga e, estradas por onde circula. Por ordem do Tribunal, juntou este perito aos autos a fls. 1213, a ficha de pontos preconizados pela marca Volvo, ou seja, uma ficha onde constam todos os pontos de verificação de viaturas que entram nas oficinas Volvo e, são revistos em sede de manutenção preventiva de uma viatura, daí constando no ponto 24 “verificar as rodas de trás”, o que, não foi colocado em causa por nenhum sujeito processual.
Por sua vez, o perito F…, declarou que, no seu entender as peças danificadas, cuja análise efectuou eram as originais, pois apresentavam a marca “NSK” e FAG”. Também pelo mesmo foram analisadas em audiência as facturas juntas aos autos a fls. 107 a 125, esclarecendo os trabalhos efectuados em cada uma delas, concluindo que, aqueles tiveram sempre a ver com outras reparações que não as descritas nas peças do relatório pericial elaborado. Em suma, declarou que, as reparações evidenciadas nas facturas em nada tiveram a ver também com manutenção preventiva na viatura, mas sim reparações, com grande incidência, no motor, por forma a que o pesado pudesse circular.
Note-se que também precisou que, não há norma que imponha uma manutenção preventiva, pois isto consta do manual do próprio veículo, logo, concluiu que, tem que ser efectuada.
Dos esclarecimentos prestados pelos peritos, pôde o Tribunal concluir que, a viatura em causa nos autos não era alvo de qualquer manutenção preventiva, mas apenas de reparações pontais que o veículo ia carecendo quando tinha avarias, conclusão esta, corroborada pela ausência de facturas comprovativas de tal, pese embora o Tribunal tivesse ordenado a sua junção, mas ao que o arguido não deu cumprimento.
Destaca-se ainda a conclusão vertida no relatório pericial de que “nas faces do sextavado da porca são visíveis danos provocados pela utilização de uma ferramenta de impacto “afiada”, ferramenta imprópria para efectuar a operação e/ou aperto da porca do cubo da roda”, o que, vem reforçar a ideia da ausência de manutenção preventiva e cuidada, em oficina especializada, atenta até a idade da viatura em causa que requer maiores cuidados, estando em causa peças de maior desgaste, com ajustes rigorosos a serem feitas com ferramentas de precisão e que sustentou a prova do facto aludido em 7).
Já o facto provado em 8), não colocado em causa pelo arguido, foi corroborado pela testemunha U….
Os factos aludidos em 9), 10) e 12) resultaram da conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas J…, Z…, C… e das declarações prestadas pelo próprio arguido que dúvidas não deixaram ao Tribunal que o arguido também tinha a gestão de facto da sociedade e, não apenas de direito como também J… e Z… tentaram fazer crer e se passa a demonstrar.
Na verdade, do depoimento prestado pelas testemunhas J… e Z…, respectivamente, responsável pela área comercial e directora financeira da sociedade I…, empresa que detinha a posse da viatura em causa nos autos em virtude do contrato de comodato celebrado, resultou que a viatura fazia manutenções preventivas e, como referido pela testemunha Z…, as mesmas podiam não ter sido efectuadas na K…, tendo assim sido ordenada a junção das facturas comprovativas dessas manutenções, o que, repete-se não logrou o arguido concretizar e, pese embora tal fosse ordenado em sede de audiência pelo Tribunal.
E porque será que tal aconteceu?
A resposta é óbvia: porque esta viatura MQ-..-.. não era alvo das mesmas.
Em reforço desta conclusão a que logramos chegar pela prova produzida, não podemos olvidar as declarações prestadas pelo arguido em sede de instrução e reproduzidas em sede de audiência de julgamento, onde refere que a viatura em questão carecia de tal manutenção preventiva, sendo reparada apenas quando surgiam avarias, não sabendo o arguido, ou os demais inquiridos funcionários da sociedade, indicar oficina onde aquela tenha sido sujeita a intervenção aos componentes cuja danificação esteve na origem do acidente que vitimou T….
De salientar ainda que, estas duas testemunhas (J… e Z…), para além de apresentarem um depoimento que se nos afigurou de favor, tentando demonstrar ao Tribunal que o arguido apenas figurava e figura na I… apenas de nome, ou seja, como administrador de direito e não de facto, pois o mesmo nada decide, sendo estas testemunhas que tomam as rédeas da sociedade, tal não colheu.
E porque não colheu?
Ora, se assim fosse, não se verificavam as contradições evidenciadas nos seus depoimentos, como se passa a explicar.
Na verdade, a testemunha J… declarou que quem organizava no sentido da manutenção mecânica era o motorista do camião que, por sua vez, comunicava ao encarregado C… os problemas da viatura e, este dava as ordens para as reparações do pesado. Ao invés, ouvido o C…, encarregado de produção da I…, este declarou com espontaneidade e clareza que, as manutenções dos camiões eram da responsabilidade dos motoristas que as comunicavam ao Engenheiro J… que, por sua vez, dava andamento ao processo. Foi muito claro em referir que, os motoristas só lhe comunicavam que os camiões iam ser alvo de manutenção para que o mesmo não contasse com as viaturas, pois a esta testemunha cabia, além do mais, fazer o planeamento das entregas e carregamentos que os camiões iriam transportar.
O testemunho da Z… também contrariou o declarado pelo J…, quando referiu que os motoristas eram os responsáveis por zelar pela manutenção dos veículos e, em simultâneo o Engenheiro J….
A testemunha C…, também contrariou o declarado pela testemunha U… quando referiu que, as manutenções dos camiões eram efectuadas fora das instalações da empresa, pois o U… declarou ao Tribunal que, os mecânicos é que iam muitas vezes à empresa fazer a revisão do camião, não se lembrando sequer o nome de oficinas onde o camião fosse levado.
Em suma, do depoimento da testemunha J…, concluímos que, o motorista, que no caso da viatura em causa nos autos, era o U…, é que zelava e controlava as manutenções da mesma, avisando de seguida o encarregado C… que, como já referido, negou e, que as inspecções também eram controladas pelo dito motorista, ainda que, como pelo mesmo declarado, os serviços administrativos têm uma lista das viaturas, mas como o motorista de cada viatura é sempre o mesmo, ele controla, o que, diga-se, contraria as mais elementares regras da experiência comum, pois uma empresa, por muito pequena que seja e, que nem é o caso da I…, não pode “confiar” num motorista as manutenções e inspecções das viaturas pesadas que detém ao serviço. Também, concluímos deste depoimento que, o mesmo apenas era responsável pela área comercial, pois como por si declarado, a gestão corrente da empresa era feita pela Z…, cabendo ao administrador da empresa definir a estratégia…
Já a testemunha Z…, para além do já referido, sempre na ânsia de eximir responsabilidades ao aqui arguido, também declarou que, “O Engenheiro B… não é executivo”, mas devidamente confrontada com a questão de quem organizava o serviço da I…, referiu não saber explicar. E porque será? A resposta é óbvia. Quem organizava o serviço era o aqui arguido, pois o mesmo, é que era o administrador da sociedade I…, S.A., não logrando demonstrar que apenas exercia tais funções, só de direito. Note-se que, até das suas próprias declarações, prestadas, após a produção de toda a prova testemunhal, resultou o contrário, pois como pelo mesmo referido, pese embora há mais de dez anos tenha delegado em dois colaboradores da sua inteira confiança a gestão da empresa, a Dra. Z… e o Engenheiro J…, certo é que se desloca à I…, pelo menos, uma vez por mês para fazer uma reunião alargada com os colaboradores, mais referindo que existe um orçamento e plano para cada ano que é preciso controlar, assim como controlar os desvios em relação ao orçamento do plano, o que é aprovado por si. Até foi pormenorizado em exemplificar que a compra de um camião passa por si, sendo uma decisão em que tem intervenção. Ora, face ao declarado, não pode o arguido querer convencer o Tribunal que a gestão de facto que exerce na I… e como acionista maioritário, apenas é para uma coisas e não para outras…
Acresce ainda que, a testemunha Z… apesar de não saber explicar quem organizava o serviço, foi pronta a referir e, a instâncias da defesa do arguido que, a gestão da sociedade I… era da sua responsabilidade e do Eng. J…. Ora, se assim o é, porque não soube com clareza responder onde era feita a manutenção preventiva do camião em causa nos autos? Primeiro respondeu que, tais manutenções eram efectuadas no Sr. D…, o proprietário da K… e, de seguida, declarou que podiam não ter sido feitas no Sr. D…. Mas mais curioso é, referir que tem a gestão da sociedade e, não tem conhecimento das sucessivas reprovações que a viatura em apreço sofreu, assim, como referir que “devo ter facturas da manutenção preventiva antes do acidente”, mas que nunca as fez chegar aos autos…, e isto, repete-se, porque as mesmas não existiam.
Em suma, esta testemunha respondeu a reboque das perguntas efectuadas, apresentando aos olhos do Tribunal, um depoimento de favor, comprometedor, o que até se compreende, atenta a relação de subordinação jurídica que mantém para com o arguido. Foi assim notório o desconforto revelado por esta testemunha e também por J… nas explicações solicitadas, concretamente quem ordenava e geria a necessidade da manutenção preventiva das viaturas da sociedade, mormente do MQ-..-.., revelando falta de objectividade e as contradições já enunciadas, tudo, naturalmente, a afastar qualquer responsabilidade para o aqui arguido. Por isto, também o depoimento desta testemunha se afigurou comprometedor e de favor, depoimentos estes prestados, repete-se, numa ânsia de favorecer o aqui arguido.
Já o depoimento apresentado pela testemunha D…, proprietário da K…, foi relevante para a prova do facto provado em 13), pois que, o mesmo foi claro e preciso em atestar que na sua oficina nunca lhe foi solicitada nem assim efectuado nenhum serviço de manutenção preventiva ao camião em causa, pois o mesmo referiu que, a sua empresa prestou serviços durante alguns anos para a I…, não sabendo precisar em que datas, mas as mesmas incidiram sobre a reparação do motor no camião em causa nos autos. Foi peremptório em afirmar que a sua intervenção, limitava-se a reparar e, não a fazer manutenção, referindo que, a manutenção periódica e a preventiva não era a sua empresa que efectuava.
Mais declarou que, a sua empresa para além de reparações efectuadas no motor do camião antes do acidente em causa nestes autos, apenas teve intervenção na peça que originou o acidente, pois, a sua empresa procedeu à sua reparação, tendo substituído rolamentos e fêmeas, fixação cubo retentores, esferas e peças de aperto do eixo. Todavia, pese embora proprietário de uma oficina, não foi capaz de explicar o porquê, de em sua opinião, a roda do camião se ter soltado deste.
A testemunha AB…, mecânico na I…, explicou em que consistiam as suas funções na empresa, precisando que, no que aos camiões respeita, efectuava mudanças de óleo e procedia a lubrificações das ponteiras de direcção e transmissões, sendo o C… que lhe dava estas ordens, o que por este foi contrariado. Explicou que, lubrificar consiste em meter massa e que, fazia tal semanalmente e, ao que pensa para, manutenção do camião. Acrescentou que, as intervenções levadas a cabo fora da empresa eram na empresa do Sr. D…, da K…, explicando que, a manutenção do camião já tinha a ver com o averiguar dos problemas deste, sendo o motorista que os detecta, desconhecendo, todavia, o que faz depois. O seu depoimento foi claro e seguro, logrando também atestar o facto aludido em 13) em conjugação com o também declarado pela própria testemunha Z….
Em suma, verificamos que, os depoimentos das testemunhas funcionárias da sociedade I…, não foram unânimes, antes pelo contrário, assistimos a uma grande confusão sobre as responsabilidades que cada um possui dentro da empresa, concluindo-se assim, com toda a certeza da total ausência de um plano de manutenção habitual para as viaturas e, em especial dos eixos em causa, peças que, como é do conhecimento comum e das regras da experiência, num camião se encontram sujeitas a grande desgaste e com necessidade de manutenção regular, o que não sucedia com a viatura em causa nestes autos.
Já as testemunhas de defesa aqui trazidas pelo arguido, sobre o acidente em causa de nada sabiam, pois que a nada assistiram, designadamente, AC…, AD…, AE…, AF…, AG…, AH… e AI…, mas todas foram unânimes em referir que o arguido é uma boa pessoa e bem-conceituada no tecido empresarial, o que o Tribunal também não colocou em crise.
Note-se ainda que, a testemunha de defesa AG… declarou ainda saber que o arguido acompanha a empresa a que se encontra ligado, convivendo com o mesmo semanalmente, pois que, consigo pratica aulas de karaté às quartas e sextas-feiras. Todavia, as demais testemunhas, designadamente, AD…, para além de declarar que a Dra. Z… e o Engº J… estão à frente da empresa na actualidade, aquela tratando das feiras, eventos e parte administrativa e este da produção, tratando com o aqui arguido de assuntos da associação, pois o mesmo é vice-presidente da N…, não referiu que, o arguido de nada tratava na I…. Assim, como as testemunhas AE… e AH…, devidamente questionados, respectivamente, se sabiam, quem geria e o que fazia o arguido na I…, foram espontâneos em referir que não sabiam.
Em suma, a defesa do arguido, em nosso entendimento, não conseguiu fazer vencer a tese sufragada pelo mesmo e, de que este não geria de facto a empresa, sendo alheio aos procedimentos de gestão corrente e vulgar da empresa, tendo, há cerca de dez anos delegado a gestão da I… na Dra. Z… e no Engº J…, sendo, naquela, a parte administrativa e, naquele, a direcção comercial. Também não queremos deixar de referir que, em sede de contestação o arguido nunca levantou esta questão, só a trazendo para o julgamento.
Na verdade, e como pelo próprio arguido referido em sede de declarações, repete-se, após a produção da totalidade da prova testemunhal, o mesmo sente-se inocente em relação à acusação que lhe é feita, atenta a delegação de poderes que efectuou. E note-se, devidamente questionado se aqueles dois colaboradores é que deveriam estar a ser julgados, respondeu que, “se calhar sim”. Ora, não se percebe, o alegado pelo arguido, pois que, se delegou os poderes nestes dois colaboradores e, que como acima já devidamente demonstrado, estas duas testemunhas incorreram em contradições importantes e relevantes, pois que, se operou a delegação efectuada, o porquê da continuação do mesmo em reunir, pelo menos uma vez por mês, com os colaboradores? A resposta continua a ser óbvia. É que, e como pelo mesmo admitido, este tem interesse no desenvolvimento com sucesso da I…, pois do futuro rentável da mesma depende também o seu futuro e, dos que de si dependem. Na verdade, e ainda que o mesmo não esteja na empresa diariamente, seja o acionista maioritário e mantenha ligação afectiva à empresa, não recebendo os dividendos que a mesma gera, referindo que os mesmos ficam no fundo de reserva, pois são necessários para fazer face a custos elevados com investimentos e, um dia, no futuro, os seus filhos poderão vir a ser acionistas, certo é que, das mais elementares regras da experiência comum e normalidade social, decorre que o mesmo tinha e tem interesse no sucesso da empresa, pois que, se assim não fosse, a delegação de poderes que diz ter efectuado nos dois colaboradores, era na integra, o que, não sucedeu, como se demonstrou.
Em suma, a sociedade da qual o arguido é o acionista maioritário, era e é quem da viatura em questão retirava e retira proveito, pelo que, incumbia, quanto mais não fosse através de instruções precisas, (cujo cumprimento lhe incumbia também fiscalizar) às pessoas competentes, assegurar que a viatura fosse sujeita a manutenção periódica e regular, em oficina especializada. O arguido, enquanto administrador da I…, empresa esta que em virtude de um contrato de comodato tinha a posse da viatura MQ-..-.., tinha o dever de agir em ordem a assegurar que todos os veículos ao seu serviço circulassem de forma segura, designadamente, para os demais utentes da via pública, fossem eles condutores de outros veículos ou peões. Tal era o cuidado que lhe era exigível e não há razões para pensar que do mesmo não fosse capaz. E como pelo mesmo admitido em sede de instrução, a viatura em causa nestes autos, carecia de manutenção preventiva, sendo reparada apenas quando surgiam avarias, não sabendo o arguido, indicar oficina onde aquela tenha sido sujeita a intervenção aos componentes cuja danificação esteve na origem do acidente que vitimou T… e, daí a prova do facto aludido em 11), facto este que também teve amparo no declarado pela testemunha AB… e do proprietário da K…, a testemunha D…, não se podendo esquecer a ausência de prova documental.
Já os factos aludidos em 14) e 15) no que concerne ao aspecto subjectivo da conduta do arguido, ponderou-se o iter criminis da conduta, ou seja a acção objectiva apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência, sendo certo, que não foi produzida qualquer prova susceptível de contrariar tal entendimento. Se como admitido pelo arguido em sede de instrução, declarações reproduzidas em audiência, a viatura em causa nestes autos, carecia de manutenção preventiva sendo reparada apenas quando surgiam avarias, o mesmo podia e devia ter previsto a concretização do risco de um pesado de mercadorias em circulação na estrada, sofrer danificações em peças fulcrais e embater noutra(s) viatura(s) ou pessoas, como sucedeu, ainda que não confiasse que tal viesse a ocorrer, até considerando a idade que contava a viatura, bem como os quilómetros já percorridos.
O Tribunal considerou, também e para além da já aludida, a seguinte documentação junta aos autos: participação de acidente de viação de fls. 13 a 20, relatório fotográfico de fls. 47 a 74, print do IMTT quanto às características do veículo de fls. 76, consulta de inspecções realizadas pela viatura de fls. 78, consulta da última ficha de inspecção do veículo de fls. 79, relatório de autópsia de fls. 168 a 175, contrato de comodato de fls. 264 a 266, certidões permanentes de fls. 623 a 627 e 628 a 631, relativas, respectivamente, às sociedades V…, S.A. e I…, S.A. e registo individual de condutor/arguido de fls. 1236, as certificações do IAPMEI juntas a fls. 1215 a 1217 e admitidas pelo Tribunal em sede de audiência.
Ainda para prova dos factos assentes em 16) a 38), designadamente, factualidade vertida da contestação, para além da prova testemunhal produzida, foram tidos em consideração os seguintes documentos: factos 16) a 18) certidões permanentes das sociedades juntas a fls. 623 a 631, factos 19) e 20) as declarações do arguido e testemunhas empregadas da I…, facto 21) certificações do IAPMEI juntas a fls. 1215 a 1217, facto 22) as declarações do arguido e testemunhas empregadas da I…, facto 23) pesquisa do registo automóvel de fls. 75 e contrato de comodato de fls. 264 a 266, facto 24) pesquisa do registo automóvel de fls. 75 e consulta ao IMT de fls. 76) e 77), facto 25) consulta de inspecções realizadas pela viatura de fls. 78 e 79, bem como de fls. 1232 a 1234, facto 26) consulta de inspecções de fls. 79, certidão do IMT de fls. 195 e 196, bem como de fls. 1232 a 1234, facto 27) certidão do IMT de fls. 193 a 221, facto 28) facturas de fls. 105 a 125, factos 29) e 30) depoimento prestado pelos Senhores Peritos, facto 31) depoimento prestado pela testemunha U…, factos 32) a 38) essencialmente nas declarações prestadas pela testemunha AD…, sendo os factos 37) e 38) confirmados por quase todas as testemunhas de defesas indicadas.
As declarações do arguido sobre a sua situação pessoal e económica foram determinantes para o Tribunal concluir nos termos dados por provados em 39) e 40).
O registo individual de condutor/arguido de fls. 1236 sustentou o facto provado em 41).
A ausência de antecedentes criminais do arguido mostra-se certificada a fls. 1249 e, daí o facto 42).
O Tribunal teve ainda em consideração o documento de fls. 1213 onde constam os pontos de verificação de viaturas que entram nas oficinas volvo e junto aos autos pelo perito E….
Quanto à matéria de facto não provada, não foi produzida prova suficiente que a sustentasse, sendo que, em parte, ocorreu até o inverso. Na verdade, não logrou o arguido demonstrar que a viatura em causa nos autos era alvo de manutenção preventiva e revisões periódicas. Pelo contrário, resultou da prova produzida em audiência com absoluta e cristalina evidência que esta viatura não era sujeita a revisões periódicas, mas apenas a reparações pontuais de avarias quando iam surgindo e, como bem resultou das facturas juntas aos autos a fls.107 a 125, que bem esclarecem os trabalhos efectuados em cada uma delas, concluindo que, aqueles tiveram sempre a ver com outras reparações que não as descritas nas peças do relatório pericial elaborado. Mais, das declarações do próprio arguido, o mesmo admitiu que a viatura MQ-..-.. carecia de manutenção preventiva, sendo reparada apenas quando surgiam avarias, não sabendo o mesmo, nem nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência, indicar a oficina ou oficinas onde a viatura em causa tenha sido sujeita a intervenção aos componentes cuja danificação esteve na origem do acidente. Acresce que, não logrou a defesa do arguido juntar aos autos facturas de manutenções da viatura, mas sim das facturas juntas e de onde resulta que na viatura eram efectuadas reparações do que se avariava. E não se pode confundir manutenção com reparação. Manutenção significa manter algo conservado, enquanto que reparação significa proceder a um arranjo. E só se arranja algo que se estraga ou avaria. E era precisamente o que acontecia com a viatura em causa nestes autos. Daí que dos relatórios juntos aos autos e declarações prestadas pelos senhores peritos e pela testemunha Y…, decorra claramente que foi a ausência da necessária manutenção do veículo em questão que determinou que não fossem detectadas e corrigidas as deficiências nas peças que, precisamente, em virtude de estarem danificadas, levaram a que o rodado se soltasse.
Deste modo, não é pelo facto desta viatura ter a inspecção periódica válida, que a mesma não padecesse, no momento do acidente, de anomalia, como era o caso. Note-se que, a última inspecção à viatura realizada, data de 28 de Julho de 2014 e o acidente ocorreu em 27 de Janeiro de 2015, ou seja, mais de seis meses após a referida inspecção. E, decorre das mais elementares regras da experiência comum que, ainda que um veículo tenha a inspecção em dia, se tiver muito uso, sofre mais desgaste, logo, carece de maior manutenção preventiva, o que não se verificou no caso em apreço.
Também não podemos esquecer a idade da viatura e os quilómetros já percorridos, já que do documento de fls. 195, actualizado a fls.1232 a 1234, resulta com clareza que a viatura já ultrapassou, pelo menos uma vez, um milhão de quilómetros, não contando assim apenas com 185.181km à data da última inspecção antes do acidente em causa nos autos.
Em suma, ao arguido, administrador da comodatária do veículo em causa, pessoa que como ficou provado, tomava e toma as decisões em representação da empresa, incumbia fiscalizar e ordenar a correta manutenção preventiva da viatura, da qual faria parte a supervisão e substituição das peças aludidas em 6) da factualidade provada, designadamente, porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação e, tudo em ordem à circulação em segurança da viatura em causa nos autos”.
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Conhecendo as questões suscitadas, cumpre decidir.
1ª Nulidade da sentença por falta de fundamentação
O recorrente alega que a decisão recorrida padece de falta de fundamentação por não constar da mesma a indicação e o exame crítico da prova quanto ao ponto 11 dos factos provados, tal como exige o artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal e, nessa medida, a mesma é nula nos termos do artigo 379º, al. a) do mesmo código.
Mais especificamente, na conclusão LV) o recorrente invoca que “a Julgadora deu como provado o ponto 11., mas sem qualquer fundamentação que o sustente, o que consubstancia uma nulidade”.
Recordando, deu-se como provado no ponto 11 o seguinte: “A viatura pesada não era sujeita a revisões periódicas, antes apenas a reparações pontuais de avarias que iam surgindo”.
Vejamos então esta conclusão do recorrente adiantando, desde já, que não lhe assiste razão.
As decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, devem ser fundamentadas.
O artigo 205º nº 1, da CRP obriga a que as decisões dos tribunais “…que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Na densificação deste princípio constitucional o legislador ordinário, no âmbito do processo penal, estabeleceu no artigo 97º, nº 5 do Código de Processo Penal que na fundamentação devem “…ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Já sobre os requisitos da sentença, o art.374º nº 2 do Código de Processo Penal, determina que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal [3].
O legislador, em obediência ao referido princípio, cominou com a nulidade a ausência de fundamentação (artigo 379º, nº 1 al. a) do CPP).
O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se assim, com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência – cfr. STJ 2015-03-12 (Pires da Graça) www.dgsi.pt [4].
O exame crítico das provas tem como finalidade impor que o julgador esclareça quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra. (v. Ac. do S.T.J. de 01.03.00, BMJ 495, 209)
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo. (Ac do STJ de 12 de Abril de 2000, proc. nº 141/2000-3ª; SASTJ, nº 40. 48.)
Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.
Contudo, não se exige, numa fastidiosa explanação, transformando o processo oral em escrito, que se descreva todo o caminho tomado pelo juiz para decidir, todo o raciocínio lógico seguido.
A lei impõe, isso sim, uma enunciação suficiente, ainda que sucinta, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão que o Estado de Direito Democrático exige.
Como tem sido jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, “a decisão sobre a matéria de facto fica suficientemente motivada com a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, sem necessidade de se exprimir o teor das declarações e dos depoimentos, bem como a razão crítica do tribunal para os aceitar ou para os preferir em detrimento de eventuais provas divergentes.”
Tendo em conta estes princípios, aplicáveis às sentenças e por arrastamento aos demais despachos que conheçam de mérito, facilmente se intui não padecer a decisão em crise de falta de fundamentação.
Relativamente ao ponto 11. da factualidade dada como provada, o Tribunal a quo ao longo da motivação da matéria de facto, para além de fazer uma breve descrição sumária dos vários depoimentos atinentes e respetiva razão de ciência, explica, de forma racional e lógica, os motivos pelos quais deu como provados os factos ali vertidos, valorizando uns depoimentos em detrimento de outros.
Seguindo a motivação expressa na sentença recorrida pode ler-se na pag.16-7 o seguinte:
“Na verdade, do depoimento prestado pelas testemunhas J… e Z…, respectivamente, responsável pela área comercial e directora financeira da sociedade I…, empresa que detinha a posse da viatura em causa nos autos em virtude do contrato de comodato celebrado, resultou que a viatura fazia manutenções preventivas e, como referido pela testemunha Z…, as mesmas podiam não ter sido efectuadas na K…, tendo assim sido ordenada a junção das facturas comprovativas dessas manutenções, o que, repete-se não logrou o arguido concretizar e, pese embora tal fosse ordenado em sede de audiência pelo Tribunal.
E porque será que tal aconteceu?
A resposta é óbvia: porque esta viatura MQ-..-.. não era alvo das mesmas.
Em reforço desta conclusão a que logramos chegar pela prova produzida, não podemos olvidar as declarações prestadas pelo arguido em sede de instrução e reproduzidas em sede de audiência de julgamento, onde refere que a viatura em questão carecia de tal manutenção preventiva, sendo reparada apenas quando surgiam avarias, não sabendo o arguido, ou os demais inquiridos funcionários da sociedade, indicar oficina onde aquela tenha sido sujeita a intervenção aos componentes cuja danificação esteve na origem do acidente que vitimou T….
(…)
Já o depoimento apresentado pela testemunha D…, proprietário da K…, foi relevante para a prova do facto provado em 13), pois que, o mesmo foi claro e preciso em atestar que na sua oficina nunca lhe foi solicitada nem assim efectuado nenhum serviço de manutenção preventiva ao camião em causa, pois o mesmo referiu que, a sua empresa prestou serviços durante alguns anos para a I…, não sabendo precisar em que datas, mas as mesmas incidiram sobre a reparação do motor no camião em causa nos autos. Foi peremptório em afirmar que a sua intervenção, limitava-se a reparar e, não a fazer manutenção, referindo que, a manutenção periódica e a preventiva não era a sua empresa que efectuava.
(…)
E como pelo mesmo (arguido) admitido em sede de instrução, a viatura em causa nestes autos, carecia de manutenção preventiva, sendo reparada apenas quando surgiam avarias, não sabendo o arguido, indicar oficina onde aquela tenha sido sujeita a intervenção aos componentes cuja danificação esteve na origem do acidente que vitimou T… e, daí a prova do facto aludido em 11), facto este que também teve amparo no declarado pela testemunha AB… e do proprietário da K…, a testemunha D…, não se podendo esquecer a ausência de prova documental”.
Assim, não resta dúvida que o tribunal deixou claro o percurso lógico racional que expendeu na análise que fez de tais depoimentos. Elenca ainda a prova declarativa e documental que valorou e enuncia os critérios legais para tal valoração.
Não era exigível ao Tribunal a quo fazer mais do que aquilo que resulta da motivação, sendo a mesma racional, lógica e assertiva cumprindo cabalmente o que resulta da lei.
O que o recorrente não concorda é com a valoração da prova que o julgador efetuou, mas, essa discordância, ainda que legítima não é, só por si e pelas razões aduzidas, falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o que, no caso dos autos, manifestamente não aconteceu, inexistindo, por isso, qualquer ilegalidade e muito menos qualquer violação dos artigos 32º ou 205º da Constituição da República Portuguesa.
Improcede assim esta conclusão do recorrente.
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1ª Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (pontos 55 e 56 da contestação)
A omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
Como se refere no ac STJ 15-12-2011 (Raul Borges) www.dgsi.pt, “a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respetivas posições, na defesa das teses em presença. A pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal (o thema decidendum), e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objeto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas. A doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos; a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos, será irrelevante”.
As nulidades referidas, mesmo não alegadas, são oficiosamente cognoscíveis em recurso [5], visto que as nulidades de sentença enumeradas no art. 379.º, n.º 1, do CPP, têm regime próprio e diferenciado do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais, estabelecendo-se no n.º 2 do mesmo artigo que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso.
O recorrente pode manifestar a sua discordância com o ponto de vista defendido pela sentença, mas uma coisa é discordar de uma posição assumida de forma expressa, patente, clara, e com ela não estar em consonância, outra coisa é, por se discordar da mesma, invocar que houve uma omissão de pronúncia.
Acompanhamos aqui o Ac RG 09-12-2020 (Teresa Coimbra) www.dgsi.pt: “Por força dos arts. 374 nº2, 339 nº 4 e 368 nº 2, todos do Código de Processo Penal, o tribunal é obrigado a indagar e a pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela defesa ou resultem da discussão da causa, devendo o exame crítico das provas ser de tal ordem que não fiquem quaisquer dúvidas sobre as razões objetivas pelas quais foram valorizadas ou desvalorizadas provas e sobre o percurso racional seguido pelo juiz até à decisão. Se o arguido, na contestação, apresenta uma versão dos factos diferente da que consta na acusação o tribunal não a pode ignorar, sob pena de elaborar uma sentença nula (art. 379 nº 1 a) e c) do Código de Processo Penal).
Vejamos.
Nos pontos 54, 55 e 56 da contestação o arguido alega factos relevantes que, de acordo com uma dada solução plausível sobre a questão a apreciar, excluem a exigibilidade do comportamento cuja falta vem imputada ao arguido na pronúncia e mesmo que pudesse prever uma eventual anomalia da viatura em causa nomeadamente no eixo, rodas, direção e pneus.
Concretamente alega o arguido ter confiado que as manutenções e reparações eram adequadamente realizadas pelas oficinas, substituídas as peças que havia a substituir e sempre com a utilização de ferramentas adequadas, assim lhe induzindo desde logo o resultado da inspeção periódica obrigatória.
Este facto alegado na contestação não foi levado ao elenco dos provados, nem dos não provados, sendo a decisão recorrida totalmente omissa sobre ele.
Impunha-se, pois, que o tribunal a quo tomasse posição clara sobre aqueles factos concretos levados à apreciação do tribunal, através da contestação, tratando-se – repete-se – de facto relevante porque à luz dessa confiança do agente, nos crimes negligentes, pode mostrar-se excluída a exigibilidade do comportamento imputado ao arguido na pronúncia.
De acordo com o princípio da confiança, não se responde de forma geral pela falta de cuidado alheio, sendo legitimo “confiar que os outros com funções e responsabilidades específicas no aspecto ou tarefa concreta geradora de risco - cumprirão os seus deveres de cuidado, isto é, o princípio da confiança exclui a imputação objectiva do resultado produzido por quem actuou ao abrigo daquela confiança, apenas respondendo quando existam circunstâncias particulares que devam levar a uma perda da confiança no cumprimento do dever alheio” [6].
Em suma, a questão suscitada pela contestação e mesmo discussão da causa consistia em saber se o arguido confiava que a viatura circulava em condições mecânicas de segurança, sem riscos para terceiros, e até onde lhe era permitido ou legitimo confiar [7].
Em audiência de julgamento foi invocado pelo arguido e pelas testemunhas adiante referidas que havia instrução aos motoristas e era prática corrente destes comunicarem, ao diretor do departamento de produção e logística, no caso o Eng J…, e/ou ao seu encarregado geral C…, que a transmitiria àquele, a necessidade de manutenção, reparação e inspeção dos camiões da empresa, incumbindo ao Eng J… determinar a realização da(s) mesma(s).
Não havendo motivos para duvidar da preparação e da capacidade deste diretor e colaborador, Eng J… e encarrego geral C…, valerá plenamente o princípio da confiança.
De outro jeito, correr-se-ia o risco de se esvaziar de conteúdo a distribuição de tarefas, impondo um dever de vigilância permanente da atividade dos quadros e colaboradores.
Não existe um dever geral de tratar os subordinados como pessoas irresponsáveis, na medida em que eles tenham a capacidade mínima exigível para o desempenho da função em causa [8]
Invocando-se que, dentro da organização empresarial da I…, incumbia ao motorista e ao diretor de departamento de produção e logística, Eng J…, o dever de assegurar e controlar as manutenções ou revisões periódicas dos camiões o tribunal a quo não podia deixar de conhecer daqueles concretos factos e sua repercussão jurídico penal sobre a exigibilidade do comportamento cuja falta vem imputada ao arguido.
Por essa razão, é patente haver omissão da pronúncia na sentença recorrida, uma vez que se mostra, nos termos sobreditos, lacunosa a enumeração dos factos provados e não provados, pelo que, nessa medida, a sentença mostrar-se-ia ferida de nulidade (artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPP).
Contudo, como adiante se concluirá, a prova produzida em julgamento não permite sequer concluir pela falta de dever de cuidado por parte do arguido, o que sempre reconduz à absolvição deste e, portanto, prejudica o conhecimento daqueles factos que militariam no mesmo sentido, nada obstando a que se conheça das restantes questões suscitadas no recurso.
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2ª. Do erro de julgamento da matéria de facto
O recorrente suscita o erro de julgamento da matéria de facto, concretamente dos factos dados como provados, nos pontos 6, 9 a 15, com os seguintes fundamentos previsto no nº 2 do art. 410° do Cód. Proc. Penal:
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Os vícios decisórios – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – previstos no nº 2 do art. 410º do CPP, traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, como dispõe a lei, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.
Não é permitido, para a demonstração da sua verificação, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida.
Da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Este vício ocorre, “(…) quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal” – Ac STJ 13.10.99, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII, Tomo III, p. 184.
Como referem Simas Santos e Leal Henriques [9]: “Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade. Para os fins do preceito (al. b) do nº2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência.”
A contradição insanável ocorre ainda nas situações em que existe um vício “(…) ao nível das premissas que determina uma formação defeituosa da conclusão: se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível.” [10]
A contradição insanável ocorre no seio da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão. A fundamentação, para efeitos deste preceito e do próprio conceito, é não só aquela que se reporta ao facto, mas, também a que se reporta à decisão e a esta na sua relação com a fundamentação de facto.
A contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, revela-se em desarmonia intrínseca insanável, em termos de que a sua interligação se apresenta com resultados opostos sobre a mesma factualidade, não sendo possível, face ao texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, obter o facto seguro, sem dúvidas, saber qual a factualidade provada, percetível, consistente e conjugável harmonicamente entre si. – cfr. STJ 2015-03-12 (Pires da Graça) www.dgsi.pt.
Mas, a divergência de convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal formou não se confunde com qualquer vício do artigo 410º nº 2 do Código Processo Penal [11].
O que releva, neste aspeto, não é a interpretação ou a análise pessoal do recorrente, mas o resultado da avaliação e ponderação sobre as provas produzidas perante o tribunal, avaliadas segundo o princípio da livre convicção.
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Do erro notório na apreciação da prova.
O erro notório da apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, supõe factualidade contrária à lógica e às regras da experiência comum, detetável por qualquer cidadão de formação cultural média – cfr. STJ 2015-03-12 (Pires da Graça) www.dgsi.pt.
Estamos em presença de erro notório na apreciação da prova sempre que do texto da decisão recorrida resulta, com evidência, um engano que não passe despercebido ao comum dos leitores e que se traduza numa conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem. É necessário que perante os factos provados e a motivação explanada se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum [12].
O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Para se verificar este vício tem pois de existir uma “(…) incorrecção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova, incorrecção susceptível de se verificar, também, quando o tribunal retira de um facto uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum” [13].
Também na doutrina, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Lisboa/S.Paulo, 1994, pág. 327, recorda que o erro notório na apreciação da prova verifica-se quando se evidencia a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência por se ter decidido contra o que se provou ou não provou ou por se ter dado por provado o que não podia ter acontecido. Este erro tem de ser ostensivo, que não escapa ao homem com uma cultura média. Dito de outro modo, o requisito da notoriedade do erro afere-se pela circunstância de não passar despercebido ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, acrescenta o mesmo Autor.
Por sua vez, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª ed., 2008, pág. 77, escrevem que tal vicio ocorre quando se verifica “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que efetivamente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. (…) há um tal erro quando um ser humano médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis”.
Ao tribunal de recurso apenas cabe “(…) aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significara que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração”. [14]
Daí que o eventual erro na apreciação da prova, por regra, nunca emerge como erro notório na apreciação da prova. Quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art.412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e não invocar o vício do erro notório.
Contudo, estando em causa a “apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem aos julgadores do Tribunal a quo.
Deste modo, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.
Como se escreve no ac STJ 2013-07-18 (Rui Gonçalves) in www.dgsi.pt, “são os Juízes de 1.ª instância quem de forma direta e “imediata” podem observar, as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que os arguidos e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações. É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas. A congruência dos testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a um testemunho que a outro.
Para tal, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra. Não existindo prova legal ou tarifada que se impusesse ao Tribunal, o Tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (art. 127.º do Código de Processo Penal)”.
Em síntese, o vício vindo de referir refere-se às situações de falha grosseira e ostensiva, na análise da prova e não se confunde com a mera discordância ou diversa opinião quanto à valoração da prova produzida levada a efeito pelo julgador, antes traduz-se em distorções de ordem lógica entre os factos provados ou não provados, ou na evidência de uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e, por isso, incorreta e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
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Dito isto, relendo a motivação do recurso em análise, são invocados quanto aos factos dados como provados nos pontos 6, 9 a 15:
a) a contradição insanável no texto da decisão recorrida, vício invocado nas conclusões XXV), XXVII) XXIX) XLI) XLIX) LIV) LXXII) e LXXIII); e
b) o erro notório na apreciação da prova, com alusão expressa à al. c) do nº 2 do art. 410º, na conclusão XXV).
Sendo estes os pressupostos da verificação dos vícios invocados, ressalvada a contradição evidente entre o ponto 20 dos factos provados e o primeiro segmento da alínea a) dos factos não provados, não se descortina outra contradição no texto da decisão recorrida.
Concretamente, dizendo-se no ponto 20 dos factos provados que a empresa I…, S.A. tem “instalados os seus departamentos administrativo, financeiro, comercial e logística” não pode, sem contradição, afirmar-se como não provada uma “estrutura devidamente organizada”, sendo que a existência desta resultou claramente provada nos termos da motivação aduzida na sentença recorrida.
De resto, no final da prova testemunhal, o arguido declarou em julgamento, , que aquando da aposentação em 2008 delegou poderes de gestão da I… à Dra Z…, que ficou com a direção económica, financeira e administrativa da empresa, e ao Eng J…, engenheiro mecânico, que ficou com a direção comercial, produção, manutenção da empresa.
A empresa gira com organigrama interno com aqueles diretores e respetivos adjuntos, a Dra Z… com colaborador de gestor de custos e o Eng J… com o encarregado geral.
A empresa tem vários departamentos com quadros responsáveis designadamente a Dra Z… e o Eng J…, os quais têm adjuntos e colaboradores
Esta organização empresarial foi corroborada, como evidenciado na motivação da decisão recorrida, pelos funcionários da I… que ali depuseram, a saber:
Eng J…,

Z…

C…
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No mais, com a invocação deste vício o recorrente mais não faz do que misturar o eventual erro notório na apreciação da prova com o vício da contradição insanável referido nas conclusões XXV), XXVII) XXIX) XLI) XLIX) LIV) LXXII) e LXXIII) e, em última análise, colocar em causa a valoração da prova que o Tribunal a quo efetuou.
Em relação aos factos dados como provados nos pontos 6, 9 a 15 nenhuma contradição insanável se vislumbra no texto da decisão recorrida, inexistindo assim o alegado vício.
Vejamos agora o invocado o erro notório na apreciação da prova, com alusão expressa à al. c) do nº 2 do art. 410º, na conclusão XXV).
Em relação aos factos dados como provados:
“6. O eixo da viatura soltou-se do rodado da parte lateral esquerda traseira em virtude da sobrecarga e falta de manutenção das peças que o compunham, situação que levou a que a porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação, tivessem sido forçados a rodar por acção da gripagem existente no rolamento de fora e anel interior do rolamento de fora, até se soltarem completamente da parte roscada do eixo, culminando com a libertação da roda do eixo auxiliar traseiro do camião.
9. Ao arguido B…, administrador da comodatária do veículo em causa, pessoa que tomava e toma as decisões em representação da empresa.
11. A viatura pesada não era sujeita a revisões periódicas, antes apenas a reparações pontuais de avarias que iam surgindo.
13. D…, sócio gerente da K…, Lda, havia sido incumbido, num período não concretamente determinado, mas durante vários anos antes dos factos aqui em causa, pelo administrador da empresa comodatária I…, de levar a cabo reparações na viatura”.
Aqui chegados constata-se que nenhum erro notório se verifica na apreciação destes factos, nem o recorrente o explica a partir do texto da decisão recorrida.
Consta-se, na verdade, que a análise efetuada pelo recorrente não se cinge ao teor da decisão recorrida, mormente à motivação da decisão de facto, antes convoca o conteúdo dos meios de prova por si elencados, sobretudo os testemunhais e esclarecimentos periciais, com a finalidade de contrariar a valoração da prova vertida na sentença recorrida quanto aos pontos de facto indicados, deste modo extravasando os limites da arguição do convocado vício decisório.
Da leitura da motivação de recurso resulta, isso sim, que nessa parte o arguido pretende impugnar a matéria de facto nos termos da impugnação ampla a que se refere o art. 412º, nºs 3, 4 e 6.
Na verdade, da leitura da decisão recorrida não sobressai qualquer erro clamoroso, que tenha resultado provado algum facto que não possa ter acontecido ou que a prova tenha sido valorada contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados.
Do seu texto e contexto lógico e de fundamentação não resulta que os factos dados como provados se contradigam entre si ou violem os conhecimentos adquiridos pelas regras da experiência comum.
Pelo contrário, quanto ao aludido excerto da matéria de facto provada a decisão recorrida apresenta-se bem estruturado, encontrando-se a factualidade provada e não provada, adequada, cristalina, detalhadamente fundamentada, com indicação e exame crítico das provas proficiente, concatenada com as regras da experiencia comum e de harmonia com o princípio ipio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127º.
Nesta parte, tendo em conta todos estes ensinamentos e lendo a decisão recorrida não logramos descortinar onde a mesma é absurda, ilógica ou atentatória das regras da experiência comum.
O que o recorrente pretende é colocar em crise a convicção que o Tribunal recorrido formou perante as provas produzidas em audiência e substituir essa convicção pela sua própria convicção.
Ora, como já se disse, a divergência de convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal formou, não se confunde com o vício de erro notório de apreciação de prova nem qualquer outro do artigo 410º nº 2 do CPP.
Da leitura do texto da decisão recorrida conjugada com as regras da experiência comum, facilmente se percebe que a mesma é escorreita, doutamente fundamentada e os juízos que são feitos são apreendidos pelo leitor comum, isto é, são lógicos, prudentes, não arbitrários e estribam-se nas referidas regras da experiência.
Em conclusão, evidenciando a explicitação lógica e escorreita do modo como o julgador formou a sua convicção sobre os factos em apreço, o texto da decisão recorrida não padece nessa parte do vício previsto no art. 410º, 2, al. c), nem para o que aqui releva, qualquer outro vício desta norma, o que se declara.
Diferente quanto aos restantes factos impugnados, a saber:
9. Ao arguido B… a supervisão e substituição das peças aludidas em 6), designadamente, porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação.
10. Incumbia-lhe assegurar e incumbir terceiro, nisso especializado, de regular e periodicamente tratar da manutenção preventiva da viatura, da qual faria parte a supervisão ou vigilância e substituição das peças aludidas em 6), designadamente, porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação.
12. O arguido B…, como responsável da empresa comodatária, que mantinha a viatura em laboração, deveria exercer uma permanente vigilância sobre ela e, de modo preventivo, vigiando regularmente as componentes de maior risco, desde logo eixo, rodas, direcção e pneus.
14. O arguido B…, administrador da I…, SA, não garantiu a cabal manutenção preventiva da viatura, tendo a obrigação, desde logo, porque ciente das necessidades especificas das viaturas pesadas e do desgaste que sofrem, de prever que ao descurar o rigor na manutenção das peças que compõem o eixo, estas deixariam de garantir a fixação devida dos rodados, e que tal acarretaria um aumento exponencial da possibilidade de acidente rodoviário.
15. Ao não tomar as precauções devidas, a sua atitude deu causa ao acidente que pôs termo à vida da falecida T….
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Aqui chegados cumpre referir que a concatenação da prova produzida em julgamento, desde logo a partir do texto expresso na motivação da sentença, não permite concluir pela ocorrência daqueles factos dados como provados.
Pelo menos não permite ultrapassar a dúvida razoável e fundada sobre a mesma, sem violação do princípio constitucional do in dubio pro reo.
Visto o texto da motivação constata-se que aqueles factos foram dados como provados desde logo a partir da premissa (insuficiente) de “o arguido também tinha a gestão de facto da sociedade e, não apenas de direito”.
Isto apesar de ali se reconhecer que a empresa se encontrava devidamente organizada, com departamentos instalados (ponto 20 dos factos provados).
De resto, no final da prova testemunhal, o arguido declarou em julgamento, , que aquando da aposentação em 2008 delegou poderes de gestão da I… à Dra Z…, que ficou com a direção económica, financeira e administrativa da empresa, e ao Eng J…, engenheiro mecânico, que ficou com a direção comercial, produção, manutenção da empresa.
A empresa gira com organigrama interno com aqueles diretores e respetivos adjuntos, a Dra Z… com colaborador de gestor de custos e o Eng J… com o encarregado geral.
A empresa tem vários departamentos com quadros responsáveis designadamente a Dra Z… e o Eng J…, os quais têm adjuntos e colaboradores
Esta organização empresarial foi corroborada, como evidenciado no texto da motivação da decisão recorrida, pelos funcionários da I… que ali depuseram, Eng J…, Z… e C….
Acrescenta-se que a viatura em causa não era alvo de manutenções preventivas, sendo que em “reforço desta conclusão a que logramos chegar pela prova produzida, não podemos olvidar as declarações prestadas pelo arguido em sede de instrução e reproduzidas em sede de audiência de julgamento, onde refere que a viatura em questão carecia de tal manutenção preventiva, sendo reparada apenas quando surgiam avarias”.
Adiante repete-se: “E como pelo mesmo admitido em sede de instrução, a viatura em causa nestes autos, carecia de manutenção preventiva, sendo reparada apenas quando surgiam avarias, não sabendo o arguido, indicar oficina onde aquela tenha sido sujeita a intervenção aos componentes cuja danificação esteve na origem do acidente que vitimou T…”.
Aqui chegados dir-se-á desde logo que ouvidas agora as declarações prestadas pelo arguido em sede de instrução no dia 19.09.2018 (fls.1057-9), reproduzidas em julgamento, jamais o arguido disse designadamente entre os minutos 11.16.33 aos 11.33.19 que a viatura em questão carecia de manutenção preventiva, sendo reparada apenas quando surgiam avarias, e menos ainda que o arguido tivessem conhecimento disso.
Pelo contrário, o arguido afirmou nessa sede que vai uma vez por mês à empresa, onde é administrador institucional e não executivo, tendo a I… os departamentos comercial, produção e financeiro.
Concretamente quanto à manutenção dos veículos referiu ter dados instruções e ser prática habitual da empresa os motoristas darem indicação ao encarregado geral C… da necessidade daquelas a fim dos quadros de departamento as determinarem e pagarem.
Contudo, acrescentou, este procedimento fazia parte da gestão corrente da empresa e não passava pelo arguido.
Acrescentou o arguido que o encarregado C… é o responsável pela manutenção da empresa em geral, aqui incluída a revisão dos veículos.
A verdade é que o arguido jamais disse, inclusivamente na instrução, saber da falta de manutenção preventiva da viatura.
Mais, do texto dos factos provados também não decorre ter o arguido conhecimento desse facto, como também não se vê expresso na motivação da sentença na alusão aos restantes meios de prova nomeadamente testemunhal ou documental. E não se vê expresso porque simplesmente nenhuma testemunha ou documento o revelou.
Prossegue a motivação da sentença evidenciando as discrepâncias entre o arguido e estas testemunhas, Eng J…, Z… e C…, sobre o local onde eram feitas as manutenções da viatura e a comunicação interna empresarial (motorista, encarregado geral e diretor Eng J…) para as realizar, sublinhando o comprometimento de todos “numa ânsia de favorecer o aqui arguido”.
Nestes sentido, conclui-se que “os depoimentos das testemunhas funcionárias da sociedade I…, não foram unânimes, antes pelo contrário, assistimos a uma grande confusão sobre as responsabilidades que cada um possui dentro da empresa, concluindo-se assim, com toda a certeza da total ausência de um plano de manutenção habitual para as viaturas e, em especial dos eixos em causa, peças que, como é do conhecimento comum e das regras da experiência, num camião se encontram sujeitas a grande desgaste e com necessidade de manutenção regular, o que não sucedia com a viatura em causa nestes autos”.
Ora, ainda que se aceite a existência de ligeiras divergências no depoimento das mencionadas testemunhas sobre o local onde eram feitas as manutenções da viatura e a comunicação interna empresarial (motorista, encarregado geral e diretor Eng J…) para as realizar, tal não permite a inferência lógica, à luz das regras da experiência comum, que o arguido sabia ou devia saber da falta de manutenção preventiva da viatura e menos ainda que era incumbência do próprio assegurar o planeamento, realização e controlo daquela.
Sendo o arguido presidente do conselho de administração numa empresa organizada por departamentos que incluem quadros intermédios e colaboradores designadamente em matéria logística e manutenção do equipamento em geral, cuja direção estava atribuída ao Eng J… com a colaboração do encarregado geral C…, não é possível concluir – sem mais – que competia ao primeiro o planeamento, realização e fiscalização das revisões dos veículos da empresa.
As divergências das testemunhas sobre o local das manutenções são compreendidas com o propósito de ocultar a não sujeição da viatura da empresa às revisões preventivas necessárias.
Desse comprometimento e incongruências das testemunhas o que não se pode é concluir, à luz da experiência comum, que o arguido tinha ou devia ter conhecimento desse facto e menos ainda que fosse competência do mesmo assegurar o planeamento, realização e fiscalização da manutenção preventiva dos veículos da empresa.
Do mesmo jeito que as imprecisões ou mesmo divergências das testemunhas sobre a comunicação interna empresarial (motorista, encarregado geral e/ou diretor Eng J…) para a realização das revisões das viaturas bem podem encontrar explicação no processo de perceção, memorização e relato de pormenores de factos há muito ocorridos, como foi o caso.
O que imporá reter é que o arguido e as testemunhas inquiridas, mormente o Eng J…, Z… e C…, afirmaram, no essencial, de forma concordante, circunstanciada e escorreita, que os motoristas é que transmitiam aos quadros intermédios e/ou seus colaboradores a necessidade de manutenção, reparação e/ou inspeção das viaturas, que depois as promoviam, sem qualquer intervenção do arguido.
Dados os múltiplos fatores que interferem na aquisição, retenção e recuperação de dados no processo de memorização do testemunho, as discrepâncias de pormenor sobre se essa comunicação era feita à Dra Z…, ao Eng J… e/ou ao encarregado C… são perfeitamente explicáveis em resultado do tempo decorrido, sobretudo quando, como aqui ocorre, se trata de relatar alguns detalhes de uma dada ação há muito repetida cuja memória fica marcada pelo essencial das intervenções nas viaturas.
Seja como for, as diferenças no depoimento do arguido e destas testemunhas sobre se os motoristas comunicavam essa necessidade à Dra Z…, ao Eng J… e/ou ao encarregado C…, a um deles ou indiferenciadamente a qualquer deles, procedimento que não foi desmentido ou sequer infirmado por qualquer outro meio de prova, não permitem é a extrapolação lógica e menos corroboradas pelas regras da experiência comum, de que o arguido, presidente do conselho de administração, participava ou tinha a incumbência funcional de acautelar e controlar a gestão das revisões, reparações e/ou inspeções das viaturas.
Recordar-se com o depoimento de AG…, saber esta testemunha de defesa “que o arguido acompanha a empresa a que se encontra ligado”, é o mesmo que nada dizer sobre as concretas funções empresarias que desempenhava na I….
Afirma-se na motivação da sentença que “a defesa do arguido, em nosso entendimento, não conseguiu fazer vencer a tese sufragada pelo mesmo e, de que este não geria de facto a empresa, sendo alheio aos procedimentos de gestão corrente e vulgar da empresa, tendo, há cerca de dez anos delegado a gestão da I… na Dra. Z… e no Engº J…, sendo, naquela, a parte administrativa e, naquele, a direcção comercial. Também não queremos deixar de referir que, em sede de contestação o arguido nunca levantou esta questão, só a trazendo para o julgamento”.
Contudo, esta argumentação em nada ilude a falta de prova que positivamente demonstre o seu contrário, isto é, a participação e/ou incumbência do arguido na gestão corrente e vulgar da I….
Não competia ao arguido o ónus de provar a sua inocência, como não é verdade que apenas no julgamento aquele tenha enjeitado a sua participação na gestão corrente da empresa, como se percebe desde logo das suas declarações anteriores à sua contestação, em sede de instrução, a respeito da delegação de poderes e divisão de tarefas na organização empresarial da I….
Na revelação da motivação dessa participação do arguido na gestão corrente da sociedade, o tribunal a quo escreveu e socorreu-se:
- da deslocação mensal do arguido à empresa para se reunir com os colaboradores;
- do seu interesse no desenvolvimento com sucesso da I…;
- da circunstância de ser acionista maioritário e manter ligação afetiva à empresa.
Todavia, estes factos indiciários não são suficientemente fortes para se concluir, de acordo com a experiência comum, que o arguido participava na gestão corrente da empresa e menos ainda que, na repartição de competências funcionais e divisão de tarefas na organização empresarial, fosse sua obrigação do mesmo acautelar, efetivar e controlar a gestão das revisões, reparações e/ou inspeções das viaturas.
Concorda-se que “a sociedade, da qual o arguido é o acionista maioritário, era e é quem da viatura em questão retirava e retira proveito, pelo que, incumbia, quanto mais não fosse através de instruções precisas, (cujo cumprimento lhe incumbia também fiscalizar) às pessoas competentes, assegurar que a viatura fosse sujeita a manutenção periódica e regular, em oficina especializada”.
Mas, tal não significa que o administrador da I…, só por o ser, “tinha o dever de agir em ordem a assegurar que todos os veículos ao seu serviço circulassem de forma segura, designadamente, para os demais utentes da via pública, fossem eles condutores de outros veículos ou peões. Tal era o cuidado que lhe era exigível e não há razões para pensar que do mesmo não fosse capaz”.
São competentes para o efeito aquele(s) que nos termos da lei, estatutos e procedimentos societários implementados tinha(m) o dever funcional de praticar o ato omitido.
As deslocações do arguido à empresa para reunir, o seu interesse no desenvolvimento da sociedade a circunstância de ser acionista maioritário e manter ligação afetiva à empresa, podendo dela retirar proveito direto ou indireto, não são indícios graves, precisos e concordantes [15] entre si que permitam, num raciocínio lógico e objetivo, concluir pela racionalidade da inferência da sobredita imputação feita ao arguido na gestão corrente da empresa a partir daqueles indícios [16].
Dos referidos indícios não flui, como conclusão natural, à luz das regras da experiência, o facto direto e preciso que se pretende ver provado (participação e/ou incumbência do arguido na gestão corrente da empresa e menos ainda planear, efetivar e controlar a gestão das revisões, reparações e/ou inspeções das viaturas).
Em suma, em termos naturais e de lógica dedutiva, com fundamento nas regras da experiencia, não existe uma relação objetiva de normalidade, de causa e efeito, entre aqueles indícios e a presunção que deles se extrai quanto à referida participação do arguido.
Mesmo aceitando com o arguido e as testemunhas Eng J…, Z… e C… que aquele ali se deslocava para reuniões mensais, participava nas decisões de investimento (ex. compra de veículos) e nas grandes opções estratégicas da empresa, tal não induz necessariamente - menos ainda para além de uma dúvida insanável, séria e fundada - a conclusão de facto a que chegou a decisão recorrida (participação e/ou incumbência do arguido na gestão corrente da empresa e menos ainda no planeamento, efetivação e controlo na gestão das revisões, reparações e/ou inspeções das viaturas).
As referidas premissas, alicerçadas nos apontados factos indiciários, não permitem essa conclusão sem violação grave das regras da experiência e menos ainda sem afrontar as regras de valoração da prova indiciária e o princípio do dubio pro reo, previsto no art.32º da C.R.P., perante o que sempre haveria de se reconhecer como uma dúvida insanável, razoável e motivável [17] sobre aquela concreta participação e/ou incumbência funcional do arguido, dentro da organização empresarial da I…, na qual se funda o especifico dever de garante suposto pela incriminação que lhe vem imputada.
Daqui resulta que, à luz das regras da experiência comum, tendo por base os ditames da valoração da prova indiciária e o princípio do dubio pro reo, previsto no art.32º da C.R.P., a sentença recorrida cometeu um erro notório na apreciação da prova ao dar como provados os factos em apreço que, assim, suprindo aquele vicio decisório, deverão ser considerados como não provados.
Vistos aqueles factos provados e a motivação explanada torna-se evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, como ofende as mais elementares regras sobre a valoração da prova indiciária e o princípio do in dubio pro reo.
Aqui chegados, em matéria de presunções naturais que interferem na valoração da prova indiciária, recorda-se o ac STJ 06-10-2010 (Henriques Gaspar) www.dgsi.pt: “XVIII - O julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta de certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada. XIX - Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões. XX - A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da existência dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na al. c)”.
Consequentemente, porque alicerçados na violação de um especifico dever de garante que não se prova, também os pontos 14) e 15), no que concerne ao aspeto subjetivo da conduta do arguido, deverão ser dados como não provados, tanto mais que jamais o arguido afirmou em sede de instrução que a viatura em causa carecia de manutenção preventiva, sendo reparada apenas quando surgiam avarias.
Por conseguinte a sentença recorrida cometeu também aqui um erro notório na apreciação da prova ao dar como provados os factos correspondentes que, assim, suprindo aquele vicio decisório, deverão ser considerados como não provados.
Vistos aqueles factos provados sob pontos 14 e 15 e a motivação explanada torna-se evidente, para todos, que o tribunal retira das fracas premissas indiciárias uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, com violação das regras sobre a valoração da prova indiciária e do princípio do in dubio pro reo.
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3ª Da violação dos princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo
Convocando o princípio de livre apreciação da prova consagrado no art 127.º Código de Processo Penal, e o princípio in dubio pro reo, previsto no art.32º da C.R.P., o recorrente impugna também a decisão sobre a matéria de facto, concluindo que que devem ser dados como não provados os factos 6., 9., 10, 11., 12., 13., 14., 15., nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412º, n.º 3, do CPP. (entre outras vide as conclusões LVI) a LX).
A administração e valoração das provas cabe, em primeira linha, ao tribunal perante o qual foram produzidas, que apreciará e decidirá sobre a matéria de facto segundo o princípio estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Assim, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente.
Contudo, a livre convicção não significa apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objetivos ou objetiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida, e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica – cfr. Ac STJ 13/07/2005 e STJ de 17/03/2004, ambos do Cons. Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt
A livre convicção constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores (cfr., Cavaleiro de Ferreira, "Curso de Processo Penal", II, pág. 27).
O princípio, tal como está inscrito no artigo 127º do CPP, significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na «liberdade para a objectividade» [18].
A livre apreciação da prova pressupõe, pois, a concorrência de critérios objetivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objetivos e racionais.
Apenas a fundamentação racional e lógica, que possa fazer compreender a intervenção e o sentido das regras da experiência, permite formar uma convicção motivada e apreensível, afastando as conclusões que sejam suscetíveis de se revelar como arbitrárias, ou em formulação semântica marcada, meramente impressionistas (cfr. Marques Ferreira, "Jornadas de Direito Processual Penal", ed. CEJ, pág. 226).
Posto isto, embora sem conceder, ainda que em tese não se entendesse existir – como ocorre - erro notório na apreciação dos factos provados sob 10, 12, 14 e 15, bem assim no segmento do ponto 9 que considerou incumbir ao arguido “acautelar a correta manutenção preventiva da viatura, da qual faria parte a supervisão e substituição das peças aludidas em 6), designadamente, porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação”, sempre haverá uma dúvida insanável e razoável sobre a ocorrência daqueles factos, a criar desconfiança sobre a fundamentação da instância que se revela pouco lógica e concordante com as regras da experiência comum, com violação das regras de direito probatório em matéria de valoração da prova indiciária e do princípio in dubio pro reo.
Daí que, valendo aqui as considerações anteriormente tecidas, à luz do citado princípio da livre apreciação da prova – ar 127º do Código Processo Penal, o tribunal a quo deveria ter dado como não provados os referidos factos.
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Aqui chegados, por constarem do processo todos os elementos de prova que lhe servem de base, nos termos do art.431º, al.a), do Código Processo Penal, corrigindo os apontados vícios na apreciação da prova em conformidade com o explanado juízo probatório,
reformulando-se a decisão de facto nos termos seguintes:
Factos Provados
“1. No dia 27 de Janeiro de 2015 às 17:55h a viatura pesada de mercadorias de marca Volvo, com a matrícula MQ-..-.. circulava na Rua …, em …, concelho de Matosinhos, no sentido …-….
2. Quando efectuava uma curva à direita, o rodado da parte lateral esquerda traseira soltou-se do seu eixo, atrasando-se em relação ao pesado, que prosseguiu marcha, foi continuando aos saltos, pela parte traseira do pesado, em direcção ao passeio do lado direito da via de trânsito por onde a viatura circulava, e atento o sentido desta, acabando por embater no peão de seu nome T…, que transitava nesse passeio no mesmo sentido que a viatura pesada.
3. Com a violência do embate, a referida T… foi projectada para a frente, caindo no solo e embatendo com a cabeça no passeio, acabando por falecer no local devido às lesões traumáticas meningo-encefálicas, vertebro-medulares, torácicas, abdominais e pélvicas, descritas no relatório da autópsia, que o embate desse rodado lhe provocou.
4. No momento do sinistro, a viatura MQ-..-.. era conduzida por U… e era propriedade da empresa “V…, Lda.”.
5. Encontrando-se, todavia na posse da empresa “I…, SA”, em virtude de um contrato de comodato celebrado entre esta última e a “V…, Lda.”.
6. O eixo da viatura soltou-se do rodado da parte lateral esquerda traseira em virtude da sobrecarga e falta de manutenção das peças que o compunham, situação que levou a que a porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação, tivessem sido forçados a rodar por acção da gripagem existente no rolamento de fora e anel interior do rolamento de fora, até se soltarem completamente da parte roscada do eixo, culminando com a libertação da roda do eixo auxiliar traseiro do camião.
7. Para além disso, a porca de fixação possuía danos provocados pela utilização de uma ferramenta de impacto “afiada”, ferramenta imprópria para efectuar a operação de desaperto e/ou aperto da porca do cubo da roda.
8. A viatura MQ-..-.., à data do acidente, tinha 24 anos e 6 meses, e era alvo de utilização pela comodatária, servindo para transporte de várias toneladas, dado que era a única viatura ao serviço da empresa comodatária que possuía grua.
9. Ao arguido B…, administrador da comodatária do veículo em causa, pessoa que tomava e toma as decisões em representação da empresa.
11. A viatura pesada não era sujeita a revisões periódicas, antes apenas a reparações pontuais de avarias que iam surgindo.
13. D…, sócio gerente da K…, Lda, havia sido incumbido, num período não concretamente determinado, mas durante vários anos antes dos factos aqui em causa, pelo administrador da empresa comodatária I…, de levar a cabo reparações na viatura.
Da contestação
16. A I…, S.A., é uma sociedade anónima, que tem a sua sede na Avenida …, nº .., Loja ., Maia.
17. A I…, S.A. tem por objecto: “Extracção, transformação e comercialização de rochas ornamentais e seus derivados; construção civil e obras públicas, importação e exportação, representação e projectos.”
18. A I…, S.A. foi constituída em 5 de Setembro de 1989, mantendo ininterruptamente até ao presente a sua actividade.
19. Para a prossecução do seu objecto social, a I…, S.A. tem o seu estabelecimento fabril, para transformação de granito e rochas ornamentais, em …, …, Vila Real.
20. Neste mesmo local aludido em 19), estão instalados os seus departamentos administrativo, financeiro, comercial e logística.
20.1. A empresa I…, S.A. tem a sua estrutura devidamente organizada com relações definidas entre os diferentes departamentos e funções devidamente hierarquizadas (anterior alínea a) dos factos não provados).
21. A I…, S.A. nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2018 foi distinguida pelo IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, como PME Líder.
22. Em 27 de Janeiro de 2015, a I…, S.A. tinha, tal como tem presentemente, ao serviço da sua actividade o veículo pesado de mercadorias da marca VOLVO, o MQ-..-...
23. A titularidade da propriedade do veículo MQ-..-.., estava em nome da empresa “V…, SA”, que o comodatou à empresa I…, S.A.” em 1 de Janeiro de 2008, pelo período de cinco anos “renovável por iguais e sucessivos períodos enquanto não for denunciado por qualquer uma das partes.”.
24. Este veículo MQ-..-.. tinha e tem as seguintes características, para além de outras: Data da Matrícula: 1990-07-27, Data Primeira Matrícula: 1990-07-27, Marca VOLVO, Modelo …, Cilindrada 9603, Categoria PESADO, Tipo MERCADORIAS, Situação Veículo: REGULAR, Peso Bruto: 32000.
25. À data de 27 de Janeiro de 2015, o veículo encontrava-se com as IPO - Inspecção Periódica Obrigatória em dia, realizada em “2014-07-28”, no “W…, SA”, tendo obtido como “Resultado de Inspeção: APROVADO”.
26. Desde o ano de 1995 o veículo com a matrícula MQ-..-.., realizou as IPO´s - Inspecções Periódicas Obrigatórias constantes de fls. 79, 195 e 196 e 1232 a 1234, cujo teor por brevidade aqui se dá por reproduzido.
27. O “IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.” em 30 de Setembro de 2015, no âmbito dos presentes autos e a pedido do Núcleo de Investigação de Crimes em Acidentes de Viação do Destacamento de Trânsito do Porto, enviou “CERTIDÃO” com o “registo informático de inspeções técnicas” do veículo com a matricula MQ-..-.., desde “1995-07-05” a “2015-05-21”, bem como as respectivas “Ficha de Inspecção”, constantes de fls. 193 a 221, cujo teor por brevidade aqui se dá por reproduzido.
28. A I…, SA no ano de 2014 despendeu com o veículo MQ-..-.. a quantia de €9.265,47, sendo €4.288,38 no mês de Dezembro.
29. Uma viatura com as características da viatura MQ-..-.., na sua vida útil percorre 1.000.000 (um milhão) a 2.000.000 (dois milhões) de Kms.
30. No ano de 2015 a fábrica Volvo continuava a produzir componentes para Marca VOLVO, Modelo …, Cilindrada 9603, Categoria PESADO, Tipo MERCADORIAS.
31. O arguido através da I…, S.A., criou múltiplos postos de trabalho e formou quadros que se encontram hoje a liderar múltiplas empresas por todo o país.
32. Tem o reconhecimento dos seus pares, pelo que é vice presidente da N…, que é uma associação empresarial e de utilidade pública, representativa das Pedreiras de Rocha Industrial e Ornamental quer na sua vertente Extractiva quer Transformadora dos Minerais Industriais.
33. Pugnando para que estas empresas cumpram a legislação em vigor, quer em termos laborais, ambientais, segurança rodoviária e demais normas que regulam as respectivas actividades.
34. Tem forte intervenção em instituições que visam a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, principalmente dos mais desfavorecidos (crianças e idosos), pelo que é irmão das Santas Casas da Misericórdia de O… e P….
35. Faz parte do clube de Q….
36. É confrade da S….
37. Pela sua forma de estar na vida e em sociedade, é respeitado e reconhecido por todos que com ele lidam.
38. E respeitado e reconhecido pela comunidade onde está inserido.
39. O arguido encontra-se actualmente reformado, auferindo uma pensão de €2.050,00 mensais, sendo a sua esposa administrativa e auferindo o vencimento mensal de €1.100,00. Tem três filhos, sendo que, dois maiores se encontram a viver autonomamente, vivendo consigo e com a sua esposa, o filho de 21 anos que é estudante universitário. O arguido e respectivo agregado familiar vive em casa própria.
40. O arguido é licenciado em engenharia civil.
41. Do registo individual do arguido nada consta.
42. Do Certificado do Registo Criminal do arguido nada consta.

FACTOS NÃO PROVADOS
a) Ao arguido B… incumbia acautelar a correta manutenção preventiva da viatura, da qual faria parte a supervisão e substituição das peças aludidas em 6), designadamente, porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação (ponto 9).
b) Incumbia-lhe assegurar e incumbir terceiro, nisso especializado, de regular e periodicamente tratar da manutenção preventiva da viatura, da qual faria parte a supervisão ou vigilância e substituição das peças aludidas em 6), designadamente, porca de afinação, anilha de freio e porca de fixação (ponto 10).
c) O arguido B… deveria exercer uma permanente vigilância sobre ela e, de modo preventivo, vigiando regularmente as componentes de maior risco, desde logo eixo, rodas, direção e pneus (ponto 12).
d) O arguido B…, administrador da I…, SA, não garantiu a cabal manutenção preventiva da viatura, tendo a obrigação, desde logo, porque ciente das necessidades especificas das viaturas pesadas e do desgaste que sofrem, de prever que ao descurar o rigor na manutenção das peças que compõem o eixo, estas deixariam de garantir a fixação devida dos rodados, e que tal acarretaria um aumento exponencial da possibilidade de acidente rodoviário (ponto 14).
e) Ao não tomar as precauções devidas, a sua atitude deu causa ao acidente que pôs termo à vida da falecida T… (ponto 15).
f) À data do acidente, o quadro de pessoal da I…, S.A. era composto por 32 (trinta e dois) trabalhadores.
g) A I…, S.A, apesar da crise que assolou o país, bem como a europa e outras regiões do mundo, atravessou a mesma incólume, fazendo crescer a sua produção, bem como o seu quadro de pessoal o qual em Setembro de 2019 já era composto por 41 (quarenta e um) trabalhadores. E atravessou esta crise, com a sua situação contributiva e tributária sempre regularizada e com os pagamentos a trabalhadores e fornecedores em dia.
h) Em 27 de Janeiro de 2015, a I…, S.A. tinha, tal como tem presentemente, ao serviço da sua actividade o veículo pesado de mercadorias ..-OP-..
i) A I…, S.A. procedeu sempre às necessárias manutenções do veículo com a matrícula MQ-..-...
j) Que as quantias aludidas em 29) dos factos provados tivessem sido despendidas na manutenção da viatura MQ-..-...
k) As manutenções da viatura com a matrícula MQ-..-.. foram efectuadas em empresas/oficinas terceiras, nisso especializadas.
l) A viatura MQ-..-.. à data do acidente (27 de Janeiro de 2015), tinha percorrido apenas 185.181 Km (cento e oitenta e cinco mil cento e oitenta e um quilómetros).
m) As cargas transportadas na viatura MQ-..-.., destinada como o seu tipo indica a transportar mercadorias, nunca excederam o peso máximo autorizado por lei.
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Posto isto, sendo possível conhecer da causa não obstante os vícios do art.410º, nº2, por força do art.426º, nº1, a contrario, cumpre conhecer do preenchimento do tipo de crime de homicídio por omissão e negligente que vem imputado ao arguido, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 137º, nº1, e art.10º, ambos do Código Penal.
Para que determinada conduta possa ser subsumida à materialidade objectiva do referido tipo incriminador é necessário que o agente tenha, por acção ou por omissão, realizado o resultado proibido por lei: a supressão da vida de outrem.
Atento o teor da factualidade imputada aos arguidos, está em causa nos presentes autos, não uma ação daqueles conducente ao resultado proibido, mas um eventual comportamento omissivo.
Assim, para a análise desta forma de comissão (por omissão), ter-se-á de recorrer, antes de mais, ao art. 10.° do C. Penal:
Assim, prescreve o n°l de tal norma que "Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se for outra a intenção da lei", estabelecendo o seu n°2 que "A comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado.
Verifica-se, pois, uma cláusula geral de equiparação que se verificará sempre que através de uma autónoma valoração ético-social se chegue à conclusão que, no caso concreto, o desvalor da omissão é semelhante ao desvalor da ação. Esta equiparação será, pois, suportável sempre que ela seja indiscutível à face da valoração ético-social da ilicitude.
Apesar da aludida cláusula geral de equiparação, produzido determinando resultado típico, apenas há crime por omissão quando sobre o agente haja um determinado dever jurídico de agir, que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado típico (no caso dos autos, a morte). Ou seja, quando sobre o agente recai um dever de garante de não verificação do resultado.
Ora, a questão central dos autos consiste precisamente em saber de onde emerge para o arguido esse dever jurídico que fundamenta a punibilidade da omissão?
Desde já se adianta que, corrigida a matéria de facto provada e não provada em conformidade com o explanado juízo probatório, naturalmente que falta a prova do especifico dever de garante do arguido, o qual não se basta com a qualidade, cargo, interesse ou ligação afetiva do mesmo no contexto empresarial da sua atuação.
Salvo o devido respeito, discordando-se da decisão recorrida, que nesse ponto acompanhou a decisão instrutória, ao administrador de uma sociedade, só por essa razão, não incumbe sem mais “agir no sentido de assegurar que os veículos ao seu serviço circulassem de forma segura, designadamente, para os demais utentes da via pública, fossem eles condutores de outros veículos ou peões, como a vítima” e para tanto “acautelar a correta manutenção preventiva da viatura, da qual faria parte a supervisão e substituição das peças em causa”, ação que seria adequada a evitar a produção do resultado típico - a morte da vítima - que veio a verificar-se.
Estando o veículo em causa nos autos ao serviço da sociedade, mediante contrato de comodato, naturalmente é aquela quem tem a sua direção efetiva, utilizando-o no seu próprio interesse e devendo assegurar, como legítima possuidora, as boas condições de funcionamento e de segurança de todo o equipamento e as condições de segurança do veículo, sendo responsável pelos danos que a circulação deste, que comporta perigos evidentes, possa causar.
Neste sentido, Figueiredo Dias refere que uma das fontes do dever de garante é o dever de fiscalização de fontes de perigo no âmbito de domínio próprio, cujo "fundamento material geral residirá em que a comunidade tem de poder confiar em quem exerce um poder de disposição sobre um âmbito de domínio ou sobre um lugar determinado, que se encontram acessíveis a outras pessoas, deve também dominar os riscos que para estas podem resultar de estados ou de situações perigosas" [19]
E um dos exemplos deste tipo de fonte do dever de garante dados pelo citado Autor é, precisamente, "o caso de donos de veículos motorizados que devem conservá-los em condições de segurança".
Diferente é saber se, no domínio empresarial, esse dever funcional recai sem mais sobre o administrador.
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Da omissão no contexto empresarial
As questões que a responsabilidade por omissão suscita no domínio empresarial respeitam ao dever de agir em nome da empresa, concretamente sobre a existência do dever por parte da sociedade e sobre quem recai esse dever no âmbito da mesma, especialmente nos casos de órgãos de composição plural, delegação de poderes da administração ou representantes e nos casos de divisão de tarefas.
Fundamental é saber em que termos se pode responsabilizar um administrador, um diretor de departamento ou mesmo o gerente da sociedade pela atuação ilícita.
O problema transporta-nos imediatamente para a existência e alcance do dever de garante, sobretudo na ausência de uma disposição legal que expressamente o tipifique, por parte daqueles que ocupam uma posição de liderança no contexto empresarial, capaz de fundamentar o delito omissivo.
Esse fundamento da equiparação da omissão à ação assenta no domínio do garante sobre a causa do resultado.
Figueiredo Dias [20] propõe o seguinte critério de autoria em matéria de omissão: “é autor (…) aquele que detinha a possibilidade fáctica de intervenção no (e de domínio) acontecimento e, apesar de sobre ele recair um dever jurídico de acção (dever de garante), não fez uso de tal possibilidade”
Neste sentido, escreve Susana Maria Aires Sousa, a equiparação da omissão com a acção fundamentada no domínio do director da empresa ou, em geral, do superior da empresa, resulta tanto do seu domínio fáctico sobre os elementos (coisas e procedimentos) perigosos do estabelecimento, como também do poder de mando, legalmente fundado, que detém sobre os trabalhadores”.
O responsável pela organização tem o poder para a dirigir e que a domina, resultando desse poder o dever de evitar que o perigo se concretize em dano.
Entre os deveres de garantia atinentes ao funcionamento da empresa, Germano Marques da Silva [21], recorta os seguintes:
- cuidar de que as instalações e todo o equipamento do estabelecimento cumpram as normas sobre segurança;
- alertar para a perigosidade das instalações e da atividade desenvolvida, sobretudo quando não sejam evidentes, mediante a colocação de avisos e condicionamento de acesso aos lugares perigosos;
- impedir ou condicionar a atividade dos seus trabalhadores que ponham em perigo os próprios trabalhadores ou terceiros, mediante a utilização de medidas de cautela adequadas aos riscos acrescidos;
- evitar o uso de substâncias venenosas e bem assim a utilização de veículos e equipamentos da empresa contrariamente às normas regulamentares e prudenciais;
- impedir a realização de negócios não autorizados em nome da empresa; etc., etc.
Mas, se a aplicação deste critério não oferece dificuldade em pequenas empresas, maior dificuldade oferece no quadro de estruturas empresariais complexas, dotadas de hierarquia e divisão, onde as tarefas se encontram funcionalizadas e divididas por setores ou departamentos específicos e especializados, como é o caso dos autos.
Como recorda Teresa Quintela de Brito [22], “nos factos cometidos dentro e através de estruturas organizadas, há uma pluralidade de intervenientes, interferem circuitos formais e informais de comunicação e de direcção, zonas de autonomia decisória e de ausência dela…Com efeito, há que contar com áreas de competência, funções, deveres atribuídos aos diversos agentes e presença ou ausência de autonomia decisória. Todos estes factores ajudam a descodificar o significado das acções e omissões dos vários intervenientes, pois, de algum modo, a sua posição está pré-delimitada pela respectiva esfera de competência funcional”.
Efetivamente, no quadro de um processo produtivo complexo desenvolvido no seio de uma grande empresa e assente numa divisão funcional de tarefas intervêm, na realidade, diversos agentes com competências directivas específicas.
Desde a aquisição de matérias primas, à distribuição do produto final, passando pela fabricação e controlo de qualidade, para não falar da emissão de ordens e directivas gerais ou concretas que conduzem a vida da empresa, Augusto Silva Dias [23] recorda que “todos esses agentes desempenham papéis definidos, associados a deveres funcionais cujo cumprimento é essencial para o bom funcionamento da empresa”.
No seio da mesma organização empresarial, cada um dos agentes sabe que tarefa lhe cabe e como tem de a articular com as tarefas que cabem aos outros, conhecendo os circuitos comunicacionais e os processos de funcionamento da mesma.
Aqui a função de garante tem de estar limitada à função que compete ao sujeito dentro da especificidade da estrutura empresarial, assente nos princípios da hierarquia e da divisão do trabalho.
Neste caso a posição de garante dentro da empresa é atribuível aos seus concretos órgãos particulares em função da esfera empresarial que dominem [24].
A determinação dos deveres funcionais decorrentes da organização empresarial permite delimitar espaços individuais de responsabilidade no contexto empresarial, no qual o agente assume, no quadro das competências que organicamente lhe é atribuído, o compromisso de controlo dos riscos para bens jurídicos que podem dimanar das pessoas ou coisas que se encontram sob a sua direção.
Nesta possibilidade de controlo daqueles riscos centra-se a relevância das obrigações funcionais no âmbito da responsabilidade criminal, aqui se fundando, no entender de Susana Maria Aires Sousa , a imputação do facto criminoso realizado por um subalterno ao seu superior hierárquico.
Os princípios da hierarquia e da divisão funcional do trabalho implicam a criação e delimitam âmbitos de competência individual e espacial de influência, a partir do que a doutrina, lembrada por Pedro Soares de Albergaria [25], tem distinguido:
- no domínio material, os "deveres primários de garante": “cada co-titular da custódia, aquele que está mais próximo da coisa/procedimento, é numa primeira linha responsável por evitar, desenvolvendo as atividades materiais que lhe estão adstritas, os perigos que dimanem da mesma ou do procedimento perigoso, segundo a sua quota-parte naquele domínio e no âmbito daquele espaço de influência, domínio que se extingue com a saída da coisa daquele âmbito” [26].
Naturalmente que o agente cujo dever de garante se funda no domínio material não vê esse dever excluído quando a perda do domínio decorra da violação de normas de cuidado que lhe sejam impostas no âmbito da sua atividade;
- no domínio pessoal, os “deveres secundários de garante", “por parte daquele co-titular de custódia em que, num cargo superior, se institucionaliza o poder e dever de controlo e coordenação daquelas acções, o qual, na medida do exigível, responderá pelas consequências desvaliosas de um uso inapropriado da coisa ou de um direccionar indesejado do procedimento por parte dos seus subordinados, logo que não tenha exercido o seu domínio de acordo com os deveres de cuidado exigíveis na área de actividade respectiva".
Também aqui o superior hierárquico, cujo dever de garante se funda no domínio pessoal, não o vê excluído pela circunstância de o subordinado lhe escapar ao controlo, em virtude do deficiente emprego do poder de mando e/ou por não agir consentaneamente com o acervo informacional que a sua posição hierárquica lhe atribui. O dirigente intervém no facto do subalterno, mesmo quando se limita a não intervir, contrariamente ao seu poder-dever.
Será este o caso quando “o dirigente não emite ordem expressa de cometimento de crime concreto, apenas não impede a comissão, no âmbito social que controla, de facto cujos elementos essenciais são determinados pela conformação que imprimiu a esse sector, por via do não exercício do seu poder de direcção e supervisão no sentido da preservação do bem jurídico-penal” [27].
A evolução da execução do crime depende do não exercício dos seus poderes de direção e supervisão.
Diferente, se o subordinado agiu contra ordem expressa e/ou à lógica específica da empresa.
Neste entendimento do domínio pessoal cabe ao superior hierárquico, organizar procedimentos, determinar ações ou comportamentos - exercendo diretamente o mando, conjugando a visão global (do topo da pirâmide) da empresa com a relativa fungibilidade dos subordinados, otimizando a criação de condições para que em relação a acontecimentos antecipados (mercê daquela visão), ocorram as ações adequadas.
Mas, a obrigação de evitar o resultado não se baseia numa posição genérica de garantia.
O dever de garante tradicionalmente assente na lei, contrato, ingerência, relação de proximidade ou mesmo monopólio, reflete-se na tipicidade do crime e, por isso, há-de encontrar no caso concreto o acervo factual bastante ao seu preenchimento.
A comprovação da tipicidade implica a prova da violação do dever e a concretização “típica” do perigo (ou dano) [28].
Como refere Damião da Cunha [29] “não existe um dever de garante em geral, existem concretos deveres de garante que dependem do próprio dever: o âmbito do que se protege depende não só das qualidades de quem deve proteger, mas também de quem dever ser protegido ou ainda da razão por que se protege”.
Tanto o dever “pessoal” e jurídico (o dever) como a ação adequada (a extensão do dever) fazem parte do tipo legal de crime.
Assim sendo, o que se pune é o não cumprimento do dever através da ação (comunitariamente) esperada nas circunstâncias, ou seja, “quem está obrigado (pessoal e juridicamente) e cumpra com a ação devida (a ação adequada) atua atipicamente. Logo, a interpretação do dever tem de corresponder aos critérios da tipicidade” [30].
Sendo o dever, jurídico e pessoal, elemento do típico, o que o direito penal impõe é que o agente cumpra com o seu dever; cumprindo com o seu dever, o agente atua atipicamente.
Mas, equiparando-se a omissão à ação adequada a impedir um resultado, como ocorre na violação dos deveres de proteção, o fundamento da punição é o não fazer adequadamente.
Por isso, o dever de garante, antes se concretiza:
- por um lado, no quadro de competências e funções organicamente atribuído ao cargo empresarial, que permite delimitar o âmbito e a extensão da posição de garantia;
- por outro lado, na possibilidade de cumprir esses deveres designadamente controlando ou dominando os factos que ocorrem no seu espaço de responsabilidade, capazes de colocar em perigo o bem jurídico-penal [31].
Nas regras de atribuição e distribuição de competências há-de encontrar-se a delimitação dos concretos riscos que o sujeito deve controlar, bem assim a determinação das medidas que deve adotar para impedir o resultado jurídico penalmente desvalioso, sob pena de cometer um delito omissivo.
Não é por ter certas obrigações funcionais estatutárias que o dirigente passa automaticamente a ser garante, nem da qualidade de garante decorre eo ipso a exigibilidade pessoal de um qualquer dever.
Para tanto, afirma Augusto Silva Dias [32], “torna-se necessário indagar se estava nas competências específicas e nas capacidades fácticas de cada um dos garantes - numa expressão mais curta, na sua esfera de domínio - o cumprimento do dever em causa”.
Assim, para que possa ser imputado um facto a um superior hierárquico, diretor ou administrador, ao julgador cabe:
- determinar os seus deveres funcionais ou o quadro de competências como modo de delimitar o seu espaço individual de responsabilidade [33]; e
- aferir da possibilidade de, no cumprimento desses deveres, o superior hierárquico dominar ou controlar os riscos proibidos criados por exemplo pelo trabalhador.
Bem pode acontecer, nesta avaliação, o julgador deparar-se com um cruzamento ou cobertura, parcial ou total, de uma pluralidade de deveres de garante, com diversa fonte, que no caso convergem [34].
Dito isto, salvo melhor opinião, a comprovada referência genérica ao cargo do arguido na estrutura empresarial da I… não cumpre a concretização necessária ao preenchimento deste elemento típico (concreto dever de garante).
A referência geral à qualidade do arguido na organização da atividade da I…, vista a divisão do trabalho por várias pessoas, nada nos diz sobre a existência ou não do concreto dever funcional de garante por parte do seu administrador em matéria de planeamento, execução e fiscalização da manutenção, reparação e inspeção das viaturas, tarefas que naturalmente se incluem na gestão corrente da empresa.
Supridos aqueles factos não encontramos na matéria de facto dada como provada, suficientemente caraterizado o conteúdo das funções confiadas pela sociedade ao arguido, de modo a imputar-lhes o facto omisso típico causal na esfera da sua responsabilidade.
Daí que no caso o recurso interposto pelo arguido deve ser julgado procedente e consequentemente impõe-se a sua absolvição do crime de homicídio negligente omissivo que lhe vem imputado, previsto e punido pelo artigo 137º, nº1, do Código Penal, em conjugação com o disposto no art.10º do mesmo diploma legal.
Deste modo fica inteiramente prejudicada a questão da escolha e medida da pena.
***
3. DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência, revogando-se a decisão recorrida, absolve-se o arguido do crime de homicídio negligente omissivo que lhe vem imputado, previsto e punido pelo artigo 137º, nº1, do Código Penal, em conjugação com o disposto no art. 10º do mesmo diploma legal.
Sem custas.
Notifique.
Acórdão elaborado pelo primeiro signatário em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelo Meritíssimo Juíz Adjunto.

Porto, 28 de outubro de 2010
João Pedro Pereira Cardoso
Raúl Cordeiro
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[1] Diploma a que se referem os normativos legais adiante citados sem indicação da respetiva origem.
[2] Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP – Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10-95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28-12-95, que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
O STJ apenas pode sindicar a existência de eventuais nulidades, insanáveis, ou por omissão ou excesso de pronúncia, ou de produção de prova, ou meios de obtenção de prova, proibidos por lei (art. 410.º, do CPP) – cfr. STJ 2016-11-23 (PIRES DA GRAÇA) in www.dgsi.pt
[3] O que se pretende com a exigência de fundamentação é persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão.
A sentença, tal como os despachos que conheçam de mérito, isto é, que não sejam de mero expediente, só cumprem o dever de fundamentação, quando os sujeitos processuais seus destinatários são esclarecidos sobre a base jurídica e fáctica das decisões sobre eles tomadas.
Com tal exigência consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz – cfr. Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230.
Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova - ( Ac. do STJ de 17-05-2007 Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção).
[4] Seguindo de perto a doutrina deste Ac STJ 2015-03-12 (Pires da Graça): “ A fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” de facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos”.
[5] Nulidade que é de conhecimento oficioso - cfr. STJ 13-01-2010 (Pires da Graça) e RG 7.5.2018 e Ac RG 09-12-2020 (Teresa Coimbra), todos in www.dgsi.pt.
Com a alteração do Código de Processo Penal operada em 1998, este artigo foi reformulado, aditando-se a al. c) ao n.º 1 e o n.º 2, cujo teor atual é o seguinte: «As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414º.
A expressão inovadora “ou conhecidas em recurso” deve ser entendida no sentido do conhecimento oficioso dessas nulidades, justificando-se o afastamento do regime do processo civil, que diversamente do penal, é enformado pelo princípio da livre disponibilidade das partes).
[6] Sánchez, Bernardo Feijoo. Autoria e participação em organizações empresariais complexas”, in Direito Penal Económico e Financeiro. Coimbra Editora, pg.148.
[7] O princípio da confiança cessa, como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral. Coimbra Editora, 2004. pg.649:
“- se os erros forem previsíveis ou vierem a ser efetivamente cometidos, eles devem ser impedidos ou corrigidos pelos colegas e, nomeadamente, pelo chefe da equipa;
- face ao conhecimento ou à previsão de erros notórios de outros membros da equipa, que exigem correção, bem assim, “perante membros da equipa que se encontrem ainda em fase de aprendizagem ou de treino — relativamente aos quais, por isso, se não pode falar de uma negligência (anterior) na assunção ou aceitação — e sobre os quais deve justamente exercer-se, por parte dos restantes membros da equipa ou de algum ou alguns deles, uma particular atividade de fiscalização, de controlo e supervisão”.
[8] Fidalgo, Sónia. Princípio da Confiança e Crimes Negligentes. Almedina, 2018, pg.197 e Bernardo Feijoo Sánchez, “Autoria e participação em organizações empresariais complexas”, in Direito Penal Económico e Financeiro . Coimbra Editora, pg.143.
Numa empresa moderna, escreve Dias, Augusto Silva. Ramos Emergentes do Direito Penal Relacionados com a Protecção do Futuro. Coimbra Editora, 2008, pg.202, o poder de mando e de organização do dirigente não se converte num poder de domínio sobre pessoas e os funcionários não são caracterizáveis, à partida, como fontes de perigo e atuam as mais das vezes de forma auto-responsável.
[9] Código de Processo Penal, 2ª ed. II vol, pág.379.
[10] Ac do STJ de 28/10/1998 no Proc. Nº JSTJ00035662.
[11] Ac STJ 13/07/2005 e STJ de 17/03/2004, ambos do Cons. Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt
[12] Cfr. Ac. do STJ de 22/10/99 in BMJ 490, pág. 200.
[13] Ac. STJ 19/07/2006 (Oliveira Mendes) in www.dgsi.pt.
[14] Paulo Saragoça da Matta in “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253.
[15] Sobre os requisitos da prova indiciária - cfr. Patricia Silva Pereira, Prova Indiciária no âmbito do Processo Penal – Admissibilidade e Valoração, Almedina, 2017, pg.129ss, STJ 17.03.2016 (Pires da Graça) www.dgsi e Santos Cabral, Prova indiciária e as novas formas de criminalidade, Revista Julgar (Maio- Agosto, 2012), recordando que “a gravidade do indício está diretamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indício que resiste às objeções e que tem uma elevada carga de persuasividade como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno é preciso o indicio quando não é suscetível de outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado…Por fim os indícios devem ser concordantes, convergindo na direção da mesma conclusão facto indiciante”.
[16] Como se refere no ac. STJ de 06-10-2010 www.dgsi: “Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões”.
[17] O qual só atua em caso de dúvida insanável, razoável e motivável, definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”(Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615).
Como, citando Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997, se refere no Ac. STJ 10/1/08, proc. nº 07P4198, “«A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given). Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal»”.
[18] cfr. Teresa Beleza, "Revista do Ministério Público", Ano 19º, pág. 40; cfr. sobre a génese do princípio, quadro histórico, fundamentos e conteúdo, António Alberto Medina de Seiça, "O Conhecimento Probatório do Co-arguido", Col. Studia Iuridica, Universidade de Coimbra, nº 42, pág 162-205).
[19] Dias, F. (2004). Direito Penal, Parte Geral. Tomo 1, Coimbra Editora., pg. 711.
[20] Dias, Figueiredo. Direito Penal, Parte Geral. Coimbra Editora, 2007, pg.971.
[21] Silva, Germano Marques da. Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes . Verbo, 2009, pg.393.
[22] Brito, Teresa Quintela de. Autoria e participação em organizações empresariais complexas, in Criminalidade económico-financeira, Tomo I. e-book CEJ, pg.18
[23] Dias, Augusto Silva. Ramos Emergentes do Direito Penal Relacionados com a Protecção do Futuro. Coimbra Editora, 2008, pg.188.
[24] Assim, no conselho de administração de uma direção empresarial organizada, segundo o princípio da divisão de competências entre departamentos, limitam-se ao âmbito por ele dirigido e, por isso, apenas terão maior amplitude quanto a questões fundamentais que competem a toda a direção empresarial - Sousa, Susana Maria Aires de. Questões Fundamentais de Direito Penal da Empresa. Almedina, 2019, pg.71.
[25] Albergaria, Pedro Soares de. A Posição de garante dos dirigentes no âmbito da criminalidade de empresa. RPCC 9 (1999), pg.624-5.
[26] Isto apesar de nalguns casos, o controlo do perigo emergente da complexidade do funcionamento das coisas (v. g., máquinas) e procedimentos no âmbito da moderna empresa só poder ser eficazmente assegurado através da coordenação das múltiplas ações particulares.
[27] Brito, Teresa Quintela de. Autoria e participação em organizações empresariais complexas, in Criminalidade económico-financeira, Tomo I. e-book CEJ,pg.30.
[28] Cunha, José Damião da, Liber Discipulorum para Figueiredo Dias . Coimbra Editora, 2003, pg.493.
[29] Cunha, José Damião da, …, pg.482-3.
[30] Cunha, José Damião da, Liber …, pg.486.
[31] Assim se obvia a uma assunção automática da posição de garantia decorrente exclusivamente da função exercida e consequentemente a uma violação do princípio da culpa decorrente da responsabilidade criminal objetiva derivada das funções assumidas.
[32] Dias, Augusto Silva. Ramos Emergentes do Direito Penal Relacionados com a Protecção do Futuro. Coimbra Editora, 2008, pg.208.
[33] Não existe um dever genérico de garante. A determinação dos deveres funcionais ou quadro de competências do agente impõe que a matéria de facto provada evidencie esse especifico âmbito funcional e não apenas a referência genérica ao cargo ou qualidade do agente. Neste sentido, o ac RP 13.07.2005 (Marques Salgueiro) www.dgsi.pt: “Se da acusação e da sentença constar apenas que o arguido detinha a qualidade de gerente de uma sociedade (…), sem se especificar em que se traduziam aquelas funções de gerência, não pode concluir-se, sem mais, que o mesmo não procedeu de acordo com o que lhe era exigido e exigível, pelo que deve o mesmo ser absolvido da prática do crime contra a genuinidade de géneros alimentícios (art. 24º, 1, al. c) com referência ao art. 82º, 1 e 2, c) do Dec. Lei 24/84, de 20/1) e da contra-ordenação prevista no art. 58º do mesmo diploma”.
[34] Neste caso estamos perante um concurso de deveres de garante que reforçam a exigência de que tenha lugar a ação imposta, esperada ou devida, com evidentes consequências possíveis em tema de medida da pena, eventualmente a negação da atenuação especial do art.10º, nº3 – cfr. Dias, Figueiredo. Direito Penal, Parte Geral. Coimbra Editora, 2004, pg.716.
De acordo com o princípio da complementaridade, “se várias pessoas controlam um risco em regime de divisão de tarefas, e são co-responsáveis, o facto típico será imputável a todos aqueles que não cumpriram a sua tarefa de forma relevante para o Direito Penal” – cfr. Sánchez, Bernardo Feijoo. Autoria e participação em organizações empresariais complexas”, in Direito Penal Económico e Financeiro. Coimbra Editora, pg.156.