Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
936/17.0T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: EXECUÇÃO FISCAL
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
VENDA EXECUTIVA
EXECUÇÃO COMUM
Nº do Documento: RP20210621936/17.0T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 06/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 244º, nº 2, do CPPT, na redação dada pela Lei nº 13/2016, visa proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.
II - A proteção da casa de morada de família que aquele normativo pretende prosseguir é de exclusiva aplicação aos processos de execução fiscal, não tendo a virtualidade de impedir que outro credor com penhora, ainda que posterior, sobre o mesmo imóvel, promova na execução comum a realização da venda, distribuindo-se o produto da mesma, de acordo com o que resultar da sentença de graduação dos créditos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 936/17.0T8PRT-B.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Na execução para pagamento de quantia certa em que é exequente a B…, S.A., e executados C… e D…, a agente de execução requereu autorização para prosseguir com a execução, não devendo ficar suspensa, ao abrigo do disposto no artigo 794º do C.P.C., até porque, sendo a AT citada para reclamar os seus créditos verá os seus direitos acautelados.
Posteriormente, também a exequente requereu o prosseguimento da execução, por considerar que não havia lugar à sustação da execução, devendo os autos prosseguir os seus termos com a venda do imóvel penhorado, dando-se a possibilidade à Fazenda Nacional de reclamar os seus créditos na execução.
Foi proferido então o seguinte despacho:
«Na esteira do entendimento sufragado no Acórdão da Relação de Coimbra, de 24.10.2017, processo nº 249/13.6T8SPS-A.C1, disponível em www.dgsi.pt, deverá o exequente nestes autos diligenciar pela realização da venda, no âmbito da execução fiscal, assistindo-lhe, para tanto, legitimidade, à luz do disposto no artigo 244º, nº 2, do CPPT».

Inconformada, a exequente recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. Nos termos do disposto no artigo 244º, nº 2, do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 13/2016, de 23/05, encontra-se a Autoridade Tributária impedida de, no âmbito de processo de execução fiscal, promover a venda do imóvel penhorado, quando se trate de habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar;
2. Tal impossibilidade, porém, apenas pode ser considerada aplicável nas situações em que a Autoridade Tributária é o único credor;
3. Existindo outros credores, designadamente credores com hipotecas registadas sobre o imóvel que constitui habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, não pode tal impossibilidade ser-lhes aplicável;
4. Não podendo, da mesma forma, por via da impossibilidade imposta à Autoridade Tributária, ser o credor com garantia real impossibilitado de promover a venda do imóvel hipotecado na execução por si instaurada, sempre que sobre o imóvel incida penhora anterior da Autoridade Tributária;
5. Tendo sido, ao abrigo do disposto no artigo 794º do C.P.C., sustada a execução comum em relação a imóvel objeto de penhora anterior em processo de execução fiscal e verificando-se a impossibilidade de a Autoridade Tributária promover a venda do imóvel penhorado em virtude do disposto no artigo 244º, nº 2, do CPPT, “não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela atuação conducente à realização da venda no processo executivo cível”;
6. Aplicar a proibição prevista no artigo 244º, nº 2, do CPPT, a um credor comum com garantia real equivaleria a esvaziar de conteúdo a garantia real, o que manifestamente não pode ter acolhimento legal;
7. A não ser assim, está a exequente num impasse aparentemente inultrapassável: a Autoridade Tributária, que detém penhora anterior, não pode promover a venda do imóvel em virtude do disposto no artigo 244º, nº 2, do CPPT; a exequente, por seu turno, não pode igualmente promover a venda do imóvel na sua execução, em virtude da existência de penhora anterior;
8. O despacho em crise, ao defender que a existência de penhora anterior determina, sem mais e em qualquer situação, a sustação da execução onde a penhora tenha sido posterior, mesmo quando a penhora anterior tiver sido ordenada no âmbito de processo de execução fiscal e quando o imóvel penhorado se trate de habitação própria e permanente do executado, viola de forma flagrante os artigos 18º e 62º da Constituição da República Portuguesa.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se, estando legalmente impossibilitado o prosseguimento da execução fiscal, por se tratar de casa de morada de família dos executados, a exequente pode promover, nesta execução comum, a venda do respetivo imóvel também aqui penhorado e sobre o qual incide hipoteca a seu favor.

I. Sobre o imóvel penhorado nesta execução incide penhora com registo anterior, no âmbito de uma execução fiscal, na qual o imóvel não pode ser vendido, atento o disposto no artigo 244º, nº 2, do CPPT, na redação dada pela Lei nº 13/2016, de 23 de maio, por se tratar da casa de morada de família dos executados.
Dispõe o artigo 794º, nº 1, do C.P.C., que, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora for mais antiga.
Pretende-se impedir que a adjudicação e a venda dos mesmos bens sejam operadas em execuções comuns diferentes, induzindo-se também a que a liquidação se faça naquele em que a penhora seja mais antiga.
O citado artigo 244º, nº 2, do CPPT, na redação dada pela Lei nº 13/2016, por sua vez, estabelece que não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.
Visa-se com este normativo proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado, conforme resulta do artigo 1º da Lei nº 13/2016.
Mas, a proteção da casa de morada de família que aquela lei pretende prosseguir é de exclusiva aplicação aos processos de execução fiscal, não tendo a virtualidade de impedir que outro credor com penhora, ainda que posterior, sobre o mesmo imóvel, promova na execução comum a realização da venda, distribuindo-se o produto da mesma, de acordo com o que resultar da sentença de graduação dos créditos.
O impedimento legal da Autoridade Tributária promover a venda do imóvel penhorado, quando se trate de habitação própria e permanente do executado, apenas pode ser prosseguido nos casos em que aquela é a única credora do executado. Existindo outro credor, como é o caso, com penhora sobre o imóvel hipotecado que constitui habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, tal impedimento legal não pode tornar-se extensivo àquele na execução comum que instaurou.
O despacho recorrido, fundamentando-se no acórdão da Relação de Coimbra, de 24.10.2017, que, por sua vez, acolheu o entendimento de J. H. Delgado Carvalho, com a colaboração de Miguel Teixeira de Sousa, em “As Alterações Introduzidas pela Lei nº13/2016, de 23 de maio, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas Repercussões no Concurso de Credores, publicado no Blog do IPPC, em 11.7.2016”, levaria a uma situação sem saída aparente: a Autoridade Tributária, detendo penhora anterior, não podia promover a venda do imóvel, atento o disposto no citado artigo 244º, nº 1, do CPPT; e a exequente, na sua execução comum, também não podia promover a venda do mesmo imóvel, dada a existência de penhora anterior.
Então, aos defensores desta tese restaria ficcionar uma legitimidade da exequente, que em nosso entendimento não existe, para diligenciar a realização da venda no âmbito da execução fiscal.
Concluindo, dizemos que não há lugar à sustação da presente execução nos termos do artigo 794º, nº 1, do C.P.C., podendo a Autoridade Tributária reclamar o seu crédito, após a citação prevista no artigo 786º, nº 1, alínea b), do mesmo diploma, para ser graduado no lugar que lhe competir.
Procede, deste modo, o recurso da exequente B…, S.A.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, que se substitui por outro em que se ordena o prosseguimento da execução, com vista à venda do imóvel penhorado, podendo a Autoridade Tributária reclamar o seu crédito, após a citação prevista no artigo 786º, nº 1, alínea b), do mesmo diploma, para ser graduado no lugar que lhe competir.

Custas pelos apelados.

Sumário:
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Porto, 7.6.2021
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida
Carlos Gil