Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
569/13.0TTBRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: FACTOR DE BONIFICAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
Nº do Documento: RP20150309569/13.0TTBRG.P1
Data do Acordão: 03/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: A aplicação do factor 1,5, previsto na alínea a) do ponto 5 das Instruções Gerais da TNI, deve ser efectuada, também, nos casos de IPATH.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 569/13.0TTBRG.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
1.1. Os presentes autos emergentes de acidente de trabalho instaurados no Tribunal do Trabalho de Braga em que é sinistrado B… e entidade responsável a C… – Sucursal em Portugal, tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 26 de Maio de 2012, quando o sinistrado se encontrava a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da D…, Lda., mediante o salário de € 700,00 x 14 + € 644,18 x 12, a qual tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a identificada Companhia de Seguros, tendo em consideração a totalidade do salário auferido pelo sinistrado.
Realizada no dia 15 de Julho de 2014 a tentativa de conciliação sob a presidência do Ministério Público (fls. 104 e ss.), a mesma frustrou-se em virtude de a seguradora não ter concordado com o grau de incapacidade que foi atribuído ao sinistrado pelo Sr. Perito Médico do IML. Sinistrado e seguradora assentaram, contudo, no seguinte:
- que o sinistrado no dia 26 de Maio de 2012, pelas 12:30 horas, trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da D…, Lda., mediante o salário de € 700,00 x 14 + € 644,18 x 12, com as funções de trolha e foi vítima de um acidente de viação ao deslocar-se do local de trabalho para casa;
- que se feriu na bacia e nos membros superiores, resultando do acidente as lesões descritas no auto de exame médico de fls. 85 e ss., as quais lhe determinaram períodos de incapacidade temporária para o trabalho e incapaciade permanente;
- que teve alta definitiva em 09 de Maio de 2013;
- que a responsabilidade do empregador estava transferida para a seguradora através de contrato de seguro com base naquele valor salarial efectivamente auferido.
A seguradora demonstrou naquela diligência discordar da IPP de 31,566 % com IPATH fixada pelo perito médico na fase conciliatória, o que determinou, então, a não conciliação entre as partes.
A seguradora requereu exame por junta médica em 18 de Julho de 2014 (fls. 107 e ss.).
Apresentou os seguintes quesitos:
«1. Quais as sequelas de que é portador o sinistrado em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima em 26/05/2012?
2. Qual o grau de incapacidade permanente para o trabalho que afecta o sinistrado em virtude dessas sequelas?»
Realizada esta, os Exmos. Peritos responderam aos quesitos formulados, por unanimidade, da seguinte forma:
«1. Rigidez do punho direito e esquerdo.
2. IPP de 20,81% com IPATH; a jurisprudência atual determina que quando for atribuída IPATH deve-se aplicar o fator de bonificação 1,5.»
E na parte final do relatório, concluíram ser o coeficiente global de incapacidade de 0,31215 [0,2081 (20,81%) x 1,5 = 0,31215].
A seguradora veio então requerer que a Junta Médica, como manda o disposto no Artº 484º nº 1 do C.P.Civil, fundamente devidamente as suas respostas do ponto de vista clínico, abstendo-se de aplicar ou interpretar a jurisprudência, tarefa que cabe em exclusivo ao julgador (fls. 130 e ss.).
Este requerimento foi indeferido nos termos do despacho de fls. 137 que, reconhecendo não caber aos Srs. Peritos pronunciarem-se sobre o que determina a jurisprudência, constatou que no auto de junta médica de fls. 123 e 124, a IPP atribuída, por unanimidade, é de 20,81% com IPATH e concluiu o seguinte: “Não vislumbramos, por conseguinte, motivo para ordenar qualquer esclarecimento aos Srs. Peritos, tanto mais que a IPATH já havia sido reconhecida pela Seguradora no auto de não conciliação, apenas havendo divergência daquela quanto ao grau de IPP, determinada pela discordância daquela em ser aplicado o factor de bonificação 1,5%, questão esta que, como a própria reconhece, é antes uma questão de direito.”
A Mma. Julgadora da Comarca do Porto Este, Penafiel - Inst. Central – Secção do Trabalho - J2, para onde, entretanto, foi remetido o processo, proferiu em 14 de Novembro de 2014 sentença com o seguinte teor:
«[…]
Os peritos médicos concordaram, por unanimidade, que o sinistrado, em consequência do acidente de trabalho a que se reportam os autos, sofreu lesões determinantes de um coeficiente global de incapacidade parcial permanente de 20,81% – cfr. fls. 123, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Tendo em conta este parecer dos Exmºs. Peritos médicos, bem como as restantes informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza das lesões, a gravidade destas, as suas sequelas, o estado geral, a idade e a profissão do sinistrado, entendemos, face ao disposto na al. a) do nº5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo Decreto-lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, que se justifica a bonificação daquele valor final da incapacidade parcial permanente de 20,81% (com IPATH) com base na multiplicação pelo factor 1,5 previsto naquela alínea.
Segundo o estabelecido naquele preceito «na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) (O) s coeficientes de incapacidade previstos são bonificados até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor».
Assim, para que ocorra aquela bonificação exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos de idade ou mais «quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor».
Ora, no caso em análise a não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao posto de trabalho resulta da reconhecida, por unanimidade, pelos srs. peritos médicos, incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, atentas as sequelas resultantes do acidente de trabalho que sofreu.
E nem se diga que tendo sido reconhecida ao sinistrado uma IPATH não se justifica cumular com tal incapacidade absoluta para o exercício da profissão habitual a aplicação do factor de bonificação de 1,5.
É que não existe qualquer incompatibilidade entre a aplicação do assinalado factor de bonificação e o estipulado na al. b), do nº3, do art. 48º, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, na medida em que uma temática é o cálculo da prestação por incapacidade devida ao sinistrado, operado nos termos da citada alínea, outra é a aplicação da questionada bonificação – neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 24/10/2012, e Ac. da Relação do Porto de 4/10/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Pelos motivos expostos, justifica-se a bonificação do valor final da incapacidade com base na multiplicação pelo factor 1,5, previsto no supra citado preceito. E, sendo assim, uma vez que ao sinistrado foi fixada a IPP de 20,81%, aplicando o factor de bonificação de 1,5 a IPP a atribuir é de 31,215% (20,81% x 1,5), com incapacidade permanente absoluta para o exercício da profissão habitual.
Atento o referido grau de incapacidade do sinistrado, esta nos termos do disposto no artigo 48º nº 3 al. b) do D.L. nº 98/2009, de 4/09, terá direito a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % a 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, pensão essa que por força do seu nº 4, começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta, sendo ainda que tal pensão será calculada com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado.
Face ao o disposto no artigo 67º, nº3, do referido diploma, tem ainda direito a receber um subsídio por situação de elevada incapacidade, no valor de €4.391,79.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 47º, nº1, al. a), 48º, nº1 e 3, als. d) e e), e 25º, al. f), do supra citado diploma, o sinistrado tem ainda direito a receber a indemnização em dívida pelo período de incapacidade temporária não paga e uma prestação relativa ao transporte para observação, tratamento ou comparência a actos judiciais.
Por último, importa ter em consideração que nos termos no disposto no artigo 135º, do Código de Processo do Trabalho “Na sentença final o juiz …fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”.
Este preceito constitui uma norma especial em relação ao regime geral previsto no Código Civil no que respeita à obrigação de pagamento de juros de mora, assumindo carácter imperativo.
Com efeito, e como vem sendo entendido pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, trata-se de um regime excepcional ou especial, em que a mora não depende da demonstração da culpa do devedor, bastando que se verifique o atraso no pagamento, desde que não imputável ao credor, parecendo tratar-se de uma mora objectiva.
Assim, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 804º, 805º, 806º e 559º, todos do Código Civil, portaria nº 291/2003, de 8/04 e artigo 135º, do Código de Processo do Trabalho, são devidos juros de mora sobre cada um dos montantes devidos ao sinistrado nos termos supra referidos, sendo de salientar, quando às despesas com deslocações, que o sinistrado reclamou da seguradora o respectivo pagamento aquando da tentativa de conciliação ocorrida em 15 de Julho de 2014.
*
Pelo exposto, decido:
I) Declarar que o sinistrado B…, em consequência do acidente de trabalho objecto dos presentes autos, apresenta uma incapacidade parcial permanente de 31,215% desde 9 de Maio de 2013, data da alta definitiva.
II) Em consequência, condeno a C…, Sucursal em Portugal, a pagar ao sinistrado:
1 - A pensão anual, vitalícia e actualizável de € 9.859,49 (nove mil, oitocentos e cinquenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos), a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, no seu domicílio, devida a partir do dia 10 de Maio de 2013 (dia seguinte ao da alta), correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como subsídio de férias e de Natal, no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano respectivamente, prestações essas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, devidos desde o dia do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento.
II – €4.391,79 (quatro mil, trezentos e noventa e um euros e setenta e nove cêntimos) a título de subsídio por elevada incapacidade, a pagar de uma só vez e momento, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde o dia 10 de Maio de 2013 até efectivo e integral pagamento.
III- A quantia de €2.894,63 (dois mil oitocentos e noventa e quatro euros e sessenta e três cêntimos), relativa à indemnização pelo período de incapacidade temporária ainda não paga, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia de €30 (trinta euros) relativa à indemnização por despesas de deslocação do sinistrado, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde o dia da tentativa de conciliação, ou seja, desde o dia 15/07/2014 até efectivo e integral pagamento.
[…]»
Fixou à causa o valor de € 156.239,70.
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1.2. A seguradora interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida que cumula a fixação ao sinistrado de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual com a aplicação do fator de bonificação de 1,5 à IPP fixada pela Junta Médica!
2. A Recorrente aceita e sempre aceitou que o sinistrado, em consequência do acidente de trabalho dos autos, ficou portador de uma incapacidade permanente absoluta para o seu trabalho habitual, o que não aceita é que seja possível cumular in casu a multiplicação pelo fator de 1,5 com a atribuição da IPATH.
3. De toda a documentação clínica existente nos autos resulta que as sequelas de que o sinistrado é portador em consequência do acidente sub judice são rigidez dos punhos direito e esquerdo e que em virtude dessas sequelas o sinistrado está afetado de uma IPP de 20,81%; e mais resulta que o sinistrado ficou permanentemente incapaz para a sua profissão habitual.
4. Ora tal factualidade não permite, com todo o respeito por opinião contrária, atribuir ao sinistrado a multiplicação pelo fator 1,5 previsto na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais editada pelo Dec. Lei nº 352/2007, de 23/10 à IPP que lhe foi fixada.
5. Tal como decidido, entre outros, no Ac. da Rel. de Lisboa de 08-02-2012 no processo 270/03.2TTVFX.L1-4 e no Ac. da Rel. do Porto de 05-12-2005 no processo 0513917, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, «Existe uma diferença de grau (quantitativo e qualitativo) entre a situação prevista na alínea a) da 5ª Instrução Geral (Factor de Bonificação de 1,5) e a IPATH, não se podendo cumular uma e outra relativamente à mesma lesão do sinistrado.»
6. O fator de bonificação de 1.5 previsto na Instrução Geral da TNI é aplicável apenas à incapacidade de que está afetado o sinistrado para a sua função específica e não à incapacidade restante, conexa com outras funções compatíveis, daí que se o sinistrado for incapaz a 100% para o exercício da sua função específica (se tiver IPATH) e se a IPP que lhe for atribuída não impedir a sua reconversão no posto de trabalho, não pode ser aplicável o fator de 1.5 à IPP residual, por esta não estar relacionada com o posto de trabalho para o qual venha a ser reconvertido.
7. Ainda que o sinistrado, porque afetado por uma IPATH, tenha perdido ou visto diminuída uma função inerente ou imprescindível ao desempenho do seu posto de trabalho, tal não impede a continuação no mesmo, ainda que noutras condições (reconversão daquele).
8. Daí que, caso ao sinistrado seja atribuída uma IPATH, não pode, cumulativamente, ser-lha atribuído o fator de bonificação de 1.5.
9. A douta sentença recorrida fez, pois, uma incorreta aplicação da lei aos factos, tendo violado o disposto, nomeadamente, no artigo 21º nºs 1 e 3 da Lei 98/2009, de 04/09, e na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais editada pelo Dec. Lei nº 352/2007, de 23/10, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que fixe o grau de incapacidade permanente parcial do sinistrado em 20,81%, com incapacidade permanente habitual para o trabalho habitual, com o que será feita JUSTIÇA.”
1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público, em exercício do patrocínio do sinistrado, apresentou contra-alegações em que concluiu no sentido da manutenção da sentença recorrida.
1.4. Mostra-se lavrado despacho de admissão do recurso (vide fls. 164).
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta não emitiu parecer por se encontrar o sinistrado patrocinado pelo Ministério Público.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[1], de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se deve no caso sub judice proceder-se à aplicação do factor de bonificação de 1,5 previsto nas Instruções Gerais da TNI.
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3. Fundamentação de facto
Os factos materiais relevantes para a decisão do recurso emergem do relatório antecedente.
A sentença da 1.ª instância considerou ainda provado, pelos documentos juntos aos autos e por acordo das partes expresso no auto de não conciliação de fls. 104 a 106, o seguinte:
«1) O sinistrado nasceu no dia 20 de Setembro de 1973.
2) Sofreu um acidente de trabalho em 26/05/2012, ao serviço da entidade empregadora D…, Lda, para a qual trabalhava mediante a retribuição anual de €700,00 x 14 + €644,18 x 12, cuja responsabilidade se encontrava transferida para a seguradora.
3) Do acidente resultaram para o sinistrado as sequelas descritas no auto de exame por junta médica 123 e 124.
4) Teve alta médica definitiva no dia 9/05/2013.
5) Ascende a €2.894,63 a indemnização devida pela seguradora ao sinistrado relativa a diferenças de incapacidades temporárias ainda não pagas.
6) O sinistrado despendeu a quantia de €30,00 em deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de Penafiel e a este Tribunal.»
Concretizando o facto 3), a sentença considerou ainda provado, perante a unanimidade pericial, que o sinistrado, em consequência do acidente de trabalho a que se reportam os autos, sofreu lesões determinantes de um coeficiente global de incapacidade parcial permanente de 20,81%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Da lei aplicável
O acidente sub judice ocorreu em 26 de Maio de 2012, pelo que se lhe aplica a Lei n.º 98/2009, de 4/09 que, segundo os seus artigos 185.º, 186.º e 187.º, revogou o regime anterior e se aplica aos eventos infortunísticos de carácter laboral ocorridos após 1 de Janeiro de 2010.
Aplica-se-lhe, também, a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI) aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro (cfr. o disposto nos seus artigos 6.º e 7.º).
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4.2. Da aplicação do factor de bonificação de 1,5 previsto nas Instruções Gerais da TNI
Mostra-se decidido na decisão da 1.ª instância, com fundamento no laudo unânime da junta médica, que o sinistrado se mostra afectado de uma I.P.P. de 50,1013%, com IPATH desde 14 de Março de 2012, em consequência do acidente objecto dos autos.
A recorrente discorda da decisão recorrida por entender que caso ao sinistrado seja atribuída uma IPATH, não pode, cumulativamente, ser-lhe atribuído o factor de bonificação de 1,5 pelo que, na sua perspectiva, a sentença fez uma incorrecta aplicação da lei aos factos, tendo violado o disposto, nomeadamente, no artigo 21º nºs 1 e 3 da Lei 98/2009, de 04/09, e na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais editada pelo D.L. nº 352/2007, de 23/10, devendo esta instância revogá-la, fixando-se o grau de incapacidade permanente parcial do sinistrado em 20,81%, com incapacidade permanente habitual para o trabalho habitual.
É o seguinte o teor do ponto 5, alínea a), das instruções gerais da referida TNI, aprovada pelo Decreto-Lei n.º n.º 352/2007, cujo ponto 5, alínea a), das respectivas instruções gerais dispõe:
«(…)
5 — Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor;
(…)»
Anteriormente regia sobre a matéria a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, cujo ponto 5, alínea a), das respectivas instruções gerais dispunha:
«(…)
5 - Na determinação do valor final da incapacidade devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com caráter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo fator 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais.
(…)»
A resposta à questão enunciada não se apresenta com linearidade e a jurisprudência que sobre a mesma se debruçou não foi consonante ao longo do tempo.
De acordo com alguns arestos, existe uma diferença de grau entre o artigo 17.º, número 1, alínea b) da LAT (que prevê a reparação da IPATH) e esta prescrição da TNI existe uma diferença de grau, achando-se a situação prevista na alínea a) da 5.ª Instrução Geral – que deve ser perspectivada relativamente ao posto de trabalho habitual que o sinistrado ocupava quando se acidentou – consumida ou absorvida por aquela, mais gravosa e global da IPATH, o que impediria a aplicação simultânea de ambos. A IPATH, que priva, em termos imediatos e definitivos, o trabalhador da possibilidade de desenvolver a profissão que até aí desempenhava, é reparada nos termos da primeira disposição. E as situações em que os sinistrados tenham perdido ou visto diminuída uma função inerente ou imprescindível ao desempenho do seu posto de trabalho, que lhes dificulta seriamente o seu exercício mas não impede a continuação no e do mesmo, ainda que noutras condições (reconversão daquele), levam à aplicação do referido factor 1,5, aplicado à IPP de que padecem. Pareceria, pois, que as hipóteses contempladas pela dita Instrução Geral estão aquém da IPATH e são reparadas de modo distinto. A haver IPATH, já não lograria aplicação aquela Instrução da TNI.
Nesta senda, o Acórdão da Relação do Porto de 22 de Maio de 2006 (in CJ, tomo III, p. 229) decidiu que na referida Instrução da TNI está em causa a incapacidade do sinistrado relacionada com a função concretamente exercida por ele e não a incapacidade relacionada com outra ou outras funções que ele possa exercer ou vir a exercer, pelo que o factor de bonificação ali previsto teria de se aplicar à incapacidade de que está afectado o sinistrado para a sua função específica e não à incapacidade restante (conexa com outras funções compatíveis), Como ali se diz, “o factor 1,5 não pode aplicar-se à IPP residual por esta não estar relacionada com o posto de trabalho, com a concreta função exercida pelo sinistrado” e “também não é de aplicar o factor 1,5 se a incapacidade é de 100%, como é o caso de uma IPATH”. E conclui este aresto que “[o] factor 1,5 está apenas previsto para os casos em que não sendo de aplicar a IPATH, o sinistrado continua a desempenhar a mesma função, mas agora com redobrado esforço, atendendo à limitação física que a lesão ou lesões lhe provocam. E é este redobrado esforço que o legislador quis contemplar com a bonificação”, pelo que “quando o sinistrado está afectado de IPATH ao caso não é aplicável o factor 1,5 previsto na Instrução 5 da TNI” – no mesmo sentido decidiu o Acórdão da Relação de Lisboa de 2012.02.08, Processo n.º 270/03.2TTVFX.L1-4, subscrito pela ora relatora como adjunta, in www.dgsi.pt.
Apesar da logicidade deste entendimento, as indicações da letra da lei, maxime na referência que é feita na Instrução ao conceito de não reconversão em relação ao posto de trabalho[2], levaram a que se verificasse uma divisão jurisprudencial, havendo defensores da tese de que, ficando o sinistrado afectado de uma IPATH e de uma percentagem de IPP para profissão compatível, a este último grau de incapacidade deve ser aplicado, para efeitos do cálculo do valor da pensão, o factor de bonificação de 1,5 previsto no n.º 5, alínea a), das Instruções Gerais da TNI – vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2012.03.26, Processo n.º 383/10.4TTOAZ.P1, in www.dgsi.pt, segundo o qual “a necessidade de majoração do grau de incapacidade e do nível de reparação das sequelas do acidente se impõe nos casos de IATH, tal como nos casos de IPP, se não por maioria, pelo menos por identidade de razão, pois o trabalhador precisará de fazer um esforço acrescido para se adaptar à nova profissão, tanto ou mais que aquele que é necessário empreender para continuar a desempenhar a mesma profissão, no exercício da qual sofreu o acidente”.
É nestas águas que tem navegado a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, revelando uniformidade – quer à luz da TNI de 1993, quer à luz da TNI de 2007 – no entendimento de que não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos – vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2009, Recurso n.º 3920/08, de 29 de Março de 2012, Recurso n.º 307/09.1TTCTB.C1.S1, de 24 de Outubro de 2012, Processo n.º 383/10.4TTOAZ.P1.S1 e de 5 de Março de 2013 (este último proferido no Processo n.º 270/03.2TTVFX.1.L1.S1, tendo revogado o supra referidos Acórdão da Relação de Lisboa de 2012.02.08).
Finalmente, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão nº 10/2014, de 28 de Maio de 2014 (in DR, I Série, de 30 de Junho de 2014), uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a] expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.»
Na fundamentação deste aresto, o Supremo Tribunal de Justiça fez constar, além do mais, o seguinte (excluem-se as notas de rodapé):
«8 – Assim, aquele segmento normativo «não reconvertível em relação ao posto de trabalho», como pressuposto da bonificação prevista naquela alínea, refere-se às situações em que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente.
A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho.
Aliás, já na vigência da TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, em vigor, TERESA MAGALHÃES e Outros, abordaram o conteúdo daquele segmento normativo, referindo que «em lado algum se define o conceito de reconvertível, bem assim como as circunstâncias da reconversão ou o tipo de actividade para a qual essa reconversão é considerada (para a actividade específica habitual – avaliação teórica -, ou no seu posto de trabalho – avaliação concreta? Não corresponderá antes a situação de não reconversão a um caso de IPATH?)»11.
Adite-se que na linha da jurisprudência definida nesta secção12 os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.
Tudo para concluir que, à luz da actual redacção da alínea a) do n.º 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, para a aplicação do factor de bonificação 1,5, nela previsto, exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho, sem prejuízo das situações em que a bonificação em causa depende da idade do sinistrado.»
Mais recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça reiterou este entendimento em dois arestos datados de 28 de Janeiro de 2015 (Processo n.º 28/12.8TTCBR.C1.S19 e Processo n.º 22956/10.5T2SNT.L1.S1 ), aí decidindo, igualmente, que não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, relativo a fixação de pensões nas situações de incapacidade absoluta para o trabalho habitual e a alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.
Perante o teor literal dos preceitos e, particularmente tendo em atenção a evolução legislativa que se verificou – que em 2007 expurgou a alínea a) da referida Instrução da TNI das referências iniciais constantes da supra transcrita redacção de 1993 e possibilitou a aplicação do factor independentemente de se verificar perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente –, não vemos razões para nos afastarmos agora desta jurisprudência, que, revendo a posição anteriormente assumida, sufragamos.
No caso vertente, resulta dos autos e mostra-se consensualmente aceite pelas partes – não tendo sido questionado por qualquer delas na apelação – que, tendo por base as sequelas que apresenta, o sinistrado ficou afectado de uma incapacidade permanente absoluta para a profissão habitual (IPATH) desde a data da alta. Embora a sentença não especifique qual a profissão habitual do sinistrado, resulta claramente dos seus termos que a Mma. Julgadora se baseou sem reservas na resposta pericial unânime e afirmou, sem que qualquer das partes o questionasse na apelação, que o sinistrado ficou afectado de IPATH.
A constatação de que o sinistrado ficou com IPATH é suficiente para que se conclua ter havido perda de função inerente e imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava, não sendo o sinistrado reconvertível ao mesmo.
Verifica-se assim o condicionalismo previsto na alínea a), do n.º 5 das Instruções Gerias da TNI de 2007, pelo que, em conformidade com a citada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, devia ter sido levado em conta o factor 1,5 na fixação do grau de incapacidade permanente para profissão compatível.
Nesta conformidade, a incapacidade do sinistrado deveria, como foi, ser fixada em 31,215 % (20,81 % x 1,5), tendo a sentença fixado as prestações devidas ao sinistrado pela recorrente seguradora de modo que não foi posto em causa na apelação e que, por isso, não cabe reapreciar nesta instância.
Improcedem, pois, as conclusões do recurso.
Porque a recorrente ficou vencida no recurso, a lei faz recair sobre si o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).
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5. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de apelação interposto.
Custas a cargo da Seguradora.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 9 de Março de 2014
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
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[1] Preceito a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, por força dos arts. 5.º a 8.º da Lei Preambular do Código de Processo Civil de 2013.
[2] No seu artigo “A Avaliação do Dano na Pessoa no âmbito dos Acidente de Trabalho e a Nova Tabela Nacional de Incapacidades” (in Prontuário de Direito do Trabalho n.º 83, Coimbra, 2009, p. 157, nota 6), Teresa Magalhães, Isabel Antunes e Duarte Nuno Vieira, questionam se esta situação de não reconversão não corresponderá, afinal, a um caso de IPATH. O que, em bom rigor, denota que aquela Instrução contempla também casos de IPATH:
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
A aplicação do factor 1,5, previsto na alínea a) do ponto 5 das Instruções Gerais da TNI, deve ser efectuada, também, nos casos de IPATH.

Maria José Costa Pinto