Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1664/07.0TBLSD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
DESVALORIZAÇÃO DA PARTE SOBRANTE
SERVIDÃO NON AEDIFICANDI
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP201601251664/07.0TBLSD.P1
Data do Acordão: 01/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 616, FLS.375-385)
Área Temática: .
Sumário: I - Os prejuízos indemnizáveis no âmbito do processo expropriativo deverão ser apenas os directamente resultantes da expropriação.
II - E, por assim ser, nas expropriações parciais, nos termos do artigo 29.º, nº 2 do CE/99, apenas são indemnizáveis os prejuízos da depreciação da parcela resultante da sua divisão, ou os prejuízos e encargos determinados directamente pelo acto de expropriação.
III - Entre eles não se encontram os decorrentes da existência de uma servidão non aedificandi sobre a parcela sobrante adveniente da construção de uma auto-estrada.
IV - Tais prejuízos apenas serão ressarcíveis em acção autónoma a intentar para o efeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1664/07.0TBLSD.P1-Apelação
Origem: Comarca do Porto Este-Lousada-Inst. Local-Secção Cível-J1

Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Rita Romeira
2º Adjunto Des. Caimoto Jácome
5ª Secção

Sumário
I- Os prejuízos indemnizáveis no âmbito do processo expropriativo deverão ser apenas os directamente resultantes da expropriação.
II- E, por assim ser, nas expropriações parciais, nos termos do artigo 29.º, nº 2 do CE/99, apenas são indemnizáveis os prejuízos da depreciação da parcela resultante da sua divisão, ou os prejuízos e encargos determinados directamente pelo acto de expropriação.
III- Entre eles não se encontram os decorrentes da existência de uma servidão non aedificandi sobre a parcela sobrante adveniente da construção de uma auto-estrada.
IV- Tais prejuízos apenas serão ressarcíveis em acção autónoma a intentar para o efeito.
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I - RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Nos presentes autos de expropriação, por utilidade pública, em que é expropriante “EP, Estradas de Portugal, SA.” e expropriada B…, com sede na Avenida…, Lousada, na qualidade de proprietária, procedeu-se à expropriação da parcela de terreno n.º ..-., com a área de 230 m2, a destacar do prédio denominado C…, situado no lugar e freguesia de …, do concelho de Lousada, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ….
Teve lugar a vistoria “ad perpetuam rei memoriam”.
O acórdão de arbitragem de 30 de Junho de 2006 classificou o solo da parcela como “apto para construção”, entendeu não haver desvalorização da parte sobrante e concluiu que a indemnização a atribuir à expropriada da parcela n.º ..-., à data da declaração da utilidade pública, correspondia ao valor de € 4.657,50 (quatro mil, seiscentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos)-cfr. fls. 5 a 10.
Foi proferido Despacho de Adjudicação à expropriante em 6 de Novembro de 2007 (cfr. fls. 64).
A expropriada interpôs recurso da decisão arbitral. Para tanto alegou, em síntese, que a parcela expropriada e a parte sobrante situam-se em zona classificada no P.D.M. de Lousada como aglomerado urbano de média densidade, sendo o índice de construção permitido para o local de 1,00 m2 e que o custo por fogo é de 609, 47 m2. Por outro lado, devido à expropriação a parte sobrante ficou sujeita a servidão “non aedificandi” total para restaurantes, fábricas ou garagens e quanto à construção de edifícios de habitação e anexos ou similares ficou com 1556 m2 sujeitos a tal servidão e com cerca de 585 m2 no canto Noroeste inutilizados. A parte restante também sofre desvalorização por perda de qualidade ambiental. O coeficiente de localização não deve ser inferior a 12%. Concluiu que a indemnização deve ser fixada em valor não inferior a € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros)–cfr. fls. 72 a 81.
A entidade expropriante interpôs igualmente recurso da decisão arbitral, no qual invocou, em resumo, que o solo da parcela expropriada está inserido em Reserva Agrícola Nacional, não possuindo capacidade edificativa e deve ser avaliado pela sua utilização agrícola possível em € 1.094,80. Ademais, a parcela foi destacada de prédio de maiores dimensões, o qual já se encontra edificado e se encontra esgotada a sua capacidade construtiva, só podendo eventualmente ser valorizada como logradouro de tal construção.
Ainda assim, o valor da indemnização é o anteriormente referido-cfr. fls. 99 a 106.
Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 110.
Notificada do recurso da decisão arbitral, a expropriante veio responder, reiterando o já invocado no seu recurso e acrescentando que é irrelevante a sujeição a servidão “non aedificandi” já que o solo só pode ser avaliado pelo seu uso possível, que no caso é agrícola e, ainda que assim não se entenda, também se encontra esgotada a capacidade construtiva do prédio-cfr. fls. 117 e ss.
Procedeu-se à avaliação legalmente determinada (artigo 61 º, n º 2 do Código das Expropriações).
Os Srs. Peritos apresentaram um laudo, junto a fls. 160 e ss., no qual os Srs. Peritos indicados pelo tribunal e o Sr. Perito indicado pela expropriada classificaram o solo como “apto para construção”, já o Sr. Perito indicado pela expropriante qualificou-o como “solo apto para outros fins”. No que concerne ao valor, os Srs. Peritos indicados pelo tribunal, fixaram a indemnização a atribuir à expropriada em € 6.203,10, o Sr. Perito indicado pela expropriada em € 20.549,84 e o Sr. Perito indicado pela expropriante em € 3.100,40.
Mediante despacho de fls. 192 a 195 foi determinada a não aplicação pelos Srs. Peritos do disposto no artigo 23º, n.º 4 do C. das Expropriações, por ser inconstitucional e não ser aplicável ao caso dos autos.
Os Srs. Peritos juntaram esclarecimentos por escrito.
As partes apresentaram as suas alegações, nos termos do artigo 64 º do Código das Expropriações.
Mediante despacho de fls. 279 a 281 foram solicitados novos esclarecimentos aos Srs. Peritos.
Por despacho de fls. 306 a 307 foi declarada a nulidade da avaliação realizada e determinado que se procedesse a nova avaliação.
Os Srs. Peritos juntaram novo relatório, a fls. 324 e ss., no qual os Srs. Peritos indicados pelo tribunal e o Sr. Perito indicado pela expropriada classificaram o solo como “apto para construção”, diferentemente, o Sr. Perito indicado pela expropriante qualificou-o como “solo apto para outros fins”. Quanto à avaliação, os Srs. Peritos indicados pelo tribunal, fixaram a indemnização a atribuir à expropriada em € 6.203,10, o Sr. Perito indicado pela expropriada em € 20.549,84 e o Sr. Perito indicado pela expropriante em € 3.100,40.
Os Srs. Peritos prestaram novos esclarecimentos por escrito. Nos esclarecimentos de fls. 429 e ss., os Srs. Peritos indicados pelo tribunal alteraram o montante da indemnização a atribuir à expropriada para o valor de € 8.873,13, por considerarem existir desvalorização da parte sobrante face às plantas apresentadas em Maio de 2012. Mediante esclarecimentos prestados a fls. 464 e ss., os Srs. Peritos indicados pelo tribunal e pela expropriante alteraram o montante da indemnização a atribuir à expropriada para o valor de € 33.834,60, por entenderem existir desvalorização da parte sobrante, e o Sr. Perito indicado pela expropriante em € 3.162,50, modificando o valor unitário do solo anteriormente apresentado para € 13,75 m2.
As partes apresentaram as suas alegações, nos termos do artigo 64 º do Código das Expropriações.
Mediante despacho de fls.535 a 536 foi determinada a notificação dos Srs. Peritos para procederem a nova avaliação da parcela expropriada, como “solo apto para outros fins” atenta a sua inserção em R.A.N.
Os Srs. Peritos indicados pelo tribunal e pela expropriante apresentaram o laudo de avaliação de fls. 538 a 539, no qual concluem pelo valor da indemnização de € 2.070, 00 considerando tratar-se de “solo apto para outros fins”. A fls. 547 foi apresentado laudo unânime por todos os Srs. Peritos indicados nos autos, fixando em € 2.070, 00 o valor da indemnização admitindo tratar-se de “solo apto para outros fins”.
Atenta a nova avaliação como “solo apto para outros fins”, as partes apresentaram outras alegações, nos termos do artigo 64 º do Código das Expropriações.
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O Processo seguiu os seus regulares termos e, após ter sido fixada a matéria factual, foi proferida que fixou em € 29.579, 60 (vinte e nove mil, quinhentos e setenta e nove euros e sessenta cêntimos) o valor da indemnização a atribuir à B… na qualidade de proprietária do terreno, pela expropriação da parcela n.º ..-., calculado com referência à data de declaração de utilidade pública e a actualizar de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor com exclusão da habitação, publicado pelo I.N.E., nos termos do artigo 24º do Código das Expropriações.
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Não se conformando com o assim decidido veio a entidade expropriante EP, Estradas de Portugal, SA interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1. Salvo o devido respeito, a decisão recorrida padece de erro de julgamento a vários passos, impondo-se a sua revogação por este Colendo Tribunal, isto mesmo sob pena de se permitir, entre o mais, um injustificado enriquecimento da Expropriada e, de igual modo, de serem violados os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização (cfr. arts. 2.°, 13°, 62.º, n.°2 todos da CRP).
2. O desacerto decisório reporta-se, desde logo, ao facto de, em sede do presente processo de expropriação, ter sido conhecida e decidida a matéria relativa à compensação resultante da constituição da suposta servidão non aedificandi, resultante da posterior implantação da de comunicação em apreço-que não é prejuízo imediato e directo da expropriação em si mesma ou de per si.
3- Na situação em apreço (compensação por suposta desvalorização do sobrante) a indemnização em causa enquadra-se na obrigação de indemnizar por factos lícitos, pelo que o meio próprio para a requerer será sempre o processo comum e autónomo (e não o presente processo de expropriação), já que a causa de pedir não é a expropriação stricto sensu, como é evidente.
4. Na verdade, tais supostos prejuízos não surgem para o particular de forma directa e imediata derivados do processo expropriativo, pelo que, de acordo com a doutrina e jurisprudência, a ponderação destes danos não deve ser conhecida no âmbito do processo expropriativo, mas apenas em processo autónomo, motivo pelo qual o Tribunal, quo incorreu em erro de julgamento, quer porque o processo de expropriação não é o meio próprio e adequado, quer porque tal acarreta ilegalidade agravada (mormente por ofensa aos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização, sobretudo quando se compara a situação deste expropriado com a dos demais proprietários, que sofrem também a imposição de tal servidão mas que não foram expropriados e que seriam assina francamente desfavorecidos sem qualquer motivo ou fundamento (artigos-cfr. art 2°, 13° e 62.º, °2 CRP).
5. Ainda que tort assim não se entendesse, o que apenas por mera hipótese de raciocínio de adianta, então, temos que a sentença atribuiu um titânico montante compensatório (14 vezes superior à própria indemnização pela expropriação) por uma inexistente desvalorização da parte remanescente do prédio expropriado, e tudo isto em virtude de-última da hora, digamos assim, e talvez para evitar novos esclarecimentos, face à redobrada insistência da Expropriada-quatro dos Senhores Peritos terem invertido o seu sedimentado entendimento.
6. Em primeiro lugar, o próprio acórdão arbitral, proferido em Junho de 2006, decidira acertadamente que, atenta a ampla área sobrante esta “continuará a assegurar os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, pelo que não há a considerar qualquer desvalorização (cfr. autos a fls...), sendo jurisprudência corrente e pacifica que: “V. Em princípio é de preferir o juízo arbitral à perícia dos avaliadores dado que os árbitros oferecem acrescidas garantias de acerto em virtude da sua selecção e funcionam como instância decisória." (cfr. Ac. do TR de Coimbra de 12.12.2006, proferido no âmbito do proc. n.° 5191/04.9TBLRA:C1).
7. E, na verdade, não foram apenas os três Senhores Árbitros que assim decidiram, pois também todos os cinco Srs. Peritos entenderam o mesmo-excepto quatro destes últimos que, na fase final do processo, deram o dito pelo não dito pelo que ao não ter confirmado a decisão arbitral neste enfoque relativo à desvalorização, como devia, a sentença recorrida padece de erro de julgamento, posto que a decisão arbitral merecia acrescidas garantias de acerto, de objectividade e de isenção.
8- Sem prescindir e para o caso de tort assim não se entender, como deve, refira-se, em segundo lugar, que a argumentação relativa ao montante compensatório pela alegada depreciação esvoaça na consideração de que haveria uma suposta diminuição da área de implantação e que, por isso, o índice previsto à data da DUP (2004), que era de 0,óm2/m2, seria reduzido para 0,4m2/m2.
9. Aqui chegados, importa reiterar que os Srs. Peritos escreveram por inúmeras e inúmeras vezes que inexiste qualquer depreciação da parcela sobrante, todavia e para intenso espanto, quatro destes Srs. Peritos-perante a insistência reiterada dos esclarecimentos quanto à desvalorização da parte sobrante, quando a mesma inexiste, mantendo-se inalterado o valor económico do remanescente do prédio.
10. Ora, em face das circunstâncias de facto do caso sub judice, a alegada perda de regularidade no polígono de implantação da construção de que falam aqueles quatro Srs. peritos e a sentença, ficando este hipoteticamente mais estreito na extremidade poente, devido à criação da suposta servidão non aedificandi, não origina qualquer perda efectiva e real da concreta raridade edificativa (que é o que releva).
11. Desde logo, a determinação do índice por parte dos Srs. Peritos maioritários e a inversão do seu firmado entendimento apresenta-se meramente abstracta, e ultra conclusiva, vaga e genérica, padecendo de patente falta de fundamentação, pelo que tendo-se o Tribunal recorrido louvado em tal pronúncia, das duas uma: tal origina nulidade da decisão por falta de fundamentação (cfr. art. 615.", n.° 1, al. b) do CPC) ou, caso, tort assim se não entendesse, sempre origina erro de julgamento.
12. Sem prescindir, sempre se poderá dizer que o índice em que se louvou a sentença recorrida (0,4 m2/ m2) sofre de patente erro de julgamento, afrontando inclusivamente o princípio da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade (cfr. arts. 1.°, 8.° e 29.° do CE e art. 2.º o da CRP), porque este é assaz inferior ao índice máximo previsto no PDM (em um terço), quando, na verdade, não se verifica qualquer diminuição de tal Índice.
13. Como todos sabemos, as mais das vezes uma edificação não pode jamais atingir a capacidade construtiva máxima prevista, devido às imposições das regras urbanísticas, pelo que padece, assim e também, de erro de julgamento o argumento de que haveria uma diminuição do (inalcançável) índice de 0,6 m2/m2 para apenas 0,4 m2/m2.
14. Por outro lado, veja-se que a eventual zona non aedificandi pode ser afecta, in casu, a áreas de logradouro ou mesmo de arruamentos (como diz, e bem, a jurisprudência deste Colendo Tribunal supra citada), não decorrendo pois qualquer prejuízo efectivo, real e imediato para a Expropriada.
15. Acresce, decisivamente e na linha da doutrina e da jurisprudência correntes que respigámos supra, que o próprio prédio expropriado tem já edificadas várias construções, que podem, naturalmente, ser objecto de aproveitamento, não recorrendo a qualquer nova construção (como erroneamente equacionaram os Srs. peritos maioritários).
16. Aliás e salvo o devido respeito, para perceber o magnânime erro de julgamento em que incorreu a decisão recorrida, não se olvide que numa dessas edificações já existentes funciona mesmo uma loja, e numa outra edificação funciona (note-se bem!) uma farmácia-cfr. número 8 da lista de factos assentes padecendo, assim, a sentença de erro de julgamento, violando os arts. 2.º, 8.° e 29.º da CE e os princípios constitucionalmente consagrados da proporcionalidade, igualdade e da indemnização (cfr. arts. 2.º, 13.°, 62.°, n.°2, todos da CRP).
17. Também sem prescindir, e ainda que assim não se entendesse, o que se adianta apenas por mera hipótese académica, diga-se decisivamente que, mesmo que se considerasse a errónea implantação presta pelos Srs. Peritos maioritários, a verdade é que mesmo após a criação da suposta servidão non edificai, mantém-se inalterado o índice de construção (que é o que releva), designadamente através do aumento da cércea em um ou mais pisos (sendo que bastaria um piso para ser mantido o índice originário).
18- Ora, bastaria que essa edificação fosse aumentada, como pode (de acordo com o Regulamento de PDM, em apenas um piso, para que, e mantendo a mesma área de implantação, se obter igualmente o almejado índice de 0,6mVm/inexistindo, pois, redução da capacidade construtiva, pelo que o valor do solo da parcela sobrante se mantém inalterado, não havendo, por isso, qualquer prejuízo.
19. Tanto mais é assim que tal se afigura perfeitamente possível de acordo com o PDM de Lousada e de acordo com as regras urbanísticas, estando ademais totalmente em conformidade com a cércea e número de pisos das construções edificadas no próprio arruamento em que situa o prédio expropriado, as quais são dominantemente de três pisos r/ch, 1° e 2.°), como este Colendo Tribunal também pode verificar in www.earth.google.com).
20. Atento o exposto, dúvidas não restam de que inexiste qualquer prejuízo efectivo ou real (e muito menos um prejuízo concreto, grave e anormal, como exige a jurisprudência deste Tribunal citada pela sentença) decorrente da suposta servidão não reduz, muito menos retira, concreta capacidade constava à parte sobrante e, por outo lado, a eventual perda de regularidade no polígono de implantação da área de construção é, para estes efeitos, totalmente irrelevante e anódina, como vimos.
21. Como tal, a única linha argumentativa aventada pelos Srs. Peritos do Tribunal respeito e seguida na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, encontra-se inquinada de patente erro, posto que não corresponde à realidade, como se demonstrou pelo que a decisão incorre em erro de julgamento, violando, salvo o merecido respeito, os arts. 1.°, 8.° e 29° do CE e, bem assim, os princípios constitucionalmente consagrados, da proporcionalidade, igualdade e da justa indemnização.
22. E nem se diga que por se tratar de um laudo maioritário, deveria por isso inexoravelmente seguido pelo Tribunal, porquanto, no caso concreto, o Tribunal a quo “peritus peritorum” deveria, ao invés, ter seguido o laudo do perito indicado pela entidade expropriante, uma vez que o mesmo se encontra desmente fundamentado e é o único que respeita o ordenamento jurídico-legal, designadamente as regras urbanísticas e os princípios da proporcionalidade e da justa indemnização.
23. Além do Juiz deter o estatuto de “peritus peritorum” e, assim, poder formar a sua livre convicção sobre os laudos periciais, sempre que o laudo maioritário não respeite a realidade e os critérios legais, como sucede in casu pode e deve o Tribunal optar pelo laudo minoritário que se mostra fundado e correcto e, assim, em face do exposto não poderia o Tribunal a quo ter aceitado o entendimento dos Senhores Peritos do Tribunal e da Expropriada, que contraria a decisão arbitral e viola o disposto nos arts. 8.° e 29.° do CE bem como os princípios constitucionais da justa indemnização e da proporcionalidade.
24. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, violando o disposto no art. 607.º n. 3 do CE, devendo, pois, o número 9 da lista de factos assentes ser suprimido por este Colendo Tribunal (cfr. art. 662.º do CPC), na medida em que a "implantação" consubstancia um conceito técnico-jurídico e, por isso, jamais poderia ser levado à lista da matéria de facto, como erroneamente sucedeu, posto que constitui matéria de direito ou matéria conclusiva, r que ademais é perfeitamente irrelevante para o que se discute nos autos, porque o índice de construção da parcela sobrante se mantém inalterado, inexistindo prejuízo que possa ou deva ser compensado.
25. Por último, o Tribunal a quo não cuidou, salvo o devido respeito, de ponderar e aplicar ao caso concreto, como devia, o n.° 2 do art. 8.° do CE, na medida em que, consubstanciando-se os pressupostos determinantes da desvalorização da área sobrante na alegada imposição de uma servidão non aedificandi que determine a inviabilização da utilização que vinha sendo dada ao bem (ou de qualquer outra utilização), ou em alternativa, na anulação do seu valor económico, a constatação de que o concreto terreno em causa manteve, pois, a sua capacidade construtiva intacta e, além disso, o facto das construções que existiam antes da DTTP continuarem a ser utilizadas, inquina imediatamente qualquer intenção depreciativa do valor do prédio antes e após a expropriação - pelo que a sentença padece, neste enfoque, de erro de julgamento, momento por violação do disposto no art. 8.° e 29.° do CE.
26. Pelo que atender a essa suposta e hipotética desvalorização da área sobrante em razão da suposta servidão seria, aliás, criar uma situação de profunda desigualdade em face dos restantes proprietários de prédios confinantes, tal como já referido supra, que tendo também sido alvo da imposição de uma servidão non aedificandi, fruto da construção da via de circulação, não foram expropriados, e, por conseguinte, não foram compensados em virtude dessa depreciação (inexistente) no âmbito de um processo de expropriação.
27. A seguir-se o entendimento pericial, ainda que maioritário, tal como em erro de julgamento efectuou o Tribunal a quo, este seria, salvo o merecido respeito, um daqueles casos, já diagnosticados pelos tribunais superiores, em que os expropriados são contemplados com valores de indemnização que verdadeiramente ultrapassam as suas melhores expectativas-cfr. Ac. do TC n.° 20/2000, publicado no DR II Série de 28.04.2000.
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Notificada, contra-alegou a expropriada pugnando pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. arts. 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a apreciar e a decidir no presente recurso:
a)- saber se os prejuízos resultantes de desvalorização da parte sobrante de um prédio objecto de expropriação, para construção de uma auto-estrada, por servidão non aedificandi são indemnizáveis no âmbito do processo expropriativo e;
b)- mesmo que se responda de forma afirmativa à questão colocada saber se devia, ou não, ter sido arbitrada essa indemnização.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

1. A expropriação por utilidade pública, com carácter de urgência, da parcela de terreno n.º ..-., integrada na execução da obra “Concessão Norte, A11/IP9, Braga-Guimarães, IP4/A4, Sublanço Lousada (IC25) – E.N.15 - IP4/A4 (km .+… a .+…,..)–Aditamento 1, foi declarada por despacho n.º 14.486-B/2004, do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas de 24-06-2004, publicado no DR n.º 169, II Série, de 20-07-2004.
2. A parcela de terreno n.º ..-. tem a área de 230 m2 e confronta a Norte com restante prédio, a Sul com E.P., a Nascente com restante prédio e a Poente com D….
3. A parcela de terreno n.º ..-. é a destacar do prédio denominado “C…”, situado no lugar e freguesia de …, do concelho de Lousada, com área de 2.472 m2, sendo 156 m2 de área coberta e 2.316 m2 de quintal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º … e cuja aquisição a favor da expropriada ali se encontra inscrita.
4. De acordo com o P.D.M. de Lousada, o solo da parcela n.º ..-. está inserido em zona de “Reserva Agrícola Nacional” e o restante prédio em zona de “Aglomerados de média densidade”.
5. O prédio de onde a parcela é destacada confronta numa extensão de 65 metros com estrada municipal, com 5 metros de largura, pavimentada a betuminoso e dispõe de redes de abastecimento domiciliário de água, de energia eléctrica em baixa tensão e telefónica.
6. A parcela de terreno n.º ..-. dista mais de 50 metros da via pública que serve o prédio.
7. O solo da parcela de terreno n.º ..-. tinha aptidão agrícola para produção de hortícolas diversos, é fértil e profundo.
8. Na parte sobrante do prédio, a Norte da parcela de terreno n.º ..-., localizam-se as construções existentes no prédio, uma antiga com 156 m2 de área coberta, constituída por casa de dois pisos, com paredes em pedra e cobertura em telha assente em estrutura de madeira, com um quarto, duas salas, uma cozinha e uma varanda no andar e uma loja no rés-do-chão, outra recente, com dois pisos, sendo que o andar constitui farmácia.
9. Na parte sobrante a área de implantação possível fica reduzida a cerca de 550 m2.1.
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III. O DIREITO

Como supra se referiu a primeira questão que vem colocada no recurso prende-se com:

a)- saber se os prejuízos resultantes de desvalorização da parte sobrante de um prédio objecto de expropriação, para construção de uma auto-estrada, por servidão non aedificandi são indemnizáveis no âmbito do processo expropriativo.

Dúvidas não se levantam de que havendo expropriação por utilidade pública há impositivamente lugar ao pagamento da “justa indemnização” ao expropriado (artigos 62.º, nº 2 da Constituição da República e 1310.º C. Civil), justa indemnização cujo critério de determinação é oferecido pelo artigo 23.º, nº 1 do C. das Expropriações (CE) e que se encontra desenvolvimento, em caso de expropriação parcial, no artigo 29.º do mesmo diploma.
Decorre, assim, do primeiro dos citados preceitos do CE que “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data, mais estatuindo o artigo 24.º, nº 1 do mesmo diploma legal que “o montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo (…)” enquanto no último, depois de se prever, como regra, a avaliação da parte expropriada e da parte não expropriada, a norma do n.º 2 estabelece que “quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou dela resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada”.
Resulta da concatenação dos citados normativos que a base da indemnização é o valor real e corrente do bem no momento da declaração de utilidade pública, devendo atender-se ao valor normal que o bem alcançaria se fosse posto no mercado nessas circunstâncias. Estão, pois, excluídas indemnizações fundadas em meras expectativas de vantagens futuras ou em hipotéticos prejuízos.
Portanto, ao contrário do acontece no campo da responsabilidade civil, em que a indemnização tende a cobrir todos os prejuízos causados ao lesado, na expropriação apenas abrange o valor da perda do direito que dela for objecto, visando a “restituição pela perda de direitos sobre os bens em curso de expropriação”.[1]
Na decisão recorrida entendeu-se que constando do laudo maioritário quanto à desvalorização da parte sobrante, que a zona “non aedificandi” que incide sobre a ela diminui a sua capacidade construtiva, ficando a sua área de implantação reduzida a cerca de 550 m2 atribuiu-se, a esse nível, a indemnização de € 27.509,60 (vinte e sete mil, quinhentos e nove euros e sessenta cêntimos).
Do assim decidido dissente a recorrente com fundamento de que a matéria relativa à compensação resultante da constituição da suposta servidão non aedificandi, resultante da posterior implantação da via de comunicação (auto-estrada) não é prejuízo imediato e directo da expropriação em si mesma ou de per si, enquadrando-se antes na obrigação de indemnizar por factos lícitos, pelo que o meio próprio para a requerer será sempre o processo comum e autónomo.
Quid iuris?
Como se divisa a questão em causa passa por apreciar e decidir sobre se a desvalorização da parte sobrante da parcela expropriada causada não directamente pela expropriação, mas antes pelo resultado da construção da obra a que a expropriação se destinou e sua utilização com a construção da auto-estrada, deve ser indemnizada no processo expropriativo, designadamente a coberto da previsão do artigo 29.º, nº 2 do CE acima citado.
Ora, não é pacífico, quer na doutrina quer na jurisprudência que, para a fixação da justa indemnização no âmbito do processo de expropriação, sejam apenas considerados os danos directamente resultantes do acto expropriativo e que devam ser excluídos os danos causados pela obra em si, designadamente a desvalorização da parcela sobrante da área do bem imóvel objecto de expropriação imposta por uma servidão non aedificandi.
Ainda no domínio do CE aprovado pelo DL 431/91 de 9 de Novembro referia Osvaldo Gomes,[2] analisando o artigo 28.º nº 2 desse diploma que “devem ter-se em conta as depreciações e prejuízos indirectamente resultantes da expropriação ou da afectação da parcela expropriada ao fim determinante da expropriação.
Incluem-se nestas hipóteses, nomeadamente, as seguintes situações:
- Inutilização ou desvalorização da parte sobrante, ou alteração das suas boas condições ambientais e resultantes da instalação na parte expropriada de actividades tóxicas, incómodas ou insalubres, v.g. lixeiras, aterros sanitários, estações de tratamento de resíduos;
- Implantação na parte sobrante de cabinas subterrâneas, de postos de transformação, de redes de saneamento, electricidade ou água, etc. que depreciem o seu valor;
- Impossibilidade de utilização nas partes sobrantes de minas e águas existentes na parte expropriada;
- Constituição de servidões administrativas ou de restrições de utilidade pública sobre a parte sobrante e resultantes da afectação da parte expropriada ao fim determinante da expropriação.”
Em sentido contrário e também na vigência do referido CE pronunciou-se Alves Correia[3] sobre o nº 2 do mesmo inciso afirmando:
Esta norma, relativa ao “cálculo do valor das expropriações parciais”, prevê a indemnização de um conjunto de danos patrimoniais subsequentes, derivados (…) ou laterais, que acrescem à indemnização correspondente à perda do direito (…) ou à perda da substância (…) do bem expropriado (a parte expropriada do prédio). Todavia, exige-se que tais prejuízos patrimoniais subsequentes, derivados ou laterais sejam uma consequência directa e necessária da expropriação parcial do prédio. Só eles é que podem ser incluídos na indemnização e não já também aqueles que têm com a expropriação parcial do prédio apenas uma relação indirecta, porque encontram a sua causa em factos posteriores ou estranhos à expropriação.
(…)
O que contestámos é que seja incluída na indemnização por expropriação a condenação na construção, alargamento e alteamento de uma barreira anti-ruído, como se o instituto da expropriação comportasse a indemnização de danos que estão para além do acto expropriativo ou que podem existir mesmo sem que tenha lugar qualquer expropriação (como sucede com os proprietários de terrenos com habitações neles construídas que não tenham sido expropriados e que sofram os efeitos do ruído da circulação automóvel da auto-estrada, que têm igualmente direito a que a concessionária da construção e exploração da auto-estrada construa uma barreira anti-ruído de dimensões adequadas).
(…) pensamos que não é constitucionalmente admissível que a indemnização por expropriação, apurada num processo de expropriação litigiosa, abranja não somente os danos causados pela expropriação, mas também os decorrentes da construção e da utilização de uma obra (in casu, um troço de auto-estrada), que tiveram lugar posteriormente ao acto expropriativo”.
A nível jurisprudencial, cremos ser minoritário o entendimento preconizado pelos Acs. RP de 16/2/2006 (Proc. 0536917), 16/09/2014, 1499/10.2TBLSD.P1 e de 24-02-2015, processo n.º 1355/09.7TBFLG.P1, da Ac. RG de 11/9/2008 (Proc. 1445/08-1), Ac RL de 12/3/2009 (Proc. 1943/06.3TBPDL-2 e Ac. do STJ de 10/01/2013, 3059/07.6TBBCL. G1.S1,[4] no sentido de que são de indemnizar no âmbito do processo de expropriação os danos causados na área sobrante em consequência da utilização de uma auto-estrada, designadamente pela diminuição da qualidade ambiental ou perda de privacidade.
Em sentido contrário, apontamos, a título exemplificativo, os seguintes arestos: Ac. RG de 16/3/2005-CJ, 2005, II, pág. 289, Ac. RP 20/04/2006-Proc. 0631436, de 27/11/2014 Proc. 5547/09.0TBVNG.P1, Ac. RP de 23/01/2012, na CJ2012, Tomo 1, pág. 184 e 187, Ac. RC de 24/6/2008-Proc. 318/2000.C1, Ac. RG de 25/6/2009-Proc. 431/06.2TBVCT.G1, Ac. RC de 29/6/2009-Proc. 1176/06.9TBVIS. C1, Ac. RP de 8/9/2009-Proc. 1577/06.2TBPFR.P1, Ac. RP de 16/12/2009-Proc. 1031/07.5STAMT. P1, Ac. RC. de 13/09/2011–Proc. 182/04.2TBALD.C2, Ac. RL de 20/11/2012, 4136/09.4TBCSC.L1-7 e Acs. do STJ de 07/07/2009, 95/09.1YFLSB, de 18/02/2014, 934/11.7TBOAZ.S1 e de 25/03/2009, 08A3820.[5]
Importa que saliente que, em qualquer um das referidas posições não está em causa que os danos resultantes da obra que esteve na origem da expropriação tenham de ser indemnizados, seja no âmbito do processo expropriativo seja em acção autónoma, intentada para o efeito.
Portanto, a dissensão das duas posições terá que ser resolvida de acordo com os critérios legais fixados na lei.
A justa indemnização tem como objectivo ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data (artigo 24.º do CE já acima citado).
Significa, pois que, a justa indemnização devida deve ser fixada à luz das circunstâncias e condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública.
Ora, a existência de uma servidão “non aedificandi” decorre da ulterior construção da obra-auto estrada-a que se destinou a expropriação e, como tal, trata-se de circunstâncias surgida posteriormente à data da declaração de utilidade pública.
O n.º 2 do já citado artigo 29.º do CE, por sua vez, dispondo directamente sobre as expropriações parciais e respectivo cálculo, prevê a indemnização de danos ou depreciações resultantes da própria divisão do prédio ou de encargos, também resultantes da divisão, em que se incluem a diminuição da área edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes.
Argumenta-se para diferente entendimento que, de preceito algum, máxime do artigo 29.º do CE, se consegue retirar que a indemnização pela desvalorização de uma parcela sobrante de um prédio expropriado se limita a danos provocados directamente pela expropriação.
Não nos parece que assim seja.
Como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional de nº 231/2008, de 21-04-2008 “o direito à justa indemnização é a concretização do princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos, princípio este que resulta, por seu turno, da aplicação ao domínio do património privado daqueles valores gerais que exigem a criação de um direito que seja igual, proporcional e não arbitrário
Ora, esse desiderato, consegue-se através do estabelecimento, pela lei ordinária, de critérios uniformes de cálculo da indemnização, de molde a não ocorrer tratamento desigual entre os cidadãos expropriados e os não expropriados. Critérios que constam dos artigos 23.º a 32.º do CE, constituindo o primeiro, ponto de referência e critério basilar, o de que a justa indemnização se afere pelo valor real e corrente do bem.
Como assim, a referida argumentação o que faz é postergar os critérios ínsitos nos referidos normativos legais que, bem ou mal, o legislador entendeu que, em dado momento, eram aqueles que, aplicados pelo julgador, traduziriam a justa indemnização pelo acto ablativo do direito de propriedade.
E são esses, e não outros, que devem nortear a fixação da referida justa indemnização.
E perante eles não se vê como se possa defender que em preceito algum, máxime do artigo 29.º do CE, se consegue retirar que a indemnização pela desvalorização de uma parcela sobrante de um prédio expropriado se limita a danos provocados directamente pela expropriação.
Então a referia norma (artigo 29.º, nº 2 do CE) na estatui, de forma explícita, que os danos na parte sobrante são os que resultam da divisão da parcela decorrente do acto expropriativo, quer da divisão tout court (simples acto de divisão) quer os que dela (divisão) resultarem?
Repare-se, a este propósito, que se o artigo 28.º do antigo CE (DL 431/91) ainda podia, de algum modo sustentar a tese defendida pela corrente minoritária, hoje tal não sucede com actual CE.
Com efeito, no artigo 28.º, nº 2 do CE de 1991 estatuía-se: “Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou da expropriação resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo o custo de novas vedações, especificar-se-ão também, em separado, essa depreciação e esses prejuízos ou encargos, correspondendo a indemnização ao valor da parte expropriada, acrescida destas últimas verbas” (sublinhado e negrito nossos).
Já o nº 2 do artigo 29.º do CE de 1999 prescreve: “Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos (…)” (sublinhado e negrito nossos).
Portanto, na lei pretérita, fazia-se referência à depreciação da parcela sobrante resultante da divisão e a outros prejuízos ou encargos decorrentes da expropriação, pelo que, no domínio desta legislação, sempre se poderia defender que nos prejuízos decorrentes da expropriação também estrariam incluídos os danos indirectos.[6]
Todavia, no âmbito do actual CE esse argumento já não têm arrimo na letra da lei, pois que, a depreciação da parcela sobrante está sempre associada à divisão da parcela decorrente do acto expropriativo.
O que aqui está em causa é, segundo a referida norma, a depreciação ou outros prejuízos resultantes da divisão do prédio, sempre com referência ao referido princípio base do valor real e corrente do bem, à data da declaração de utilidade pública.
Não estarão, portanto, por ela (norma) abrangidos os prejuízos que não resultam da expropriação em si mesma com divisão do prédio, mas da ulterior construção da obra a que se destinou a expropriação e sua utilização, enquanto prejuízos subsequentes não directa e necessariamente consequência da expropriação parcial.
A este propósito, também na doutrina, Alves Correia[7] ensina que o n.º 2 do artigo 29.º prevê a “indemnização de um conjunto de danos patrimoniais subsequentes, derivados (Folgekosten ou Folgeshäden) ou laterais, isto é, prejuízos que são uma consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio, a qual acresce à indemnização correspondente à perda do direito (Rectsverlust) ou à perda da substância (Substanzverlus) do bem expropriado (parte expropriada do prédio)”.
E, acrescenta: “A exigência de que os prejuízos patrimoniais subsequentes, derivados ou laterais sejam uma consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio para que possam ser incluídos na indemnização implica que não possam ser abrangidos aqueles que têm com a expropriação parcial do prédio apenas uma relação indirecta, porque encontram a sua causa em factores posteriores ou estranhos à expropriação”.
Solução diferente traduzir-se-ia na inclusão na indemnização por expropriação parcial de danos que não se apresentam como consequência directa da expropriação, mas antes indirecta, do posterior desenvolvimento da actividade da entidade (a expropriante ou não) beneficiária da expropriação, como são os prejuízos causados pela construção da auto-estrada a imporem uma servidão “non aedificandi” sobre a parcela sobrante.[8]
E esta solução em nada contende com a afirmação constante do Ac. do STJ de 10/01/2013 já acima citado, de que a expropriação “não é um acto administrativo que se esgote em si mesmo, mas é um acto administrativo dirigido a uma finalidade específica e concreta, sem a indicação da qual não é possível afirmar o interesse público que suporta a legalidade do processo”, sendo que (…) “ se sem obra não há expropriação, uma não vive sem a outra, então não se poderá dizer (a não ser do ponto de vista estritamente fáctico) que os prejuízos dela resultantes sejam uns da expropriação, outros da obra..., de tal maneira que não possam, nem devam, ser indemnizados todos unitariamente”.
Efectivamente, torna-se evidente, que o acto expropriativo tem subjacente uma finalidade específica, a realização de uma obra ou infra-estrutura afecta ao interesse público.
Todavia, dentro do arquétipo legal desenhado pelo legislador a finalidade do processo expropriativo é ressarcir o expropriado, repete-se, pelo “valor real e corrente do bem” à data declaração da utilidade pública.
Portanto, no conceito de justa indemnização incluem-se as regras da contemporaneidade da indemnização e da justa compensação quanto ao ressarcimento dos prejuízos causados, tendo em linha de conta os factores que em tal se repercutem, designadamente a natureza do solo, os acessos, a localização, a desvalorização das partes sobrantes, etc. (vide artigos 26.º e segs. do CE).
Isto, não significa, que outros danos, nomeadamente os indirectos não devam ser ressarcidas, nos termos gerais de direito, mas nunca no processo de expropriação, em que a obrigação de indemnização é menos ampla do que no instituto da responsabilidade civil e onde se visa ressarcir o expropriado, repete-se, pelo “valor real e corrente do bem”.
É que, importa que se enfatize, em contraste com o dever de indemnização por responsabilidade civil por facto ilícito e por responsabilidade contratual (em que se abrangem todas as perdas patrimoniais do lesado, onde se engloba, não só o prejuízo causado mas também os benefícios que deixou de obter, tendendo a colocá-lo na mesma situação que existiria não fosse a lesão), a obrigação de indemnização por expropriação por utilidade pública abrange, tão só, a compensação pela perda do bem expropriado, tendo por finalidade ressarcir os expropriados pelo mesmo valor do bem de que ficaram privados
E, por assim ser, tal como se refere no Ac. do STJ de 09/07/2014 “ (…) o problema jurídico que se coloca não consiste apenas na determinação de uma relação de causalidade como requisito do direito à indemnização, em que tanto podem caber os danos directos como os indirectos-pois que releva, não só a causalidade directa como indirecta como pressuposto do direito à indemnização-, com resposta a assentar em razões de economia processual, mas na fixação do conteúdo normativo dos princípios e critérios estabelecidos para a “justa indemnização” na expropriação (total ou, em especial, parcial) que a delimitam e preenchem, definindo a fonte da obrigação, de modo a excluir a abrangência de danos indirectos como o da perda de qualidade ambiental resultante do funcionamento da auto-estrada e, consequentemente, a sua ressarcibilidade nos termos especialmente previstos para o cálculo e atribuição da justa indemnização no processo de expropriação”.
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Ou seja, voltando ao caso concreto, se apesar da divisão do prédio por virtude do acto da expropriação, não tivesse sido concretizada a construção da auto-estrada, a área sobrante não teria sofrido a apontada diminuição da aptidão construtiva pela imposição de uma servidão “non aedificandi”.
Perfilhamos pois, o entendimento de que a desvalorização da parcela sobrante do imóvel expropriado não relevam para o cálculo da justa indemnização no âmbito do processo de expropriação, ao abrigo do disposto no artigo 29.º, nº 2 do Código das Expropriações aprovado pela Lei 168/99 de 18/9, pois não são uma consequência directa e necessária da divisão do prédio.
Em consequência, assiste razão à recorrente, impondo-se a revogação da sentença na parte em que, na fixação da indemnização, incluiu a quantia de € 27.509, 60 (vinte e sete mil, quinhentos e nove euros e sessenta cêntimos) pela desvalorização da parte sobrante, cuja ressarcimento a expropriada terá de obter em acção própria a intentar para o efeito.
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Procedem, assim, as conclusões formuladas pela recorrente sob os nºs 1 a 4 e, com elas, o respectivo recurso, ficando prejudicada a apreciação de todas as demais.
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IV- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em revogar parcialmente a sentença recorrida, fixando-se a indemnização no montante de € 2.070,00 (dois mil e setenta euros) a actualizar nos termos sentenciados.
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Custas da apelação pela apelada (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).

Porto, 25 de Janeiro de 2016.
Manuel Domingos Fernandes
Rita Romeira
Caimoto Jácome
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[1] Cfr. Salvador da Costa “Código das Expropriações”, 2010, pág. 144.
[2] In Expropriações por Utilidade Pública, 1ª edição, 1997, pág. 216/217.
[3] In RLJ ano 134, nº 3924 e 3925, pág. 99/100/101.
[4] Todos in www.dgsi.pt.
[5] In ww.dgsi.pt.
[6] Mesmo no âmbito da lei pretérita, somos de entendimento que nela também se não incluíam os referidos danos indirectos, pois que, os outros danos eram os que decorriam do acto expropriativo em si.
[7] In Manual de Direito do Urbanismo”, II, 260-261.
[8] Cfr. no mesmo sentido Salvador da Costa, ob. cit., pg. 217 e ainda P. Elias Costa, “Guia do Processo de Expropriações”, pg. 319 e P. Cansado Paes, “Código de Expropriações”, pg. 99.