Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
146/15.0GAFLG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA
BOMBAS DE CARNAVAL
AUTORIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20180711146/15.0GAFLG.P2
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 768, FLS 149-158)
Área Temática: .
Sumário: Uma bomba de carnaval de categoria 2 constitui um engenho pirotécnico de arremesso carecendo a sua detenção e utilização de autorização e, a sua falta constitui o crime p.p pelos artºs 2º nº5 al. af) e ag) e 86º1 d) do RJAM (Lei 5/2006 de 23/2 e subsequentes alterações).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: processo nº146/15.0GAFLG.P2

Acórdão deliberado em conferência na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
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I. B... veio interpor recurso da sentença proferida no processo comum singular nº6461/15.6T9MTS do Juízo Local Criminal de Matosinhos, Juiz 1, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que o condenou pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86°, nº1 al. d), com referência ao art. 2°, nº5 al. af) e ag), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM) introduzido pela Lei n° 5/2006, de 23.02 e subsequentes alterações operadas pela Lei n° 17/2009 e Lei n° 12/2011 e art. 6°, nº2, al c) da Lei n° 34/2010, de 15.04., na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros), substituída pela pena de admoestação, nos termos do art. 60°, n° 1 do Código Penal.
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I.1. Sentença recorrida (transcrição dos segmentos com interesse para a apreciação do recurso).
III - FUNDAMENTAÇÃO
1- Factos Provados:
1) No dia 17.02.2015, pelas 21h30m, na rua ..., ..., Felgueiras, no âmbito da festa "C...", sem qualquer autorização ou licenciamento para o efeito, o arguido detinha um engenho pirotécnico de categoria F2, vulgo "bomba de carnaval", denominado "D...", com as medidas 30mm x 10mm, que contém substâncias explosivas pirotécnicas (massa de tiro) com vista a produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno, em consequência de reacções químicas exotérmicas auto-sustentáveis, de risco não baixo e efeito sonoro significante, e as demais características indicadas a fls, 3V, 4, 20-22 e 69-70, que aqui se reproduzem integralmente para os devidos e legais efeitos.
2) Bem conhecia o arguido as características de tais objectos.
3) O arguido agiu como agiu, por se conformar com a possibilidade de vír a ser criminalmente responsabilizado pela sua posse fora das condições legais, resultado que representou e o não deteve.
4) O arguido sabia, ainda, que a sua conduta era proibida e punida por lei (…)
3- Convicção do Tribunal:
A convicção do tribunal, baseou-se, fundamentalmente:
- nas declarações do Arguido B..., o qual, começou por confirmar que, de facto, no dia em causa tinha na sua posse a referida "bomba de carnaval", a qual afirmou ter encontrado no chão e que se destinaria a rebentar em casa. Esclareceu que, como era carnaval, a sua intenção era levá-la para casa para fazer uma brincadeira de carnaval. Mostrou-se consciente de que tal objecto era perigoso, no sentido de ter noção do perigo do mesmo rebentar nas mãos; afirmando, contudo, desconhecer a proibição de compra de tais objectos, apesar de ter afirmado saber que a compra de petardos era ilegal. Mais referiu que as "bombas de carnaval" são uma tradição nas festas de carnaval, e que os factos ocorreram na época de carnaval, e que o Carnaval da ... é famoso na região e que todos os anos rebentam bombas de carnaval, é a tradição. Afirmou que "não tinha a noção de que a mesma era uma arma". Prestou declarações que também se consideraram credíveis no que concerne à sua situação pessoal e económica.
Também se teve em consideração o depoimento da testemunha de acusação, E..., militar da GNR a prestar serviço no Posto da GNR de Felgueiras, e agente participante, o qual, de uma forma que se afigurou credível e isenta, relatou que estavam a efectuar o policiamento da festa na ..., da "C...", e com o objectivo de evitar o rebentamento de petardos; relatando que quando se aperceberam do rebentamento nas traseiras F..., e que viram dois indivíduos a sair do local, e abordaram-nos, explicando-lhes o porquê da abordagem. Mais referiu que, no caminho para a viatura da GNR, viu o aqui arguido B... a meter a mão num dos bolsos das calças, e atirou a bomba para o chão, precisamente a que veio a ser apreendida. Mais referiu que a referida bomba de carnaval foi apreendida e foi enviada para perícia no Núcleo de Inactivação de Explosivos da GNR. Mais confirmou que durante as referidas festas rebentaram cerca de 20 bombas.
O tribunal também teve em consideração o depoimento da testemunha de defesa do arguido, o seu pai, G..., o qual se limitou a confirmar que o seu filho e aqui arguido trabalha com ele no Stand, e que é uma pessoa responsável, e que toma bem conta do Stand, quando este tem que se ausentar, e apesar de ter afirmado, ser uma pessoa suspeita, afirmou orgulhar-se do filho que tem. Mais referiu nunca o ter visto com bombas de carnaval, admitindo ser normal ouvirem-se bombas de carnaval, nas referidas festas de carnaval.
Mais se diga que, apesar de o arguido ter afirmado desconhecer que a posse de tal objecto, vulgarmente designado por "bombinha de carnaval" seria crime, tal não logrou convencer o Tribunal, já que, é do conhecimento generalizado das pessoas e vox populis que actualmente a detenção e deflagração de tais engenhos é crime, tendo a sua venda sido proibida, tendo em atenção os acidentes que infelizmente aconteciam com o manuseamento das mesmas, muitas das vezes com efeitos físicos permanentes em crianças e jovens. Aliás, a sua proibição, como infra se irá referir, foi com vista a evitar a ocorrência desses mesmos acidentes. Cumpre ainda referir que o arguido afirmou ter consciência de que tal objecto era perigoso, no sentido de ter noção do perigo do mesmo rebentar nas mãos.
Foram ainda relevantes para a convicção do tribunal, o auto de notícia de fls. 3, auto de apreensão de fls, 4 e foto de fls, 5, informação da GNR, Comando Territorial do Porto, do Destacamento de Intervenção SEüD de fls, 10 a 12 e esclarecimentos de fls, 20n a 22 e 69 a 70, bem como o CRC do arguido junto a fls, 250.
IV - ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA
A) Enquadramento jurídico-penal dos factos
Vem o arguido pronunciado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 20, nºs, als. af) e ag) (esta a contrario) e 860, nº1 al. d), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM) introduzido pela Lei na 5/2006, de 23.02.
Crime de detenção de arma proibida
Dispõe o artigo 86° da Lei n° 5/2006, de 23/02, na redacção dada pela Lei na 17/2009, de 16/05 e Lei na 12/2011, O seguinte e sob a epígrafe "Detenção de arma proibida e crime cometido com arma":
1 – Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar; importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) Equipamentos) meios militares e material de guerra) arma biológica, arma química, arma radioativa ou suscetível de explosão nuclear; arma de fogo automática) arma longa semiautomática com a configuração de arma automática para uso militar ou das forças e serviços de segurança) explosivo civil engenho explosivo civil engenho explosivo ou incendiário improvisado) é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) Produtos ou substâncias que se destinem ou possam destinar, total ou parcialmente, a serem utilizados para o desenvolvimento, produção, manuseamento, accionamento, manutenção, armazenamento ou proliferação de armas biológicas, armas químicas ou armas radioactivas ou susceptíveis de explosão nuclear; ou para o desenvolvimento, produção, manutenção ou armazenamento de engenhos susceptíveis de transportar essas armas, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos;
c) Arma das classes B) B1) C e D) espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada) é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma da classe E) arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática) estilete) faca de borboleta) faca de arremesso) estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse) aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n. o 7 do artigo 3. ~ armas lançadoras de gases) bastão) bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n. o 7 do artigo 3. quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão) silenciador, partes essenciais da arma de fogo) artigos de pirotecnia) exceto os fogos-de-artificio de categoria 1) bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projétil utilizado) é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
2 - A detenção de arma não registada ou manifestada) quando obrigatório) constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais.
3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo) excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime) em função do uso ou porte de arma.
4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga) no momento do crime) arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n. o 1) mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.
5 - Em caso algum pode ser excedido o limite máximo de 25 anos da pena de prisão.
As alíneas af) e ag) do n.º 5 do artigo 2.° do RJAM definem o que deve entender-se por:
"Artigo de pirotecnia '1: qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas (al. af));
"Fogo-de-artificio de categoria 1 '1: o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais (al. ag)).
Também com interesse para o caso, o artigo 6.° do Dec. Lei n." 34/2010, de 15 de Abril, com as alterações resultantes do Dec.-lei n° 144/2013, de 21.10, que, no seu n." 1, estabelece as seguintes categorias de fogos-de-artifício em função do tipo de utilização, finalidade e nível de risco. Assim:
1 - Os artigos de pirotecnia são classificados pelo fabricante de acordo com o tipo de utilização, a finalidade e o nível de risco, incluindo o sonoro.
2 - Para efeitos do número anterior, os fogos-de-artifício classificam-se de acordo com as seguintes categorias:
a) Categoria 1: fogos-de-artifício que apresentam um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destinam a ser utilizados em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais;
b) Categoria 2: fogos-de-artifício que apresentam um risco baixo e um nível sonoro baixo e que se destinam a ser utilizados em áreas exteriores confinadas;
c) Categoria 3: fogos-de-artifício que apresentam um risco médio, que se destinam a ser utilizados em grandes áreas exteriores abertas e cujo nível sonoro não é prejudicial para a saúde;
d) Categoria 4: fogos-de-artifício que apresentam um risco elevado, que se destinam a ser utilizados exclusivamente por pessoas com conhecimentos especializados, comummente conhecidos por «fogos-de-artifício para utilização profissional», e cujo nível sonoro não é prejudicial para a saúde humana. (...)
E nos termos do artigo 3.° do referido DL entendia-se ser:
a) «Artigo de pirotecnia», qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reacções químicas exotérmicas auto -sustentadas;
b) «Fogo-de-artifício», um artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento; (...)
A alteração resultante do Dec.-Lei na 144/2013, entre o mais, limitou-se a realizar uma modificação terminológica ao referir no artigo 3.0 que a referência feita no Decreto-Lei n." 34/2010, de 15 de abril, a «categoria 4», é substituída, por «categoria F4», deixando no entanto intocada a demais terminologia.
Já em data posterior à da prática dos factos, na medida em que a detenção do artefacto ocorreu em 17.02.2015, foi publicado o Dec.-Lei na 135/2015, de 20/07 (com um regime contraordenacional previsto no artigo 35.0, tendo relevância designadamente o estatuído nos n.os 2 e 3 do mesmo).
Estatui o referido Decreto-Lei no artigo 2.º que:
1 - O presente decreto-lei aplica-se aos artigos de pirotecnia, entendendo-se como tal para efeitos do presente decreto-lei, os artigos que contenham substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas
(...)
E nos termos do artigo 6.0 do mesmo diploma legal:
1 - Os artigos de pirotecnia são classificados pelo fabricante de acordo com o tipo de utilização, a finalidade e o nível de risco, incluindo o sonoro.
2 - Esta classificação deve ser confirmada pelos organismos notificados autorizados nos termos previstos no artigo 21.º, decorrente dos procedimentos de avaliação da conformidade estabelecidos no artigo 17.º
3 - Os artigos de pirotecnia são classificados do seguinte modo: a) Fogos -de -artifício:
i) Categoria F1: fogos-de -artifício que apresentam um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destinam a ser utilizados em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais;
ii) Categoria F2: fogos-de-artifício que apresentam um risco baixo e que se destinam a ser utilizados em áreas confinadas;
iii) Categoria F3: fogos-de-artifício que apresentam um risco médio, que se destinam a ser utilizados em grandes áreas exteriores abertas e cujo nível sonoro não é prejudicial para a saúde humana;
iv) Categoria F4: fogos-de-artifício que apresentam um risco elevado, que se destinam a ser utilizados exclusivamente por pessoas com conhecimentos especializados, sendo conhecidos por fogos -de -artifício para utilização profissional, e cujo nível sonoro não é prejudicial para a saúde humana;
b) Artigos de pirotecnia para teatro:
i) Categoria Tl: artigos de pirotecnia para utilização em palco que apresentam um risco baixo;
ii) Categoria T2: artigos de pirotecnia para utilização em palco que se destinam a ser utilizados exclusivamente por pessoas com conhecimentos especializados.
c) Outros artigos de pirotecnia, não compreendidos nas alíneas anteriores:
i) Categoria Pl: artigos de pirotecnia, com exclusão dos fogos -de -artifício e dos artigos de pirotecnia para teatro, que apresentam um risco baixo;
ii) Categoria P2: artigos de pirotecnia, com exclusão dos fogos -de -artifício e dos artigos de pirotecnia para teatro, que se destinam a ser manipulados ou utilizados exclusivamente por pessoas com conhecimentos especializados.
Esta nova designação de categoria Fl ... Tl. .. e Pl... não foi ainda adoptada pela Lei 5/2006, de 23/02, na última redacção dada pela Lei 50/2013, de 24/07 (aliás posterior à do DL 135/2015, de 20/07), pois continuou a referida lei das armas a adoptar a terminologia categoria 1 em vez de categoria Fl.
É certo que a redacção dada ao artigo 2.0/1-ag) da Lei 5/2006, de 23/02, com as alterações posteriores e resultantes da Lei 50/2013, de 24/07, verificamos que é igual à redacção dada quer ao artigo 6.° /2-a) do DL 34/2010, de 15/04, com as alterações resultantes do DL 144/2013, de 21/10, quer ao artigo 6.° /3-a)-i) do DL 135/2015, de 28/07, sendo ela em todos os referidos normativos:
- artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais.
Quanto à categorização do objecto apreendido ao aqui arguido, e como se refere no Acórdão proferido nestes mesmos autos, do Venerando tribunal da Relação do Porto e como resulta do seu sumário, o referido artigo, "bomba de Carnaval", não se integra na categoria Fi, mas pelas suas características acomoda-se na categoria F2, pois que, não obstante a sua baixa capacidade agressiva, pelo perigo que gera para a integridade física das pessoas justifica a tutela penal.
Ver o Acórdão datado de 13.09.2017, cujo Relator é o Exmo. Sr. juíz Desembargador, Dr. Neto de Moura, com o seguinte sumário (também disponível na internet, www.dgsi.pt:
I - O artefacto vulgarmente conhecido por bomba de carnaval não se integra na categoria P1) mas pelas suas características acomoda-se na categoria P2) pois que) não obstante a sua baixa capacidade agressiva) pelo perigo que gera para a integridade física das pessoas justifica a tutela penal.
II - O facto de não ser livre a sua venda) no mínimo) levaria o arguido a representar a possibilidade de a sua aquisição e detenção serem proibidas.
III - Indiciada a verificação da materialidade da infracção e conhecida a proibição legal segundo as regras da experiência comum) podemos deduzir que aquela foi cometida com dolo.
Assim, e tendo em conta a matéria de facto dada como provado e ainda o vertido no referido Acórdão, o engenho apreendido na posse do arguido ou detido pelo arguido, tem assim a categoria F2 e é considerado um artigo de pirotecnia, fogo-de-artifício que apresenta um risco baixo e um nível sonoro baixo e que se destinam a ser utilizados em áreas exteriores confinadas.
Tal engenho inclui-se na alínea d) do nº1 do art. 86° do RJAM.
O arguido agiu ainda com dolo eventual, pois, apesar de saber que o objecto que detinha era perigoso, conformou-se com tal, e como já se referiu, e face a tal elemento cognitivo, não podia deixar de saber que, tal facto poderia constituir um ilícito penal - não podia desconhecer tal situação.
Face ao exposto e de acordo com elementos factuais dados como provados nos presentes autos, dúvidas não restam de que se encontram verificados todos os elementos do tipo legal objectivos e subjectivo, por parte do arguido do art. 86°, nºl al. d) do Regime Jurídico das Armas e Munições.
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I.2. Recurso do arguido (conclusões que se transcrevem integralmente).
1. O histórico atribulado dos autos bem como as incongruência (…) reportadas implicam que se dêem como não provados os factos de 1 a 4 dos provados.
2.Não se encontra de forma nenhuma provado, de forma a afastar a aplicação do princípio in dubio pro reu, que o objeto que aparentava ser bomba de carnaval tivesse características intrínsecas que o fizessem incluir na definição legal de artigo piroténico ou fogo de artificio o que inviabiliza a condenação nos termos legais em que foi decretada e implica a absolvição.
3. Não está sequer demonstrado nos autos que alguma vez o artefacto em causa tenha sido enviado para perícia. Não há qualquer auto que o registe, e as informações a esse respeito são verdadeiramente equivocas.
4. Não se sabe se, onde ou quando o mesmo foi destruído.
5. As alíneas af) e ag) do n.° 5 do art.° 2° da lei 5/2006, consagram apenas, como decorre do corpo comum do artigo, definições legais para efeitos de uniformização conceptual, não fazendo parte ou servindo à tipificação ou qualificação do crime;
6. O tribunal qualificou a "bomba de carnaval" encontrada na posse do recorrente como arma do tipo F2;
7. A lei 5/2006 não tem correspondente do tipo F2;
8. De facto, o artigo 3° desta, no seu n.° 8, não faz qualquer referência a fogos de artifício ou artigos pirotécnicos, mas antes a matracas, sabres, outras armas brancas, réplicas de armas de fogo e armas de fogo ornamentais porque inutilizadas;
9. Não há correspondência desta lei com as nomenclaturas ou definições legais adoptadas pelo DL 135/2015 de 28/07;
10. Acresce que, as armas que relevam para o efeito de aplicação do art.° 86° da Lei 5/2006 são apenas as classificadas como tal nessa mesma lei e não no DL 135/2015 que apenas as pune como contra-ordenação;
11. As armas da classe F, de acordo com o art.° 10° Lei 5/2006, nunca poderão ser as bombas de carnaval, pois que estas estão por natureza afastadas dos requisitos consignados neste preceito;
12. A Lei 5/2006 foi alterada em 2013 pela Lei 50/2013 de 24/07, deixando para o DL 135/2015 a classificação dos artigos de pirotecnia, designadamente, como fogos de artifício;
13. Apenas com a publicação deste DL surgiu a categoria F2, reportada a fogos de artifício que apresentam um risco baixo e se destinam a ser utilizados em áreas confinadas;
14. Não existindo a categoria F2 na Lei 5/2006, não podem os artefactos que preencham a norma de ii) da alínea a) do n.° 3 do art.° 6° do DL 135/2015, ser considerados como arma proibida nos termos e para os efeitos daquela lei, nem considerar criminalizados por aquela lei 5/2006, até porque este DL 135/2015 concluiu a transposição para o ordenamento jurídico português das directivas europeias 2007/23CE de 23/05 e 2013/29/EU do Parlamento e do Conselho de 12/06/2013, respeitantes a artigos de pirotecnia, e sendo este regime posterior à lei das armas e a última das referidas directivas coeva da última alteração da Lei 5/2006, se fosse intenção dos legisladores qualificar como crime a posse ou outra qualquer forma de utilização ou contacto com os artigos de pirotecnia da categoria F2, tê-lo-ia feito de forma clara.
15. O DL 135/2015 no seu art.° 35, n.° 2, alínea b), apenas instituiu um regime contra-ordenacional para os utilizadores de fogos-de-artifício da categoria F2.
16. Nunca em lado algum esta categoria de fogos-de-artifício se encontra criminalizada.
17. O art.° 86° da Lei 5/2006, pune a detenção de artigos de pirotecnia, com excepção dos fogos de artifício de categoria 1 mas, tal categoria não existe autonomizada em nenhum dos diplomas.
18. O art.° 7° do DL 135/2015, no seu n.° 1, alínea a), ii), permite a disponibilização de fogos de artifício da categoria F2 aos maiores de 16 anos, o que torna lícita a utilização.
19. O recorrente nasceu em 03.04.1998 pelo que à data de 17.02.2015, quando foi encontrado com o artefacto tinha 16 anos.
20. Logo a detenção que fazia do objecto era licita, a fazer fé e admitindo que se tratando efectivamente de artefacto que integrasse a categoria dos fogos de artificio, no que, nem assim se concede.
21. Assim sendo, o artefacto detido pelo recorrente não constitui arma proibida nos termos e para os efeitos da Lei 5/2006 e nem sequer era de uso ilícito pelo recorrente.
22. Pelo que se encontra violado o princípio da legalidade ou tipicidade, nullum crimen sine lege, previsto no art.° 1°, n.° 1 do C.P., bem como a norma de que o tribunal se serviu para incriminar o arguido, ou seja, pelo art.° 86°, n.° 1, alínea d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, bem como todas as citadas normas do DL 135/2015.
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I.3. Resposta do MºPº ao recurso (motivação que se transcreve parcialmente).
B) Da prova pericial
O arguido sustenta a sua posição no facto de o relatório/informação constante dos autos e que conclui pela natureza de artigo de pirotecnia do artefacto detido pelo arguido, não ter sido elaborado no âmbito de uma perícia.
Vejamos.
Como melhor ficou expresso pelo Ex.mo Senhor Juiz Desembargador relator aquando da decisão do recurso apresentado pelo Ministério Público nestes autos, existem de facto diferenças entre uma perícia e um exame: enquanto que a primeira é considerada meio de prova, a segunda é um meio de obtenção de prova.
Para além do mais, a primeira só pode ser realizada por quem detém especiais conhecimentos técnicos, enquanto que o segundo pode ser realizado por qualquer pessoa.
Quanto à valoração de ambos, a perícia tem um reforçado valor probatório - estando, por regra, subtraído à livre convicção do julgador -, enquanto que o resultado do exame é livremente apreciado pelo Tribunal.
No caso dos autos, na verdade, não foi determinada a realização de perícia, mas foi efectuado um exame ao artefacto apreendido, já que decorre da prova documental que o mesmo foi verificado e observado, indicando-se as suas características e juntando-se registo fotográfico.
Daqui resulta que tais conclusões foram e bem apreciadas pelo Tribunal, já que não é o facto de não se tratar de perícia, que afasta a ponderação das mesmas pelo julgador.
Acresce que tal exame foi realizado pela Equipa de Inactivação de Engenhos Explosivos da GNR, precisamente a entidade competente para proceder à realização de perícia, porque dotada dos tais conhecimentos técnicos especiais.
C) Da classificação do artefacto
Vem ainda o arguido alegar que as conclusões do exame não o integram em qualquer categoria das previstas no art.° 6.° do D.L. n.° 34/10, de 15 de Abril.
Uma vez mais, entendemos não assistir razão ao recorrente.
É que inequívoca e expressamente, em todas as informações emitidas pelo NAE, encontra-se consignado que o artefacto em causa nos autos não pode ser integrado na categoria F1, atentas as suas características.
Seguidamente conclui-se pela presunção da sua inclusão na categoria F2.
Ainda que as presunções não sejam admissíveis, o que resulta evidente é que, por exclusão de parte, não pertencendo à categoria F1, pelo menos, teria de pertencer à F2, ou superior.
Contrariamente à interpretação conferida pelo recorrente, a subsunção do artefacto à categoria F2 é efectuada por não existirem elementos que permitissem, com a segurança e certeza que se impõem, subsumi-lo a categoria superior, não obstante poder ser o caso.
Mas que, face à sua exclusão da categoria F1 e tratando-se inequivocamente de um artigo pirotécnico, teria necessariamente e pelo menos, de pertencer à categoria F2.
Daqui resulta que o tipo legal pelo qual o arguido foi acusado e condenado em 1.a instância, se encontra preenchido: é que só não se encontram abrangidos pela norma legal ínsita no art.° 86.°, do RJAM, os artigos pirotécnicos classificados como F1.
O que seguramente não é o caso dos autos.
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I.4. Parecer do Ministério Público na Relação (argumentação que se transcreve parcialmente)
a) No tocante à qualidade pirotécnica do artefacto encontrado na posse do arguido, o recorrente regressa à "rábula" da perícia que não foi feita, do exame que não foi bem isso, para querer convencer-nos de que o tribunal deveria ter ficado com dúvidas sobre as qualidades do artefacto.
Ora, tal questão foi objeto de apreciação no Acórdão desta Relação de fls. 206 e ss. (…)
contrariamente ao alegado pelo recorrente, existem nos autos, tal como consta da motivação da sentença ora questionada (cf. último § de fls. 258) várias "informações" técnicas sobre as características do artefacto que o arguido tinha consigo e que são de molde a afastar qualquer dúvida sobre a sua natureza "a única certeza é de que o mesmo. não se pode classificar ou inserir na Categoria Fl. tanto pelas suas características, como pelos seus efeitos sonoro e calorífico" (cf. fls. 70, em resposta a esclarecimentos pedidos pela investigação). (…)
b) Relativamente à incriminação da posse do artefacto, importa referir que nenhuma crítica, do nosso ponto de vista, merece a decisão do tribunal que, aliás, justifica claramente a sua opção após deambulação pelos diplomas relativos aos artefactos pirotécnicos.
Na verdade, se, como ficou provado, estamos perante um artigo de pirotecnia, porquanto o artefacto continha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas, que pelas suas características NÃO se destinava a ser utilizado no interior de edifícios residenciais, a sua posse faz o detentor incorrer no crime p. p. pelo art. 86.°, n.° 1, d), com referência ao art. 2.°, n.° 5, af), ambos da lei 5/2006, de 23/02, tal como aqui sucedeu.
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II. Objecto do recurso e sua apreciação.
O objecto do recurso está limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente (cfr. Ac. do STJ, de 15/04/2010: “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”, sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (orientação vinculada que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95).
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336).
O recorrente questiona:
1ª a decisão sobre a matéria de facto relativa aos factos provados submetidos aos pontos 1 a 4;
2º a decisão sobre a matéria de direito na parte relativa ao enquadramento jurídico penal dos factos.
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II.1. Da impugnação do julgamento sobre a matéria de facto.
O recurso pode ter como objecto a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caso em que deve especificar:
- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (artigo 412º, nº3, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal).
O julgamento da matéria de facto em primeira instância obedece a princípios estabelecidos na lei para potenciar a descoberta da verdade histórica a partir dos meios de prova que a representam.
Por outro lado, o julgamento da matéria de facto está sujeito ao princípio da livre apreciação estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal, princípio válido para o julgamento em primeira instância como para a verificação de eventuais erros de julgamento na Relação, de acordo com exame crítico da prova que não deixa de estar vinculado a critérios objectivos jurídico-racionais e às regras da lógica, da ciência e da experiência comum.
O referido princípio, relativo à prova, permite ao julgador apreciar os meios de prova na base da sua livre valoração e da sua convicção pessoal, por contraste ao sistema de prova legal, onde apreciação da prova tem lugar na base de regras legais predeterminadas.
Concluindo, só haverá erro de julgamento da matéria de facto, susceptível de ser modificado em sede de recurso, naquelas situações em que o recorrente consiga demonstrar que a convicção do tribunal de primeira instância sobre a veracidade de certo facto é inadmissível (não é sustentada em dados objectivos) ou que existem outras hipóteses dadas pelas provas tão ou mais plausíveis do que aquela adoptada pelo tribunal recorrido.
A impugnação efectuada pelo recorrente tem como fundamento exclusivo a ausência de prova pericial relativa ao artefacto apreendido ao arguido e a equivocidade das informações a esse respeito.
Esta questão foi já processualmente dissecada, de forma exaustiva, por este tribunal superior no acórdão proferido em relação ao despacho instrutório de não pronuncia do ora recorrente (fls.206 a 221). No mesmo, deliberou-se: “(…) Apesar da confusão e falta de rigor terminológico que se observa na prática judiciária quando se fala em perícias e exames (são, relativamente, frequentes as alusões a "exames periciais", a "informações periciais" ou, simplesmente, a "informações", figuras que a lei processual penal não acolhe ), estamos perante figuras jurídicas do direito probatório distintas e com regulamentação legal diversa.
A perícia é considerada um meio de prova, ao passo que um exame é um meio de obtenção de prova (a distinção resulta, desde logo, da inserção sistemática das pertinentes normas que definem os respectivos regimes) (…).
Diferentemente do que acontece com o exame, só pode realizar uma perícia quem tenha especiais conhecimentos técnicos, artísticos ou científicos (art.° 151.°) e para tanto seja especialmente nomeado para cada caso por despacho da autoridade judiciária (que indica, de forma sumária, o respectivo objecto).
Os exames podem ser realizados por qualquer pessoa, sem especiais exigências de conhecimento ou preparação técnica. Por isso são, em regra, efectuados por órgãos de polícia criminal.
No entanto, um exame pode ser realizado (e pode mesmo exigir que seja feito) por quem tenha especiais conhecimentos técnicos, artísticos ou científicos quando a detecção de vestígios requeira esses conhecimentos.
A perícia tem uma finalidade valorativa (o perito interpreta e avalia os vestígios da prática do crime).
Por seu turno, o exame tem uma finalidade descritiva: visa a inspecção e detecção de vestígios da prática de um crime e a sua descrição em auto, ou seja, é, essencialmente, uma actividade de recolha de meios de prova, sejam pessoais ou reais. Como ensina o Professor G. Marques da Silva ("Curso de Processo Penal", vol. II, Verbo, 5.° edição, 281), "a finalidade do exame é fixar documentalmente ou permitir a observação directa pelo tribunal de factos relevantes em matéria probatória" e, mesmo quando efectuado por pessoa com especiais conhecimentos, "o exame distingue-se da perícia porquanto aquele apenas descreve o que o examinador observa..."
A actividade dos peritos culmina com a elaboração de um relatório, no qual são formuladas conclusões devidamente fundamentadas. Nas conclusões, os peritos emitem uma opinião, tiram dos vestígios as ilações que eles consentem , apreciam ou qualificam os factos que são objecto da perícia à luz dos conhecimentos técnicos ou científicos que possuem.
Como está bem de ver, quem tenha realizado a perícia (ou participado na sua realização, se for uma perícia colegial) só pode intervir na audiência como perito e para prestar esclarecimentos.
A perícia, ou melhor, o respectivo juízo técnico, científico ou artístico, tem um reforçado valor probatório, estando, em princípio, subtraído à livre apreciação do julgador.
Já o resultado de um exame é livremente apreciado pelo tribunal.
Apesar de se referir no auto de notícia de fls. 3 que "por se tratar de um artigo de pirotecnia vai o mesmo ser remetido para perícia/destruição, pela Equipa de Inactivação de Engenhos Explosivos da Guarda Nacional Republicana", certo é que não foi realizada qualquer perícia. Aliás, não se justificava, pois não eram necessários especiais conhecimentos técnicos ou científicos para descrever as características do objecto.
Mas impunha-se a realização de um exame e era o que devia ter determinado a magistrada do MP titular do inquérito. Em vez disso, determinou que a GNR informasse "se o objecto apreendido configura um objecto pirotécnico, e se o mesmo se enquadra como «arma» nos termos e para os efeitos do RJ AM" e foram "informações" que a entidade policial remeteu para os autos (fls. 10-12, 20-22 e 69-70).
Não é a circunstância de haver "informações" e não um "relatório de exame" que permite afirmar, como se afirma na decisão instrutória que, verdadeiramente, não foi efectuado um exame ao objecto.
Apesar de, na "informação" inicial (fls. 10-12), se referir que "os dados respeitantes ao engenho pirotécnico são muito poucos, para se poder dar uma informação mais concreta" (anotando-se até a inexistência de uma fotografia, quando, na realidade, existia registo fotográfico do objecto), nas informações posteriores já se garante que o artefacto foi directamente "verificado e observado" e são indicadas as suas características.
O registo fotográfico que acompanha a última "informação" é sinal de que, efectivamente, se procedeu a essa "verificação e observação" e, portanto, que são fiáveis as informações transmitidas.
Comum a todas as "informações" é a afirmação peremptória de que o "engenho" não pode ser integrado na categoria 1 (ou Fi, como se queira) e que o mais ajustado é incluí-lo na categoria 2 (ou F2). Conclusão que se baseia "nos conhecimentos teórico- práticos, fruto da experiência, assim como pelas situações/experiências análogas já vivenciadas operacionalmente com artefactos com as mesmas características".
Recorde-se que os artigos de pirotecnia da categoria 1 são aqueles que apresentam um risco tão baixo e um nível sonoro tão insignificante que se destinam a ser utilizados no interior de casas de habitação.
Ora, só a alguém sem um mínimo de sensatez ou mentalmente insano ocorreria fazer rebentar bombas de carnaval dentro da sua casa de residência, pois é da experiência comum que tais artefactos, pelos seus efeitos caloríficos, podem causar queimaduras e, pelos seus efeitos sonoros, podem provocar lesões auditivas.
Admitir a possibilidade de um tal artefacto integrar aquela categoria 1 vai contra a razão e as regras da lógica.
Aliás, como decorre do auto de notícia, foi o deflagrar (e, portanto, o efeito sonoro provocado) de uma bomba de carnaval que despertou a atenção do agente de autoridade que o elaborou e que justificou a abordagem do arguido, o qual trazia consigo, no bolso das calças que vestia, o engenho apreendido, muito provavelmente, do mesmo tipo que o deflagrado.
São estes indícios que, analisados em conjunto, concatenadamente, conjugando- os e estabelecendo correlações internas entre eles, fazendo inferências ou deduções de factos conhecidos (sobretudo o facto de se tratar de uma "bomba de carnaval") e tendo sempre presentes as regras da lógica e as máximas da experiência, ao contrário do que concluiu o Sr. Juiz de instrução, permitem adquirir a certeza bastante de que o artefacto que o arguido detinha não se integra na categoria 1 e que, pelas suas características, acomoda-se na categoria 2 (ou F2)'3, pelo que o tipo objectivo do ilícito descrito no artigo 86.°, n.° 1, al. d), da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, está indiciariamente preenchido.
O referido acórdão pronunciou-se sobre os meios de prova existentes (e utilizados pelo julgador) para caracterizar o artefacto detido pelo recorrente (sendo juridicamente irrelevante que o tenha efectuado no âmbito de uma fase processual diferente uma vez que versa sobre um assunto transversal a qualquer das fases do processo: a valoração de meios de prova).
Estabelece, por isso, o designado comando processual da autoridade de caso julgado, que se não confunde com a excepção dilatória (que impede o conhecimento do mérito da causa) e pressupõe exactamente o fenómeno oposto, o conhecimento do mérito da causa.
O caso julgado, independentemente da natureza jurídica que possa revestir, visa obstar a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garantir a resolução definitiva dos litígios. Porém, “(…) o comando processual da autoridade de caso julgado dirige-se directamente ao tribunal, como norma para o proferimento de uma decisão jurisdicional, e correlativamente às partes como norma de uma conduta processual ou extra processual; o comando processual da excepção de caso julgado dirige-se directamente ao tribunal, como norma para a omissão de uma sentença judicial e, correlativamente às partes, como uma norma para um comportamento adjectivo (…)” - Miguel Teixeira de Sousa (cfr. Caso Julgado Material, BMJ, 325, pag.202).
O tribunal, no caso concreto, estará impedido de reapreciar, por força daquela autoridade, as questões que a primeira sentença teve necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada – cfr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Lisboa, 1971, pag.273.
No primeiro recurso foi definitivamente decidido, relativamente à caracterização do artefacto, a desnecessidade de o submeter a prova pericial e a livre apreciação pelo julgador dos exames efectuados ao artefacto e seu registo fotográfico pelo órgão de polícia criminal.
O recurso, nesta parte, é improcedente por força da autoridade do caso julgado formado no referido acórdão.
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II.2. Do erro de julgamento relativamente a decisão da matéria de direito.
Questiona, o recorrente, o enquadramento jurídico penal dos factos, alegando que mesmo admitindo que o artefacto integrava a categoria dos fogos de artifício a sua conduta não é punível.
Também relativamente a esta matéria se pronunciou especificamente, o referido acórdão deste tribunal superior com exclusão da lei nova (Decreto-Lei nº135/2015, de 230 de Julho), posterior à data da prática dos factos.
No mesmo, entendeu-se:
“(…) O artigo 86.°, n.° 1, da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro , que contém o regime jurídico das armas e munições (RJAM), diz-nos que comete o crime de detenção de arma proibida quem, sem autorização, fora das condições legais, ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo alguma das armas ou algum dos instrumentos, engenhos, equipamentos, produtos ou substâncias elencados nas suas quatro alíneas.
Para o caso, interessa-nos considerar, especificamente, a detenção de "artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício de categoria 1" a que alude o trecho final da alínea c) daquele preceito legal.
As alíneas af) e ag) do n.° 5 do artigo 2º do RJAM definem o que deve entender- se por:
"Artigo de pirotecnia": qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas (ai. af)) ;
"Fogo-de-artifício dc categoria 1": o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de- artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais.
Também com interesse para o caso, o artigo 6.° do Dec. Lei nº 34/2010, de 15 de Abril, que, no seu n.°1, estabelece as seguintes categorias de fogos-de-artifício em função do tipo de utilização, finalidade e nível de risco:
Categoria 1: fogos-de-artifício que apresentam um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destinam a ser utilizados em áreas confinadas, incluindo os fogos-de- artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais;
Categoria 2: fogos-de-artifício que apresentam um risco baixo e um nível sonoro baixo e que se destinam a ser utilizados em áreas exteriores confinadas;
Categoria 3: fogos-de-artifício que apresentam um risco médio, que se destinam a ser utilizados em grandes áreas exteriores abertas e cujo nível sonoro não é prejudicial para a saúde;
Categoria 4: fogos-de-artifício que apresentam um risco elevado, que se destinam a ser utilizados exclusivamente por pessoas com conhecimentos especializados, comummente conhecidos por «fogos-de-artifício para utilização profissional», e cujo nível sonoro não é prejudicial para a saúde humana.
Assim, se o artefacto em causa, pelas suas características, puder ser incluído em alguma das referidas categorias, que não na categoria 1, uma vez que o arguido não tinha autorização para a sua aquisição e/ou detenção, estará verificado o tipo objectivo do crime previsto e punível pelo artigo 86.°, n.° 1, da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro (…) o artefacto que o arguido detinha não se integra na categoria 1 e (…) pelas suas características, acomoda-se na categoria 2 (ou F2), pelo que o tipo objectivo do ilícito descrito no artigo 86.°, n.° 1, al. d), da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, está indiciariamente preenchido.(…)”.
Dito de outra forma, nos termos conjugados dos artigos 86º, nº1, alínea d), e 2º, nº5, alíneas af) e ag), da Lei nº5/2006, de 23 de Fevereiro (na redacção, quanto ao último, introduzida pela Lei nº50/2013, de 24 de Julho), quem, sem se encontrar autorizado, detiver artigos de pirotecnia (artigos que contenham substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas) exceto os fogos-de-artifício de categoria 1 (artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais), é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
À data da entrada em vigor da punição da detenção ilícita de artigos de pirotecnia (a referida alteração efectuada em 2013) vigorava o Decreto-Lei nº 34/2010, de 15 de Abril, que transpôs a Directiva n.º 2007/23/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Maio, no sentido de defesa dos consumidores e da prevenção de acidentes, fixando os requisitos essenciais de segurança para os artigos de pirotecnia, limitando a aquisição, utilização ou comércio de certas categorias de fogos-de-artifício, por razões de ordem pública ou de segurança pública, e tendo em consideração a existência de costumes e tradições culturais relevantes.
Em tal diploma (artigo 3º, alínea a)) definiu-se artigo de pirotecnia, qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reacções químicas exotérmicas auto-sustentadas (definição posteriormente reproduzida no artigo 2º, nº5, alínea af), da Lei nº5/2006, de 23 de Fevereiro) e fogo-de-artifício um artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento (artigo 3º, alínea b)).
Relativamente à sua classificação, de acordo o tipo de utilização, a finalidade e o nível de risco, incluindo o sonoro (artigo 6º) os fogos-de–artifício obedecem às categorias 1, 2, 3 e 4 (referidas no acórdão proferido). Este diploma (alterado, sem significado relevante para este caso, pelo Decreto-Lei nº144/2013, de 21 de Outubro) estabeleceu o regime contra-ordenacional para a violação das obrigações do fabricante, da rotulagem dos artigos de pirotecnia, a violação das obrigações do importador e distribuidor, a venda a menores e, por fim, para a utilização com desrespeito pelas prescrições contidas nos rótulos ou em norma técnica, nomeadamente quanto ao local, utilização ou em incumprimento das distâncias mínimas de segurança exigíveis (artigo 15º).
Já depois da prática do crime imputado, entrou em vigor o Decreto-Lei nº135/2015, de 230 de Julho que procedeu à reclassificação das categorias de fogos-de-artifício por mera aposição da letra F ao algarismo correspondente, sem qualquer alteração na sua definição: o regime em causa permaneceu inalterado, sendo juridicamente neutra a não transposição da referida consoante para a redacção da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro. Por outro lado idêntico regime contra-ordenacional foi consagrado naquele diploma legal que entrou em vigor após a prática do facto pelo recorrente (artigo 35º Decreto-Lei nº135/2015, de 23 de Julho).
O regime contra-ordenacional previsto (no Decreto-Lei nº 34/2010, de 15 de Abril e, posteriormente, no Decreto-Lei nº135/2015, de 23 de Julho) na parte relativa ao sancionamento do comportamento do utilizador do artigo de pirotecnia, pressupõe a sua detenção lícita e pune a utilização com desrespeito pelas prescrições contidas nos rótulos ou em norma técnica, nomeadamente quanto ao local, utilização ou em incumprimento das distâncias mínimas de segurança exigíveis.
Pelo contrário, o regime penal previsto Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro, pune a detenção ou utilização ilícita do artigo de pirotecnia, aquela efectuada sem autorização, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente.
Aqui se levanta o principal problema uma vez que aparentemente os artigos de pirotecnia (fogo-de-artifício de categoria 2 ou F2) podem ser vendidos a maiores de 16 anos (artigo 13º, nº2, alínea a), do Decreto-Lei nº 34/2010, de 15 de Abril, e artigo 7º, nº1, alínea a), ii), do Decreto-Lei nº135/2015, de 23 de Julho).
A detenção, pelo recorrente, do referido artigo pirotécnico, correspondendo à categoria 2 do fogo-de-artifício (posto que se não está questionada a forma da sua aquisição), não seria ilícita (não careceria de autorização).
A classificação adoptada na sentença (F2) funda-se, como vimos, num diploma que entrou em vigor após a data da prática dos factos (ocorridos no dia17 de Fevereiro de 2015), o Decreto-Lei nº135/2015, de 20 de Agosto, que revogou expressamente (artigo 41º, alíneas a) e b)) o Decreto-Lei nº 34/2010, de 15 de Abril, e o Decreto-Lei n.º 144/2013, de 21 de Outubro.
Porém (sendo certo que apenas o MºPº junto deste tribunal, no primeiro recurso, detectou o centro da problemática envolvida no julgamento do comportamento do recorrente) quer o Decreto-Lei nº 34/2010, de 15 de Abril, quer a lei posterior, o Decreto-Lei nº135/2015, de 20 de Julho, que procederam à harmonização das disposições em vigor nos diversos Estados membros relativas à colocação no mercado de artigos de pirotecnia, não revogaram o Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comercialização e Emprego de Produtos Explosivos aprovado pelo Decreto -Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, alterado pelo Decreto -Lei n.º 474/88, de 22 de Dezembro (bem como o regime de cadastro e fiscalização da produção, transporte, importação, exportação, comércio, detenção, armazenagem e emprego de substâncias explosivas estabelecidas no Decreto-Lei n.º 521/71, de 24 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 35/94, de 8 de Fevereiro, 265/94, de 25 de Outubro, e 119/2010, de 27 de Outubro).
O artefacto em questão é uma bomba de carnaval de categoria 2, engenho pirotécnico de arremesso.
Nos termos dos artigos 22º, nº6, e 31º, nº6, do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comercialização e Emprego de Produtos Explosivos a venda de bombas de arremesso só pode ser feita às pessoas que, tendo obtido das entidades competentes autorização para a sua aquisição e lançamento, exibam o respectivo documento comprovativo no momento da compra.
Tal autorização deverá ser requerida no comando concelhio da respectiva autoridade policial, só podendo ser concedida se estiverem verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Ter o requerente idade não inferior a 18 anos;
b) Destinarem-se as bombas de arremesso a ser usadas para fins não lúdicos, designadamente na defesa de produções agrícolas ou florestais, ou, ainda, para o exercício autorizado da caça de batida;
c) Quando o local projectado para o lançamento não implique perigo ou prejuízo para terceiros;
d) Quando as quantidades sejam devidamente justificadas.
Esta autorização passou a ser exigida após a alteração do referido regime operada em 1988 e visou a evicção de frequentes e nefastos acidentes resultantes da utilização das designadas “bombas de Carnaval”, de forma claramente exposta pelo legislador ordinário no preâmbulo do Decreto-Lei nº474/88, de 22 de Dezembro:
“(…) Todos os anos são noticiados inúmeros acidentes provocados pela utilização das chamadas «bombas de Carnaval».
As vítimas de tais acidentes, alguns de reconhecida gravidade, são, na sua grande maioria, crianças em idade escolar.
Em face do exposto, a que se acresce o ruído, particularmente perturbador do sossego, provocado pelo uso daqueles explosivos nas brincadeiras carnavalescas de crianças e adolescentes, impõe-se a tomada de medidas que ponham termo a esta situação.
Sendo certo que as conhecidas «bombas de Carnaval» são apenas um tipo das tecnicamente designadas «bombas de arremesso», espécie de fogos-de-artifício, considerados produto explosivo, torna-se necessário integrar sistematicamente as soluções normativas a adoptar no quadro dos pertinentes instrumentos jurídicos em vigor, nomeadamente os aprovados pelo Decreto-Lei 376/84, de 30 de Novembro.
Com o presente diploma, a venda e o lançamento das bombas de arremesso e, designadamente, das chamadas «bombas de Carnaval» ficam sujeitos a licenciamento prévio, susceptível de concessão, apenas, a maiores de 18 anos, restringindo-se o seu uso à realização de fins não lúdicos, caso da defesa de produções agrícolas ou florestais, e ainda ao exercício da caça de batida. Por outro lado, estabelecem-se mecanismos que permitirão o controle das operações de compra e venda. (…)”
Concluindo, a detenção e utilização do engenho em causa carece de autorização e o recorrente não a havia solicitado, sendo certo que, pela mera aplicação do requisito etário, seria a mesma insusceptível de atribuição.
A sentença recorrida, com este reparo argumentativo relativo à necessidade de autorização da sua aquisição, não será alterada, devendo ser objecto de execução a pena substitutiva de admoestação fixada.
*
III. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCs (artigos 513º, nº1, do CPP e Tabela III do RCP).
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Porto, 11 de Julho de 2018
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro