Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
540/05.5TMAVR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: PROCESSO EXECUTIVO
MORTE DO DEVEDOR
INCIDENTE DE HABILITAÇÃO
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
Nº do Documento: RP20220404540/05.5TMAVR-C.P1
Data do Acordão: 04/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O disposto no artigo 744 do CPC não deve interpretar-se como impedindo a habilitação de herdeiros em sede executiva, uma vez tem um sentido diferente, ou seja, o de regular a execução inicialmente instaurada contra o herdeiro, articulando-a com o regime de dívidas da herança e a penhora de bens.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:

1

Sumário (da responsabilidade do relator):
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Processo n.º 540/05.5TMAVR-C.P1

Recorrente – AA
Recorridos - BB, CC e DD

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório
A exequente AA, divorciada, veio requerer “nos termos do artigo 371 e ss do Código de Processo Civil” o presente INCIDENTE DE HABILITAÇÃO contra BB, CC e DD, pretendendo que os requeridos sejam considerados sucessores do falecido executado EE, substituindo o mesmo na ação e apensos.

Fundamentando a pretendida habilitação, alegou, em síntese: O executado EE faleceu no estado de divorciado, a 5.03.2016, em FF. ..., Canadá, conforme Assento de óbito junto ao autos de execução pelo Sr. Agente de Execução (doc. 1). Não fez testamento, nem deixou outra disposição de última vontade. Deixou com únicos e universais herdeiros os filhos, seus e da exequente: a) BB; b) CC e c) DD. O filho BB nasceu a .../.../1969, sendo à data do óbito do seu pai casado sob o regime da comunhão de adquiridos com GG (doc. 2). O filho CC era à data do óbito do seu pai casado sob o regime da comunhão de adquiridos com HH (doc. 3). A filha DD era, à data do óbito do pai, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com II (doc. 4). A execução foi proposta inicialmente pela requerente contra o executado, que veio a falecer na pendência da ação, devendo para o prosseguimento desta ação ser habilitados os seus sucessores.

Os requeridos foram regularmente citados e não deduziram qualquer oposição.

Na sequência, foi proferida decisão final do incidente, objeto deste recurso, que deu como assente a seguinte matéria de facto, documentalmente provada:
A - O executado EE faleceu no estado de divorciado, 05 de Março de 2016, em FF. ..., Canadá.
B - O executado deixou com únicos e universais herdeiros os filhos do executado e da exequente: - BB; - CC e - DD.
C - O filho BB nasceu a .../.../1969, é filho dos indicados EE e AA, sendo à data do óbito do seu pai casado sob o regime da comunhão de adquiridos com GG.
D - O filho do de cuius contraiu casamento católico, no dia 21 de agosto de 1993, na freguesia ..., Viseu, não tendo celebrado convenção antenupcial, estando assim casados sob o regime da comunhão de adquiridos.
E - O filho CC era à data do óbito do seu pai casado sob o regime da comunhão de adquiridos com HH.
F - O filho do de cuius contraiu casamento católico, no dia 1 de junho de 1996, na freguesia ..., concelho ..., não tendo celebrado convenção antenupcial, estando assim casado sob o regime da comunhão de adquiridos.
G - A filha DD era à data do óbito do pai casada sob o regime da comunhão de adquiridos com II.
H - A filha contraiu casamento católico no dia 28 de maio de 2011, na freguesia e concelho ..., casamento este celebrado sem convenção antenupcial, estando assim casada sob o regime da comunhão de adquiridos.

Sem embargo dos factos transcritos, o tribunal recorrido indeferiu a habilitação de herdeiros requerida, com o fundamento que se transcreve e sublinha: “Nos termos do art. 371, n.º 1, a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes. No entanto em sede de execução, prevê especificamente o art. 744, n.º1 do C.Civil que «na execução movida contra o herdeiro só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança.». A habilitação de herdeiros em execução depende, assim, da prévia partilha da herança pois que, visando a execução a satisfação do crédito exequendo através da execução de bens que sejam objeto da penhora, não pode a execução prosseguir visando a penhora de bens do sucessor que este não tenha recebido da herança. Antes da partilha não tem o herdeiro legitimidade para substituir o devedor originário, sendo o meio idóneo à proteção dos interesses do credor a reclamação dos seus créditos no âmbito do processo de inventário por morte do primitivo devedor. Assim sendo nada tendo sido alegado quanto à realização da partilha por morte do primitivo executado não estão por agora reunidos os requisitos necessários à requerida habilitação.

Contra esta decisão, a requerente veio apelar, pretendendo a revogação do decidido e a procedência da habilitação, e concluindo:
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Não houve resposta ao recurso, legalmente recebido, e os autos Vistos, nada se observando que obste ao conhecimento do mérito da apelação, cujo objeto, atentas as conclusões da apelante, consiste em saber se a decisão deve ser revogada e proceder a habilitação requerida.

II - Fundamentação
II.I- Fundamentação de facto
Os factos constantes do relatório que antecede mostram-se bastantes à apreciação do recurso e da requerida habilitação de herdeiros.

II.II – Fundamentação de Direito
Está em causa nestes autos – na habilitação de herdeiros e no recurso da decisão que a indeferiu – a “habilitação-incidente”, a qual, quando ocorre “por sucessão por morte” é legalmente “obrigatória”, uma vez que “a lei pretende que o processo não continue nem finde sem que se dê a habilitação”. Efetivamente, a morte de uma das partes deve ser comunicada ao processo e aí documentada, a instância deve ser suspensa, e a suspensão cessará com a notificação da decisão de habilitação [v. Miguel Teixeira de Sousa, João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, págs. 381/386]. Como refere Marco Carvalho Gonçalves [Lições de Processo Civil Executivo, 4.ª Edição, Almedina, 2020, págs. 217/219] “a execução deve correr entre os sucessores das pessoas que figuram no título como credor ou como devedor da obrigação exequenda” e “se a sucessão se verificar na pendência da ação executiva, deve ser deduzido o incidente de habilitação, nos termos dos arts. 351.º a 357.º, por forma a fazer intervir na execução o sucessor da parte primitiva”.

No caso presente, não obstante todos os elementos de facto, documentados nos autos, dos quais resulta a qualidade de herdeiros dos requeridos, relativamente ao primitivo executado, entretanto falecido, a citação destes e a não dedução de qualquer oposição à habilitação, o tribunal recorrido, ainda que tenha suspendido a instância executiva, entendeu que no processo executivo, em razão do disposto no artigo 744, n.º 1 do CPC (a referência ao Código Civil resulta de manifesto lapso, como bem nota a apelante) não é admissível a habilitação dos sucessores, pelo menos enquanto não houver partilha, em sede de inventário.

Salvo melhor saber, não podemos acompanhar o entendimento que fundamenta a decisão apelada, nem encontrámos doutrina ou jurisprudência que sufrague tal entendimento. Efetivamente, o disposto no artigo 744 do CPC não deve interpretar-se como um impedimento à habilitação de herdeiros em sede executiva, uma vez que ele tem um sentido diferente, concretamente, o de regular a execução inicialmente instaurada contra o herdeiro, articulando-a com o regime de dívidas da herança e a penhora de bens.

Em suma, não se acompanhando a fundamentação do despacho recorrido, há que dar razão à apelante na sua pretensão de ver prosseguir a execução contra os herdeiros do executado falecido e, em substituição do tribunal recorrido, deferir a requerida habilitação.

Assim, considerando os documentos juntos aos autos, que comprovam a qualidade dos requeridos, filhos do executado e seus herdeiros, e a sua citação, sem terem deduzido qualquer oposição, nos termos dos artigos 351, 352 e 354 do CPC, declaram-se habilitados, para prosseguir os termos da execução, onde era executado inicial o falecido EE:
- BB;
- CC e
- DD.

As custas da habilitação são a cargo da requerente (artigo 539, n.º 1 do CPC), de acordo com a tabela II do RCP, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. As custas do recurso, sem prejuízo do mesmo apoio, são igualmente a seu cargo, atento o proveito (artigo 527, n.º 1, segunda parte, do CPC) e na ausência de qualquer oposição ou resposta ao recurso pelos requeridos.

III – Dispositivo
Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o presente recurso de apelação e, em conformidade, revogando a sentença recorrida, substitui-se a mesma pelo presente acórdão e julga-se procedente o incidente de habilitação de herdeiros, declarando-se habilitados para prosseguir os termos da execução, inicialmente instaurada contra o executado, entretanto falecido, EE, os seus herdeiros BB, CC e DD, devidamente identificados nos autos.

Custas do incidente e da recurso a cargo da requerente/recorrente.

Transitado, baixem os autos para, desde logo, notificação dos habilitados, enquanto condição de cessação de suspensão da ação executiva.

Porto, 4.04.2022
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Mendes Coelho