Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
643/16.0PFPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HORÁCIO CORREIA PINTO
Descritores: CRIME DE DANO
NATUREZA
EXAMES
PERÍCIA
Nº do Documento: RP20200219643/16.0PFPRT.P1
Data do Acordão: 02/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os exames são um meio de obtenção de prova e incidem sobre coisas, lugares, animais ou pessoas, limitam-se à mera observação para indagar vestígios ou indícios de crime; a perícia resulta de um formalismo acrescido quando a apreciação dos factos exige conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
II - O artigo 151.º do Código de Processo Penal não impõe, em termos de obrigatoriedade legal, o deferimento da realização de perícias; existe, para o efeito, uma margem de discricionaridade em ordem a permitir uma recusa justificada, o que sucederá, nomeadamente, quando a realização da diligência não se mostre essencial à descoberta da verdade.
III - Uma vez que o recorrente nunca colocou em causa a espécie das aves em apreço, nunca se suscitaram dúvidas a esse respeito, estamos perante espécies devidamente caracterizadas e os exames dessas aves foram elaborados por técnicos competentes do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, tais exames são suficientes como meio de prova das características dessas aves, sem que para tal seja necessária uma perícia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 643/16.0PFPRT.P1
2ª Secção Criminal – Tribunal da Relação do Porto.
Relatório.
No processo supra identificado, por sentença de 24/01/2019, depositada na mesma data, julgou-se a acusação procedente, por provada, quanto à prática, pelos arguidos B… e C…, em co-autoria material, de um crime de dano contra a natureza, previsto e punido, nos termos dos artºs 278, nº 2, do Cód. Penal, 4, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 316/89, de 22 de Setembro, 11, nº 2, do Decreto-Lei nº 140/99, de 24 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 49/2005, de 24 de Fevereiro, e pela Convenção de Berna, relativa à conservação da vida selvagem e do habitat na Europa, em consequência condeno:
- o arguido B… na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), o que tudo perfaz a multa global de €900,00 (novecentos euros);
- o arguido C… na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de €6,00 (cinco euros), o que tudo perfaz a multa global de €1.080,00 (mil e oitenta euros).

Inconformados com a sentença os arguidos vieram interpor recurso, nos termos de fls. 162/171, formulando as seguintes conclusões:
1 - A sentença recorrida deu como provada, com interesse para o presente recurso, os seguintes factos:
“1 - No dia 27 de Novembro de 2016, cerca das 11:30 horas, os arguidos B… e C…, encontravam-se na Feira dos Pássaros, realizada no …, no Porto, e tinham na sua posse, dentro de duas gaiolas, três aves da espécie “Carduelis Carduelis”, vulgarmente designada por “Pintassilgo” comum, e três aves “Pyrrulla Pyrrulla”, vulgarmente designadas por “Dom Fafe”, pertencentes a espécies protegidas da fauna selvagem.
2 - Ao actuarem pela forma acabada de descrever na antecedência alínea, fizeram-no ambos os arguidos de livre vontade e conscientemente, em conjugação de esforços e intentos, com o propósito de venderem tais aves na Feira dos Pássaros, não obstante saberem que as mesmas pertenciam a espécies protegidas e, como tal, insusceptíveis de serem vendidas.
3 - Sabiam igualmente os arguidos que essas condutas eram ilícitas e punidas criminalmente.”
2 - A convicção do tribunal a quo para determinar quais os factos que, submetidos a produção de prova em audiência, ascenderam à categoria de “provados”, foi motivada nos moldes que se transcrevem: “A convicção do Tribunal quanto aos factos que deu como provados, com a extensão como que o fez, baseou-se na análise critica e valoração conjunta de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a qual foi suficiente para, para além da dúvida razoável, sustentar a respectiva afirmação como tal, com exclusão de quaisquer outros, designadamente que os contrariem.
Os arguidos, escusados no direito que legalmente lhes assiste de o fazerem, não prestaram declarações.
Não obstante, os depoimentos prestados em sede de audiência pelas testemunhas, arroladas na acusação, D… e E…, ambos agentes da Brigada de protecção ambiental da P.S.P. do Porto, pela forma coerente e insuspeitamente isenta como o foram, adiantando as razões da sua ciência relativamente aos concretos factos sobre que se pronunciaram, serviram em absoluto para o suprir e concluir sobre a efectiva responsabilidade de ambos os arguidos no que respeita à pratica dos concretos factos por que vêm acusados. Referiram-se à acção de fiscalização levada a cabo no dia 27 de Novembro de 2016, no …, onde é realizada a chamada Feira dos Pássaros, pela PSP conjuntamente com os Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, à vigilância montada com o propósito de detectar suspeitos que se dedicassem à comercialização de espécies protegidas da fauna selvagem, e o que no desenvolvimento de toda a operação constataram ser o comportamento dos arguidos, efectivamente comercializando aves de espécies protegidas, a culminar na abordagem e apreensão as mesmas das seis aves constantes dos fotogramas de fls. 18 e 19, relativamente às quais nos relatórios de exame directo de fls. 28 e 29 o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas afirmou tratarem-se de três aves da espécie Pyrrulla Pyrrulla (vulgo, Dom Fafe) e três aves da espécie Cardelius Cardelius (vulgo, Pintassilgo), ambas espécies protegidas. Mais referiram o que da conduta dos arguidos convenceu de que efectivamente sabiam da ilegalidade da sua actuação, nomeadamente o facto de os arguidos, ao se aperceberem da presença policial, terem tentado dissimular os objectos (gaiolas e aves).
A mais dos documentos já referidos, teve ainda o Tribunal em conta o teor do auto de notícia de fls. 4 a 7, os autos de apreensão de fls. 23 a 26, os relatórios de vigilância de fls. 27 e 30, as guias de entrega de fls. 31 a 33, e, relativamente aos antecedentes criminais e à situação económica e condição pessoais dos arguidos, ainda, respectivamente, os Certificados de Registo Criminal de fls. 139 e 140 e o print da Segurança Social e a informação policial juntos aos autos respectivamente a fls. 95/96 e 99.”
3 - Assim, entendemos que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova, ao dar como provados os factos vertidos nos pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto dada como provada.
4 - Isto porque, e nos que respeita ao ponto 1 e 2, carecendo a apreciação da autenticidade ou não das espécies apreendidas conhecimentos técnicos e artísticos e, não tendo sido realizada a prova pericial nos termos do artigo 151 do CPP, não poderia o Tribunal a quo ter concluído pela natureza e espécie das aves em causa nos presentes autos, como o fez.
5 - Atentemos pelo que é dito pelo MP no seu despacho de fls. 39 e 40 dos presentes autos:
“Compulsado o expediente junto pela P.S.P. verificamos que do mesmo resulta que os animais apreendidos serão animais considerados de espécies protegidas da fauna selvagem, conforme relatório de exame directo do I.C.N.F. que se mostra juto aos autos.
Contudo, não juntam aos autos qualquer relatório pericial realizado pelos mesmos.
Mais, importa apurar também de que modo os animais foram adquiridos pelo arguido, qual a actuação de ambos os arguidos, se possuem outros animais, onde possui os mesmos e inquirição dos agentes da P.S.P. que se encontravam no local, identificando-se previamente os mesmos e após devem os mesmos descrever o que presenciaram, importa ainda analisar os factos praticados por quem adquiriu os animais, analisando juridicamente os mesmos.
Por outro lado, mostra-se necessário que os animais apreendidos sejam submetidos a perícia por perito especializado e nomeado para o efeito a fim de se apurar cabalmente a sua espécie e se estamos perante a prática de crime ou contra-ordenação.
Ora, tais diligências não são compatíveis com a tramitação do presente expediente sob a forma de processo sumário determinando a remessa do mesmo para o D.I.A.P do Porto a fim de aí seguir os ulteriores termos do processo pelo crime de danos contra a natureza.”
6 - Como podemos ver pelos autos, não foi solicitado ou realizado qualquer relatório pericial feito por um perito especializado e nomeado para o efeito pelo Tribunal a quem incumbiria o controlo da idoneidade científica e ética dessa entidade, de forma a assegurar a consequente imparcialidade dos peritos e credibilidade da perícia.
7 - A perícia supõe despacho da autoridade judiciária na nomeação dos peritos – artigo 154, nº 1, do CPP, pelo que simples constatação nos autos de um exame efectuado por quem não detém tal qualidade, mas feito em área técnica ou científica, não é a mesma coisa do que a junção de uma perícia judicial, por muitos especializados que sejam os seus autores e cientifico o seu conteúdo, como também não o são as testemunhas nas opiniões e juízos alegadamente técnicos que aportem na audiência de discussão e julgamento.
8 - Um processo judicial é uma forma que se pretende equilibrada de chegar a uma decisão pelo que a existência nos autos de um exame directo (fls. 28 e 29), a atestar a espécie das aves apreendidas nos autos (e referidas no ponto 1 dos factos provados), não tem qualquer valor, entenda-se pericial, para comprovar tal facto, o qual como se sabe requer conhecimentos muito específicos técnicos, artísticos e científicos, uma vez que nos movemos no mercado das aves protegidas, já por si bastante escorregadio, como aliás por todos muito bem consabido.
9 - O “exame” está sujeito à regra geral de apreciação probatória, a livre apreciação da prova prevista no artigo 127º do CPP. A perícia, ao invés, é um meio de prova que deve (ou tem que) ser produzido quando o processo e a futura decisão se defrontam com conhecimentos especializados que estão para além das possibilidades de constatação e/ou percepção, efectivas ou presumidas, do tribunal em três campos do saber, os técnicos, os científicos e os artísticos.
10 - São, pois, coisas distintas com distintos regimes. Tão distintos, que a perícia tem (como já vimos) um regime especial de produção e apreciação probatória, diverso de qualquer outro meio de prova ou de obtenção de prova. E esse distinto regime consta do nº 2 do artigo 163 do CPP e determina que o “juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” e que, podendo o juiz “divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência”, mas como apelo aos conhecimentos materiais supostos na perícia.
11 - Por isso que seja nosso entendimento que o artigo 163, nº 2 não é uma excepção à livre apreciação probatória, sim uma sua regra de apreciação qualificada por argumento na mesma área de saber técnico, científico ou artístico.
12 - Sendo a perícia um “meio de prova” – artigos 151 a 163 do CPP – deve realizar-se quando a percepção (compreensão) e a apreciação (valoração) de factos exigirem especiais conhecimentos – artigo 151 do CPP (artigo 388 do CC), que é convenhamos exactamente o caso dos autos.
13 - A perícia pode ser essencial no apuramento de factos, como se pretende no caso em concreto, em que a finalidade da perícia também é apurar factos que não é possível obter de outra forma, como este recurso bem demonstra, pois que assenta na perícia a esperança de obtenção de dados factuais que permitam a condenação ou absolvição dos arguidos e ora recorrentes.
14 - E aqui tanto mais porque os factos do processo estão contidos na regra resultante do artigo 163, nº 1 do CPP, por exigirem um especial juízo técnico científico e artístico, tanto mais que no caso “sub judice”, não estamos perante qualquer relatório pericial, pelo que o exame directo de fls. 28 e 29 e as opiniões das testemunhas ouvidas, por o não serem, não poderão mesmo se conjugadas até, serem valoradas enquanto tal, nomeadamente nos termos e com os efeitos consignados no artigo 163 do CPP.
15 - É indubitável, igualmente, que o exame directo e a opinião reveladas pelas testemunhas ouvidas em julgamento, não têm a natureza de perícia processual na medida em que está omisso também o seu pressuposto formal.
16 - Ora inquestionável, parece-nos é que nos presentes autos não temos qualquer relatório pericial, que possa emitir um “juízo” sobre a verdadeira natureza e espécie das aves apreendidas, mas que seria essencial face à essencialidade dessa mesma perícia, atendendo à especial necessidade de neste caso ser preciso um juízo técnico científico e artístico.
17 - Assim os meios de prova que o tribunal “a quo” se socorreu para fundamentar positivamente o facto provado sob o n.º 1, não podem ser valorados enquanto prova pericial e a ela se substituindo, pois as conclusões do exame directo, e a opinião das testemunhas, não têm qualquer valor enquanto juízo técnico, artístico ou cientifico e qualquer outra prova ou indicio que possa de forma razoável e de acordo com as regras de experiência atribuir a autoria dos factos aos ora recorrentes, não podendo o Tribunal a quo, sem violar o principio da verdade material e do in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova, presumir tal factualidade e dar como provado entre o mais o supra identificado facto (nº1).
18 - Deste modo, perante a ausência de prova pericial, não tem suporte probatório a consideração, pelo tribunal recorrido, de que as aves apreendidas pertencem à espécie Pyrrulla Pyrrulla e Cardelius Cardelius, respectivamente, pelos motivos atrás expostos.
19 - Ora a falta da realização da perícia configura um vicio que é de conhecimento oficioso e contido no artigo 410, nº 2, alínea a) do CPP, ou seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
20 - Pelo que se conclui existir na sentença recorrida tal vicio nos termos supra indicados, por omissão da feitura de uma diligência de prova essencial para a decisão, concretamente a realização de uma perícia à espécie e natureza das aves apreendidas.
21 - A existência manifesta do vício supra referido, torna impossível decidir a causa, o qual acarreta impreterivelmente a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
22 - Há assim, nos termos dos artigos 426, nº 1 e 426-A do CPP, que reenviar o processo para novo julgamento, ordenando-se previamente a feitura de uma perícia por perito especializado e nomeado para o efeito a fim de apurar cabalmente a espécie e natureza das aves apreendidas, nos termos do artigo 151 do CPP.

O recurso foi liminarmente admitido nos termos de fls 176.
O MP respondeu nos termos de fls 178/182.
1. Os arguidos B… e C… foram condenados pela prática, em co-autoria, de um crime de dano contra a natureza, p. e p. nos termos dos artºs 278º, nº 2, do Cód. Penal, 4, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 316/89, de 22 de Setembro, 11, nº 2, do Decreto-Lei nº 140/99, de 24 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 49/2005, de 24 de Fevereiro e pela Convenção de Berna relativa à conservação da vida selvagem e do habitat na Europa.
2. Uma vez que, no decurso do inquérito, não foi realizado exame pericial às aves apreendidas, vêm, agora, em sede de recurso, invocar a nulidade da sentença, por ter decidido pela condenação dos arguidos sem realização do citado exame pericial e, alegam ainda, que a mesma sentença, padece de erro na apreciação da prova.
3. Quanto ao invocado erro, entendemos que, da leitura da sentença recorrida – designadamente na parte atinente à matéria de facto provada e aos meios de prova determinantes da convicção do tribunal – não resulta que o tribunal tenha considerado provados factos que, manifestamente, de harmonia com as regras da lógica e da experiência comum, estejam incorrectos ou não possam ter acontecido da forma descrita, não se verificando, pois, os vícios na apreciação da prova previstos nas alªs a) e c) do nº 2 do artº 410 do CPP.
4. Com efeito, conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/1998; BMJ, 476, 82, “Só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à qual chegou o tribunal (...)”.
5. Nos termos do artº 379 do CPP “é nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374 ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 389 -A e 391-F; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358 e 359 alª c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.“
6. Nenhuma das situações previstas no artº 379 do CPP se verifica nos autos, nem nenhuma delas foi invocada pelos recorrentes.
7. Com efeito, e reforçando o supra referido, cite-se, a este propósito o Acórdão TRL de 19-02-2013 … quando refere que “a
nulidade por omissão de diligências (artº 120, nº 1 alª d), do CPP), não sendo uma nulidade da sentença, mas uma nulidade do procedimento, não pode estar sujeita ao regime do artº 379, mas ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos artºs 120 e 121, do mesmo Código, pelo que tinha de ser invocada no prazo de dez dias (artº 105, nº 1, do CPP), se outra coisa não resultar do nº 3 do mesmo artº 120, nomeadamente da sua alínea a), que impõe que a nulidade deve ser arguida «antes que o acto esteja terminado», tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista”.
8. Assim sendo, se os recorrentes entendiam que o exame pericial às aves era indispensável e que a sua não realização consubstanciava uma nulidade, a mesma seria a prevista no artº 120/1 e 2/d) do Código de Processo Penal, e não a da sentença, e, como tal, deveria ter sido invocada, em tempo, o que não se verificou.
9. A decisão proferida não merece qualquer censura, por se encontrar judiciosamente fundamentada e reflectir a justa valoração dos diversos meios probatórios produzidos, à luz dos princípios da imediação e da livre apreciação da prova.
Em face de todo o exposto e porque não foi violada qualquer norma legal, deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se, antes, a douta sentença recorrida.

Cumpriu-se o artº 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
Mantém-se a regularidade da instância.
Da decisão recorrida.
Conteúdo da sentença.
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão a proferir:
a) No dia de 27 de Novembro de 2016, cerca de 11:30 horas, os arguidos, B… e C…, encontravam-se na Feira dos Pássaros, realizada no …, no Porto, e tinham na sua posse, dentro de duas gaiolas, três aves da espécie “Carduelis/Carduelis”, vulgarmente designada por “Pintassilgo” comum, e três aves Pyrrulla/Pyrrulla, vulgarmente designadas por “Dom-Fafe”, pertencentes a espécies protegidas da fauna selvagem;
b) Ao actuarem pela forma acabada de descrever na antecedente alínea, fizeram-no ambos os arguidos de livre vontade e conscientemente, em conjugação de esforços e intentos, com o propósito de venderem tais aves na Feira dos Pássaros, não obstante saberem que as mesmas pertenciam a espécies protegidas e, como tal, insusceptíveis de serem vendidas;
c) Sabiam igualmente os arguidos que essas suas condutas eram ilícitas e punidas criminalmente;
d) Os arguidos B… e C… são pai e filho, respectivamente, sendo o primeiro casado e encontrando-se na situação de reformado, com uma pensão de reforma de valor na ordem dos €344,00/mês, e vivendo em casa arrendada, e sendo o segundo solteiro, exercendo profissionalmente a atividade de motorista;
e) Nenhum dos arguidos tem quaisquer antecedentes criminais conhecidos.
B) Factos não provados.
(…)
Motivação
A convicção do Tribunal quanto aos factos que deu como provados, com a extensão com que o fez, baseou-se na análise crítica e valoração conjunta de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a qual foi suficiente para, para além da dúvida razoável, sustentar a respectiva afirmação como tal, com exclusão de quaisquer outros, designadamente que os contrariem.
Os arguidos, escudados no direito que legalmente lhes assiste, não prestaram declarações.
Não obstante, os depoimentos prestados em sede de audiência pelas testemunhas, arroladas na acusação, D… e E…, ambos agentes da Brigada de protecção Ambiental da P.S.P. do Porto, pela forma coerente e insuspeitamente isenta como o foram, adiantando as razões da sua ciência relativamente aos concretos factos sobre que se pronunciaram, serviram em absoluto para o suprir e concluir sobre a efectiva responsabilidade de ambos os arguidos no que respeita à prática dos concretos factos por que vêm acusados. Referiram-se à ação de fiscalização levada a cabo no dia 27 de Novembro de 2016, no …, onde é realizada a chamada Feira dos Pássaros, pela PSP conjuntamente com o instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, à vigilância montada com o propósito de detectar suspeitos que se dedicassem à comercialização de espécies protegidas da fauna selvagem, e o que no desenvolvimento de toda a operação constataram ser o comportamento dos arguidos, efectivamente comercializando aves de espécies protegidas, a culminar na abordagem e apreensão aos mesmos das seis aves constantes dos fotogramas de fls. 18 e 19, relativamente às quais nos relatórios de exame directo de fls. 28 e 29 o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas afirmou tratarem-se de três aves da espécie Pyrrhula Pyrrhula (vulgo, Dom Fafe) e três aves da espécie Carduelis Carduelis (vulgo, Pintassilgo), ambas espécies protegidas. Mais referiram o que da conduta dos arguidos convenceu de que efectivamente sabiam da ilegalidade da sua actuação, nomeadamente o facto de os arguidos, ao se aperceberem da presença policial, terem tentado dissimular os objectos (gaiolas e aves).
A mais dos documentos já referidos, teve ainda o Tribunal em conta o teor do auto de notícia de fls. 4 a 7, os autos de apreensão de fls. 23 a 26, os relatórios de vigilância de fls. 27 e 30, as guias de entrega de fls. 31 a 33, e, relativamente aos antecedentes criminais e à situação económica e condições pessoais dos arguido, ainda, respectivamente, os Certificados de Registo Criminal de fls. 139 e 140 e o print da Segurança Social e a informação policial juntos aos autos respectivamente a fls. 95/96 e 99.
(…)
Apreciando o recurso.
As causas do recurso definem-se no âmbito das conclusões – artº 412 nº 1 do CPP.
O recorrente parece claro ao alegar que coloca em causa a matéria de facto vertida nos pontos nºs 1, 2 e 3 – rubrica de factos provados. O recorrente alega que o tribunal só pode dar como provados aqueles factos, com fundamento em prova pericial, nos termos do artº 151 do CPP. A natureza e espécie das aves deve resultar de prova pericial. A falta de realização da perícia configura um vício que é do conhecimento oficioso, contido no artº 410 nº 2, alª a) do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – que acarreta nulidade da sentença, com consequente reenvio (artº 426 nº 1 do CPP). Recurso a prova ilegal (!)
Ficamos sem saber bem se o recorrente quer fazer uma impugnação alargada ou restrita da matéria de facto. Pela forma como invoca um vício do texto da decisão recorrida – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – acreditamos que se trata de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, ou seja, a matéria de facto dada como provada não é suficiente para suportar a decisão de direito a que chegou o tribunal.
A decisão justa que deveria ter sido proferida, não se compagina com uma condenação. A decisão recorrida não devia ter sido proferida porque há uma manifesta insuficiência da matéria de facto. Pretende o recorrente dizer que o exame directo de fls 28/29, conjugado com os fotogramas de fls. 18/19, são insuficientes, factualmente, para produzir a decisão de direito – condenação.
Sem sermos exaustivamente rigorosos sobre a impugnação da matéria de facto: alargada ou restrita, ou até saber se a questão é exclusivamente de direito, vamos admitir, que a falta desse elemento de prova tarifada, impede uma decisão conforme com o dispositivo recorrido: que há uma insuficiência da matéria de facto para proferir a decisão de direito (controvertida).
Vejamos se a exigência de uma perícia tem cabimento neste contexto processual.
A perícia tem lugar quando a percepção ou apreciação de factos exigir especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (artº 151 do CPP). A perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado … (artº 152 do CPP).
Sobre a distinção entre exame e perícia há alguma margem de discricionariedade, ou de duvidosa classificação, de quem tem a cargo a tarefa de investigar. Os exames são um meio de obtenção de prova e incidem sobre coisas, lugares, (animais) ou pessoas. Limitam-se à mera observação para indagar vestígios ou indícios de crime, precisamente sobre aquelas pessoas, coisas ou lugares – pressupostos dos exames (artº 171 do CPP). A perícia resulta de um formalismo acrescido quando a apreciação dos factos exige conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
A perícia é um juízo de elaboração mental, com exigência de especiais conhecimentos. Visa uma avaliação, percepção ou apreciação de vestígios. Pretende uma afirmação categórica, recusando juízos opinativos ou de probabilidade. A perícia como realidade complexa, vai além de manifestações sensoriais. A perícia, como meio de prova, serve para o tribunal formar convicção sobre um dado facto.
Não restam dúvidas, por exemplo que a análise de uma recolha hemática; de sémen; de avaliação de vestígios ADN; recolha de dactilogramas; impressões digitais ou autópsia a um cadáver para definir a causa da morte exigem uma perícia para subsistirem como meio de prova. Há por outro lado perícias obrigatórias: vejam-se as normas dos artºs 166, nº2 (documento cifrado) 351,nº1 (estado de imputabilidade do arguido) do CPP. Vejam-se ainda os artºs 18 nºs 1 e 2 da Lei nº 45/2004 de 19/Agosto sobre as autópsias médico-legais em caso de morte violenta e ainda o artº 52 do D/L nº 15/93, quanto ao reflexo do consumo na capacidade do arguido…
Há determinada especificidade nas perícias: perícias em geral (artº 152 do CPP), perícias médico-legais, nas quais se integram perícias psiquiátricas (artºs 159 nº 1 e 159 nº2 do CPP) e perícias sobre a personalidade (artº 160 nº 2 do CPP).
A perícia está sujeita a critérios de ordem objectiva (factos que reclamam conhecimentos especiais) subjectiva (realizada por indivíduos habilitados, com conhecimentos especiais…) e formal (ordenada por autoridade judiciária competente, a coberto de despacho prévio). Os exames têm propósitos bem diferentes. Os critérios podem ser vistos numa perspectiva objectiva (incidem sobre pessoas, coisas e lugares e obviamente animais) subjectiva (podem ser efectuadas por qualquer OPC, bastando o conhecimento como autoridade) e formal (prescindem de despacho prévio, podendo ser realizadas oficiosamente por OPC; como medida cautelar ou prática de actos urgentes e necessários). Exames e Perícias: (Des) Construir Conceitos – José Carlos de Oliveira – Lisboa, Salão Nobre da Ordem dos Advogados – 4 de Fevereiro de 2016.
O exame está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no artº 127 do CPP. A perícia, ao invés, como meio de prova tarifada ou legal, onde se defrontam conhecimentos especializados, presume-se subtraída à livre apreciação do julgador – artº 163 do CPP. O exame declara em auto determinados aspectos materiais, sem emitir juízos, enquanto a perícia emite um juízo especializado, em determinada área do saber.
Alguns exemplos: verificar uma mancha de sangue é um exame mas, determinar a categoria do mesmo já será uma perícia. Constatar um cadáver carbonizado é um exame mas, determinar a concreta causa da morte constituirá uma perícia. Ver Comentário ao artº 151 do CPP, in CPP Anotado de Maia Gonçalves.
Constatar que determinado animal é um rinoceronte, pode ser tarefa a desenvolver num simples exame. Saber se está infectado e portador de doença infecto-contagiosa será um saber verificado por perícia.
Neste sentido perguntamos, a análise destas aves, para classificar a espécie, exige uma prova pericial (?) A perícia é essencial para a descoberta da verdade material(?) O tribunal a quo tem o dever de realizar uma perícia(?)
A perícia comporta custos de vária ordem e só deve ser deferida quando o resultado se destina a esclarecer matéria controvertida, essencial para a descoberta da verdade material.
O recorrente nunca colocou em causa a espécie das aves e só apresenta a necessidade desta prova qualificada em sede de recurso. O arguido nunca brandiu com a espécie das aves durante o decurso do processo; nunca pôs em causa que as espécies fossem Pintassilgos ou aves Dom Fafe. Se por acaso a dúvida se tivesse instalado, segundo critérios pertinentes, por exemplo, com referência a subespécies, seria lógico solicitar uma perícia, porém esta exigência nunca esteve em causa. Os exames foram elaborados por técnicos especializados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Estamos perante exames directos a meios de prova decisivos e suficientes para o esclarecimento da verdade material. As espécies estão devidamente caracterizadas.
O recorrente bem sabe que nesta etapa a perícia é inviável, além de desnecessária, pelo facto de os animais terem sido devolvidos à natureza, de acordo com o bem protegido na norma jurídica. A norma não quer estas aves em cativeiro, acresce que são aves protegidas para evitar a sua extinção.
Os exames de fls 28 e 29, conjugados com os fotogramas de fls 18 e 19, são suficientes para caracterizar as espécies apreendidas porque não envolvem conhecimentos qualificados de natureza técnica, científica ou artística. Os técnicos do ICNF têm competências suficientes para conhecer as espécies apreendidas, aliás um leigo nesta matéria, a exemplo do julgador, que se dedique a investigar estas espécies, em caso de necessidade, partindo dos fotogramas e declarações vertidas no exame, facilmente chega à conclusão que as espécies em causa, estão bem classificadas.
O artº 151 do CPP não impõe, em termos de obrigatoriedade absoluta, o deferimento da realização de perícias. Existe para o efeito uma margem de discricionaridade legal, em ordem a permitir uma recusa que se mostre justificada, o que sucederá, nomeadamente, quando a realização da diligência não se mostra essencial para a descoberta da verdade. Compete em exclusivo ao tribunal de instância ajuizar da necessidade da realização de determinada perícia, sendo que, tal tipo de decisão, por extravasar os seus poderes de cognição, não é sindicável pelo STJAcórdão do STJ de 10 de Julho de 1997.
Concluímos que o exame veicula um elemento de prova válido e legal, suficiente para integrar o elemento objectivo do tipo – crime de dano contra a natureza, por referência a espécies protegidas e em via de extinção. Os exames foram elaborados por técnicos competentes e caracterizam devidamente as espécies apreendidas.
Improcede o alegado vício previsto no artº 410 nº 2 do CPP.
Improcede o recurso.

Acordam os juízes que integram esta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto pelos arguidos B… e C…, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando para cada um dos arguidos 3 (três) UCs de taxa de justiça.
Registe e notifique.

Porto, 19 de Fevereiro de 2020.
Horácio Correia Pinto.
Moreira Ramos.