Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
372/20.0T8AGD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: PROCESSO EXECUTIVO
CESSÃO DE CRÉDITOS
TÍTULO EXECUTIVO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DO REQUERIMENTO
Nº do Documento: RP20220523372/20.0T8AGD-B.P1
Data do Acordão: 05/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos casos em que, por virtude da sucessão operada na titularidade do crédito ou da obrigação exequenda, o mero exame visual do título executivo não seja suficiente para se poder aferir da legitimidade do exequente ou do executado, faz-se mister que o exequente faça a prova complementar, mediante documentos bastantes, dos factos concretos por si invocados no requerimento executivo para fundamentar a sucessão no crédito exequendo ou na obrigação exequenda.
II - Por isso, enquanto não estiverem estabelecidos (por prova documental bastante) os factos constitutivos da sucessão invocados no requerimento executivo, o juiz deve mandar aperfeiçoar e, em último caso, indeferir o requerimento executivo, por ilegitimidade da parte quando não for oferecida a respetiva prova documental.
III - Na cessão de créditos o contrato que titula essa operação negocial deve permitir identificar os créditos nele englobados de molde a possibilitar saber qual o seu objeto, mormente através de lista anexa ao respetivo contrato.
IV - O despacho de convite ao aperfeiçoamento, na sua economia (cfr. artigo 590º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil), está limitado à correção/complementação dos factos que a parte haja invocado em suporte da sua pretensão, e não possibilitar a alegação de novos factos essenciais (stricto sensu) que não tenham sido inicialmente alegados na peça processual que baliza o objeto do processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 372/20.0T8AGD-B.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Águeda – Juízo de Execução, Juiz 1
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
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SUMÁRIO
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I- RELATÓRIO

AA deduziu os presentes embargos de executado contra I..., Unipessoal, Ldª. alegando, desde logo, que nunca recebeu a carta relativa ao contrato de cessão de créditos, sendo que dos documentos juntos pela exequente/embargada não é possível confirmar que lhe tenha sido cedido o crédito exequendo, carecendo, assim, de legitimidade para instaurar a ação executiva.
Mais alega que do requerimento executivo não é possível aferir e confirmar os valores que se encontram em dívida, dado que não são apresentados quaisquer documentos nesse sentido, nem a exequente apresenta o cálculo a que procedeu, impugnando tais valores.
Admitidos liminarmente os embargos de executado, foi notificada a exequente para deduzir contestação, o que fez, alegando, em suma, que a dívida é certa, líquida e exigível atendendo à liquidação efetuada no campo respetivo para esse efeito constante do requerimento executivo.
Mais refere que comunicou a cessão de créditos à embargante, mas mesmo que assim não se entenda, com a citação para a execução considera-se realizada a notificação.
Dispensada a realização da audiência prévia, veio a ser proferido saneador/sentença no qual se decidiu julgar improcedentes os presentes embargos de executado.
Não se conformando com o assim decidido, a executada/embargante interpôs recurso, vindo este Tribunal da Relação, em decisão sumária, a determinar “a baixa do processo para que o decisor de 1ª instância profira despacho a notificar a exequente para apresentar suportes documentais que comprovem a cessão do crédito exequendo que invocou como base da sua legitimidade, com tudo aquilo que for necessário à cabal demonstração de que o crédito lhe foi transmitido e em que termos”. Em cumprimento do assim ordenado, em 1ª instância foi a exequente/embargada notificada para juntar aos autos os mencionados documentos, o que fez através de requerimento apresentado em 27 de outubro de 2021.
Novamente dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido saneador/sentença no qual se decidiu julgar improcedentes os presentes embargos de executado.
Uma vez mais inconformada com essa decisão, a executada/embargante interpôs o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:
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A exequente/embargada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. da ilegitimidade da exequente para a propositura da ação executiva;
. da impugnação do valor da quantia exequenda.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
A)
O Banco 1..., SA celebrou, em 25.01.2001, contrato de compra e venda e empréstimo com garantia hipotecária através de escritura pública entre os mais, com a ora embargante que ali figura como segunda outorgante.
B)
Através do referido contrato, o Banco 1..., SA entregou aos mutuários, entre os quais a ora embargante, o montante de € 114.100,01 = 22.875.000$00, dos quais a mesma se confessou devedora.
C)
Para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada, e bem assim dos respetivos juros, cláusula penal e despesas judiciais e extrajudiciais fixadas os mutuários constituíram hipoteca voluntária sobre a fração autónoma designada pela letra “D”, do prédio urbano situado na Av. ..., freguesia e concelho de Loures inscrito na matriz predial sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º ....
D)
No então Tribunal Judicial de Sever do Vouga deu entrada uma ação executiva movida pelo Banco 2..., SA contra, entre os mais, a ora embargante, que correu os seus termos sob o nº10/2002, tendo transitado para este Tribunal aquando da sua criação em 2009, assumindo o n.º 780/09.8T2AGD.
E)
No âmbito do referido processo de execução, o Banco 1..., SA reclamou os seus créditos emergentes do contrato referido em A), no valor de 142.165,48€.
F)
Naquela execução foi vendida ½ do imóvel referenciado em C).
G)
Tendo sido entregue ao Banco 1..., SA o montante de 43.374,58€.
H)
Da consulta do processo referido em D) resulta que o mesmo foi extinto em 24.01.2017 por insuficiência de bens penhoráveis.
I)
Em 04.03.2016, foi celebrado contrato de cessão de créditos entre o Banco 1..., SA e a ora exequente, através do qual foi cedido a esta última o crédito exequendo.
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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
IV.1. Da (i)legitimidade da embargada/exequente para instauração da ação executiva

Como se referiu, no articulado com que deu início ao presente enxerto declaratório a embargante alegou, para além do mais, que a exequente carecerá de legitimidade ativa para a propositura da ação executiva em virtude de inexistirem no processo elementos que permitam “aferir e confirmar a cessão de crédito invocada nos autos a favor da exequente”.
No ato decisório sob censura considerou-se, uma vez mais, improcedente a invocada exceção por se encontrar comprovada a cessão do crédito exequendo à ora exequente, sustentando outrossim que essa cessão é eficaz em relação à executada/embargante por ter sido notificada do ato translativo do ajuizado crédito pecuniário.
Que dizer?
Como é consabido, a regra geral em matéria de legitimidade processual no domínio da ação executiva mostra-se plasmada no art. 53º, em cujo nº 1 se postula que “[a] execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
A concatenação desta regra com aqueloutra que se encontra vertida no nº 5 do art. 10º[2] justifica a simplicidade com que é tratada a legitimidade na ação executiva. O regime é claro: por via de regra, a execução somente pode ser promovida por quem, através da análise do título, tenha a posição de credor e só pode ser movida contra quem, no mesmo título, tenha a qualidade de devedor. Por isso mesmo, na generalidade das situações, basta analisar o documento para definir quem tem interesse direto ativo e passivo na execução.
Porém, algumas exceções existem, contando-se entre elas, e no que ao caso releva, a situação em que ocorra um fenómeno sucessório, inter vivos ou mortis causa, na posição jurídica do primitivo credor ou devedor.
Nessa hipótese rege o nº 1 do art. 54º, nos termos do qual “[t]endo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão”.
Em tais circunstâncias é, pois, imposto ao exequente algo mais do que a mera solicitação do cumprimento coercivo da obrigação exequenda (cfr. art. 10º, nº 4), devendo alegar no requerimento executivo factos reveladores da sua legitimidade ativa ou da legitimidade passiva do executado, em moldes semelhantes aos que devem ser respeitados quando tal ocorre na ação declarativa (habilitação-legitimidade, nos termos dos arts. 351º e seguintes). Sem prejuízo da intervenção liminar do juiz (cfr. art. 726º), o executado terá, nessa hipótese, a possibilidade de alegar nos respetivos embargos os factos que, porventura, infirmem a legitimidade ativa ou a legitimidade passiva.
Isto posto, revertendo ao caso sub judicio, verifica-se que no requerimento executivo a exequente alegou ter celebrado, em 4 de março de 2016, com o Banco 1..., SA. contrato nos termos do qual esta instituição de crédito lhe cedeu o crédito que detinha no denominado “contrato de mútuo com hipoteca” que formalizou com os executados BB, CC, DD e AA (a ora embargante).
No sentido de demonstrar a ocorrência desse fenómeno sucessório, com esse requerimento executivo, juntou aos autos cópia do mencionado contrato de cessão de créditos (documento nº 1) e do contrato de mútuo com hipoteca (documento nº 2), vindo posteriormente (na sequência do que foi decidido por este Tribunal da Relação) apresentar os documentos que acompanham o requerimento datado de 27 de outubro de 2021.
Na presença desses suportes documentais considerou o juiz a quo estar demonstrado que o crédito exequendo foi englobado no contrato de cessão de créditos que a ora exequente formalizou com o Banco 1..., SA., concluindo, com base nesse facto, que aquela detém legitimidade (processual) para a ação executiva de que os presentes embargos constituem enxerto declaratório.
No presente recurso a apelante – que não põe, fundadamente, em crise que tenha, juntamente com os demais co-executados, celebrado com o Banco 1..., SA. o referido contrato de mútuo com hipoteca - limita-se a sustentar que os suportes documentais que a exequente/embargada carreou para o processo não permitem, per se, afirmar que o contrato de cessão de créditos que esta firmou com a aludida instituição de crédito, no seu âmbito, tenha englobado o crédito exequendo, razão pela qual carecerá aquela de legitimidade ad causum.
Procedendo à exegese dos dois documentos que a embargada/exequente apresentou com o requerimento executivo no sentido de comprovar a alegada cessão do crédito exequendo, verifica-se que os mesmos não permitem, de forma suficiente, suportar conclusão no sentido de que este crédito tenha sido efetivamente abrangido pelo aludido negócio de cessão, o qual, no seu clausulado, remete para um ficheiro onde estarão discriminados os créditos que foram abrangidos por esse contrato translativo, não bastando, naturalmente, para esse efeito juntar aos autos cópia da notificação que remeteu ao cônjuge da embargante para os fins do disposto no art. 583º do Cód. Civil (cfr. documento nº 3 junto com o requerimento executivo). Impunha-se, por conseguinte, que a exequente, juntamente com os aludidos suportes documentais, apresentasse, outrossim, documento complementar de onde se extraísse que o crédito exequendo foi abrangido pelo contrato de cessão de créditos. Isso mesmo tem sido decidido pela jurisprudência pátria[3] que vem sublinhando a necessidade de o contrato de cessão de créditos dever permitir identificar os créditos nele englobados de molde a possibilitar saber qual o seu objeto, bastando para o efeito uma lista adrede à declaração de cessão de créditos, identificando o devedor, o contrato de que resulta o crédito cedido e os garantes (se os houver).
É certo que essa listagem (que, note-se, não tem de ser apresentada na íntegra[4], bastando que nele se identifique o crédito exequendo) não foi inicialmente junta aos autos.
Contudo, tal constatação não implica a procedência dos embargos com a consequente extinção da ação executiva por ilegitimidade ativa da exequente.
De facto, o juiz, mesmo no tribunal de recurso, não pode, sob pena de nulidade processual (art. 195º, nº 1), julgar procedente a exceção dilatória da falta de legitimidade processual ativa da exequente, sem lhe dar oportunidade de apresentar os elementos em falta tendentes à demonstração desse pressuposto processual (cfr. arts. 6º, nº 2, 278º, nº 3, 590º, nº 2 al. a) e 3 e 591º, nº 1), sendo que somente na hipótese de a exequente enjeitar esse convite é que pode então afirmar-se a falta do mesmo.
É esse, com efeito, o entendimento que em situações como a que se debate nestes autos tem sido sustentado doutrinal e jurisprudencialmente[5], advogando-se que nos casos em que, por virtude da sucessão operada na titularidade do crédito ou da obrigação exequenda, o mero exame visual do título executivo não seja suficiente para se poder aferir da legitimidade do exequente ou do executado, faz-se mister que o exequente faça a prova complementar, mediante documentos bastantes, dos factos concretos por si invocados no requerimento executivo para fundamentar a sucessão no crédito exequendo ou na obrigação exequenda. Por isso, enquanto não estiverem estabelecidos (por prova documental bastante) os factos constitutivos da sucessão invocados no requerimento executivo, o juiz deve mandar aperfeiçoar e, em último caso, indeferir o requerimento executivo, por ilegitimidade da parte quando não for oferecida a respetiva prova documental.
Como se deu nota, na esteira desse entendimento, foi direcionado convite à embargada/exequente no sentido de juntar aos autos “suportes documentais que comprovem a cessão do crédito exequendo que invocou como base da sua legitimidade”, convite esse que não enjeitou, apresentando nos autos - através de requerimento datado de 27.10.2021 - listagem onde é feita expressa referência ao crédito exequendo e respetivo montante (resultante do contrato aí assinalado como contrato nº ..., que é o ajuizado contrato de mútuo com hipoteca), aos devedores e a conta bancária associada a essa operação negocial (concretamente a conta nº ...).
Daí emerge, pois, que se encontra estabelecida a legitimidade da exequente/embargada para a propositura da ação executória à luz do critério plasmado no nº 1 do citado art. 54º.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões 1ª a 4ª.
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IV.2. Do montante da quantia exequenda

No articulado com que deu início ao presente enxerto declaratório a embargante/executada impugnou o valor da quantia exequenda mencionada no requerimento executivo, argumentando, fundamentalmente, que dos documentos que a embargada/exequente juntou aos autos “não é possível aferir ou confirmar o valor do capital alegadamente em dívida”.
Na decisão recorrida julgou-se improcedente esse fundamento de embargos já que competiria à embargante alegar e provar qual o valor que, afinal, entende encontrar-se em dívida (portanto, em montante diverso do que consta do requerimento executivo), ónus que, todavia, não satisfez.
A apelante insurge-se contra esse segmento decisório persistindo na argumentação de que os documentos que a exequente juntou aos autos não permitem aferir ou confirmar o valor do capital alegadamente em dívida que será excessivo.
Ora, tal como o problema se mostra equacionado, a questão a resolver passa por determinar sobre quem impende o ónus de alegação e prova da excessividade do quantum exequendo, o que convoca apurar a natureza da oposição mediante embargos de executado.
Como é consabido, à luz do regime adjetivo (cfr. art. 10º, nº 5 e 703º), a apresentação de um documento dotado de força executiva justifica a presunção da existência do direito de crédito nele configurado e da correspetiva obrigação. Isso não afasta, contudo, a possibilidade de tal presunção ser rebatida pelo executado, sendo a oposição mediante embargos, precisamente, o mecanismo que a lei processual faculta ao executado para se defender da pretensão contra ele direcionada através da alegação de factos que reconduzam ao reconhecimento da inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da ação executiva.
Os embargos constituem, assim, uma verdadeira ação declarativa, enxertada no processo executivo, nela sendo possível ao executado, não só levantar questões de conhecimento oficioso, mas também alegar factos novos, apresentar novos meios de prova e levantar questões de direito que estejam na sua disponibilidade. Em suma: os embargos constituem o meio defensional conferido ao executado com o desiderato de lhe permitir contrariar os efeitos que o exequente procura extrair da apresentação do título executivo, mediante a alegação e prova de factos ou razões de direito que conduzam à inexistência, modificação ou extinção da obrigação exequenda, à falta de um qualquer pressuposto geral ou à falta de um qualquer pressuposto específico da ação executiva.
Com relação a este último ponto não se colocam dúvidas fundadas de que neste enxerto declaratório a distribuição do ónus da alegação e prova observa as regras gerais sobre a matéria, pelo que há que considerar que, em princípio, cabe ao executado (agora embargante) a prova do fundamento por ele invocado na oposição à execução de acordo com o critério acolhido no art. 342º do Cód. Civil (que, de acordo com o entendimento dominante, consagra o pensamento fundamental da teoria das normas).
Isto posto, verifica-se que, no caso vertente, a exequente, no requerimento executivo, indicou como quantia exequenda o montante global de €31.073,72, sendo €25.842,40 a título de capital em dívida e o restante (€5.181,32) referente aos juros de mora, à taxa contratada de 4%, calculados com referência aos últimos cinco anos.
A aludida pretensão está suportada pelo documento (escritura pública) que apresentou como título executivo (dada a função probatória[6] que lhe é inerente), razão pela qual, pelos enunciados motivos, competiria (cfr. nº 2 do citado art. 342º) à executada/embargante articular e demonstrar factos que permitissem concluir pelo excesso da quantia exequenda peticionada, realidade que inequivocamente se assume como modificativa do direito creditório invocado pela exequente/embargada.
Certo é que, como se viu, se limitou a alegar que os documentos apresentados pela exequente não são de molde a legitimar o pedido de cobrança coerciva da mencionada importância, não substanciando qual o valor que entende que se encontra efetivamente em dívida, nem articulando sequer qualquer substrato factual tendente a permitir suportar conclusão de que essa importância é, afinal, excessiva[7], sendo certo que, tratando-se de facto essencial/principal à sua defesa não cabia – ao invés do que sustenta – despacho de convite ao aperfeiçoamento, posto que este despacho, na sua economia (cfr. art. 590º, nºs 3 e 4), está limitado à correção/complementação dos factos que a parte haja invocado em suporte da sua pretensão, e não possibilitar a alegação de novos factos essenciais (stricto sensu) que não tenham sido inicialmente alegados na peça processual que baliza o objeto do processo.
Deste modo - tal como se sentenciou no ato decisório sob censura -, impunha-se igualmente a inatendibilidade desse fundamento de embargos, improcedendo, nessa medida, as conclusões 5ª a 10ª.
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V - DISPOSTIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Porto, 23.5.2022
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Onde se dispõe que “[t]oda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
[3] Cfr., inter alia, acórdão da Relação de Lisboa de 11.03.2021 (processo nº 7428/12.1TCLRS-C.L1-6), acórdão da Relação de Coimbra de 3.10.2017 (processo nº 13.9TBCLD-B.C1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[4] Com efeito, em termos jurisprudenciais (cfr., v.g. acórdão desta Relação de 8.02.2021 [processo nº 3248/12.1YYPRT-C.P1], acessível em www.dgsi.pt), tem vindo a ser admitida a apresentação de excerto de documentos complementares, dado o elevado número de registos de créditos adquiridos que usualmente tem lugar nestas situações.
[5] Cfr., por todos, na doutrina, ABRANTES GERALDES et alii, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 433 e SALVADOR DA COSTA, in Os incidentes da instância, 5ª edição, Almedina, págs. 254/255 e 282/283; na jurisprudência, acórdãos da Relação de Lisboa de 9.02.2017 (processo nº 2359/15), de 22.06.2017 (processo nº 1124/14.2T8LRS-A.L1) e de 15.03.2011 (processo nº 24649/05.6YYLSB.L1-1) e acórdão da Relação de Évora de 10.05.2018 (processo nº 2287/14.2T8SLV-B.E1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] Também designada - nas palavras de CASTRO MENDES (in Direito Processual Civil, vol. I, AAFDUL, págs. 332 e seguintes) - função demonstrativa, pretendendo com essa designação significar que o título executivo é um meio legal de prova sintética, isto é, o título executivo, para além de um meio de prova legal dos factos em que se insere a dinâmica do direito correspondente, assegura o tribunal da existência do próprio direito exequendo.
[7] Sendo que, contrariamente ao que advoga, essa concretização factual não pode ser extraída do artigo 8º da petição de embargos onde, tão-somente, alega, de forma conclusiva, que “nunca poderia estar em débito a quantia de € 25.842,40, atento o valor do capital mutuado (22.875.000$00 = € 114.100,01) e o valor declarado na venda do imóvel dado em garantia (€ 95.000,00)”, olvidando que a quantia exequenda peticionada engloba capital, encargos e juros moratórios.