Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0416318
Nº Convencional: JTRP00039060
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: CRIME
BURLA
Nº do Documento: RP200604050416318
Data do Acordão: 04/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 437 - FLS. 191.
Área Temática: .
Sumário: I. São elementos típicos do crime de burla, previsto pelo art. 218º do C. Penal/95: (i) a obtenção para o agente ou para terceiro de um enriquecimento ilegítimo (definido segundo o conceito de enriquecimento sem causa, do art. 473º do C.C); (ii) que o agente, para obtenção desse enriquecimento, astuciosamente induza em erro ou engano outrem; (iii) que, através desses meios, determine o ofendido à prática de actos causadores de prejuízos matérias.
II. Comete o crime de burla por actos concludentes, o agente que, na órbita da conclusão de um contrato, se abstém de declarar que não se encontra em condições de o cumprir, uma vez que a celebração de um negócio leva implícita a afirmação de que qualquer dos intervenientes tem a possibilidade de satisfazer as obrigações dele emergentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDÃO (Tribunal da Relação)
Recurso n.º 6318/04
Processo n.º …../00.9GBVNF

Acordão em audiência na ..ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO
1. No Tribunal Judicial de Santo Tirso, no ...º juizo criminal, no processo acima referido, foram julgados os arguidos abaixo identificados e com os sinais dos autos, tendo sido proferida sentença que decidiu nos termos seguintes:
- o arguido B……, três crimes de falsificação de documentos, todos p. e p. no art. 256.º nº 1 al. a) do CPenal e um deles ainda p. e p. no nº 3 do mesmo art. 256.º, sendo absolvido de um quarto crime de falsificação por que vinha pronunciado; pela prática dos crimes de falsificação de documentos o B...... é condenado em penas de 9, 9 e 12 meses de prisão, e pela prática, em concurso real e em co-autoria, do crime de burla qualificada é condenado em 12 meses de prisão; em cúmulo jurídico das 4 penas, o arguido B...... condenado na pena única de 22 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 3 anos, a pena única de 22 meses de prisão.
- pela prática, em co-autoria com o arguido B......, de um crime de burla qualificada, p. e p. no art. 218.º nº 1 do CPenal, o arguido C…… condenado na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 3 anos

2- Inconformado com a condenação, recorreu este arguido C….., tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :
O Tribunal a quo devia fazer aplicação do benefício do art 4° do Dlei n.º 401/82, de 23/9, que abarca a medida da pena especialmente atenuada em consequência desse benefício, e subsidiáriarnente, a da medida da pena dentro da moldura penal não atenuada no crime.
O arguido era um jovem com 19 anos de idade, com hábitos de trabalho e sem antecedentes criminais, os ofendidos foram indemnizados o tribunal considerou o arguido B...... o beneficiário, se não único, pelo menos principal, do enriquecimento ilicito.
O Tribunal recorrido não fundamentou nem explicou porque razão não aplicou aquele art 4.°, quando o deveria ter feito; apesar daquela norma não ser de aplicação obrigatória, não está todavia o Tribunal dispensado de considerar tratando-se de arguido com menos de 21 anos de idade, da pertinência ou inconveniência da aplicação de tal regime, justificando a posição adoptada, ainda que no sentido da sua inaplicação, sendo obvio que para deixar de aplicar o regime, o tribunal tem que sobre ele se debruçar e formular o respectivo juizo de inaplicabilidade, o que significa que deixou de se pronunciar sobre questão que devia conhecer, o que fere de nulidade a decisão recorrida - art° 379.° alinea c) do CodProcPenal, a qual não pode ser suprida dada a eventual necessidade de aprofundar ou explicitar circunstancialismo que em nome do principio da verdade material consgrada no Arte 340.° do CodProcPenal, permita decidir fundadamente questão cuja pronuncia foi omitida ou não fundamentada (de harmonia com o disposto nos arts 360.º-2 e 371.° do CodProcPenal)
Os factos dados como provados na sentença recorrida bem como os factos que já constavam da acusação pública deduzida, não constituem o crime de burla qualificada p. e p. nos arts 217.º, 1 e 218.°, 1 do CPenal pelo qual o arguido C….. foi condenado e pelo qual se encontrava acusado.
Para que possarmos falar na comissão de um crime de burla necessário se torna além do mais, que a lesão do bem jurídico ocorra como consequência de uma muito particular forma de comportamento, que se traduz na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa em erro que, por seu turno, a leva praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios.
Não basta porém o simples emprego de um meio enganoso, torna-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação de erro em que encontra o individuo. De outra parte também não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se ainda que nesse engano resida a causa da prática pelo burlado, dos actos de que decorrem o prejuízo patrimonial .
De acordo com matéria de facto dada como provada, o que terá determinado o ofendido a praticar os actos que lhe acarretaram o prejuízo que sofreu, ou seja o que terá determinado a entregar o dinheiro ao vendedor do automóvel terá sido a subscrição da livrança pelo C….. e que foi entregue á instituição bancária, e que mais tarde viria a não ser paga parcialmente.
A subscrição e entrega de uma livrança assinada pelo C...... para obtenção do crédito para pagamento da viatura, nada tem de artificio fraudulento" ou " meio enganoso” ---- A utilização de uma livrança como forma de pagamento ou financiamento é um meio perfeitamente normal, natural e admissivel no comércio turidico.
O que está e sempre esteve em causa nos presentes autos, e para o arguido C…… foi tão só uma dívida incumprida, obviamente com tutela cível, mas sem qualquer tipo de tutela penal, basta ver que o banco não agiu criminalmente, antes executou a livrança.

3. Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso, por o tribunal ter ponderado a pouca idade do arguido mas concluido pela inaplicação do regime dos jovens delinquentes; dos factos provados resulta que o recorrente e o outro co-arguido arquitectaram um plano com vista à aquisição de uma viatura e sem qualquer intenção de pagarem o empréstimo, pelo que estão verificados os elementos típicos do crime de burla

4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a audiência de discussão e julgamento.
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FUNDAMENTAÇÃO
Os factos
Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos :
1. O B...... queria adquirir para si uma viatura, não tinha dinheiro e não conseguia que lhe fosse atribuído crédito, pelo que, juntamente com o C….., elaborou um plano com vista a lhe ser concedido crédito sem ter depois de o pagar, passando ambos a agir da forma que se segue e na execução destes desígnios.
2. Em finais de 1997 ou inícios de 1998, a participante D….. deslocou-se às instalações da firma “E... Portuguesa”, sitas na ….., em …., Santo Tirso, pertença do B......, à procura de emprego, tendo este último pedido à D…… cópias do seu bilhete de identidade e número de contribuinte, as quais lhe foram entregues.
3. Depois, em Junho de 1998, o B...... apôs pelo seu próprio punho a assinatura como se fosse da D….. no recibo de remunerações de fls. 191, onde consta que a mesma auferia na “E.... Portuguesa” a quantia mensal de 145.540 escudos (725,95€), o que é falso, uma vez que a D….. nunca trabalhou na CWS, e apôs pelo seu próprio punho a assinatura como se fosse da D…… na livrança fotocopiada a fls. 193, então ainda em branco, livrança essa em que o Crédibanco veio a colocar o valor de 1.658.745$00 (8.273,79€), passando a D….. a figurar falsamente como subscritora da livrança.
4. Ao mesmo tempo, o B...... apôs pelo seu próprio punho a assinatura como se fosse da D…… no contrato de concessão de crédito de fls. 203, acabando esta por aí figurar também falsamente como segunda proponente e onde figura como primeiro proponente o C...... mercê de o mesmo ter, pelo seu próprio punho, subscrito esse contrato.
5. Forjou assim o B……., pelo seu próprio punho e nos documentos supra referidos, a assinatura da D….., imitando-a.
6. A tudo isto acresce que o B......, ainda na execução dos desígnios supra referidos, apôs o nome completo do C...... no recibo de remuneração de fls. 192, onde consta que este último auferia na “E…. Portuguesa” a quantia mensal de 115.950$00 (578,36€), o que é falso, uma vez que o C......nunca trabalhou naquela empresa.
7. Depois, com o acordo do C…, o B......, em fim de Junho de 1998, entregou toda a documentação supra ao “Crédibanco”, instituição de crédito, com vista a ser concedido ao C......um crédito de 1.263.579$00 (6.302,71 euros) para aquisição do veículo FX-..-.., “Suzuki Swift 1.3”.
8. Acabando, face à documentação entregue, tal crédito por ser concedido e o dinheiro entregue ao vendedor do automóvel por esta instituição de crédito, vendedor aquele que, a seguir, procedeu à entrega do veículo ao B......, que passou a andar com ele como se fosse sua pertença. No registo automóvel o veículo ficou a constar como pertencendo ao C….. .
9. Depois, nem o C......nem o B...... pagaram mais do que 3 das 48 prestações do contrato de crédito de fls. 203, nem nunca foi sua intenção pagar as 45 prestações em falta, acabando o “Crédibanco” por executar judicialmente a livrança fotocopiada a fls. 193 (que corre os seus termos pela 3a secção do 5a Vara Cível do Porto – processo 315/2000), exigindo o pagamento à D….. e ao C......da quantia de 1.658.745$00 (8.273,79€).
10. Assim, agiram os arguidos de forma livre, consciente e deliberada, de comum acordo, mediante um plano prévio entre si gizado, em comunhão de esforços e divisão de tarefas, sendo o B...... no intuito de fazer constar falsamente dos documentos acima referidos a assinatura da D….. e dando a entender erroneamente aos funcionários do “Crédibanco” de que tinha sido ela quem os havia assinado, que trabalhava para a “E…. Portuguesa” onde auferia um vencimento líquido de 145.540$00 e que, por isso, possuía rendimentos para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de concessão de crédito supra, para, deste modo, fazer com que fosse concedido ao C...... crédito no montante de 1.263.579$00 (6.302,71€) por forma a este adquirir o veículo supra e entregá-lo ao B...... e, desta forma, este último obter para si um benefício patrimonial que sabia ser ilegítimo.
11. Mediante este artifício assim provocado, agiram ambos os arguidos no intuito de, e conseguiram, enganar os ditos funcionários, levando-os a entregarem em seu benefício a quantia de 1.263.579$00 (6.302,71€) e, desta forma, lograram obter um beneficio patrimonial para o B......, correspondente a um prejuízo de igual montante sofrido pelo “Crédibanco”.
12. Os arguidos têm modesta condição social e económica.

O direito
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer das questões ali sucitadas
Como se infere das conclusões do recurso, os pontos de discordância da recorrente têm a ver com o facto de o tribunal recorrido não ter aplicado ou justificado a não aplicação do regime mais favorável dos jovens imputáveis e o facto de os actos praticados pelo arguido C...... não integrarem a prática de um crime de burla, mas tão sómente uma divida de natureza cível
Esta última questão, a proceder, obstaculiza óbviamente o conhecimento da primeira, pelo que dela se conhecerá em primeiro lugar, fixando desde logo, em súmula, os factos dados como provados e que se mantêm inquestionados pelo recorrente.
Assim, o arguido B……. pretendendendo adquirir para si uma viatura sem para tal ter dinheiro e por não conseguir que lhe fosse atribuído crédito, juntamente com o arguido recorrente elaborou um plano com vista a lhe ser concedido crédito sem ter depois de o pagar; na execução desse plano o arguido B...... apôs pelo seu próprio punho a assinatura como se fosse de outra pessoa (da D…..) no recibo de remunerações de fls. 191, onde consta que a mesma auferia na “E….. Portuguesa” a quantia mensal de 145.540 escudos (725,95€), o que era falso, e apôs pelo seu próprio punho a assinatura como se fosse da D….. na livrança fotocopiada a fls. 193, então ainda em branco, livrança essa em que o Crédibanco veio a colocar o valor de 1.658.745$00 (8.273,79€), passando a D….. a figurar falsamente como subscritora da livrança; e apôs pelo seu próprio punho a assinatura como se fosse da D…… no contrato de concessão de crédito de fls. 203, acabando esta por aí figurar também falsamente como segunda proponente e onde figura como primeiro proponente; ora, este arguido C...... subscreveu pelo seu próprio punho aquele contrato de crédito, figurando nele como primeiro outorgante, depois, com o acordo do C…., o B...... entregou toda a documentação supra ao “Crédibanco”, instituição de crédito, com vista a ser concedido ao C...... um crédito de 1.263.579$00 (6.302,71 euros) para aquisição do veículo FX-..-.., “Suzuki Swift 1.3”, pelo que o crédito foi concedido, o carro adquirido e nem o C...... nem o B...... pagaram mais do que 3 das 48 prestações, nem era sua intenção pagar as 45 prestações em falta..
Perante esta factualidade, o tribunal recorrido condenou o arguido C….., pela prática em co-autoria com o arguido B......, de um crime de burla qualificada, p. e p. no art. 218.º-1 do CPenal.
São elementos tipicos do crime de burla previsto pelo 218.º do CPenal/95: (1) a obtenção para o agente ou para terceiro de um enriquecimento ilegitimo--- este definido segundo o conceito de um enriquecimento sem causa, do art. 473.º do CCivil ; (2) que o agente, para obtenção desse enriquecimento, astuciosamente induza em erro ou engano outrém; (3) que, através desses meios, determine o ofendido à prática de actos causadores de prejuizos materiais.
O elemento material tipico consiste na criação ou no aproveitamento do erro (isto é, a falsa ou nenhuma representação da realidade, por dedução falaciosa, por indução sem fundamento, por deficiência da vontade ou da inteligência, etc.) ou do engano ( isto é, a mentira ), realizados através de múltiplas formas --- incluindo a prática de outros crimes--, seja por palavras ou declarações expressas (incluindo códigos gestuais, por actos concludentes ou por omissão: o uso de falso nome, emprego de falsificação de escrito, passagem de moeda falsa, utilização de instrumentos de medição adulterados, a emissão de cheque sem provisão, etc ). Ponto é que esse erro ou engano sejam astuciosamente provocados: que haja habilidade para enganar, subtileza para defraudar, engenho para criar a aparência de uma realidade que não existe ou para falsear a realidade.
Assim, na órbita da conclusão de um contrato, se uma das partes se abstiver de declarar que não se encontra em condições de o cumprir, comete um crime de burla por actos concludentes, uma vez que a celebração de um negócio leva implícita a afirmação de que qualquer dos intervenientes tem a possibilidade de satisfazer as obrigações dele emergentes (Cfr Almeida Costa, Comentário Conimbricence do Código Penal, t. 2, parte especial, p. 302 ss). De resto, se a burla por omissão é criminalmente punível, não se compreenderia que o não fosse a burla em que o agente, como o arguido recorrente no caso dos autos, tem uma ctuação activa na formação do erro por parte da instituição ofendida (cfr. quanto à punibilidade do erro por omissão: Ac STJ, de 24-4-97, BMJ, 466.º - 257; Ac RP, de 5-3-86, BMJ, 355.º-437; Ac RP, de 11-3-88, CJ, ano III, t. 3, p. 246; Maia Gonçalves, C.Penal Anotado, 8.ª ed., 1995, p. 731; Almeida Costa, Comentário Conimbricence do CPenal, II, p. 307). Ora, no caso em apreço o arguido agiu em comunhão de esforços e de propósitos com o outro arguido no sentido de enganarem a instituição de crédito de forma a esta conceder ao recorrente um financiamento para aquisição de uma viatura para o primeiro arguido, sabendo ambos que os documentos instruindo o pedido de crédito haviam sido forjados por ambos e que a sua intenção era não pagarem, como não pagaram as prestações do crédito.
O arguido recorrente, repete-se, agiu sempre em comunhão de esforços com o outro arguido e de acordo com o plano estabelecido. È, pois, co-autor material do crime de burla, pois que, como é sabido, a co-autoria material pressupõe um acordo --- elemento subjectivo ---, « ao menos na forma minima de uma consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização do crime » (Eduardo Correia, Dto Criminal, vol. 2, p. 253 ), a que acresce o elemento objectivo, que se realiza através da execução igualmente conjunta do facto --- cooperação material e causal de forma adequada.
A acção do recorrente no contexto dos factos foi inquestionávelmente, no plano da causalidade, determinativos e condicionantes do comportamento da lesada a conceder o crédito

Quanto à segunda questão, a da aplicação, o regime especial do DLei n.º 402/82, de 23-9 (cujo art.º 4.º prevê a atenuação especial da pena de prisão aos jovens condenados), pretende o recorrente que o tribunal cometeu uma nulidade por não ter fundamentado nem explicado porque razão não aplicou aquele art 4.°, quando o deveria ter feito, pois não estava dispensado de considerar tratando-se de arguido com menos de 21 anos de idade, da pertinência ou inconveniência da aplicação de tal regime, justificando a posição adoptada, ainda que no sentido da sua inaplicação.
È verdade que o acordão recorrido é muito parco em palavras quando se debruça sobre a fixação da medida concreta da pena. Mas diz o bastante para justificar por que razão não encarou a aplicação do regime atrás referido. Disse, a este respeito, com relevo: « ... tanto para um como para outro arguido uma mera pena de multa não é ajustada para sancionar devidamente o ilícito ... é patente que a conduta do B...... foi mais elaborada e extensa do que a do C…., este na altura com escassos 19 anos de idade, além de ter sido o B...... o beneficiário, se não único, pelo menos principal, do enriquecimento ilícito ... ». Depois conclui: «Da atenuação especial da pena não resultam vantagens para a reinserção social do C….., o que se declara nos termos e para os efeitos dos benefícios previstos para os jovens delinquentes no DL 401/82 de 23/9».
Quer dizer, o tribunal, apesar de ter em conta a idade do arguido recorrente, considerou não haver fundamento para a aplicação daquele regime especial, por entender que, dadas as circunstâncias da actuação do recorrente, a eventual atenuação especial da pena não traria vantagens para a sua reinserção social. Isto é o mesmo que dizer, como é inequívoco e claro para qualquer intérprte, que a condenação do arguido numa pena menor não realizaria de forma cabal a própria função da prevenção especial de socialização.
Diga-se, para terminar que bem andou o tribunal ao não fazer a aplicação do referido regime, o qual não é de aplicação obrigatória e automática, podendo o tribunal não aplicar o mesmo, desde que justifique a não aplicação. Mas mais do que isso, e como é jurisprudência corrente, para aquele regime mais favorável ser aplicável é necessário que se tenha estabelecido positivamente que há razões para crer que dessa atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem, sem ser afectada a exigência de prevenção geral, isto é, à garantia de protecção de bens juridicos e, por isso, à validade das normas. Ou, dito de outro modo, como refere o Ac STJ, de28-10-98 (BMJ, 480.º-83) «a prevenção geral positiva não pode ser sacrificada em nome de uma qualquer predominância de prevenção especial de socialização, pois esta, sendo de compreensível justificação, não pode prescindir do limite da pena necessário à garantia da protecção do bem jurídico e, por essa via, à da validade da norma que os prevê e tutela » ( No mesmo sentido: Ac STJ, de 8-4-87, BMJ, 366.º - 450; Ac STJ, de 15-1-97, CJ, Acs STJ, ano V, t. I, 182 e demais arestos do STJ aí citados; Ac STJ, de 12-3-98, BMJ, 475.º - 233; Ac STJ, de 2-6-99, BMJ, 488.º- 175; Ac STJ, de 2-12-93, BMJ, 432.º-183 )
Ora, a ilicitude do crime resulta também do valor do prejuizo (€ (6.302,71), que é considerável (servindo para qualificar o crime agrava ainda a ilicitude); o arguido negou a prática dos factos na sua contestação.
Ora, foi pela mesma razão que considerou não ser de aplicar ao arguido a pena alternativa de multa que o tribunal recorrido afastou a aplicação do regime mais favorável dos jovens delinquentes.
E, de facto, a ameaça da pena de prisão em que foi condenado, independentemente de outros factores favoráveis que se pudessem apurar, mostra-se necessária à função de intimidação e de censura que são conaturais às penas criminais, designadamente à pena de prisão cominada para o crime por que foi condenado que é, como se sabe, tão frequente nos nossos tempos, e que importa dissuadir os autores dos mesmos e aqueles que se sintam atraídos pela sua comissão.
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos:
I- Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida

II- Custas pela recorrente, com 5 Ucs de taxa de justiça.

Porto, 05 de Abril de 2006
Jaime Paulo Tavares Valério
Joaquim Arménio Correia Gomes
Manuel Jorge França Moreira