Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14702/19.4YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: PRESCRIÇÃO
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
ACTOS INCOMPATÍVEIS
PRESUNÇÃO DE CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP2020042814702/19.4YIPRT.P1
Data do Acordão: 04/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O objetivo da prescrição presuntiva é o de proteger o devedor da dificuldade de prova e corresponde em regra a dívidas que se pagam em prazos curtos e sem que ao devedor seja entregue documento de quitação, ou sem que seja corrente conservá-lo.
II - Provado o decurso do prazo, bem como os demais requisitos descritos nos artigos 316º e 317º do Código Civil, presume-se o cumprimento, recaindo sobre o credor o ónus de ilidir essa presunção.
III - A presunção porém, só pode ser ilidida por confissão do próprio devedor, expressa ou tácita, nomeadamente através de “atos incompatíveis com a presunção de cumprimento”, a que se refere o 314º do Código Civil.
IV - A alegação do devedor na contestação, de que procedeu ao pagamento da totalidade da dívida peticionada em ”tranches” ou “prestações” em determinadas datas, sendo umas anteriores ao próprio débito, outras mostrando-se já decorrido o prazo em que a lei presume que o pagamento foi efetuado, tal constitui ato contraditório com a presunção de pagamento a que alude o art. 317.º al. c) CC e, como tal, incompatível com a presunção de cumprimento invocada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 14702/19.4YIPRT.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Ovar

SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:
B…, RL propôs uma injunção contra C… e D… pedindo o pagamento da quantia de €8.425,88, acrescida de juros de mora vencidos (no montante de €736,86) e vincendos, de indemnização por despesas (no montante de €100,00) e das custas.
Os réus foram citados e deduziram oposição, invocando ineptidão do requerimento inicial e alegando que os réus procederam ao pagamento da quantia de capital pedida, tendo já decorrido o prazo de prescrição do crédito da autora, previsto na alínea c) do artigo 317.º do Código Civil.
O procedimento de injunção foi remetido à distribuição, transmutando-se em ação declarativa especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias.
Foi proporcionado o contraditório à autora relativamente à matéria de exceção vertida na oposição, tendo a mesma pugnado pela improcedência das exceções e alegado que o prazo de prescrição se interrompeu.
Foi proferido despacho (Despacho com Ref.ª Citius n.º 107098865), que apreciou e decidiu a exceção de ineptidão da petição inicial, julgando-a improcedente, bem como se pronunciou sobre a exceção de prescrição presuntiva, nos seguintes termos (transcrição do despacho nessa parte):
“Na oposição, os réus vieram arguir a exceção de prescrição presuntiva, prevista na alínea c) do artigo 317.º do Código Civil.
A autora exerceu o contraditório, alegando, em síntese, que não recebeu as quantias que os réus alegam ter pago e que a prescrição se interrompeu por reconhecimento da dívida.
Cumpre apreciar.
Os serviços em causa nos autos (serviços jurídicos, prestados por uma sociedade de advogados) enquadram-se no exercício de uma profissão liberal, para efeitos de aplicação do disposto nesse preceito legal.
O Código Civil, nos artigos 300.º e seguintes, regula a matéria relativa à prescrição. Contudo, sob esta designação genérica, a lei regula duas figuras distintas, com enquadramentos diversos, dois tipos de prescrição: a extintiva e a presuntiva.
Nos termos do artigo 304.º do Código Civil, completada a prescrição, tem o respetivo beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, mesmo assumindo o incumprimento. Estamos então perante a prescrição extintiva, a qual configura uma exceção perentória e determina a absolvição do pedido.
Figura diferente é, no entanto, a prescrição presuntiva, a qual, nos termos do artigo 312.º do Código Civil, se funda na presunção de cumprimento da obrigação cuja satisfação se pretendia. Visa-se deste modo proteger o devedor contra o risco de satisfazer em duplicado uma dívida em relação à qual não é usual exigir ou guardar durante muito tempo o respetivo recibo – cf. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, página 280, em anotação ao artigo 312.º.
No caso concreto, os réus não negaram, na oposição, os factos constitutivos do direito de crédito da autora, invocando sim, por exceção, que a dívida está extinta pelo pagamento, que a lei presume, nos termos previstos na alínea c) do artigo 317.º do Código Civil.
A invocação de prescrição presuntiva pressupõe o reconhecimento de que a dívida ajuizada existiu e a alegação de que a mesma foi paga – o que os réus fizeram, na oposição.
Ou seja, o reconhecimento da dívida pelos réus é pressuposto da prescrição presuntiva que os mesmos invocaram, e não causa de interrupção dessa prescrição (como alega a autora no artigo 32.º da resposta à oposição).
Consequentemente e tendo já decorrido mais de dois anos desde que os serviços foram prestados pela autora e exigido o respetivo pagamento aos réus (cf. os artigos 3.º a 5.º do requerimento inicial), os réus estão em condições de poder beneficiar da prescrição presuntiva prevista na alínea c) do artigo 317.º do Código Civil, presumindo-se o cumprimento.
Vejamos agora que consequências isso traz ao processo.
Nas palavras do Prof. Vaz Serra (Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 109, pág. 246), «as prescrições presuntivas são presunções de pagamento, fundando-se em que as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e não é costume exigir quitação do seu pagamento; decorrido o prazo legal presume, pois, a lei que a dívida está paga, dispensando assim o devedor da prova do pagamento, prova que lhe poderia ser difícil, ou até impossível, por falta de quitação».
Em face destas características, ocorre uma inversão do ónus da prova, porquanto, cabendo geralmente ao devedor fazer a prova do cumprimento (n.º 2 do artigo 342.ºdo Código Civil) passa a caber ao credor provar que foi omitido o pagamento.
Atenta, no entanto, a particular natureza das obrigações em questão, bem como a presunção de pagamento que passa a existir, os meios de prova admissíveis para o efeito são restritos, apenas podendo provir do próprio devedor, através de confissão judicial e extrajudicial, conforme disposto nos artigos 313.º e 314.º do Código Civil – cf., também neste sentido, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 328521/10.0YIPRT.P1, em 06.05.2013, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo n.º 229191/11.0YIPRT.C1, em 10.12.2013 (ambos disponíveis para consulta no sítio de Internet www.dgsi.pt)
Por não ter natureza extintiva, assentando na presunção de cumprimento da obrigação pelo decurso do tempo, a prescrição presuntiva não confere ao devedor a faculdade de recusar a prestação ou de se opor ao exercício do direito, determinando apenas a inversão do ónus da prova nos termos acima referidos.
Face ao exposto, deve o processo prosseguir os seus termos, não obstante ser aplicável o disposto artigo 317.º, alínea c), do Código Civil.”
Veio a ser realizada a audiência de julgamento e, no final foi proferida sentença com a seguinte parte decisória:
“Pelo exposto, julgo a ação improcedente e, consequentemente, absolvo os réus dos pedidos formulados pela autora.
Custas a cargo da autora, nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código Civil.”
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II-OBJETO DOS RECURSOS
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
Referentes ao despacho de 21.05.2019:
-questão prévia: (in)admissibilidade do recurso;
-saber se os recorridos podem ou não beneficiar da presunção decorrente da prescrição presuntiva nos termos do art. 317.º al. c) CC., que invocaram na Oposição.
Referentes á sentença:
- questão prévia : rejeição do recurso;
- saber se deve ou não, ter-se por verificada a exceção de prescrição presuntiva, e se foram praticados em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento e aptos a ilidir a presunção de pagamento do art. 317.º, al. c) do CC.;
- modificabilidade da decisão de facto quanto ao pagamento fundado na presunção de pagamento e eventual alteração da decisão de direito em consequência de tal modificação;
-litigância de má-fé.

III-DA (IN)ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DO DESPACHO DE 21.05.2019:
Os Recorridos vieram defender o entendimento que este recurso deve ser rejeitado, por não se integrar nas hipóteses das alíneas d) e/ou h) do n.º 2 do artigo 644º do C.P.C..
Isto porque dizem, a Recorrente alega que os Recorridos não reuniam condições para beneficiar da presunção de pagamento contida na al. c) do art. 317º do CC e consequentemente não podia a Recorrente ter sofrido uma limitação quanto aos meios de prova a apresentar, pelo que, quer a decisão que conhece da presunção de pagamento contida na al. c) do art. 317º do CC quer a decisão que não admite ou restringe um meio de prova são ambas decisões das quais cabe recurso de apelação autónomo nos termos previstos nas al. d) e h) do n.º 2 do art. 644º do CPC.
Vejamos.
Propondo-se conhecer das exceções dilatória da ineptidão da p.i e da exceção perentória da prescrição invocadas na Oposição, o tribunal proferiu o despacho sob recurso, no qual julgou improcedente a exceção da ineptidão da p.i.
Quanto á exceção da prescrição, após discorrer sobre a natureza da prescrição presuntiva, o Tribunal a quo decidiu o seguinte: “Face ao exposto, deve o processo prosseguir os seus termos, não obstante ser aplicável o disposto artigo 317.º, alínea c), do Código Civil.” (ver despacho supra transcrito).
Ao contrário do que consta no relatório da sentença também aqui sob recurso em que o tribunal afirma no respetivo relatório: “Foi proferido despacho apreciando a exceção de ineptidão da petição inicial (julgando-a improcedente) e a exceção de prescrição presuntiva (julgando-a procedente)”, lido e relido o despacho recorrido não se alcança do mesmo que o tribunal tenha aí julgado procedente a exceção da prescrição presuntiva.
Apesar do Tribunal a quo interpretar o seu próprio despacho no sentido de ter julgado procedente a exceção perentória da prescrição, o certo é que tal não decorre do texto do despacho em causa, sendo certo que, aplicando-se as regras de interpretação quer da lei, quer das declarações negociais (cfr. arts 9º e 238º do C.Civil), não pode valer uma interpretação que não tenha correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso.
E se é verdade é que em nome da segurança jurídica os despachos e as sentenças devem ser claros e compreensíveis para os destinatários, no despacho em apreço, ao invés do tribunal julgar procedente ou improcedente a exceção que se propunha apreciar, limita-se a decidir genericamente o seguinte: “não obstante ser aplicável o disposto artigo 317.º, alínea c), do Código Civil.” No contexto do mesmo, apenas poderá querer dizer isso mesmo, isto é que em face da Oposição á Injunção em que os Réus invocaram a prescrição presuntiva da obrigação, é aplicável a norma em causa.
Esta norma limita-se a estabelecer um prazo curto de prescrição de dois anos para os créditos de serviços prestados pro profissionais liberais.
Só que o tribunal limitou-se a dizer que “é aplicável”, mas não resulta do despacho que tenha efetivamente aplicado a norma em causa, através da subsunção da mesma aos factos alegados pelas partes.
Se o tivesse feito, o tribunal teria de julgar prescrita a obrigação dos Réus, ou, ao contrário, julgar improcedente a prescrição.
Porém, nada disto decorre daquele despacho, que se limita a discorrer de forma genérica e não relacionada com a factualidade concreta em discussão nesta ação, sobre o conceito em geral do instituto da “prescrição presuntiva”, para concluir ser aplicável o art. 317º al b) do C.C., e que a ação deve prosseguir, para julgamento.
Se o despacho não é claro, parece-nos incontornável que, ao mandar prosseguir os autos para julgamento, tendo presente o disposto nos arts. 595º e ss do CPC, tal significa que o tribunal entende que o estado dos autos, não lhe permite conhecer, sem necessidade de mais provas a apreciação do pedido formulado ou de alguma exceção perentória (cfr. al b) do art. 595º do C.P.C. a contrario).
Ao fazê-lo, e porque o tribunal não decide pela procedência ou improcedência da exceção perentória em causa, limitando-se a reconhecer “ser aplicável a disposta no art. 317.º, alínea c), do Código Civil”, o tribunal a quo está apenas a relegar o conhecimento da exceção para momento ulterior, nomeadamente para a sentença.
E tanto é assim, que é mais tarde, na sentença, que o tribunal a quo, vem a aplicar tal norma jurídica, assim como o regime jurídico decorrente ainda do disposto no art. 312º e ss do C.C., quando indica a motivação para a prova do facto 5 –“ Os réus pagaram à autora a quantia referida na dita nota de honorários e despesas”, com fundamento na presunção de cumprimento da obrigação prevista no artigo 312.º e na alínea c) do artigo 317.º do Código Civil.
E depois, na fundamentação da sentença, quando afirma: “Os réus alegaram que pagaram integralmente essa quantia, pelo que nada é devido – matéria que constitui exceção perentória.
E esse pagamento provou-se (cf. o facto provado n.º 5), pois os réus beneficiam da presunção de pagamento prevista no artigo 312.º e na alínea c) do artigo 317.º do Código Civil, e a autora não logrou elidir essa presunção – cf. as considerações tecidas a este propósito em sede de fundamentação de facto.
Consequentemente, deve considerar-se extinto o crédito da autora, pelo pagamento, e julgar-se improcedente o pedido formulado nos autos, quanto à retribuição dos serviços prestados.”
Só findo o julgamento, uma vez produzida a prova, o tribunal procede a uma análise crítica da prova e aplica o regime da norma em causa, aos factos em instrução, julgando provado o pagamento da quantia peticionada nesta ação, com fundamento no regime jurídico que aplica á factualidade em apreço, da presunção de cumprimento da obrigação prevista no artigo 312.º e na alínea c) do artigo 317.º do Código Civil.
Significa isto que o tribunal, no despacho sob recurso em que se limita a afirmar ser aplicável o art. 317º al b) do C.Civil, norma que estabelece um prazo prescricional, sem contudo julgar procedente ou improcedente a exceção perentória invocada na Oposição e manda os autos prosseguirem para julgamento, relegou o conhecimento da exceção para momento ulterior, pelo que estamos perante um despacho irrecorrível, face ao que dispõe o art. 595º nº 4 do C.P.C. que dispõe que “Não cabe recurso da decisão que por falta de elementos, relegue para final a decisão da matéria que lhe cumpra conhecer”.
Pelo exposto não se admite o recurso do despacho.

IV-DO RECURSO DA SENTENÇA
4.1 Questão prévia – (in)admissibilidade
Em primeiro lugar cumpre apreciar a questão prévia suscitada pelos Réus de saber se o recurso deve ou não ser rejeitado por incumprimento do disposto no art. Recorrente não procedeu nos termos do n.º 2 do art. 640º do CPC.
Vejamos.
Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa." (sublinhado nosso).
A “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei nº 113/XII salientou o intuito do legislador de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada ao referir que “para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória – são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede á reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”.
Porém, a possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova reanalisados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo, melhor dizendo, “imponham decisão diversa”.
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do C.P. Civil, sem olvidar porém, o princípio da oralidade e da imediação
Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.
Assim sendo, se a decisão do julgador se mostra devidamente fundamentada, segundo as regras da experiência e da lógica, não pode ser modificada, sob pena de inobservância do princípio da livre convicção.
Quando o recurso incida sobre a matéria de facto, são impostos ao impugnante o ónus discriminados no art. 640º nº 1 do C.P.C,
Sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
No que concerne à prova gravada, rege nestes termos o n.º 2 da citada norma:
«a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes».
Os ónus do n.º 1 do artigo 640º, tal como as exigências do seu n.º 2, constituem manifestação especial do princípio da cooperação para a descoberta da verdade, previsto no artigo 417.º do CPC, devendo ser apreciadas à luz de um critério de rigor, como refere António Sousa Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129. Como refere o autor citado: “Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
No caso em apreço, é verdade que a Apelante, pese embora a extensão das alegações de recurso (122 artigos) e das conclusões (55), não identifica como sendo o “facto 5” do elenco dos factos julgados provados na sentença, o facto por si impugnado, o qual pretende ver ser julgado não provado.
Porém, também é verdade que, lidas as alegações e as conclusões de recurso, não se oferecem dúvidas que o recurso tem por objeto que o tribunal dê como não provado o facto que foi julgado provado dos Recorridos terem pago à Autora a quantia de €8.425,88 prevista na NHD (nota de honorários e despesas) que corresponde ao facto 5 dos factos julgados provados na sentença, e com base em tal alteração do julgamento da matéria de facto, pretende a Apelante ver revogada a sentença com a condenação dos RR a pagarem-lhe tal quantia.
A Apelante pretende a modificabilidade da decisão de facto quanto ao pagamento fundado na presunção de pagamento. Mas resulta ainda das conclusões que a Apelante indica outros meios de prova invocados como fundamento do erro na apreciação das provas, procedendo á transcrição e as passagens da gravação em que se funda o seu recurso que considera relevantes para o efeito
Parece-nos pois inegável que inexiste o fundamento invocado para a rejeição do recurso.
Posto isto cumpre apreciá-lo.
4.2 Da prescrição presuntiva
Como vimos a Apelante impugna a prova do seguinte facto:
“5. Os réus pagaram à autora a quantia referida na dita nota de honorários e despesas.”
Trata-se da nota de honorários e despesas, emitida pela Apelante em 02.12.2016, com o valor total a pagar de €8.425,88.
O Tribunal a quo fundamentou a prova deste facto na seguinte análise crítica dos meios de prova produzidos:
“O facto n.º 5 foi alegado pelos réus na oposição e provou-se pelos seguintes motivos.
Os réus beneficiam da presunção de cumprimento da obrigação prevista no artigo 312.º e na alínea c) do artigo 317.º do Código Civil, uma vez que: (I) não negaram na oposição os factos constitutivos do direito de crédito da autora, invocando, sim, a título de exceção, que a dívida está extinta pelo pagamento, que a lei presume, nos termos previstos nesses preceitos legais; e (II) decorreram mais de dois anos desde que os serviços foram prestados pela autora e exigido o respetivo pagamento aos réus (cf. Os factos provados n.ºs 3 e 4). O tribunal apreciou esta questão no despacho de 21.05.2019, decidindo que os réus estão em condições de poder beneficiar da prescrição presuntiva prevista na alínea c) do artigo 317.º do Código Civil, presumindo-se o cumprimento.(…)”
(…) Sucede que não foi feita qualquer prova de os réus terem confessado extrajudicialmente a omissão do pagamento da quantia peticionada pela autora.
E também não houve confissão judicial, nem nos articulados, nem na audiência de julgamento. Efetivamente, os réus prestaram depoimento de parte na audiência de julgamento, a pedido da autora, e não confessaram a omissão de pagamento da quantia peticionada nos autos a título de capital (cf. ata de fls. 32 a 34) (…)”
Defende a Apelante que houve uma errónea aplicação do Direito, quanto á aplicação in casu do disposto na al. c) do art. 317º e 312º do CC, desde logo porque entende que foram praticados em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento e aptos a ilidir a presunção de pagamento do art. 317.º, al. c) do CC.
Que não pode o Tribunal a quo permitir que os Recorridos beneficiem da presunção com base única e exclusivamente no decurso do prazo prescricional fixado na lei (2 anos) e na invocação da prescrição a seu favor, isto porque, para que a prescrição presuntiva possa operar e produzir os seus efeitos é ainda necessário que o crédito não tenha sido exigido dentro desse lapso de tempo, e não haja factos aptos a ilidir a presunção de pagamento ao abrigo do art. 313.º e 314.º do CC.
Defende a Apelante, que os Recorridos alegaram na Oposição à Injunção o pagamento em prestações, pelo que a alegação em juízo do pagamento em prestações/”tranches” é um ato totalmente contraditório com a presunção de pagamento a que alude o art. 317.º al. c) CC e, como tal, incompatível com a presunção de cumprimento que invocam.
Vejamos se é assim.
No artigo 17.º da Oposição á Injunção apresentada em Juízo pelos ora Apelados, aqueles alegaram o seguinte, ao invocaram a prescrição do crédito peticionado na ação:
“Os requeridos não são devedores de quaisquer quantias à Requerente “B…, RL”, por terem liquidado os serviços prestados em diversas tranches nomeadamente:
-€615,00 em novembro de 2012
-€3.690,00 em abril de 2013;
-€726,03 em janeiro de 2014
-€615 em fevereiro de 2016
-€2.779,85 em 9 de janeiro de 2019.” (sublinhado nosso).
Em causa está o pedido de pagamento da nota de honorários e despesas emitida pela Requerente, ora Apelante em 2 de Dezembro de 2016, no valor de € 8.425,88 euros.
Considerando a data em que foi emitida a Nota de Honorários e Despesas – 2-12-2016 – cujo pagamento foi reclamado nesta ação, e os pagamentos parciais alegados pelos RR, constata-se que os quatro primeiros ocorreram em data anterior ao vencimento da dívida e o quinto e último ocorreu já depois do decurso do prazo de dois anos estabelecido no art. 317º al c) do C.C., que se completou em 2.12.2018.
Nas presunções deve distinguir-se entre o facto base da presunção e o facto presumido. A lei dispensa a parte que beneficia da presunção da prova do facto presumido - n° 1 do artº 350º do C. Civil. Mas não a dispensa da prova do facto que serve de base à presunção.
O facto que serve de base á presunção, é que se mostram decorridos mais de dois anos da emissão da NHD (nota de honorários e despesas).
Ora os RR aqui Apelados lograram provar ter decorrido o prazo estabelecido no aludida norma legal.
Com efeito, considerando que a Injunção deu entrada em Juízo, conforme carimbo aposto em 20 de Março de 2019, não há dúvida que haviam já decorrido os dois anos estabelecidos no art. 317º al c) do C.C. de prescrição para os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissão liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes.
Analisemos agora o facto presumido - o pagamento da NHD- que os Apelados estavam dispensados de provar.
A prescrição estabelecida nesta norma legal cai na previsão do art. 312º do C-C que dispõe que: “As prescrições de que trata a presente subseção fundam-se na presunção de cumprimento”.
Por sua vez, o art. 313º nº 1 do C.Civil dispõe que “A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a divida tiver sido transmitida por sucessão.”
O art. 314º do C.Civil, por último, estabelece que: “Considera-se confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou a praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de pagamento”.
É aqui que reside a questão primordial deste recurso, a de saber se deve ou não, ter-se por verificada a exceção de prescrição presuntiva, para o que haverá desde logo que aferir se a alegação em juízo feita pelos RR na Oposição do pagamento em “prestações”/“tranches” nas datas invocadas constitui ou não um ato contraditório com a presunção de pagamento a que alude o art. 317.º al. c) CC e, como tal, incompatível com a presunção de cumprimento que invocam.
Para tanto há que ter em consideração a finalidade das prescrições presuntivas: As presunções prescritivas “explicam-se pelo facto de as obrigações a que respeitam costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, em via de regra, quitação, ou, pelo menos, não se conservar por muito tempo essa quitação. Decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efetuado” – como refere Almeida Costa, in Direito das Obrigações – 9ª edição –, págs. 1051 e 1052.
Também Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 452 explica de forma clarividente o regime destas prescrições: “Ela (a lei) estabeleceu prazos para a prescrição de créditos do merceeiro, do hoteleiro, do advogado, do procurador, etc., etc., porque se trata de créditos que o credor adquire pelo exercício da sua profissão, da qual vive. Ao fim de um prazo relativamente curto o credor, em regra, exige o seu crédito, pois precisa do seu montante para viver. Por outro lado, o devedor, em regra, paga as suas dívidas dentro de prazo curto, porque são dívidas que ele contraiu para prover às suas necessidades mais urgentes. Mesmo quando o devedor é pessoa de más contas, prefere não pagar outras dívidas e ir pagando estas, até porque de outra maneira, acabaria por não ter quem o servisse. Finalmente, o devedor em regra não cobra recibo destas dívidas, quando paga e se exige recibo não o conserva muito tempo”
As presunções prescritivas, constituindo verdadeiras presunções de cumprimento, produzem a inversão do ónus da prova, ficando, por via das mesmas, o devedor liberto desse encargo, sem embargo de o credor elidir a presunção em causa, provando o não cumprimento.
Simplesmente, o credor só poderá almejar tal objetivo mediante um ato confessório do próprio devedor, como resulta claro do art. 313º do CC.
Essa atitude confessória do devedor pode ser surpreendida não só judicialmente, como também extrajudicialmente.
Em particular interessa-nos aqui a chamada “confissão judicial tácita”, admitida na 2ª parte do art. 314º do CC (prática de atos em juízo incompatíveis com a presunção do cumprimento), importando desde logo atentar na factualidade invocada pelos RR, aquando da invocação da prescrição, nomeadamente para aferir se da mesma resulta a alegação de algum facto incompatível com a presunção de cumprimento.
No caso em apreço, os devedores alegaram o seguinte:
“Os requeridos não são devedores de quaisquer quantias à Requerente “B…, RL”, por terem liquidado os serviços prestados em diversas tranches nomeadamente:
-€615,00 em novembro de 2012
-€3.690,00 em abril de 2013;
-€726,03 em janeiro de 2014
-€615 em fevereiro de 2016
-€2.779,85 em 9 de janeiro de 2019.”
Invocaram o pagamento dos serviços prestados pela Requerente, pagamento efetuada em “diversas tranches”.
E invocam as datas em que tais pagamentos parcelares foram efetuados.
A nosso ver, não é o facto do alegado pagamento ter ocorrido em tranches ou prestações de per se, que poderá implicar um ato contraditório com a presunção de pagamento a que alude o art. 317.º al. c) CC.
O que implica, a nosso ver de forma clara, uma confissão tácita do não pagamento, isto é dum ato incompatível com a presunção do pagamento, é os devedores terem alegado o pagamento de “tranches” anteriores á própria dívida e de uma “tranche” posterior ao decurso do prazo da prescrição.
Como já assinalamos, os primeiros pagamentos parciais alegados têm data anterior á própria dívida, pelo que e desde logo, não podem ser considerados como presunção de pagamento daquela dívida, inexistente naquelas datas. Não pode ter ocorrido pagamento da dívida decorrente da nota de honorário e despesas, pois que esta “nasceu” em momento posterior àqueles pagamentos.
Por outro lado, alegaram os RR terem pago a quantia de €2.779,85 em 9 de janeiro de 2019. Ora a nota de honorários e de despesas foi emitida em 2 de Dezembro de 2016, sendo que a prescrição da dívida ocorreu em 2 de Janeiro 2018, mediante a presunção de cumprimento.
A lei presume, como vimos, que nesse prazo de 2 anos a dívida foi paga, explicando-se tal presunção, pelo facto deste tipo de obrigações, como vimos, costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, em via de regra, quitação, ou, pelo menos, não se conservar por muito tempo essa quitação. Decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efetuado.
São os próprios devedores, aqui Apelados quem, ao dizerem que pagaram a última “tranche” em 9 de janeiro de 2019, reconhecem que o pagamento integral da dívida não ocorreu naqueles dois anos.
J. Sousa Ribeiro in Prescrições Presuntivas: sua compatibilidade com a não impugnação dos factos articulados pelo autor, in Rev.Dir Econ 5ª, 1979, pg 385, citado por Abílio Neto em anotação ao art. 317º in Código Civil Anotado, 14ª ed, elenca os seguintes meios de defesa que não podem ser usados por estarem em absoluto contraste com a presunção de cumprimento: a negação da originária existência do débito; a discussão do seu montante; ou a remissão da sua fixação para o tribunal; a invocação de uma causa de nulidade ou anulabilidade; a contestação da solidariedade da dívida, reivindicando o beneficio da divisão; a alegação de pagamento d importância inferior á reclamada, pretextando que ele corresponde á liquidação integral do débito (o que vale por um reconhecimento tácito d enão ter pago a diferença); a invocação da gratuitidade dos serviços, etc.”
Estas situações vêm sendo, acolhidas na jurisprudência como tal. Vejam-se a título de exemplo os seguintes acórdãos disponíveis in www.dgsi:
No acórdão do STJ 14.10.1999, entendeu-se que “ Para que possa beneficiar da prescrição presuntiva, o réu não deve negar factos constitutivos do direito do autor, tais como: a negação da originária existência do débito, a discussão acerca do seu montante ou a remissão da respetiva fixação para o tribunal, a alegação de pagamento de importância inferior à reclamada sob pretexto de que o mesmo corresponde à liquidação integral do débito (reconhecimento tácito de não ter pago a diferença) e a invocação da gratuitidade dos serviços prestados"
Acórdão do STJ de 8.5.2013 “- Tendo a ré invocado a prescrição do art. 317.º, al. b), do CC, mas vindo depois alegar que o crédito se extinguiu por compensação, está a confessar claramente que não pagou o preço dos serviços prestados pela autora.”
Acórdão do STJ de 10.4. 97 – “A ré, ao negar a existência da dívida na sua contestação, afastou a presunção de cumprimento.”
No caso em apreço, ocorreu na Oposição, um reconhecimento tácito dos RR do facto de, no prazo de prescrição não terem procedido á liquidação integral do débito.
Por um lado, alegam pagamentos anteriores á própria dívida, pelo que não podem ser considerados pagamentos daquela dívida e por outro lado, alegam pagamentos feitos após decorrido o prazo legal, no decurso do qual se presume que o pagamento foi efetuado, significando que naquela data, confessam que a dívida afinal não se encontrava liquidada.
A prescrição presuntiva é um benefício para o devedor que – parte-se do princípio – pagou, pois que apenas o dispensa do ónus que sobre ele impende de provar o pagamento (nº 2 do artigo 342º do Código Civil).
Distinguem-se tais "prescrições presuntivas" das chamadas "prescrições verdadeiras", pois que enquanto nestas, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, naquelas se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado na mesma maneira, não funcionado pois a prescrição mesmo que invocada.
No caso em apreço, a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo foi ilidida por confissão tácita dos devedores, que reconheceram que até 9 de janeiro de 2019, já decorrido o prazo da prescrição, a dívida não se encontrava totalmente liquidada. E alegaram pagamentos que não podem ser considerados de liquidação da dívida sujeita a prescrição, porque anteriores á mesma.
Afastada a presunção legal, impõe-se consequentemente a modificabilidade da decisão de facto quanto ao pagamento fundado na presunção de pagamento da quantia peticionada.
Assim sendo porque a prova do facto 5 dos factos provados assentou unicamente na presunção de cumprimento resultante da prescrição presuntiva, presunção que se mostra afastada nos termos do disposto no art. 314º do C.Civil, por confissão tácita dos Réus, impõe-se a alteração do facto 5 que passa a ser julgado não provado.

V-FUNDAMENTAÇÃO
Mostram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
1. A autora é uma sociedade que se dedica ao exercício de advocacia em sociedade.
2. A autora, no âmbito da sua atividade, prestou serviços jurídicos aos réus, porquanto os patrocinou juridicamente em diversos processos judiciais e não judiciais.
3. Prestados todos os serviços jurídicos e tendo tais processos terminado, a autora emitiu a respetiva nota de honorários e despesas, em 02.12.2016, com o valor total a pagar de €8.425,88.
4. A autora enviou aos réus uma carta com essa nota de honorários e despesas, solicitando o pagamento da quantia aí indicada.
5. (eliminado)
E julgam-se não provados os seguintes factos:
6. A autora gastou €100,00 com a cobrança da dívida em causa nos autos.
7. Os réus pagaram à autora a quantia referida na dita nota de honorários e despesas. (alteração ora efetuada).

VI-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
Em face da alteração da factualidade provada impõe-se uma alteração da decisão de mérito da causa.
Da matéria de facto provada resulta que a autora, no âmbito da sua atividade, prestou serviços jurídicos aos réus, porquanto os patrocinou juridicamente em diversos processos judiciais e não judiciais.
Prestados todos os serviços jurídicos e tendo tais processos terminado, a autora emitiu a respetiva nota de honorários e despesas, em 02.12.2016, com o valor total a pagar de €8.425,88 euros.
Em consequência do contrato de prestação de serviços celebrado, ao qual são aplicáveis as normas dos artigos 1154º do C.C., nomeadamente as aplicáveis ao contrato de mandato (arts. 1157º e ss do C.Civil), resulta a obrigação dos RR aqui Apelados de pagarem á Autora os respetivos honorários e reembolso de despesas (artigos 1157º e 1158º nº 2, do Código Civil).
Com efeito, quanto á remuneração do mandato, a regra básica, quanto aos honorários do mandatário que pratique, por profissão, os atos integrantes do seu mandato é a de que o mandato se presume oneroso e, se não tiver sido ajustada entre as partes a medida da retribuição, esta “é determinada pelas tarifas profissionais”, na falta destas pelos “usos” e, inexistindo aquelas e estes, “por juízos de equidade” - cfr. art.º 1158 nºs 1 e 2 do Código Civil.
No caso em apreço não foi impugnado o montante peticionado constante da NHD (nota de honorários e despesas).
Assim sendo, porque não há dúvida que, do contrato celebrado, e em contrapartida dos serviços prestados pela autora, resultou para os Réus a obrigação de pagamento da retribuição devida e a reembolsarem as despesas efetuadas, estão os RR aqui apelados obrigados a pagar o valor reclamado.
Ao não pagar a retribuição pelos serviços prestados, incumpriram os RR o contrato celebrado.
Estamos assim, perante uma situação objetiva de não realização da prestação debitória e de insatisfação do interesse do credor.
A lei concede a este a faculdade de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação, se esta depois de vencida não for voluntariamente cumprida (art.817º do C.C.).
Tem pois, pelo exposto, a autora, o direito de exigir dos RR, o pagamento do valor reclamado na nota de honorários e despesas que emitiram.
Tornaram-se ainda os RR/Apelados responsáveis pelo prejuízo causado á Autora/Apelante com a mora no cumprimento daquela obrigação, nos termos do disposto nos arts. 798º e 804º e ss. do C.C., encontrando-se pois obrigados a pagar os juros moratórios peticionados.
Daí que a ação tenha de ser julgada procedente.

VII.DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Requereu ainda a Apelante a “averiguação oficiosa” deste Tribunal da Relação, quanto à forma como as partes litigaram, com condenação dos Apelados em multa e indemnização condigna, a quantificar nos termos do n.º 2 do artigo 543.º do CPC, e que expressamente se pede, ao abrigo do disposto no artigo 542.º, n.º 1 do CPC.
Na sua atuação no processo estão as partes vinculadas aos deveres de probidade e cooperação, agir de boa-fé e cooperar para se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio (arts.7º e 8º do C.P.C.). Se a parte, com propósito malicioso pretende convencer o tribunal de um facto ou pretensão que sabe não ser legítima, distorcendo ou omitindo a verdade dos factos, fizer do processo um uso reprovável ou deduz oposição cuja falta de fundamento não pode ignorar, atua de má fé e, por essa razão, pode e deve ser sancionada em multa e indemnização à parte contrária, no caso desta a pedir, nos termos do que dispõe os artigos 542º e ss do C.P.C.
No caso em apreço, afigura-se-nos que não ocorre litigância de má-fé. Com efeito, a Autora veio reclamar a retribuição devida pelos serviços que prestou aos seus clientes, tendo deixado decorrer o prazo prescricional legalmente fixado. Esta situação por si só é, a nosso ver, justificativa da oposição apresentada pelos RR na ação, invocando a prescrição estabelecida na lei a seu favor, não se mostrando por isso abusiva, a oposição apresentada, não obstante não terem os RR logrado demonstrar poderem beneficiar da mesma. Tal não pode deixar de ser considerado o exercício normal dum direito que a lei lhes concede, pelo que improcede a condenação dos RR como litigantes de má-fé.

VIII-DECISÃO
Pelo exposto em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em:
- Não admitir o recurso do despacho com a ref.ª Citius n.º 107098865.
-Julgar procedente o recurso da sentença, revogando-se a mesma e condenando-se em consequência os Apelados a pagaram á Requerente a quantia de €8.425,88 acrescida dos juros peticionados até integral pagamento.
-Julgar improcedente o pedido de condenação dos RR como litigantes de má-fé.
Custas do primeiro recurso pela Apelante.
Custas no demais pelos Apelados.

Porto, 28 de Abril de 2020
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
Maria Eiró